A Estética

Na Antiguidade e na Idade Média

Ricardo da COSTA

In: PESSOA, Fernando; COSTA, Ricardo da.
Estética. Vitória: UFES, 2017, p. 8-43
(ISBN  978-85-5458-006-3).

A investigação Estética – que defino como o estudo da beleza perceptível ou a percepção do Belo na Natureza e na Arte – pode ser dividida, grosso modo, em dois momentos:

1) a consideração do Belo na filosofia tradicional (no mundo clássico, greco-romano, e no Ocidente Medieval), Estética (αἰσθητική) da percepção das essências integrada à Ética e à Lógica (Belo = Bem = Verdade), e

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O nascimento de Vênus (detalhe), de Botticelli (1445-1510). Têmpera sobre tela, Le Gallerie degli Uffizi, Florença.

2) nos períodos moderno e contemporâneo (sécs. XV-XX), a Filosofia do Belo propriamente dita, do Sublime até, por fim, a estética como ausência da beleza e a coisificação (ou coisidade, diria Heidegger)1 da obra de arte – o termo Estética como Ciência Filosófica do Belo, agregada ao Estudo da Essência da Arte e de suas relações com a Beleza e os demais valores, foi criado pelo filósofo Alexander Baumgarten (1714-1762).2

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Keane Big Eyes, de Margareth Keane (1927-2022). Site.

Seguirei esse recorte binário, esquemático, nesse texto sobre a Estética na História da Filosofia clássica e medieval.3

I. A Estética clássica: a Arte e o Belo

É preciso voltar o olhar uma vez mais para o passado. Pois todo olhar que retorna à profundidade histórica de nosso presente aprofunda a consciência de nosso horizonte conceitual hoje já sedimentado em nós.4

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Doríforo (lanceiro) de Policleto (c.450-440 a. C.). Cópia em mármore de um original grego em bronze. 2,12 m, Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. “O contraposto está muito mais acentuado e a diferenciação entre as metades direita e esquerda do corpo pode ver-se em cada músculo. A rotação da cabeça, a precisão dos pormenores anatômicos e as harmoniosas proporções da figura deram fama ao Doríforo como encarnação do ideal clássico do corpo masculino. Passou a ser conhecido como o canon absoluto” (o grifo é meu).5

Como uma obra de arte sempre está intelectivamente presente, isto é, permanece suspensa de modo potencial em nosso estar-no-mundo, há e sempre haverá nela uma conceitualização.6 Por isso, para que uma história da estética se faça atual, é necessário que sua definição principie por seu próprio tempo, isto é, pelo que seus expoentes filosóficos conceituaram a respeito quando se debruçaram sobre o tema, direta ou indiretamente. Só assim poderemos proceder ao levantamento do mundo, ao desdobrar da vastidão que a obra de arte possibilita.7

Desde cedo, a Arte (τέχνη) e o Belo (κάλλος) estiveram próximos. Mas o que era Arte para a filosofia grega? Platão (c.428-348 a. C.) não diferenciou a Arte da Ciência: o raciocínio era uma arte (Fédon, 90b)8 e a Filosofia, isto é, a Dialética, também, e a mais bela arte de todas: “Acaso algures pode existir algo de belo que, fora da dialéctica, seja passível de aquisição por meio de uma técnica?” (Fedro, 266d).9

Com exceção da Dialética, do pensamento, a Arte, como a Pintura e a Poesia, imitavam o já existente. Não criavam. Eram, portanto, para Platão, artes de ilusão, afastadas da verdade, meras imitadoras da imagem da virtude (A República, X, 600b-601a).10 Por isso, os artistas deveriam ser vigiados e só imitar os vestígios do Belo e do perfeito, para que as pessoas fossem desde cedo educadas para serem bons cidadãos e amantes das virtudes.

Há uma passagem muito famosa em A República que quase coloca o filósofo como um pensador estranho à Arte:

...devemos vigiar os outros artistas e impedi-los de introduzir na sua obra o vício, a licença, a baixeza, o indecoro, quer na pintura de seres vivos, quer nos edifícios, quer em outra obra de arte (...). Devemos procurar aqueles dentre os artistas cuja boa natureza habilitou a seguir os vestígios da natureza do belo e do perfeito, a fim de que os jovens, tal como os habitantes de um lugar saudável, tirem proveito de tudo, de onde quer que algo lhes impressione os olhos ou os ouvidos, procedente de obras belas, como uma brisa salutar de regiões sadias, que logo desde a infância, insensivelmente, os tenha levado a imitar, a apreciar e a estar em harmonia com a razão formosa (...) aquele que foi educado nela (...) honraria as coisas belas e, acolhendo-as jubilosamente na sua alma, com elas se alimentaria e tornar-se-ia um homem belo e bom, ao passo que as coisas feias, com razão as censuraria e odiaria desde a infância (A República, II, 401b-402a) (os grifos são meus).11

Em contrapartida, o Estado ideal platônico nunca seria verdadeiramente feliz se o modelo divino no qual deveria se pautar não tivesse sido delineado pelos pintores:

[Os pintores] Pegarão no Estado e nos caracteres dos homens, como se fosse uma tábua de pintura (...) torná-la-ão limpa, coisa que não é muito fácil (...) aperfeiçoando seu trabalho, olharão frequentemente para a essência da justiça, da beleza, da temperança e virtudes congêneres, e para a representação que delas estão a fazer nos seres humanos, compondo e misturando as cores, segundo as profissões, para obter uma forma humana divina, baseando-se naquilo que Homero, quando o encontrou nos homens, apelidou de divino e semelhante aos deuses (A República, II, 501a-b) (os grifos são meus).12

Os artistas, portanto, deveriam ser instrumentos transmissores do ideal da cidade, da República. Por sua vez, ao discorrer sobre o prazer como matéria da oratória judicial, Aristóteles (384-322 a. C.) tratou das coisas que são agradáveis, e também classificou as imitações como agradáveis – desde que boas:

E, como aprender e admirar é agradável, necessário é também que o sejam as coisas que possuem estas qualidades; por exemplo, as imitações, como as da pintura, da escultura, da poesia, e em geral todas as boas imitações, mesmo que o original não seja em si mesmo agradável; pois não é o objeto retratado que causa prazer, mas o raciocínio de que ambos são idênticos, de sorte que o resultado é que aprendemos alguma coisa (Retórica, Livro I, 11, 1371b).13

Em contrapartida, o Belo não coincidia com a noção de objeto estético (o que só aconteceria, de fato, no século XVIII, a partir de Baumgarten) e, por isso, não fazia parte do âmbito da Poética. O Belo era a manifestação do Bem, a coisa mais digna de ser amada, só passível de admiração aos “neo-iniciados”, isto é, aqueles que por muito tempo haviam contemplado as realidades de outrora (Fedro, 250e-251a).14

A Kalokagathia (καλοκαγαθία, nobreza) – a Beleza associada ao Bem – ganhou uma longa história no pensamento platônico (e, posteriormente, na filosofia medieval).15 Além do próprio Fedro (citado acima), a linha genética dos textos sobre o tema é essa: Górgias (476d-477a), Banquete (209e-212a), República (III, 386a-403c; VI, 504e-505b; VII 527a-c), Timeu (86b-90d) e Filebo (64d-66d).

Aristóteles deu um passo adiante: definiu o Belo como algo ordenado – o conceito de Ordem era caro aos antigos, especialmente a ideia de ordem serial (o antes e o depois)16:

O belo – ser vivente ou o que quer que se componha de partes – não só deve ter essas partes ordenadas, mas também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e, portanto, um organismo vivente pequeníssimo não poderia ser belo (pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível); e também não seria belo o grandíssimo (porque faltaria a visão de conjunto, escapando à vista dos espectadores, a unidade e a totalidade; imagine-se, por exemplo, um animal de dez mil estádios...). Pelo que, tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza, e esta bem perceptível como um todo, assim também os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória (Poética, VII, 44, 1450b-1451a) (os grifos são meus).17

A partir de então, no universo do Belo estava integrada a definição de Ordem – mais tarde, Santo Agostinho (354-430) se valeria do mesmo âmbito de pensamento, na obra Sobre a Ordem (De Ordine, de 386) para torná-lo uma estrutura do mundo: tudo o que existe está contido na ordem.18

Aristóteles ainda foi quem definiu a arte como imitação da Natureza (Física, II, 2, 194a), e embora tenha restringido o conceito de Arte, retirando-o da esfera da ciência (da Lógica)19, sua distinção não foi adotada pelos filósofos posteriores.

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As Três Graças (cópia romana de um original grego do séc. II a. C.). Mármore, 123 x 100 cm, Metropolitan Museum of New York. Aglaia (Esplendor), Eufrosina (Alegria) e Thalia (Abundância). Elas conferiam o que era considerado mais prazeroso e benéfico, na Natureza e na Sociedade humana: a fertilidade e o crescimento, a beleza nas Artes, a reciprocidade e a harmonia entre os homens. Eram servas de Afrodite. Esta composição logo se tornou a fórmula canônica para representar as Graças.

II. O mundo romano e Estética estoica

O Estoicismo (sécs. III a. C. - II d. C.), filosofia muito influente no mundo romano e no pensamento cristão posterior, novamente ampliou o conceito de Arte. Cícero (106-43 a. C.), um verdadeiro vaso transmissor da filosofia grega para o mundo latino, mesclou as definições platônicas e aristotélicas e uniu o Belo ao mundo da Ética: o belo, além de uma composição das partes do corpo, era também, e sobretudo, a firmeza de caráter derivada da virtude:

As qualidades principais são, no corpo, a beleza, a força, a saúde, a energia, a velocidade, e na mente, as correspondentes a estas.

Assim como no corpo se verifica o que chamamos ‘beleza’ [quando a] uma certa disposição adequada dos membros se junta uma cor agradável [da pele], assim também se dá o nome de ‘beleza da alma’ [ao equilíbrio] entre, por um lado a constância e a coerência e, por outro, uma certa firmeza e estabilidade nas opiniões e nos juízos, que, ou decorrem da virtude, ou contém em si a essência mesma da virtude (os grifos são meus).20

Em que pese o fato de existir uma beleza física, corporal, corpórea, a verdadeira beleza, para Cícero, se encontra no espírito. É ele a fonte de inspiração de todas as belezas que os artistas representam.

Penso que não existem parte alguma algo de tão belo cujo original de que foi copiado não seja ainda mais belo, como é o caso de um rosto em relação a seu retrato; mas não podemos apreender esse novo objeto nem pela visão, nem pela audição, ou qualquer dos outros sentidos. Pelo contrário, é apenas em espírito e em pensamento que o conhecemos.

Por isso podemos imaginar esculturas mais belas que as do próprio Fídias que, no seu gênero, são o que há de mais perfeito (...) podemos imaginar pinturas mais belas; e, quando esse artista trabalhava na criação de seu Zeus e de sua Atena, ele não considerava um homem qualquer, isto é, realmente existente, que teria podido imitar, mas em seu espírito é que residia a representação sublime da beleza; é ela que ele olhava, é nela que mergulhava, e tomando-a por modelo, diria sua arte. Assim como o domínio das artes plásticas propõe algo de perfeito e de sublime, de que existe uma forma puramente pensada, e como a esta forma estão ligados, pela reprodução que deles nos oferece a arte, os objetos inacessíveis como tais à percepção sensível – ou seja, os seres divinos que devemos representar – assim também é em espírito apenas que contemplamos a forma da perfeita eloquência e é somente sua cópia que buscamos captar auditivamente (Brutus, II, 7) (os grifos são meus).

No entanto, os estoicos mantiveram a perspectiva metafísica do Belo defendida por Platão e Aristóteles. Sêneca (4 a. C. - 65 d. C.), em uma de suas epístolas (Carta 65), ao explicar ao seu discípulo Lucílio os dois princípios dos quais o universo deriva (a causa e a matéria) e sua procura filosófica da causa primeira, afirma, com todas as letras, que toda a arte é imitação da natureza, e que a mais digna atividade do filósofo é sua contemplação, quando então dirige suas meditações para as alturas.21

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Busto de Marco Aurélio (c.161-169). Mármore, 86 cm, Metropolitan Museum of New York (emprestado pelo Louvre) “Comece o dia dizendo para si mesmo: 'Hoje encontrarei um indiscreto, um ingrato, um insolente, um embusteiro, um invejoso, um insociável'. É que estes desgraçados não conhecem os verdadeiros bens e os verdadeiros males. Mas eu, que aprendi que o verdadeiro bem consiste no que é honesto e que o verdadeiro mal está no que é vergonhoso, eu, que conheço a natureza de quem comete a falta, que sei que é meu irmão, não de sangue e de carne, mas por compartilhar a mesma participação no mesmo espírito emanado por Deus, não posso me considerar ofendido por eles. Ninguém pode despojar minha alma da honradez; é impossível que me enfastie com um irmão ou o odeie. Ambos fomos feitos para obrar de comum acordo, como dois pés, duas mãos, duas pálpebras, duas fileiras de dentes. Esforçar-nos-íamos contra a natureza sendo inimigos, ou manifestando desgosto e aversão com esses indivíduos.” – Meditações (Τὰ εἰς ἑαυτόν), Livro II.

Por isso, o Belo é a própria fruição intelectual do filósofo, fruição racional que não está dissociado dela. Esse é o verdadeiro bem da Filosofia, a causa da felicidade do pensador, o que proporciona a conquista da Sabedoria:

Peço-te, Lucílio amigo, age da única maneira possível para obteres a felicidade: repele e despreza aqueles bens que só brilham por fora, que dependem das promessas de fulano ou das benesses de cicrano. Faz do verdadeiro bem o teu alvo, busca a alegria dentro de ti. Que significa ‘dentro de ti’? Significa que a felicidade se origina em ti mesmo, na melhor parte de ti mesmo (...) Se queres saber em que consiste e donde provém o verdadeiro bem, vou dizer-to: consiste na boa consciência, nos propósitos honestos, nas acções justas, no desprezo pelos bens fortuitos, no ritmo tranquilo e constante de uma vida que trilha um único caminho. (...) Raros são os homens que conseguem ordenar reflectivamente a sua vida. Os outros, à maneira de destroços arrastados por um rio, em vez de caminharem deixam-se levar à deriva.22

A Beleza consiste, portanto, na aquisição da Sabedoria que, por sua vez, é a instalação da ordem na vida, a paz interna, a felicidade do mundo espiritual autônomo e independente do agir no mundo.

III. A Estética neoplatônica e a espiritualização do Belo

Essa ênfase estoica na filosofia moral não era novidade no Ocidente. Fazia parte da tradição socrático-platônica considerar os temas filosóficos sob o prisma metafísico do Bem, da Verdade e do Belo.23 Essa tendência foi acentuada pelo Neoplatonismo (sécs. III-VI). Plotino (c.205-270), filósofo grego, talvez o mais proeminente pensador entre os neoplatônicos, dedicou um capítulo de suas Enéadas (ννεάδες) ao Belo. Ele dirige-se à visão, embora haja, de fato, uma beleza para a audição (pois a melodia e o ritmo são belos). Beleza é a simetria das partes e suas cores. Mas as mentes que se elevam para além dos sentidos encontram uma beleza superior, a beleza da conduta de uma vida correta – em atos, em caráteres, em virtudes. E tudo o que é relacionado à alma é belo.

Ademais, a justiça e a temperança são mais belas que a aurora e o crepúsculo, mas só podem ser apreciadas por aqueles que veem com os olhos da alma. Esses conseguem experimentar um deleite, uma alegria, um assombro: estão a contemplar o verdadeiro reino da Beleza. Lá encontra-se a alma honesta, a que é justa, nobre, digna, calma, pura de costumes (isto é, recatada, modesta), serena, impassível. Essa alma, purificada, torna-se uma forma e uma razão. Essa beleza da alma é a existência real, a verdadeira realidade. O resto, corpóreo, não é real, mas um mundo de sombras, traços, imagens irreais.24

O mundo material das belezas corporais parece relegado mais decisivamente a ser imagem, traço, sombra, espectro da verdadeira beleza. Por isso, o homem deve habituar sua alma à contemplação das belas ocupações, das belas obras, e especialmente das almas daqueles que realizam essas belas obras. A beleza atrelada ao bem (ordem moral) é também um imperativo. Por isso, o símbolo maior da feiúra é a alma dissoluta e injusta, cheia de concupiscências e desequilíbrios – alma covarde, mesquinha, invejosa, infectada pelo deleite dos prazeres impuros das paixões corporais (Enéadas, I, 5).

Com Plotino já está esboçada a tríade que marcará profundamente todo o pensamento medieval: Unum, Verum, Bonum. A beleza decorre da consideração desses transcendentais.25 Tais esferas de valor estavam integradas, completavam-se e não podiam separar-se. Por fim, para contemplar retamente a beleza – das criaturas e da natureza – haveria uma única exigência por parte da mente contemplativa, muito mais tarde belamente definida por Dante Alighieri (1265-1321): um olhar claro e uma mente pura (“con occhio chiaro e con affetto puro”, Paraíso, Canto VI, 87).26

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Plotino (Licópolis, c.203-270). Busto romano em mármore (c.350-370). Museu de Óstia, Itália. J. Paul Getty Museum, EUA. Foto: Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images (public domain).

IV. Santo Agostinho (350-430)

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São Jerônimo (c.342-420), Santo Agostinho (354-430) e São Gregório Magno (c.540-604), pintura (detalhe) no Díptico de Boécio. Marfim, séc. V. J. Paul Getty Museum, EUA. Foto: Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images (public domain).

O filósofo romano que mais influenciou o pensamento estético posterior foi Santo Agostinho (354-430). Por viver no final do Império Romano, ele assumiu os princípios estéticos antigos. Sua filosofia é, de certo modo, o coroamento da estética clássica. Seus conceitos sobre o tema estão espalhados em várias obras suas. A origem da beleza está na bondade do Criador, e isso pode ser atestado pela bela ordem das coisas na natureza e a beleza das proporções do Universo, que foi feito com peso, número e medida (A Cidade de Deus, Livro XII, cap. XXII).27

A beleza do mundo é impulso e motivo para se chegar à beleza de Deus:

Resta-me falar da voluptuosidade destes olhos da minha carne (...) Os olhos amam a beleza e a variedade das formas, o brilho e a amenidade das cores. Oxalá que tais atractivos não me acorrentassem a alma! Oxalá que ela só fosse possuída por aquele Deus que criou estas coisas tão belas! O meu bem é Ele, e não as criaturas que todos os dias me importunam acordado, não me dando descanso, como o dão as vozes dos cantores que por vezes ficam todas em silêncio.

A própria rainha das cores, esta luz que se derrama por tudo o que vemos e por todos os lugares em que me encontro no decorrer do dia, investe contra mim de mil maneiras e acaricia-me, até mesmo quando me ocupo noutra coisa que dela me abstrai. Insinua-se com tal veemência que, se de repente me for arrebatada, procuro-a com vivo desejo. Se se ausenta por muito tempo, a minha alma cobre-se de tristeza (...)

A outra luz corporal a que me referia, ameniza a vida aos cegos amantes do século, com atraente e pérfida doçura. Contudo, os que nela sabem achar motivos para Vos louvar, ó Deus, Criador de todas as coisas, assumem-na como um hino em vosso louvor, sem por ele serem engolidos no seu sono. É assim que eu quero ser. Resisto às seduções dos olhos para que os pés, com que começo a andar no Vosso caminho, me não fiquem presos. Levanto até Vós, por isso, os olhos invisíveis, a fim de que me livreis os pés, do laço da tentação (...)

Que multidão inumerável de encantos não acrescentaram os homens às seduções da vista, com a variedade das artes, com as indústrias dos vestidos, calçados, vasos, com outros fabricos desta espécie, com pinturas e esculturas variadas, com que ultrapassam o uso necessário moderado e a piedosa representação dos objetos (...)

Eu, ó meu Deus e minha glória, até aqui tiro razões para Vos cantar um hino, oferecendo um sacrifício de louvor ao meu Sacrificador, porque as belezas que passam da alma para aos mãos do artista, procedem daquela Beleza que está acima das nossas almas e pela qual a minha alma suspira de dia e de noite (Confissões X, 34).28

Agostinho tem reminiscências pitagóricas. O número é belo – concepção tipicamente pitagórica:

Repara no céu, na terra, no mar e em tudo quanto brilha lá no alto, ou rasteja no solo, no que voa nos ares ou nada nas águas. Tudo tem formas porque tem números. Retira-lhas e nada serão. De onde retiram, portanto, a existência, a não ser Daquele a quem devem o número? E assim é, dado que, para eles, ser é o mesmo que possuir número (Diálogo sobre o Livre-arbítrio, Livro II, XVI, 42).29

O número, a proporção, as formas; a beleza é a razoável congruência das partes. Tudo isso é percebido pela razão, juiz do Belo que disciplina os olhos e confere suavidade ao olhar.

Deleito-me com a máxima igualdade que não percebo com os olhos do corpo, mas com os da mente, com os quais julgo que são tanto melhores as coisas que percebo com os olhos quanto mais se avizinham de sua natureza, que intelijo com a alma (Da verdadeira religião, XXXI, 57).

Nesse domínio da visão, ao percorrer com os olhos os céus e a terra, agrada contemplar a formosura do mundo; na formosura, as figuras; nas figuras, as dimensões, e, por fim, nas dimensões, os números. Tudo isso é como uma escala para o mundo do pensamento e da intuição interior, universo mental íntimo onde se encontra o fulgor da verdade (Da Ordem, Livro II, cap. XV, 42).30

O corpo recebeu, a partir da filosofia cristã, uma valorização desconhecida da tradição grega – Platão havia-o considerado uma prisão (Fédon, 68a).31 Em contrapartida, em Agostinho, a beleza do corpo está na harmonia de suas partes, harmonia associada a uma certa suavidade da cor (A Cidade de Deus, Livro XXII, cap. XIX).32 A percepção da beleza principia com os corpos belos:

Caminhava para o abismo e dizia a meus amigos: "amamos nós alguma coisa que não seja o belo? Que é o belo? Que é o belo, por conseguinte? Que é a beleza? Que é que nos atrai e afeiçoa aos objectos que amamos? Se não houvesse neles certo ornatoe formosura não nos atrairiam".

Eu notara e via que nos mesmos corpos se devia distinguir a beleza proveniente da união de suas partes – o todo – e a resultante da sua apta acomodação a alguma coisa, como por exemplo, a parte dum corpo ao seu todo, ou o calçado ao pé, e outras semelhantes. Essas considerações borbulhavam no meu espírito desde o fundo do coração. Escrevi, por isso, os tratados "De pulchro et apto", creio que em dois ou três livros. Vós o sabeis, meu Deus. Eu já me esqueci. Já os não possuo. Desapareceram-me, não sei como (Confissões IV, 13).33

Mas, naturalmente, acima da beleza do corpo está a da alma, ou melhor, do corpo e da alma que, juntos, integrados, íntegros, ressuscitarão:

Na ressurreição da carne para a eternidade, a estatura dos corpos terá as proporções que tinham atingido ou que deveriam atingir na juventude, graças à razão causal ínsita no corpo de cada um, mas salvaguardada nas medidas de todos os membros uma harmoniosa beleza.

Se, para conservar essa beleza, tem que ser tirada qualquer coisa a qualquer excrescência indecorosa aparecida em qualquer parte do corpo para a repartir pelo todo, de maneira que este excedente não seja perdido e o equilíbrio de todas as partes assegurado – não é absurdo crermos que este excedente possa também acrescer à estatura do corpo, pois que assim seria redistribuído sobre todas as partes, para que sejam belas, o que, concentrado demasiadamente numa só, com certeza não ficaria bem (A Cidade de Deus, Livro XXII, cap. XX).34

Portanto, Agostinho fazia uma distinção entre beleza sensível e beleza inteligível, além de ressaltar a beleza do mundo. Ademais, a beleza era, sobretudo, medida, proporção, unidade, conveniência, moderação e ordem, tudo condensado no clássico trinômio agostiniano que a posteridade abraçou: modus, species et ordo (moderação, forma e ordem). A Beleza era um bem divino.

Por fim, o filósofo cristão destacou a Beleza através de seu oposto: a feiúra. Existem coisas belas porque há outras não tão belas, ainda que tudo sejam bens – superiores e inferiores:

Entre esses bens, há alguns de ordem inferior que são denominados com nomes contrários, ao serem comparados com os que são de ordem superior. Assim, em comparação com a forma humana, que tem maior beleza, a beleza do macaco é dita disforme; e isso basta para que os ignorantes se equivoquem e julguem que aquela é um bem, e esta um mal, sem atentar para o modo próprio e conveniente ao corpo do macaco, nem para a proporção de seus membros, nem para a simetria das suas partes, nem para o cuidado da sua conservação, nem para outras coisas que seria demasiado longo enumerar (A Natureza do Bem, cap. XIV).35

Há, portanto, no pensamento de Agostinho, uma gradação das coisas no mundo. Coisas pouquíssimo belas, coisas menos belas, coisas belas, coisas belíssimas e, por fim, a Beleza.

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Cenas da vida de Santo Agostinho de Hipona (c. 1490), do mestre de Santo Agostinho. Bruges, óleo, ouro e prata sobre madeira, 152,1 x 163,8 x 7 cm, 44,5 kg. Metropolitan Museum of Art. Esta pintura era o painel central de um tríptico dedicado a Santo Agostinho (354-430), celebrado teólogo cristão chamado de Doutor da Igreja. A composição é dividida em cinco cenas: 1) no centro, Santo Agostinho é consagrado bispo de Hipona (cidade romana na atual Argélia); 2) no canto superior esquerdo, é ordenado sacerdote; 3) no canto inferior esquerdo, Agostinho prega, enquanto sua mãe, Mônica, reza o terço (oração estabelecida no final da Idade Média); 4) no canto superior direito, Agostinho conversa com um menino que afirma que preencher um buraco na areia com o mar é mais fácil que explicar a Trindade, e 5) no canto inferior direito, Agostinho prega.

V. A Estética nos primeiros séculos do Cristianismo

Com a queda (e violenta transformação) do Império Romano do Ocidente com as invasões bárbaras, a Educação ficou restrita à Igreja Católica, única instituição que sobreviveu naquele processo histórico. Além disso, o amor ao saber e ao conhecimento ajudou aqueles homens religiosos a preservar da destruição praticamente todo o manancial literário, histórico e filosófico da Antiguidade.

Nesses séculos de transição – IV ao IX (isto é, até o desabrochar do Renascimento carolíngio, o primeiro dos renascimentos a ocorrer na Europa) – alguns pensadores foram os vasos comunicantes entre o mundo antigo e medieval, escritores e filósofos que transmitiram um pouco da cultura clássica à Idade Média. Dois deles foram fundamentais: Boécio (c.480-524) e Isidoro de Sevilha (c.560-634).

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A Filosofia apresenta as sete Artes Liberais a Boécio (c.1460-1470). Iluminura atribuída ao Mestre Coëtivy (fl. 1450-1485). Paris, têmpera colorida, folha de ouro e tinta dourada em pergaminho, 6 x 17 cm, J. Paul Getty Museum, EUA. Foto: Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images (public domain).

Boécio defendeu o conceito de Beleza como proporção das partes. Quanto mais simples a relação entre as partes, mais belo é o objeto. A forma das coisas produz efeitos estéticos. No entanto, o filósofo afirmou que a admiração que as pessoas sentem pela beleza é um sintoma da debilidade dos sentidos: caso nossa percepção fosse mais perfeita, não seríamos tão fascinados como somos pela beleza de “coisas vis”:

8. Contemplai a extensão do céu, a sua estabilidade e célere movimento, e de uma vez por todas deixai de admirar as coisas vis. E o céu não é mais admirável, em boa verdade, do que a ordem com que é governado.

9. Como é arrebatadora a magnificência de sua beleza, como é veloz e mais fugaz do que a mutabilidade das flores primaveris!

10. E se, como diz Aristóteles, os homens usassem dos olhos de Linceu36, de tal modo que sua visão atravessasse os obstáculos, não é verdade que o famoso corpo de Alcibíades37, de extraordinária beleza à superfície, ao verem-se no interior as entranhas, se apresentaria como feiíssimo? Por conseguinte, aquilo que te faz parecer belo não é a tua natureza, mas as limitações dos olhos que te contemplam.

11. Mas sobrestimai quanto quiserdes os bens do corpo, desde que saibais que tudo aquilo que admirais pode ser destruído pelo fogo de uma febre de três dias.

12. De tudo isto, o que se pode concluir de essencial é que estas coisas não são capazes de proporcionar os bens que prometem nem se encontram na perfeita reunião de todos os bens; não são caminhos que conduzam à felicidade, nem por si mesmas tornam os homens felizes (Consolação da Filosofia, Livro III, Prosa 8, 8-12).38

Belo, portanto, é o que é estável, o que dura, o que permanece. Belo é o Cosmos, mundo criado por Deus, sua imutabilidade, serenidade, estabilidade. A beleza oriunda da contemplação do universo é, para Boécio – aconselhado pela própria Filosofia (quem faz o discurso acima) – a verdadeira felicidade.

Por sua vez, Isidoro de Sevilha escreveu uma obra que posteriormente seria a referência enciclopédica de consulta dos letrados medievais: as Etimologias (c.627-630). Há nela uma concisa definição do que é a Beleza: “Belo é o que é de Vênus (Venustus), de sangue. Como o verde das plantas (Viridis), cheio de força e de seiva, como se tivesse enorme energia” (X, 277).39

Mas sobretudo é a Arquitetura que merece o maior espaço para o que é belo:

A construção dos edifícios tem três momentos: a planificação (dispositivo), a construção e o embelezamento (...) O embelezamento é tudo o que é incorporado ao edifício para sua ornamentação e decoração, como os tetos adornados com ouro, os revestimentos de mármore e as pinturas coloridas (XIX, 9 e 11).40

A passagem da obra de Isidoro mostra dois conceitos que serão fundamentais e que terão longa vida na História da Estética: a ornamentação e a decoração.41

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Iluminura com os bispos Bráulio de Zaragoza (c.590-651) e Isidoro de Sevilha (c.560-636). Mestre do Codex 167 (Isidori libri originum), iluminura (séc. X, public domain).

Mas é em outra obra (Livro das Diferenças) que Isidoro de Sevilha especifica as definições de seu âmbito estético:

Entre conveniente e útil, conveniente se refere ao que é temporal e útil ao que é eterno.

(...)

Entre disforme e torpe, disforme se refere ao que é corporal, e torpe ao que é espiritual.

Entre agradável, belo e formoso, agradável se refere ao movimento do corpo, belo à beleza e formoso à natureza ou à formosura.

Entre disforme e feio, disforme é o que carece de forma e feio o que está além da forma.

Entre virtude e decoro, virtude se refere ao espírito e decoro à beleza do corpo.

(...)

Entre figura e forma, figura pertence à arte e forma à natureza.

Entre sentido e entendimento, sentido se refere à natureza e entendimento à arte (Differentiae, P. L. 83, c. 1-59).

É visível a preocupação do bispo de Sevilha em delimitar conceitualmente os termos estéticos relacionados ao sensível e ao inteligível. Em outra passagem, a conveniência é outro conceito destacado em sua estética:

A harmonia de todos os membros reside na beleza e na conveniência. É belo o que é belo por si, como um homem, que tem alma e todos os membros. Por sua vez, a conveniência é como o vestido e a comida. Portanto, diz-se que um homem é belo em si porque ele não é necessário para o vestido e para a comida, mas elas é que são necessárias ao homem.

Por sua vez, elas são convenientes, porque, ainda que não sejam belas por si mesmas ou em si mesmas, como o homem, estão ordenadas a outro fim, isto é, estão acomodadas para o homem, mas não necessárias para si mesmas (Differentiae, P. L. 83, c. 551).

Como se pode perceber, os pensadores dos primeiros séculos do Cristianismo, no Ocidente, formaram uma terminologia estética polissêmica, ainda que fortemente baseada na tradição greco-romana. A transmissão dos conceitos clássicos por parte de Boécio e de Isidoro de Sevilha fez com que, tão logo amainasse a onda das invasões bárbaras e o Ocidente tivesse um período (mesmo que breve) de estabilidade política com Carlos Magno (742-814), houvesse novamente um desabrochar intelectual.

VI. A Estética no Renascimento Carolíngio

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Mosaicos do teto da Catedral de Aachen (consagrada em 805 d. C.). “Carlos Magno encomendou ao arquiteto Odo de Metz (742-814) a construção de um palácio e uma capela em Aachen, Alemanha. A capela foi consagrada em 805 e é conhecida como Capela Palatina. Este espaço serviu como sede de seu poder e ainda abriga seu trono hoje. A Capela Palatina é octogonal, com uma cúpula, e lembra a forma de San Vitale em Ravenna, Itália (concluída em 548), mas foi construída com abóbadas de berço e de aresta, métodos tardo-romanos de construção. A capela é provavelmente o melhor exemplo sobrevivente da arquitetura carolíngia e certamente influenciou o projeto de capelas de palácios europeus posteriores.”42

Por ter os olhos voltados para o mundo greco-romano, esse impulso literário-filosófico dos séculos VIII-IX ficou conhecido como Renascimento Carolíngio (sécs. VIII-IX). O imperador Carlos Magno reuniu em sua corte (em Aachen) professores, especialmente gramáticos, com o apoio da Igreja Católica, para lecionar. Por sua parte, a Igreja, através de sua rede de mosteiros espalhada pela Europa, preservou, com o trabalho de seus copistas, os documentos antigos da destruição (do tempo, das vicissitudes): a maior parte dos manuscritos antigos, dos textos clássicos, é justamente desse período.

Por isso, os temas estéticos desse período versaram sobre as ideias clássicas – como a ordem e a verdade, por exemplo – mas sob uma nova perspectiva, claramente religiosa (os antigos diriam transcendental). Os documentos oficiais redigidos a partir da corte carolíngia demonstram uma clara preocupação com a função da imagem.

Por sua beleza, a arte deveria ser orientada, dirigida para o além, para a fé (ideia de fundo platônico, como já vimos):

A imagem da Santa Mãe de Deus deve ser adorada, mas como podemos saber que é Sua imagem? Quais indícios a distingue das outras imagens? Porque não existe diferença entre elas, exceto a experiência do artista, dos que executam a obra e a qualidade do material (Libri carolini VI, 21, P.L. 98, c. 1229).

A noção de ordem passava, por isso, a restringir as expressões artísticas, a determinar o estritamente necessário:

Compreendo o provérbio filosófico “Nada a mais” do seguinte modo: só deve haver o necessário, tanto nos costumes quanto na linguagem. E por que? Deve ser necessariamente assim em qualquer situação, porque o que se distancia da medida incorre no vício (Albini de rethorica, 43, 2).

Quem profere (acima) essa nova forma de se pensar o Belo é Alcuíno de York (c.735-804), professor da corte e do próprio imperador, vindo, a seu pedido, das Ilhas Britânicas para lecionar na escola imperial. Essa reminiscência da tradição clássica deve ser especialmente pensada nesse novo contexto: a outra tradição, bárbara, goda (visigoda, ostrogoda) apreciava as formas abstratas, o simbolismo das linhas entrelaçadas, e servia de adorno aos poderosos. Aspirava ao fausto – exatamente o contrário da arte clássica, do pensamento grego. A opção imperial carolíngia pelo Renascimento, pelo ato de se voltar para a tradição greco-romana que a Igreja preservava, determinou a maneira como os pósteros pensaram a Estética.

Por exemplo, a ordem residia na própria natureza das coisas. A arte tinha regras imutáveis. Bastava ao artista, ao artesão, contemplá-las, observá-las, reproduzi-las (antiga noção estética agora repetida sob os auspícios da Igreja). “As artes têm regras imutáveis e que não foram estabelecidas pelo homem, mas descobertas graças à habilidade dos inteligentes” (De cleric. institut., 17), disse Rábano Mauro (c.776-856), monge impulsionador da cultura (especialmente as ciências e as artes) na abadia beneditina de Fulda43 – por sua vez, centro irradiador das Letras por toda a Germania – e autor de uma importante obra medieval, filosófica/enciclopédica, De rerum natura (Da natureza das coisas), título que alude à tradição atomista grega e, especialmente, à Lucrécio (99-55 a. C.).44

O Renascimento carolíngio dedicou várias obras – e extratos de documentos oficiais (atas, decretos) – à Estética. Em sua atitude estética, reconheciam eles a sedução do olhar, a verdade da beleza das coisas sensíveis, mas destacavam a superioridade da verdade da beleza eterna. Um dos suportes do Belo que mais recebeu atenção dos carolíngios foi a Música, como podemos perceber nesse extrato do I Sínodo de Aachen (817):

CXXXVII, Sobre os cantores, 5.

Os cantores devem aplicar-se, com o maior cuidado, em não macular com estridências o dom que receberam de Deus, mas adorná-lo com humildade, castidade, sobriedade e todos os demais ornamentos das santas virtudes, para que, assim, sua melodia eleve o espírito do povo que os escuta rumo à recordação e ao amor celestial, não só pela sublimidade das palavras, mas também pela doçura dos sons emitidos. É necessário que o cantor, como mostra a tradição dos Santos Padres, seja brilhante e ilustre, em sua voz e em sua arte, de modo que o deleite de sua doçura incite as almas da audiência.45

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O papa Gregório Magno (c.540-604) dita seu canto gregoriano para seu discípulo e amigo Pedro, o Diácono (Johannes Hymonides, †antes de 885, biógrafo do papa), com a pomba do Espírito Santo a lhe inspirar (em seu ouvido direito). Iluminura de um Antifonário do Mosteiro de Saint-Gall, séc. XI (Cod. Sang. 390, p. 13).

Os carolíngios ainda tentaram precisar o papel da Arte – já percebiam que a Pintura e a Arquitetura, especialmente, deslumbravam os espíritos. Por isso, em seus escritos, debateram o papel da Arte, sua capacidade de mostrar a verdade (ou não), seus limites, sua inferioridade em relação aos bons costumes e à escrita e, especialmente, o simbolismo da beleza e a necessidade que o povo tinha da pintura.

Nesse último aspecto, o papel do papa Gregório Magno (c.540-604) foi fundamental para criar no Ocidente o costume da Arte, o hábito da Arte, pois sublinhou a função pedagógica das imagens para a educação:

26. Aliud est enim picturam adorare, aliud picturae historiam, quid sid adorandum addiscere. Nam quod legentibus scriptura, hoc idiotis praestat pictura cernentibus, quia in ipso ignorantes vidente, quod sequi debeant; in ipsa legunt, qui litteras nesciunt; unde praecipue gentibus pro lectione pictura est. Et si quis imagines facere voluerit, minime prohibe, adorare vero imagines omnimodis devita.

26a. Pictura in ecclesiis adhibetur ut hi, qui litteras nesciunt, saltem in parietibus videndo legant, quae legere in codicibus non valente.

26. Uma coisa é adorar a pintura, outra é aprender sua história para que seja adorada. A pintura representa para os idiotas que a contemplam o mesmo que a escrita para os que sabem ler, já que os ignorantes que não conhecem as letras veem nela aquilo que devem fazer. Por isso, a pintura é para as gentes, essencialmente, uma espécie de lição. E se alguém deseja criar imagens, não se deve proibir, mas evitar a todo o custo que se adore essas imagens.

26a. A pintura é exposta nas igrejas para os que desconhecem as letras pelo menos leiam, com a vista nas paredes, o que não podem ler nos livros.46

O período incorporou essa postura face às imagens, como podemos perceber nessa passagem do século XII do erudito Honório de Autun (1080-1154):

31. Ob tres autem causas fit pictura: primo quia est laicorum literatura; secundo, ut domus tali decore ornetur; tertio, ut priorum vita in memoriam revocetur.

31. Há três razões para se pintar: primeiro, é a literatura dos laicos; segundo, para adornar a casa com sua ornamentação; terceiro, para trazer à memória a vida dos antepassados.47

O final do primeiro período medieval assistiu, portanto, a uma transformação crucial na perspectiva estética: a partir de então, e cada vez mais, a arte, o sentimento estético e o ideal de beleza passariam a ter um componente pedagógico que faria com que a civilização colocasse as imagens em um patamar antes desconhecido.

A estética cristã considerou a harmonia das partes, a beleza do ritmo e a emanação bela: o mundo era belo (Pankalía – πανκαλία) e sua beleza se aproximava da Arte, pois ambas eram criações conscientes e feitas para cumprir uma finalidade.48

Ainda que a filosofia medieval também, em contrapartida, tenha herdado certa desconfiança em relação à Arte (graças às afirmações de Platão, como vimos), a maior parte dos filósofos, especialmente a partir do Renascimento carolíngio, foi partidário dela e, consequentemente, da Beleza como referência estética. No entanto, também criam que ela só poderia ser percebida por aqueles que tivessem um sentido inato do ritmo e uma atitude inteiramente desinteressada, sem inveja (como afirmou João Escoto Erígena [c.815-877]).49

VII. As estéticas da Baixa Idade Média (sécs. XI-XIV)

As especulações filosóficas voltaram a desabrochar após as últimas grandes invasões, que terminaram no início do século XI. Com elas, as sociedades medievais voltaram a crescer, a agricultura foi desenvolvida, as escolas se propagaram (a ponto de, no final do século XII, surgirem as primeiras universidades), houve um notável crescimento demográfico (a população quase triplicou em dois séculos) e, no depoimento de um cronista, foi como se o mundo tivesse sido coberto por um manto branco, tantas foram as construções de igrejas, de mosteiros e de catedrais. Tudo com arte (não só a Arquitetura, mas a Pintura – afrescos, especialmente – e a Escultura).

Alguns comentadores chegaram a afirmar que a Arte foi a verdadeira glória do período feudal, pois nela a sociedade medieval encontrou sua mais plena expressão, e para ela convergiram e se manifestaram todas as suas aspirações. Acrescento: além da Arte, a criação das universidades, pois o mundo antigo não conheceu essa instituição que perdura até hoje.

VII.1. Cluniacenses versus cistercienses

Com o lento porém persistente desabrochar da educação formal, escolar, a especulação estética ganhou renovado fôlego. Inicialmente foram os mosteiros os impulsionadores das artes. Por exemplo, os monges cistercienses fizeram severas críticas à opulência e ao fausto do luxo artístico dos monges cluniacences, talvez o principal debate intelectual do século XII. Defenderam os cistercienses a beleza da medida adequada:

Dois são os adornos da alma: a humildade e a inocência. Duas coisas são sua beleza: a claridade e a caridade (Tomás de Citeaux, Comentário ao Cântico dos Cânticos).

A beleza também reside nos seres materiais, e deriva da disposição adequada de suas partes, quando uma parte adequada se une à outra e assim produz uma só forma bela a partir de sua união adequada (Gilberto Foliot, Exposição no Cântico dos Cânticos, I) (os grifos são meus).

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Etienne Harding, abade de Cister, como monge segadorMoralia in Job de Cîteaux (c.1111), folio 75v, Biblioteca Municipal de Dijon, França. J. Paul Getty Museum, EUA. Foto: Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images (public domain). Trata-se de uma cópia iluminada da obra Moralia in Job (séc. VI), do papa Gregório Magno (c.540-604) feita no mosteiro de Cister (Borgonha). É um dos manuscritos iluminados medievais mais conhecidos da Idade Média. Suas imagens apresentam uma autonomia em relação ao texto, no que já foi chamado de “internalização artística dos princípios teológicos” (exatamente o que o papa defendia: que o leitor [religioso, evidentemente] se tornasse aquilo que lesse). Essa gradativa “liberdade” imagética permitiu aos iluminadores, gradualmente, se expressarem de modo mais “autônomo”. De qualquer modo, a cena representa o modo de vida austero e simples dos monges cistercienses (oposto ao dos cluniacenses).50

Os cluniacences defendiam abertamente a estética da suntuosidade como representação da beleza eterna. Há uma conhecida passagem de um tratado do abade Suger (c.1085-1151) de Cluny, em que ele defende – metafisicamente – a contemplação do luxo para ascensão espiritual do material ao imaterial:

Assim, por puro amor à Mãe Igreja, contemplamos esses diferentes ornamentos novos e antigos, e vemos a admirável cruz de Santo Elói, joia incomparável, que o povo chama “Crina”, posta acima do altar de ouro. Então digo, suspirando do mais profundo do coração: “Toda pedra preciosa é Teu ornamento, o sárdonix, o topázio, o jade, o crisólito, o ônix e o berilo, a safira, o carbúnculo e a esmeralda.51 Para aqueles que reconhecem as propriedades das pedras preciosas, salta à vista, para grande assombro, que, da lista mencionada, só nos falta o carbúnculo, mas as outras abundam copiosamente.

Então, quando por causa da dileção ao decoro52 da casa de Deus, o agradável aspecto das pedras preciosas de múltiplas cores me distancia, pelo prazer que produzem, de minhas próprias preocupações, e quando a honesta meditação me convida a refletir sobre a diversidade das santas virtudes, trasladando-me das coisas materiais para as imateriais, creio residir em uma estranha região do orbe celeste, que não chega a estar inteiramente na superfície da terra nem na pureza do céu, e creio poder, pela graça de Deus, trasladar-me de um lugar inferior para outro superior, de um modo anagógico.

Suger, Das obras realizadas durante sua administração, XXXIII, 26-14 (os grifos são meus).53

A base filosófica do abade cluniacense para essa estética da suntuosidade foram os textos do Pseudo-Dionísio Areopagita (séc. V).54

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Capitel de Cluny III: os quatro primeiros tons do cantochão. Mármore, séc. XII. Os capitéis da abadia de Cluny III (ampliação da igreja abacial do séc. X) dão uma leve noção da suntuosidade do modo de vida e da estética cluniacense.

Mas tal suntuosidade do comportamento estético não era unânime. Bernardo de Claraval (1090-1153), cisterciense, foi um feroz opositor dessa magnificência na arte. Acusou a opulência do mosteiro de Cluny. Os fiéis deveriam retornar a seu momento primeiro, à vida pobre, como Cristo. Como os Apóstolos. Especialmente os monges, por estarem na dianteira do mundo, próximos do Além. A vida apostólica deveria novamente ser o modelo a ser seguido. A rica arte cluniacense que Bernardo denunciou e que lhe fez lembrar o “antigo rito dos judeus” era o resultado do enriquecimento do mundo (o século XII presenciou um notável avanço material em todos os âmbitos sociais).

Qual a causa desse pecado? Para ele, a avareza. E criticou:

Com os bens dos pobres serve-se aos olhares dos ricos. Os curiosos encontram com que deleitar-se e os miseráveis não encontram com que sustentar-se (...) Muitas vezes cospe-se na figura dum anjo, muitas vezes ferem a face dos santos os calcanhares dos transeuntes (...) Porque decoras o que logo sujas? Porque pintas o que se deve calcar? Que valem aí essas bonitas imagens, onde tão frequentemente se enchem de pó? Por último, que vale isso para os pobres, para os monges, para a gente espiritual? (XII.28)55

Ao acusar a monstruosidade artística cluniacense, Bernardo mostrou o quanto o mosteiro de Cluny era suntuosamente decorado:

De resto, nos claustros, diante dos irmãos a fazer leituras, que faz aquela ridícula monstruosidade, aquela disforme beleza e bela disformidade? Para quê estão lá aqueles imundos macacos? Para quê os leões ferozes? Para quê os centauros monstruosos? Para quê os semi-homens? Para quê os tigres às manchas? Para quê os soldados a combater? Para quê os caçadores a tocar trombetas?

Vês uma cabeça com muitos corpos e um corpo com muitas cabeças. Daqui vê-se um quadrúpede com cauda de serpente, dali um peixe com cabeça de quadrúpede. Ali uma besta tem frente de cavalo e de cabra a parte de trás; acolá um animal cornudo tem traseiro de cavalo. Tão grande e tão admirável aparece por toda a parte a variedade das formas que mais apetece ler nos mármores que nos códices, gastar todo o dia a admirar estas coisas que a meditar na lei de Deus. Meu Deus! Se a gente não se envergonha destas frivolidades, porque não tem pejo das despesas?56

Para Bernardo, banalidade da arte. Os olhos se perdem nas imagens, que passam para o primeiro plano. O mundo cluniacense é um carnaval animalesco, um bestiário que passava em cada parede, em cada escultura, em cada pintura. Os artistas de Cluny deram asas à imaginação e representaram o mundo visível e o invisível para o deleite dos monges: monstros, centauros, sátiros, faunos, dragões, sagitários, macacos (simiae). Até macacos!57 Como poderia estar presente na arte de um claustro? Por isso Bernardo os chamou de imundos. Essa arte era sensual, um prazer perverso. Por isso não deveria ser chamada de estética.58 Como ver beleza e sublimação nisso? Onde estavam as virtudes morais que deveriam estar associadas às percepções estéticas?

Mas não façamos uma leitura rasa desse famoso debate medieval a respeito da estética monástica. A mística de Bernardo de Claraval não negava a beleza dos ornamentos. Umberto Eco (1932-2016) já nos mostrou que, justamente por reconhecer seu atrativo irresistível é que os místicos a combateram.59 A descrição de Bernardo da arte cluniacense é tão real que mostra seu paradoxo: ele via sutileza em coisas que não queria ver.60

Talvez devamos moderar um pouco o juízo de Umberto Eco. Bernardo aparenta ser contraditório: quando conclui sua Apologia e lamenta não conseguir escrever sobre esse tema de outra forma a não ser o escândalo, diz que, ao repreender os irmãos para que se corrijam, não está fazendo detração, mas atração.61 Belo jogo de palavras típico de sua rica retórica, cheia de hábeis contraposições, bem ao melhor estilo da época.62 O problema – que Bernardo bem sabia – é que, ao lamentar os vícios, se ofende os viciosos. Paciência (máxima virtude medieval)!63

VII.2. A Estética do Amor e da Poesia

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Herr Engelhardt von AdelnburgGroße Heidelberger Liederhandschrift (Codex Manesse). Cod. Pal. germ. 848, Bl. 181v (c.1305-1340), Pergaminho, 35 x 25 cm.

A estética medieval presenciou o nascimento do amor cortês, nova e refinada forma de relacionamento social entre os sexos, com particular atenção e delicadeza para com o feminino. A mulher passou, gradativamente, ao centro das preocupações poéticas – especificidade estética, estetização da vida, refinamento dos sentimentos.64

Uma das primeiras manifestações estéticas sobre o tema desabrocha com o poeta Guilherme da Aquitânia (1071-1127), primeiro a ornar o amor cortês – tanto platônica quanto carnalmente65 – na lírica profana.

Traduzimos, pela primeira vez para o português, alguns de seus poemas, escritos em provençal antigo. Sua estética poética oscilou entre a vulgaridade mais escandalosa (um satírico ménage à trois66 ou uma ode à vagina feminina!67 e os mais refinados e líricos poemas.68

A poética medieval foi incluída no rol das artes como disciplina autônoma. Mateo de Vendôme (1100-1185) definiu a poesia como a ciência de metrificar um discurso grave e ilustre, variante da definição grega de Possidônio (c.135-51 a. C.). Esperava-se, além da obrigatória elegância (entendida como a qualidade da forma e do conteúdo), moderação e conveniência entre as palavras. Também dignidade.69

VII.3. A Estética dos sons: a Música

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Os corpos insepultos das duas testemunhas e o regozijo do povo. Iluminura do Apocalipse de Dyson Perrins (Londres, c.1255-1260). Pergaminho, 31,9 x 22,5 cm (página inteira), têmpera em cores em folha de ouro. The J. Paul Getty Museum, Ms. Ludwig III 1, folio 17v (foto: Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images, public domain). A vida medieval era marcada pela Música: na iluminura, o povo dança, canta e toca instrumentos musicais porque as testemunhas que os atormentavam estão mortas. A seus pés, os corpos jazem no chão, insepultos e ignorados. Duas torres laterais sugerem que a cena acontece em uma cidade (como diz o texto sagrado, “...que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde o nosso Senhor também foi crucificado” (Ap 11, 8). Com a mão esquerda na face (tradicional gesto de luto), São João observa, na margem esquerda do folio.

A Idade Média, esteticamente, não foi apenas uma civilização das imagens, mas também – e sobretudo – uma civilização da audição, dos sons, do ouvir – enquanto que os gregos privilegiaram a visão (para Aristóteles, de todos, o sentido mais estimado).70 Já no século VI, o papa Gregório Magno percebera que o futuro de sua Igreja passava pela criação de um universo sonoro (quando então estimulou a reorganização de sua escola de cantores e determinou a compilação de obras musicais – movimento institucional que seria posteriormente denominado de canto gregoriano). A partir de então, cada vez mais, a música seria entendida, sentida, apreendida como parte do mundo da emoção, como uma arte: a arte dos sons, expressão do mais genuíno sentimento humano: a fé.

Essa nova perspectiva estética, mais ampla e aberta às sonoridades do mundo, além de fundar as bases da cultura musical europeia, atingiu em cheio as considerações dos filósofos do século XII. A música passou a ser considerada uma propriedade universal das coisas (por isso passou a fazer parte da Filosofia e, consequentemente, da Estética). A base fundamental foi a tese, de base pitagórica, que a essência da música eram a proporção e o número.

Além disso, as bases platônica (especialmente o Timeu que, aliás, tinha uma escola dedicada à sua leitura e estudo71) e boeciana proporcionavam a interpretação que as proporções musicais eram racionalmente encontradas no mundo real. Como a música estava em tudo, pelo menos desde o século IX os filósofos a dividiam em três partes: 1) a música do Universo, 2) a música no homem e 3) a música das obras humanas:

Sabe-se da existência de três tipos de música: a primeira, a mundana, a segunda, a humana, e a terceira, a de alguns instrumentos.

A música mundana se reconhece principalmente nos elementos que se observam no céu ou na terra, na variedade dos princípios e na sucessão das estações (...) Ainda que esse som não chegue aos nossos ouvidos, no entanto o percebemos porque a harmonia do ritmo está no céu.

A música humana é muito rica no microcosmo, isto é, no pequeno mundo que os filósofos denominam “homem” (...) O que é que funde a incorpórea força vital da razão com o corpo a não ser a harmonia e o tempo, que produz uma espécie de consonância, como a das vozes graves e suaves? Ademais, o que é que une as partes do homem, a alma e o corpo?

O terceiro tipo de música é aquele que se produz com instrumentos, com órgãos, cítaras, liras e muitos outros.

Aureliano de Reôme, Musica disciplina III, 8 (os grifos são meus).72

A música do universo, música da natureza, música do mundo (musica mundana) era considerada fonte da música artística. Inaudível para o homem, era a música das esferas, harmonia do cosmos, música intelectual percebida pelos matemáticos – e, por isso, pelos filósofos.

A música humana era estudada no âmbito do que hoje chamaríamos de Psicologia – a alma e suas afecções – o que de harmonia existia no homem, microcosmo do macrocosmo, do mundo. Também estavam incluídos nesse segundo tipo de música os efeitos que os sons musicais exerciam nos estados do homem, como afirmou o monge e regente italiano Guido d’Arezzo (992-1050):

Não me admira que os ouvidos se deleitem na variedade de sons, pois, do mesmo modo, a vista desfruta a variedade das cores, o olfato se excita com a variedade dos odores e a língua goza a diversidade dos sabores. A doçura dos sons, que proporciona esse deleite, suave, maravilhosamente penetra, como se fosse por uma janela, no mais recôndito do coração.

Guido d’Arezzo. Micrologus, 14.73

E, no alvorecer da modernidade, na definição de Adam de Fulda (c.1445-1505):

A música é dividida em duas partes: a natural e a artificial. A natural é a mundana e a humana. A mundana é a ressonância dos corpos supracelestiais pelo movimento das esferas, onde se crê que exista a maior concórdia. Deste tipo se ocupam os matemáticos. A humana se manifesta no corpo e na alma, no espírito e na compleição dos membros, pois o homem vive enquanto dura a harmonia e morre quando essa proporção é rompida. Deste tipo se ocupam os médicos (physici). A artificial está nas mãos dos músicos. Pode ser instrumental ou vocal.

Adam de Fulda, Musica, III, 333.74

VII.4. As estéticas românica e gótica

O Românico foi o resultado de duas vertentes estéticas: de um lado, os desdobramentos da arte antiga, com o apreço pelas proporções simples e formas geométricas puras, e, de outro, o desenvolvimento das especificidades locais (a multifacetação cultural oriunda do encontro de diversas culturas em, pelo menos, três ondas de invasões/migrações, do século V ao X). Esses particularismos apreciavam, cada um a seu modo e com intensidades distintas, a inserção de elementos simbólicos, de tradições pagãs, na tradição romana herdada pela Igreja, além do gosto pela luz, pela diversidade de formas e a mescla de cores primárias (azul, vermelho e amarelo) – aliás, um dos motivos de ojeriza dos renascentistas pela estética medieval!

Essa nova estética, espontaneamente nascida desse lento processo de fusão de influências, foi, de fato, o primeiro estilo internacional na História, de caráter pan-europeu. Teófilo Presbítero (c.1070-1125) escreveu vários tratados sobre arte (considerados pelos especialistas como predecessores da moderna história da arte). Em um deles está impressa essa internacionalização da arte:

Ali encontrarás o que a Grécia tem, nas diversas tintas de cores e em suas mesclas; o que a Toscana conhece no trabalho do âmbar ou na variedade do negro; o que a Arábia matiza nos moldes, na fundição ou no cinzelado; o que a Itália adorna na diversidade de vasos e nas esculturas de pedra e de marfim; o que a França escolhe na faustosa variedade de janelas; o que a engenhosa Germânia louva na finura do ouro, da prata, do cobre e do ferro, da madeira e da pedra.

Teófilo Presbítero, Schedula diversarum artium, I, praef.75

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Reconstituição computadorizada da abside da Igreja de São Clemente de Tahüll (c.1123). Afresco, 620 x 360 x 180 cm, Tahüll, Catalunha (1123). Trata-se de uma das obras-primas do românico europeu. Sua genialidade reside na combinação de elementos de diferentes visões bíblicas (Apocalipse, Isaías, Ezequiel) para apresentar o Cristo do Juízo Final. Ele surge a partir do fundo e provoca um movimento centrífugo compositivo no qual domina o sentido ornamental dos perfis e a habilidade no uso da cor para criar volumes. Por sua excepcionalidade e força pictórica, a obra do Mestre de Tahüll projetou-se para a modernidade e fascinou artistas de vanguarda do século XX como Pablo Picasso (1881-1973) e Francis Picabia (1879-1953).

Por sua vez, a estética gótica, continuação, aprofundamento, mas também ruptura da românica, criou uma nova concepção do conceito do Belo, notadamente a partir de várias inovações técnicas (especialmente no campo da Arquitetura) – além de ser, de certa forma, uma expressão estética-arquitetônica da filosofia escolástica (pelo menos para o caso específico francês).76

O apreço pela estética da luz, já presente desde os tratados do Pseudo-Dionísio Areopagita, como vimos, foi intensificado, porém associado a um realismo naturalista antes quase que inteiramente submerso no simbolismo. Por isso, em um certo sentido, o realismo medieval foi ainda mais radical que o antigo, pois representou não só corpos reais em suas esculturas, mas também a vida real espiritual neles expressa. O conceito estético antigo de beleza era puramente físico, e o dos cristãos primitivos (até a Alta Idade Média), puramente psíquico. Agora, a nova concepção estética gótica concebeu o Belo como psicofísico.

Quais eram seus critérios estéticos? Magnitude e claridade, suntuosidade e capacidade de expressar sentimentos (especialmente os considerados mais nobres, como a compaixão). Sua terminologia era muito diversificada. Desde o esplendor e o brilho até a elegância, passando pelo ornamento, pelo decoro, a utilidade, a necessidade, o prazer (fruição), o refinamento, a decência, a formosura, a proporção e a ornamentação.77

De modo geral, os textos neste período que aludem à estética foram escritos por religiosos que denunciam a expansão do luxo, a superfluidade da arte e seus efeitos (negativos) no espírito dos homens. Por isso, metodologicamente, como no caso do debate entre Bernardo de Claraval e Suger de Saint-Denis, os textos devem ser lidos inversamente (como sugeriu Umberto Eco), ou seja, como uma manifestação inversa da sensibilidade medieval em relação à estética.

Por exemplo,

Que os ornamentos do oratório sejam os necessários, não os supérfluos; que sejam simples, não luxuosos. Assim, que não haja nele nada de ouro nem de prata, exceto um cálice de prata (ou vários, caso necessário). Que não haja nenhum ornamento de seda, exceto as estolas ou túnicas. Que não haja nele nenhuma imagem esculpida.78

Pedro Abelardo. Epístola VIII a Heloísa, 14.

Ou

Já que a curiosidade e a superfluidade se opõem claramente à pobreza, ordenamos que se evite, o mais severamente possível, a afetação nas pinturas, nos desenhos, nas janelas, nas colunas, etc., e todos e quaisquer os excessos na longitude, na largura e na altura, conforme a condição do lugar (...) Que nunca mais se construa o campanário da igreja em forma de torre. Do mesmo modo, que não haja janelas de vidro com representações ou cores, exceto na vidraçaria principal, atrás do altar-maior do coro, onde pode haver imagens do Cristo crucificado, da Virgem beata, do beato João, do beato Francisco e do beato Antônio.79

Estatuto da Ordem dos Irmãos Menores de 1260.

Ou ainda:

Belas pinturas e esculturas diversas, decoradas com ouro, belos e luxuosos mantos, belos tapetes pintados com uma profusão de cores, belas e luxuosas janelas, vidraçarias com safiras, véus e sepulcros adornados com cintas, cálices de ouro e pedras preciosas e livros de letras douradas: tudo isso não é fruto da necessidade, mas da codícia dos olhos

Diálogo entre um monge cluniacense e um cisterciense.80

Todos esses extratos podem ser lidos, conforme metodologicamente consideramos, como uma afirmação estética às avessas, ou, em outras palavras, como uma aceitação do deslumbre que a arte causava – além de seu firme e sólido estabelecimento no mundo (a Idade Média foi, como se costuma afirmar, uma civilização da plena expressão da arte).

Imagem 18

Rosto de São Teodoro de Heracléia (séc. IV). Detalhe da escultura da entrada ocidental, transepto sul da Catedral de Chartres (c.1230). Foto: Jean Roubier (1896-1981). “Seus pés repousam em uma plataforma horizontal, em vez de estarem em uma prateleira inclinada, como antes, e o eixo do seu corpo não é reto, mas ligeiramente encurvado em S. Ainda mais surpreendente é a abundância de pormenores meticulosamente observados: as armas, a textura da túnica e da cota de malhas – e, acima de tudo, a estrutura orgânica do corpo. Desde os tempos da Roma imperial que não se esculpira com tanta vida. Contudo, a mais impressionante qualidade da estátua não é o seu realismo, mas sim a imagem serena e equilibrada do homem que este realismo exprime”.81

Seja como for, a estética gótica, como dissemos, considerava necessárias algumas condições para o desabrochar da beleza – ou, em termos especificamente filosóficos, as chaves para a experimentação estética das formas: a integridade, a proporção, a comensuração, a ordem e a harmonia.82 Muitos filósofos medievais se dedicaram a esse problema (desde Alberto Magno até Duns Scotus, de Tomás de Aquino a Boaventura, de Hugo de São Vítor a Roberto Grosseteste).

A definição mais conhecida, simples, é a de Tomás de Aquino (1225-1274):

Art. 8. Utrum convenienter a sacris Doctoribus sint essentialia personis attributa.

Respondeo § 3. Ad pulchritudinem tria requiruntur: primo quidem integritas, sive perfectio, quae enim diminuta sunt, hoc ipso turpia sunt. Et debita proportio, sive consonantia. Et iterum claritas, unde quae habent colorem nitidum, pulchra esse dicuntur.

Artigo 8. Perguntamos se os santos doutores apropriaram convenientemente atributos essenciais às pessoas.

Resposta § 3. Para que exista a beleza, três condições são requeridas: integridade (ou perfeição), de modo que o incompleto é torpe; a proporção devida (ou consonância), e a claridade, pois se diz belo o que tem uma cor nítida (os grifos são meus).

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I q. 39 a.8 c. (os grifos são meus).

A integridade é o que está completo, íntegro, total; a proporção devida é sinônimo de harmonia do todo composto por partes, esteticamente algo bem formado, bem composto (e, de modo estrito, aristotelicamente falando, a relação entre matéria e forma).83 Por fim, a claridade (claritas) dizia respeito à cor, no sentido daquilo que se percebe claramente (por isso, também associada à verdade, ao conhecimento), pois o que é nítido é limpo, é claro, transparente, se distingue84 (e retoricamente, se expressa igualmente de modo claro).85

VII.5. Ramon Llull (1232-1316) e a estética da transição: do mundo medieval ao moderno

Beleza é uma bela forma recebida pela visão, pela audição, pela imaginação, pelo conceito e pela deleitação.
RAMON LLULL. Arte breve (1308), X, Cem formas, n. 37.86

Imagem 19

Iluminura V do Breuiculum (c. 1325, St. Peter perg. 92, folio 5r). Baden Memorial Library. Karlsruhe, Alemanha. “O filósofo catalão está no centro da cena. Ágil, com uma postura corporal inquieta – expressão de sua filosofia e de seu temperamento – ele gesticula e olha para a esquerda, onde nove discretos personagens sentados, filósofos, representam as nove dúvidas possíveis sobre os nove sujeitos do Universo: são as questões aristotélicas (Se?, O que?, De que?, Por que?, Quanto?, Qual?, Quando?, Onde?, Como e com que?). Essas questões estavam há muito relacionadas com as classes gramaticais (no Grego são nove; no Latim, oito; no Português, dez: substantivoartigoadjetivonumeralpronomeverboadvérbiopreposiçãoconjunção e interjeição)”.87

Termino esse périplo estético com o pensamento de um filósofo que foi uma espécie de ponte entre dois mundos, o medieval e o moderno: Ramon Llull. Seu pensamento estético-filosófico está disperso em várias obras suas. Basicamente sua noção de Belo remete à teoria platônica do belo como manifestação do bem, tema que já comentamos.88 Tal essência ideal foi posteriormente unificada por Plotino em Deus (o Uno). Assim, Deus e o Uno foram definidos como o Bem.89

Por exemplo, no Livro das Maravilhas (1289) – o conceito de maravilha é platônico!90 – há um capítulo dedicado à beleza e à feiúra. Um peregrino chamado Félix (pois é feliz!) viaja pelo mundo, para se “maravilhar com suas maravilhas”. Encontra um sábio eremita e então os dois conversam sobre as coisas (desde as plantas e o mundo animal até o Paraíso e o Inferno). E também sobre o Belo.

O filósofo catalão discorre, em termos platônicos (e neoplatônicos), em uma forma circular de redação que tem o objetivo de fazer o leitor ascender espiritual e espiraladamente, sempre em direção a Deus. Trata-se de uma permeabilidade vocabular, pois Llull, ao abordar um tema, costumeiramente utiliza o mesmo campo semântico de palavras (no caso, entender/entendimento/entendia e beleza/embeleza), mas muda o ponto de gravidade textual para assim fazer o leitor ascender:

– O homem ama naturalmente a beleza, porque em Deus há beleza, e tal beleza é espiritual. Assim, é uma grande maravilha o fato de os homens desse mundo amarem mais a beleza nas coisas corporais que nas espirituais, pois Deus não tem corpo, nem beleza corporal. A beleza espiritual existe em lembrar, entender e amar a Deus, a fé, a esperança, a caridade, e todas as outras virtudes. A beleza espiritual existe em lembrar, entender e desamar a gula, a luxúria, e todos os outros vícios. A fealdade espiritual é lembrar, entender e desamar a Deus e as virtudes, e lembrar, entender e amar os vícios. Como isso é assim, é uma grande maravilha que a fealdade exista em tamanha grandeza, e a beleza em tamanha pequenez.

– A maior beleza que o homem pode considerar está na essência divina, na qual Deus Pai engendra Deus Filho de Sua beleza e espira Deus Espírito Santo, pois quando o Pai frui Sua bondade, infinitude, eternidade e todas as Suas dignidades, é belo em Si mesmo, no Pai e no Espírito Santo, e o Espírito Santo é belo em Si mesmo, no Pai e no Filho.

Para que Félix entendesse perfeitamente a beleza divina, o eremita disse que uma alma santa estava em contemplação, e via a grande beleza em seu entender e em seu entendimento, pois o entendimento entendia que podia entender Deus, e entendia que este poder tinha uma grande beleza, já que entender Deus é uma grande beleza, e tal entender embeleza muito o entendimento. A santa alma via o mesmo em sua memória e em sua vontade. Ao ver uma beleza de poder tão grande em sua memória, entendimento e vontade, esta alma amou ter aquela beleza em seu poder, e quis lembrar, entender e amar a Deus para que fosse bela em sua essência e em sua obra.91

Nessa redação circular, Llull tenta explicar o inexplicável, isto é, o êxtase místico do contato com Deus – e também a prova, por razões necessárias, que a Santíssima Trindade existe em todas as coisas. Seja como for, esta forma de redação é tipicamente medieval e se explica também pela ideia neoplatônica de que o conhecimento da alma – e, portanto, o de Deus – ocorria através de um movimento circular, ou melhor, em uma espiral ascendente, noção igualmente presente em Plotino.92

A seguir, no mesmo capítulo, há uma passagem que exprime muito delicadamente a questão da contemplação e da sensação que os místicos tinham ao desfrutar a fruição do Belo em Deus:

Félix entendeu a semelhança que o eremita disse, e afirmou que, entendendo a beleza do poder de Deus em Sua bondade, infinitude, eternidade e em todas as Suas dignidades, desejava que naquela bondade houvesse beleza de produzir o bem, o infinito, o eterno, e assim de todas, para que a essência fosse bela na bondade, na infinitude, e em todas, e que também fosse bela na beleza de Sua obra por todas, estando todas as dignidades em uma beleza essencial, e sendo belas pelas distintas obras nas pessoas divinas.93

A beleza das coisas, do mundo, nasce a partir das belezas das pessoas divinas que, ao engendrar suas dignidades – infinitude, eternidade, etc. – cria a beleza do mundo. Para o filósofo, isso era ainda mais maravilhoso, pois se chocava frontalmente com a maldade e a feiúra existentes no mundo. Por isso chora, lamenta o estado das coisas, especialmente a perda da Terra Santa (quando adentra em um tema político):

– Filho, disse o eremita, é uma coisa muito feia os sarracenos terem e possuírem a Terra Santa que Jesus Cristo nasceu e morreu. Por isso, um cavaleiro disse a um príncipe que a fealdade era maior no príncipe que nos cavaleiros de um escudo, pois a fealdade do príncipe expulsava a beleza.94

Félix entendeu a razão pela qual o eremita dizia aquela semelhança, e disse que Deus recebe mais desonra dos príncipes e prelados quando são maus homens e se inclinam a amar as coisas vis e feias que dos seus submetidos. Então Félix disse que as maiores semelhanças da beleza se convertiam neste mundo nas maiores semelhanças de fealdade. Ao dizer estas palavras, Félix chorou por muito tempo, e amaldiçoou a fealdade, que em tantos e em tão grandes homens se metia para vencer a grandeza da beleza na bondade, na duração, no poder, na sabedoria e na vontade.95

A filosofia medieval entendia, de um modo bastante platônico, a beleza como um traço do Ser. De qualquer modo, tudo o que os pensadores medievais discorreram sobre o tema indica que a beleza era passível de ser entendida racionalmente, que ela tem fundamentos racionais.96

Para eles, a estética era um tratamento conceitual, filosófico, do tema do Belo. E o cosmos, o mundo, a natureza, a vida, o homem, eram belos. Porém, mais belos ainda eram a Verdade, a Justiça, a Temperança, a Fortaleza, a Prudência – e o Amor, Fé e Esperança. Belos tempos filosóficos.

 

***

Fontes

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Notas

  • 1. Ou ainda, “coisidade da coisa”. Ver HEIDEGGER, Martin. “A origem da obra de arte”. InCaminhos de Floresta. Lisboa: Calouste Glubenkian, 2014, p. 12 e 43. Por sua vez, a metáfora filosófico-literária da floresta, do perder-se na vastidão da mata, é recorrente na tradição alemã. Ver, por exemplo, JÜNGER, Ernst. O passo da floresta. Lisboa: Edições Cotovia, 1995, e CASPAR DAVID FRIEDRICH (1774-1840). “O caçador na floresta” (1813/1814), quadro (65,7 x 46,7 cm, coleção particular). In: SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996 (especialmente sua Primeira Parte, “Mata”, p. 31-248).
  • 2. Baumgarten criou o termo Estética – “ciência da Aisthesis”, isto é, do conhecimento sensível (o adjetivo grego Aisthetike [estético] e o substantivo Aisthesis [sensação]). Utilizou o termo em 1750 (título de um livro seu). Para ele, a percepção da arte é uma atividade intelectual fruto da sensitiva (um dos três tipos de alma, segundo Aristóteles, e própria dos animais – no homem, cumpre as funções irracionais [o desejo e as percepções sensíveis]). Por isso, o Belo não é algo claro, fruto exclusivo da alma racional. Por isso, a partir de Baumgarten, gradativamente ganhou espaço uma concepção relativa – melhor dizendo, subjetiva – da beleza (para a Tradição, Belo é o ente, independente da percepção individual). Isso porque já em sua Metafísica (§ 451), obra de 1739, Baumgarten definiu o gosto como a capacidade de julgar de acordo com os sentidos (ao invés do intelecto), juízo baseado em sentimentos (prazer ou dissabor). Uma Ciência da Estética seria, para ele, uma dedução de regras ou princípios da beleza artística (ou natural) a partir do “gosto” individual.
  • 3. Este texto é a primeira metade do livro PESSOA, Fernando, COSTA, Ricardo da. Estética. Vitória: EDUFES, 2016, p. 9-69, de minha autoria (sem as imagens). Também disponível em pdf (com as imagens).
  • 4. GADAMER, Hans-Georg. “Arte e Imitação (1967)”. InHermenêutica da obra de arte. São Paulo: Editora WMF / Martins Fontes, 2010, p. 15.
  • 5. JANSON, H. W. História Geral da Arte. O Mundo Antigo e a Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 186.
  • 6. GADAMER, Hans-Georg. “Arte e Imitação (1967)”, op. cit., p. 16.
  • 7. HEIDEGGER, Martin. “A origem da obra de arte”, op. cit., p. 43.
  • 8. PLATÃO. Diálogos. Protágoras – Górgias – Fedão (trad. de Carlos Alberto Nunes). Belém: EDUFPA, 2002, p. 298-300 (90a-91c).
  • 9. PLATÃO. Fedro (introd., trad. e notas de José Ribeiro Ferreira). Lisboa: Edições 70, 2009, p. 101.
  • 10. PLATÃO. A República (trad. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 461-463.
  • 11. PLATÃO. A Repúblicaop. cit., p. 132-134.
  • 12. PLATÃO. A Repúblicaop. cit., p. 132-134.
  • 13. ARISTÓTELES. Retórica (trad. e notas de Manuel Alexandre Júnior). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, p. 138.
  • 14. PLATÃO. Fedro (introd., trad. e notas de José Ribeiro Ferreira). Lisboa: Edições 70, 2009, p. 67.
  • 15. Também em Aristóteles: “...cabe-nos explicar com clareza a virtude que é o produto da associação de todas as virtudes, que já estamos designando como nobreza (...) entenda-se por coisas nobres as virtudes e ações resultantes da virtude (...) A nobreza, portanto, é virtude completa”. ARISTÓTELES. Ética a Eudemo (trad. e notas de Edson Bini). São Paulo: EDIPRO, 2015, p. 311-313 (Livro VIII, 3, 1248b1 10 – 1249 a1 15). O tradutor, Edson Bini, comenta: “...vocábulo composto de difícil tradução que esses nossos termos traduzem precariamente. Melhor tentar entende-lo: designa uma conduta moral irrepreensível que reflete um sólido caráter moral igualmente irrepreensível. Afinal, trata-se da síntese harmoniosa de todas as virtudes. A nossa expressão integridade moral se aproxima, ainda que imperfeitamente, desse conceito” (p. 311, nota 1392).
  • 16. Em que pese toda a carga crítica que atualmente paira sobre o Estagirita, ele ainda é uma importante referência reflexiva. Veja por exemplo, Gadamer: para citá-lo, quase se desculpa. “Apesar de todos os preconceitos classicistas e anticlassicistas, gostaria agora de dar novamente voz à principal testemunha da teoria classicista da imitação, Aristóteles, para que ele nos ajude a pensar o que acontece na nova arte”, GADAMER, Hans-Georg. “Arte e Imitação (1967)”, op. cit., p. 16.
  • 17. ARISTÓTELES. Poética (trad., prefácio, introd., comentário e apêndices de Eudoro de Sousa). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003, p. 113-114.
  • 18. Obras completas de San Agustin I. Madrid: BAC, MCMXCIV, p. 594-690.
  • 19. Na Ética a Nicômaco (trad., textos adicionais e notas de Edson Bini). Bauru, SP: EDIPRO, 2007, p. 181-182 (1140a1 5-15).
  • 20. MARCO TÚLIO CÍCERO. Textos Filosóficos II. Diálogos em Túsculo (trad., introd. e notas de J. A. Segurado e Campos). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 236-237.
  • 21. LÚCIO ANEU SÉNECA. Cartas a Lucílio (trad., prefácio e notas de J. A. Segurado Campos). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, Carta 65, 3 e 18, p. 229 e 18.
  • 22. LÚCIO ANEU SÉNECA. Cartas a Lucílioop. cit., Carta 23, 6, 7 e 8, p. 85-86.
  • 23. Bem e a Verdade são belos. Ver PLATÃO. A Repúblicaop. cit., 509b, p. 311.
  • 24. O parágrafo inteiro é um resumo do capítulo I.6 (“Sobre o Belo”) das Enéadas. PLOTINO. Tratados das Enéadas (trad. Américo Sommerman). São Paulo: Polar Editorial, 2000, p. 17-35.
  • 25. Para o tema, ver LUCIANI, Rafael. “Analogia trascendentalis Los Trascendentales a la luz de Tomás de Aquino y Hans Urs von Balthasar”. In: Apuntes Filosóficos 33 (2008): pp: 33-64.
  • 26. COSTA, Ricardo da. “Ramon Llull (1232-1316) e a Belezaboa forma natural da ordenação divina”. InRevista Internacional d'Humanitats. Ano XIII, n. 18, 2010, p. 21-28.
  • 27. SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus (trad., prefácio, nota biográfica e transcrições de J. Dias Pereira). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, vol. II, p. 1041.
  • 28. SANTO AGOSTINHO. Confissões (trad.: J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina). Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, 1990, p. 275-276.
  • 29. SANTO AGOSTINHO. Diálogo sobre o Livre Arbítrio (trad. e introd. de Paula Oliveira e Silva). Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001, p. 222-223.
  • 30. Obras completas de San Agustin I. Madrid: BAC, MCMXCIV, p. 677.
  • 31. Ademais, o filósofo – amante da Sabedoria – não é um amante do corpo, pois os que praticam a verdadeira filosofia se preparam para morrer. Ver PLATÃO. Diálogos. Protágoras – Górgias – Fedãoop. cit., p. 264.
  • 32. SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus (trad., prefácio, nota biográfica e transcrições de J. Dias Pereira). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, vol. III, p. 2317.
  • 33. SANTO AGOSTINHO. Confissões, op. cit., p. 275-276.
  • 34. SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deusop. cit., p. 2321.
  • 35. SANTO AGOSTINHO. A Natureza do Bem (trad.: Carlos Ancêde Nougué). Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2005, p. 17-19.
  • 36. Um dos Argonautas na Mitologia Grega, Linceu era filho de Afareus e de Arene. Tinha uma visão tão aguçada que era capaz de ver através das coisas. Na expedição dos Argonautas, participou da caçada ao javali de Calidonte.
  • 37. O general Alcibíades (c. 450-404 a. C.) foi famoso por sua beleza. Sócrates salvou sua vida na batalha de Potidéia (432 a. C.) e se sentiu atraído por ele, sem, no entanto, consumar seu amor. Ver PLATÓN. Alcibíades (ed., trad., e comentários de Óscar Velásquez). Santiago de Chile: Ediciones Tácitas, 2013, 103a, p. 63.
                    Aliás, é na obra Alcibíades que há uma bela passagem da relação entre a Beleza e o Bem: “Sócrates: ‘Examine isso ainda mais: aquele que atua belamente não atua bem?’ Alcibíades: ‘Sim’. Sócrates: ‘E os que atuam bem não são felizes?’ Alcibíades: ‘Como não?’ (...) Sócrates: ‘Consequentemente, a boa conduta é bela?’. Alcibíades: ‘Sim’. (...) Sócrates: ‘Quando encontrarmos o belo então encontraremos o bom’ (...) Alcibíades: ‘Creio que seja forçoso concordar que quem pratica coisas justas também praticam coisas belas’”. PLATÓN. Alcibíades, op. cit., 116b-c, p. 127-129.
  • 38. BOÉCIO. Consolação da Filosofia (trad. de Luís M. G. Cerqueira). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p. 96-97.
  • 39. SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías I (trad. de José Oroz Reta e Manuel A. Marcos Casquero). Madrid: MM, p. 851.
  • 40. SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías II (trad. de José Oroz Reta e Manuel A. Marcos Casquero). Madrid: MCMXCIV, p. 444-445 e 448-449.
  • 41. Hubert Damisch (1928- ), filósofo francês de Estética e de História da Arte, tem um belo texto (ainda que, talvez, excessivamente crítico) sobre o tema: DAMISCH, Humbert. “Ornamento”. In: ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Einaudi. Volume 32. Soma/psique – Corpo. Lisboa: 323-336.
  • 42. ROSS, Nancy. “Carolingian art, an introduction”. In: Smarthistory, July 6, 2018.
  • 43. Importante abadia que deu origem à cidade de Fulda, no Estado de Hesse, Alemanha.
  • 44. Há uma ótima tradução dessa obra, do latinista português Agostinho da Silva (1906-1994), em EPICURO, LUCRÉCIO, CÍCERO, SÊNECA, MARCO AURÉLIO. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, vol. 3.
  • 45. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medieval. Madrid: Ediciones Akal, 2002, p. 105. Tratamos dessa passagem – e da importância da criação do canto gregoriano para o desenvolvimento da arte, em “Música e erudição: as chaves para a compreensão histórica”, palestra apresentada na IV Semana de Integração, Ensino, Pesquisa e Extensão – SINTEGRA, evento ocorrido na UFVJM (Diamantina, MG) no dia 11 de junho de 2015.
  • 46. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 110-111.
  • 47. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 112.
  • 48. A Beleza do Mundo, Pankalía, reflete a Beleza de seu Criador, isto é, Deus. Ver MARTÍNEZ ORTEGA, Ángel. Pankalía, armonía y trascendentalidad: el problema de la Belleza en el pensamiento filosófico del Occidente Medieval. Universidad de Valladolid. Facultad de Filosofía y Letras, 2015; COSTARELLI BRANDI, Hugo. Pulchrum: Origen y originalidad del Quase visa placent en Santo Tomás de Aquino. Pamplona: Universidad de Navarra: Cuadernos de Anuario Filosófico, Serie Universitaria, 2010.
  • 49. “O sábio simplesmente atribui à glória do Criador e de Suas obras a beleza de um vaso, cuja aparência considera em si mesma. Nenhuma tentação de cobiça lhe invade, nenhum veneno de avareza macula a intenção de sua alma pura, nenhum desejo lhe contamina”, Da divisão da Natureza, IV (P.L. 122, c. 828). Citado em TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 110-111.
  • 50. Para o tema cistercienses versus cluniacenses, ver COSTA, Ricardo da. “Cluny, Jerusalém celeste encarnada (séculos X-XII)”. InRevista Mediaevalia. Textos e Estudos 21 (2002), p. 115-137.
  • 51. Alusão claramente bíblica: “Assim diz o Senhor Iahweh: Tu eras um modelo de perfeição, cheio de sabedoria, de uma beleza perfeita. Estavas no Éden, jardim de Deus. Engalanavas-te com toda sorte de pedras preciosas: rubi, topázio, diamante, crisólito, cornalina, jaspe, lazulita, turquesa, berilo; de ouro eram feitos os teus pingentes e as tuas lantejoulas. Todas essas coisas foram preparadas nos dias em que foste criado”, Ez XXVIII, 12-13.
  • 52. No original, decorus (acatamento das normas morais, decência). Segundo Suger, esse conceito, associado ao de convenientia (concórdia), determinava a utilização das pedras preciosas na missa, pois elas faziam com que o espectador concentrasse seu olhar nelas e assim sua mente seria captada para o centro do sacrifício de Cristo no altar. JAQUES PI, Jéssica. La Estética del Románico y el Gótico. Madrid: A. Machado Libros, 2003, p. 269, nota 314.
  • 53. El Abad Suger. Sobre la Abadía de Saint-Denis y sus tesoros artísticos (ed. de Erwin Panofsky). Madrid: Ediciones Cátedra, 2004, p. 80-83.
  • 54. Tratamos do tema em COSTA, Ricardo da. “‘A luz deriva do bem e é imagem da bondade’: a metafísica da luz do Pseudo Dionísio Areopagita na concepção artística do abade Suger de Saint-Denis”. InScintilla. Revista de Filosofia e Mística Medieval. Curitiba: Faculdade de Filosofia de São Boaventura (FFSB), Vol. 6 - n. 2 - jul./dez. 2009, p. 39-52.
  • 55. DIAS, Geraldo J. A Coelho, OSB/FLUP. “Bernardo de Claraval. Apologia ad Guillelmum Abbatem - Apologia para Guilherme, abade”. InMEDIAEVALIA. Textos e Estudos, 11-12 (1997), p. 63.
  • 56. DIAS, Geraldo J. A Coelho, OSB/FLUP. “Bernardo de Claraval. Apologia ad Guillelmum Abbatem - Apologia para Guilherme, abade”, op. cit., p. 67.
  • 57. Na Idade Média, o macaco, o símio, simbolizava os vícios do condenado, a caricatura do homem. Ver CURTIUS, Ernest Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina. São Paulo, HUCITEC, 1996, p. 655.
  • 58. DUBY, Georges. São Bernardo e a arte cisterciense. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 109.
  • 59. Para uma breve análise da metafísica da luz (claritas), o simbolismo, o alegorismo e a visão estética do universo, ver COSTA, Ricardo da. “anamnese estética de Umberto Eco”. In: SANTOS, Bento Silva (org.). Mirabilia 20 (2015/1). Arte, Crítica e Mística – Art, Criticism and Mystique. Barcelona: Institut d’Estudis Medievals, UAB, Jan-Jun 2015, p. 234-251.
  • 60. ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1989, p. 17.
  • 61. DIAS, Geraldo J. A Coelho, OSB/FLUP. “Bernardo de Claraval. Apologia ad Guillelmum Abbatem - Apologia para Guilherme, abade”, op. cit., p. 71.
  • 62. ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medievalop. cit., 20.
  • 63. COSTA, Ricardo da. “Cluny, Jerusalém celeste encarnada (séculos X-XII)”. In: Revista Mediaevalia. Textos e Estudos 21 (2002), p. 115-137.
  • 64. COUTINHO, Priscilla Lauret, e COSTA, Ricardo da. “Entre a Pintura e a Poesia: o nascimento do Amor e a elevação da Condição Feminina na Idade Média”. In: GUGLIELMI, Nilda (dir.). Apuntes sobre familia, matrimonio y sexualidad en la Edad Media. Colección Fuentes y Estudios Medievales 12. Mar del Plata: GIEM (Grupo de Investigaciones y Estudios Medievales), Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMdP), diciembre de 2003, p. 4-28.
  • 65. COSTA, Ricardo da. “O papel do amor cortês e dos jograis na Educação da Idade Média: Guilherme da Aquitânia (1071-1127) e Ramon Llull (1232-1316)”. In: CASTRO, Roberto C. G. (org.). O Intérprete do Logos – Textos em homenagem a Jean Lauand. São Paulo: Factash Editora/ESDC, 2009, p. 231-244.
  • 66. GUILHERME DA AQUITÂNIA. Poema V (trad. e notas de Ricardo da Costa).
  • 67. GUILHERME DA AQUITÂNIA. Poema III (trad. e notas de Ricardo da Costa e Lorenzzo Cassaro).
  • 68. GUILLERMO DE AQUITANIA. Poesía completa (ed. de Luis Alberto de Cuenca). Renacimiento, 2007.
  • 69. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 120-128.
  • 70. “Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independentemente da sua utilidade e amam, acima de todas, a sensação da visão. Com efeito, não só em vista da ação, mas mesmo sem ter nenhuma intenção de agir, nós preferimos o ver, em certo sentido, a todas as outras sensações. E o motivo está no fato de que a visão nos proporciona mais conhecimentos do que todas as outras sensações e nos torna manifestas numerosas diferenças entre as coisas”. ARISTÓTELES. Metafísica (ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentario de Giovanni Reale). São Paulo: Edições Loyola, 2005, vol. II, 980a, p. 3.
  • 71. COSTA, Ricardo da. “‘A verdade é a medida eterna das coisas’: a divindade no Tratado da Obra dos Seis Dias, de Teodorico de Chartres (†c. 1155)”. In: ZIERER, Adriana (org.). Uma viagem pela Idade Média: estudos interdisciplinares. UFMA, 2010, p. 263-281.
  • 72. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 141.
  • 73. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 145.
  • 74. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 142.
  • 75. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 180.
  • 76. “O que distingue o desdobramento da arquitetura gótica francesa de outros fenómenos comparáveis é, em primeiro lugar, sua extraordinária sequência lógica e, em segundo, o fato de que o princípio do videtur quod – sed contra – respondeo dicendum foi empregado, parece, de modo plenamente consciente”. PANOFSKY, Erwin. Arquitetura Gótica e Escolástica. Sobre a analogia entre arte, filosofia e teologia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 61.
  • 77. A obra que se debruça sobre toda essa terminología estética é a de JAQUES PI, Jéssica. La Estética del Románico y el Gótico. Madrid: A. Machado Libros, 2003, e também TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Etética. II. La estética medievalop. cit., p. 155-156.
  • 78. Há um interminável debate sobre a autenticidade da correspondência entre Abelardo e Heloísa. No que diz respeito à Carta VIII, ela faz parte da última seção, em que Heloísa solicita “…conselhos, diretrizes e esclarecimentos ao Mestre Pedro Abelardo sobre problemas e questões teológicas e litúrgicas para a orientação espiritual e a administração do Mosteiro do Paracleto”. ROCHA, ZEFERINO. “Introdução”. InAbelardo – Heloísa. Cartas. As cinco primeiras cartas traduzidas do original, apresentadas e comentadas por Zeferino Rocha. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1997, p. 22. Zeferino Rocha considera as cartas legítimas. Por sua vez, Hubert Silvestre crê que as cartas VI, VII e VIII “foram redigidas pelo prepositus monachorum preocupado, entre outras coisas, em assegurar a sua autoridade sobre a superiora do Paracleto e favorecer, durante uma eleição contestada, a candidatura de Agnès de Mécringes à frente da comunidade. (Estes motivos são os que Benton tinha inicialmente exposto para dar conta do conjunto do dossier)”. SILVESTRE, Hubert. “O idílio de Abelardo e Heloísa: a parte do romance”. InHISTORIA CALAMITATUM. Cartas. Abelardo e Heloísa (prefácio, trad. e notas de Abel Nascimento Pena). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, p. 83.
  • 79. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medievalop. cit., p. 184.
  • 80. Ibid.
  • 81. JANSON, H. W. História Geral da Arte. O Mundo Antigo e a Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 462.
  • 82. JAQUES PI, Jéssica. La Estética del Románico y el Góticoop. cit., p. 83.
  • 83. “A tal ponto que, faltando a disposição da matéria à forma, a própria forma desaparece (Sentencia libri de anima I, 9, p. 46b). É esta a típica proporção capaz de interessar àquele que olha esteticamente a coisa, apreciando-lhe a congruente organização”, ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medievalop. cit., p. 115.
  • 84. Comentários de Jéssica Jacques Pi, op. cit., p. 86.
  • 85. ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medievalop. cit., p. 121. Por sua vez, Johan Huizinga (1872-1945) é rigoroso em seu juízo a respeito da estética escolástica medieval – quando escolhe como estudo de caso o pensamento estético de Dionísio Cartuxo (1402-1471), teólogo e místico flamengo: “O pensamento medieval sempre remete a ideia de beleza a conceitos como perfeição, proporção e esplendor (...) O resultado é desastroso: estética adaptada é sempre uma coisa precária. Com um conceito de beleza tão intelectualizado, não é de se admirar que o espírito não possa perder tempo com a beleza terrena: onde quer descrever o belo. Dionísio sempre acaba desviando na mesma hora para o belo não visto: para a beleza dos anjos e do empíreo. Ou então procura por ela nas coisas abstratas: a beleza da vida é a transformação da própria vida, segundo a diretriz e a ordem da lei divina despida da feiura do pecado. Ele não fala da beleza da arte, nem mesmo daquilo que mais deveria chamar sua atenção como exemplo de algo com um valor estético em si: a música”. HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naif, 2010, p. 466.
  • 86. Tradução: Ricardo da Costa e Felipe Dias de Souza. Internet.
  • 87. COSTA, Ricardo da. “A Retórica na Antiguidade e na Idade Média”. In: Revista Trans/form/ação, v. 42, n. 4, 2019, Edição Especial, p. 375-376.
  • 88. “A visão é, de facto, a mais aguda das sensações que nos chega através do corpo; mas não consegue ver o pensamento – e que extraordinários amores provocaria, se uma imagem sua dessa natureza se nos oferecesse clara através do sentido da vista. E o mesmo se passa com tantos outros objectos dignos de ser amados. Todavia, só a beleza obteve essa sorte, a ponto de ser a mais evidente e a mais digna de ser amada. Ora, quem não é neo-iniciado ou se deixou corromper não consegue passar rapidamente daqui para além, para junto da beleza em si, ao contemplar na terra quem possui o seu nome. Desse modo, não sente veneração quando a olha, mas entrega-se ao prazer, à maneira de um quadrúpede trata de fecundar e de procriar filhos e, familiarizando-se com o desregramento, não sente receio nem vergonha de buscar um prazer contra a natureza. O recém-iniciado, pelo contrário, o que contemplou largamente as realidades de outrora, quando vê uma face divina ou alguma forma do corpo, que imita bem a beleza, sente primeiro um estremecimento e invadem-no alguns dos temores do passado; em seguida, fixando o olhar, venera-a como a um deus”. PLATÃO. Fedro (introd., trad. e notas de José Ribeiro Ferreira). Lisboa: Edições 70, 2009, p. 67.
  • 89. “Pois tudo o que é belo está abaixo do Uno, e provém do Uno, como toda luz do dia provém do Sol”, PLOTINO. Tratados das Enéadas. São Paulo: Polar, 2000, “Sobre o Bem ou o Uno”, 4. p. 127.
  • 90. “Teeteto – Pelos deuses, Sócrates, como me espanto muitíssimo com o facto de ser assim e, por vezes, quando verdadeiramente olho para isso, fico tonto. Sócrates – Efectivamente, meu amigo, Teodoro parece não ter adivinhado mal a tua natureza. Pois o que estás a passar, o maravilhares-te, é mais de um filósofo. De facto, não há outro princípio da filosofia que não este...”. PLATÃO. Teeteto (trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri; prefácio de José Trindade Santos). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 212.
  • 91. RAIMUNDO LÚLIO. Félix ou O Livro das Maravilhas. Parte II (apres. e trad. de Ricardo da Costa). São Paulo: Editora Escala, 2009, p. 222-223.
  • 92. “Quando uma Alma chega a conhecer a si mesma, vê que seu movimento não se dá em linha reta (...), mas que o movimento conforme a sua natureza é como um círculo ao redor de algo – não de algo exterior, mas de um centro, a partir do qual provém o círculo”. PLOTINO, “Sobre o Bem ou o Uno”, 8 (Tratados das Enéadas, op. cit., p. 136). Agradeço a maravilhosa aula sobre a mentalidade medieval ministrada pelo querido e saudoso amigo Rui Vieira da Cunha.
  • 93. RAIMUNDO LÚLIO. Félix ou O Livro das MaravilhasParte IIop. cit., p. 223. Novamente a filosofia luliana parece estar em sintonia com o neoplatonismo de Plotino, como se percebe nesta passagem das Enéadas: “A contemplação tem de ser um ato próprio de quem a desejou. Mas aquele que ainda não chegou a essa contemplação, cuja Alma ainda não tomou consciência do esplendor dessas alturas, que ainda não o experimentou em si mesmo com uma emoção semelhante à do amante ao repousar no amado, que ainda não contemplou a luz verdadeira, aquela mesma que ilumina todas as almas, é por ainda estar muito carregado com pesos que o puxam para trás e o impedem de se elevar à contemplação; é por ainda não se elevar despojadamente, mas por trazer consigo algo que o separa do Uno e o impede de recolher-se no Uno. Em verdade, o Uno não está ausente de nada, e, no entanto, ele está ausente de tudo, de modo que sua presença só está presente para os que são capazes e estão preparados para recebê-la, de modo a poderem coincidir com ele, a poderem estar em contato com ele, a poderem tocá-lo graças à sua semelhança, isto é, àquela potência que têm em si que tem parentesco com ele, posto que provém dele. Só quando estamos no estado em que estávamos quando saímos dele podemos contemplá-lo como ele é em sua natureza”. PLOTINO, “Sobre o Bem ou o Uno”, 4 (Tratados das Enéadas, op. cit., p. 128). Para essas questões ver VAZ, Henrique C. de Lima, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, São Paulo, Edições Loyola, 2000.
  • 94. “Cavaleiros de um escudo” significa aqueles que não tinham dependentes sob seu comando e que fossem seus feudatários. Por exemplo, o rei da França era um cavaleiro de muitos escudos, pois comandava um exército. Por outro lado, na acepção heráldica, “cavaleiro de um escudo” significa que ele só tinha uma arma. Por exemplo, se ele se chamasse Pereira, só teria as armas dos Pereira, não teria herdado as armas de outra linhagem (e nem feudos). No caso deste exemplum, a questão é que o cavaleiro de um escudo só poderia ir para a cruzada sozinho e o cavaleiro de muitos escudos poderia levar um exército. Daí a fealdade do príncipe ser maiorpois sua responsabilidade também era maior, já que era o mais excelente e tinha mais obrigações que todos os excelentes. Assim, Llull – e praticamente todos os filósofos medievais – nunca dissociam o mundo moral do mundo material, e recorrem com frequência à indignação para ressaltar as faltas dos poderosos, pois em sua ótica, quanto mais elevado estiver socialmente o cristão, maior será sua obrigação para com o todo. Por esse motivo, aquele príncipe é indigno, porque expulsou a beleza de seu ofício com a fealdade de sua omissão. Agradeço novamente à maravilhosa aula ministrada pelo querido e saudoso amigo, o heraldista Rui Vieira da Cunha.
  • 95. RAIMUNDO LÚLIO. Félix ou O Livro das Maravilhas. Parte II, op. cit., p. 227.
  • 96. SCRUTON, Roger. Beleza. São Paulo: É Realizações, 2013, p. 206.

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