A Música

Uma das chaves para a compreensão do Tempo

Ricardo da COSTA1

In: COSTA, Ricardo da. Impressões da Idade Média.
São Paulo: Livraria Resistência Cultural Editora, 2017, p. 43-61.

Resumo: Apresentação da metodologia do historiador espanhol José Enrique Ruiz-Domènec (1948-) para o estudo do Passado, qual seja, a valorização da Música – tradicionalmente, uma das sete artes liberais – nos estudos históricos como elemento chave para a compreensão da história das culturas no tempo. Para isso, como base, quatro obras suas: España, una nueva historia (2009), Personajes intempestivos de la Historia (2011), Europa. Las claves de su historia (2012) e Escuchar el pasado. Ocho siglos de música europea (2012). Nelas são apresentados três personagens que simbolizam a necessidade imperativa dos estudos sobre a Música para se encontrar a chave do passado: o papa Gregório Magno (540-604) e a criação do universo sonoro europeu com seu canto gregoriano, Mozart (1756-1791) e o sentido racional da civilização do Ancien Régime, e Joaquín Rodrigo (1901-1999) e a incurável nostalgia do espanhol no Concerto de Aranjuez (1939).

Abstract: The purpose is to present José Enrique Ruiz-Domènec's (Spanish Historian 1948-) methodology for the study of the Past: the appreciation of Music – traditionally one of the seven liberal arts – in historical studies as a key element for understanding the history of cultures in time. In order to do this we will concentrate on four of his books: España, una nueva historia (2009), Personajes intempestivos de la Historia (2011), Europa. Las claves de su historia (2012), and Escuchar el pasado. Ocho siglos de música europea (2012). In ll of this three books characters are presented who symbolize the imperative need of studies on Music to find the key to the past: Pope Gregory, the Great (540-604) and the creation of the universe European sound with Gregorian chant, Mozart (1756-1791) and the rational sense of civilization of the Ancien Régime, and Joaquín Rodrigo (1901-1999) and the incurable nostalgia of Spanish in Aranjuez Concert (1939).

Palavras-chave: Música – Metodologia – Artes liberais – História.

Keywords: Music – Methodology – Liberal Arts – History.

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Pintor de Nikias. Detalhe da cena de um Symposium (συμπόσιον) em um vaso do tipo cratera de sino (κράτηρ), que servia para misturar vinho e água, de 33 cm, com figuras vermelhas (c. 420 a. C.): jovens simposiastas, recostados, jogam o kottabo (κότταβος) enquanto uma mulher (auleta) toca o aulos (αὐλός), tipo de oboé duplo (dois tubos de 50 cm com 4 e até 15 orifícios), de som agudo e costumeiramente relacionado a cultos orgiásticos (de Dionísio ou de Cibele). O rapaz à direita escuta, extasiado, o som que a auleta consegue de seu instrumento, Museu Arqueológico da Espanha, Coleção Salamanca (CVA Espanha, 2, III I d, pl. 14, n. 2a).

Prólogo – Inquietude

“La Historia es el espejo de la música”
José Enrique Ruiz-Domènec.2

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A World without music quotes. O mundo vive na Música, pois é sua materialização etérea. Por isso não é possível viver no mundo sem ela. Schopenhauer (1788-1860) ensinou que, quando entendida como uma expressão do mundo, a música é uma linguagem universal no mais elevado grau, e mantêm uma relação íntima com a essência das coisas. Ela representa o aspecto metafísico de tudo o que é físico no mundo, a coisa em si de todo fenômeno, a própria vontade encarnada.3 Nietzsche (1844-1900) concordava com Schopenhauer, pois compreendia a música como a imediata linguagem da vontade, e sentia sua fantasia impelida a configurar aquele mundo de espíritos, invisível mas vivamente movido.4

Gostaria de iniciar meu diálogo com uma indagação, uma inquietude: será que daqui a quinhentos anos algum historiador conseguirá narrar a vida do século XX sem se referir à sua música – o rockn'roll, a disco music da década de 70, o jazz, o samba? A bossa-nova? E a música clássica? No caso do Brasil, e Villa-Lobos (1887-1959)?5 E Guerra-Peixe (1914-1993), Claudio Santoro (1919-1989)?6 Conseguirá o historiador do futuro explicar o nosso tempo sem a sonoridade que preenche nossas existências e que fez parte de nossa educação? Amplio as perguntas: é possível explicar alguma época sem tratar de sua música?7

Apesar de historiador formado, antes, fui músico profissional durante 20 anos (1980-2000). Autodidata. Quando voltei à universidade, como estudante (em 1990), e depois como docente (a partir de 1992), sempre me surpreendi com a incapacidade dos colegas de incluir a música em seus estudos sobre o passado, em suas aulas, em seus escritos. Com raríssimas exceções, boa parte dos historiadores brasileiros, ao contrário dos colegas europeus e norte-americanos, entendiam (e, infelizmente, ainda entendem) a História, o passado, sem Música.8 E sem Pintura, sem Escultura, sem Arquitetura, sem Literatura, sem Poesia.9 Ou seja, sem Arte, sem a vida pulsante por trás dos documentos escritos.10 Até hoje no Brasil, os estudos são, via de regra, centrados em Economia e em Política.11 E da pior espécie: como pano de fundo no qual se desenrola a descrição e análise dos acontecimentos, sempre há um mesquinho jogo de interesses por trás das ações humanas. Até que se prove o contrário, todos são culpados.

Pelo contrário, o estudo da Música anseia, mesmo que inconscientemente, um destino para a vida do mundo, sua dimensão heroica12, seu desafio sonoro face à estupidez, à mediocridade. Quando olhamos para o futuro, a música ornamenta nossos destinos; ao mirarmos o passado, ela modela nossa memória. Mais: ela reconstrói o passado de modo mais generoso, mais amplo, mais sensível. Assim, a partir das pistas sugeridas pelo historiador José Enrique Ruiz-Domènec (1948- )13 apresentarei três momentos da formação musical da Europa que ajudaram a moldar nossa consciência musical. O início do trajeto da música rumo à Arte (o canto gregoriano), sua perfeição melódica (Mozart) e seu melancólico ocaso romântico (Joaquín Rodrigo). Do século VI ao XX.

Ato I – A criação do universo sonoro europeu: Gregório Magno (c. 540-604) e seu canto gregoriano

Música é a perícia na modulação consistente no som e no canto. Chama-se música por derivar de Musa. O nome das Musas, por sua vez, tem sua origem em másai, que quer dizer procurar, já que, por elas, conforme acreditaram os antigos, se procurava a vitalidade dos poemas e a modulação da voz. Seus cantos, que entram pelos sentidos, remontam à noite dos tempos e se transmitem pela memória. Por isso os poetas imaginaram as Musas como filhas de Júpiter e de Memória, pois se seus sons não fossem gravados na memória, se perderiam, já que não podem ser escritos.
ISIDORO DE SEVILHA (c. 560-636), Etimologias, Livro III, cap. 15, 1.14

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O papa Gregório Magno (c. 540-604) dita seu canto gregoriano para seu discípulo e amigo Pedro, o Diácono (Johannes Hymonides, †antes de 885, biógrafo do papa), com a pomba do Espírito Santo a lhe inspirar (em seu ouvido direito).15 Iluminura de um Antifonário do Mosteiro de Saint-Gall, séc. XI (Cod. Sang. 390, p. 13).16

As raízes da música ocidental, uma das bases de nossa civilização, foram fincadas em um de seus piores momentos. Roma já havia sido saqueada pelos visigodos (em 410), o Império Romano do Ocidente caíra (476), e Severino Boécio (c. 480-525), o último dos romanos, fora assassinado (524) a mando do imperador ostrogodo Teodorico (454-526). Com sua morte, foi-se uma das esperanças de transmissão da cultura clássica.17 A peste bubônica (denominada Praga de Constantino) assolava a Europa (anos 541-543) e Roma fora novamente saqueada, em 546 (durante a Guerra Gótica).18

Enquanto o mundo transformava-se abruptamente e a guerra passava a ser seu pilar social fundamental, o papa Gregório Magno (c. 540-604) repetia Cícero (106-43 a. C.) e exclamava: “O tempora! O mores!” (Que tempos! Que costumes!).19 Assim, Gregório decidiu: o canto de sua Igreja deveria ser organizado, desenvolvido. Registrado. Por isso, compilou (ou mandou compilar) uma miscelânea de antifonários20 e reorganizou a Schola Cantorum.21 Percebeu que o futuro da Europa, o futuro de sua Igreja, passava pela criação de um universo sonoro.22

Para fazer face à decadência do mundo23, o papa sinalizava o futuro, o consolo, a salvação: a música. Ela deveria expressar a força da religião de Cristo, a retidão moral da nova civilização que lançava assim seus primeiros alicerces institucionais.24 Para isso, deveria ser padronizada. Esse movimento musical denominado canto gregoriano, na verdade, é o coroamento de um processo que se iniciou no coração do Renascimento carolíngio (a Capitular de 789Admonitio generalis – já determinava que os clérigos aprendessem, o mais perfeitamente que pudessem, o canto romano).25 Ubaldo de Saint-Aman (c. 840-930), Hermann de Reichenau (1013-1054) e João de Afflighem (floruit c. 1100) foram alguns dos teóricos musicais que contribuíram, com seus comentários e críticas às notações de neumas26, para ajudar a desenvolver o sistema de modos (agrupamento das melodias em oito gêneros modais eclesiásticos desenvolvido por Regino de Prüm [842-915] e Odo de Cluny [c. 879-942]) – os romanos adaptaram os já conhecidos modos (inclusive alterando seus nomes gregos – Lídio, Frígio, Mixolídio, etc.) para primeiro modo, segundo modo, etc., e primeiro modo plagal, segundo modo plagal, etc.27

O canto gregoriano trouxe uma doce porém viril solidez espiritual àquelas almas.28 Forte e incisivo, uniforme e coeso, ele ofereceu uma barreira sonora bélica para enfrentar as caóticas forças do século. A definição do que deveria ser um cantor está belissimamente expressa em um dos capítulos do I Sínodo de Aquisgrão (817):

CXXXVII, De cantoribus, 5.

Studendum summopere cantoribus est, ne donum sibi divinitus conlatum vitiis foederet, sed potius illud humilitate, castitate et sobrietate et caeteteris sanctorum virtutum ornamentis exornent, quorum melodia animos populi circunstantis ad memoriam amoremque caelestium non solum sublimitate verborum, sed etiam suavitate sonorum, quae dicuntur, erigat. Cantorem autem, sicut traditum est a sanctis patribus, et voce et arte praeclarum inlustremque esse oportet, ita ut oblectamenta dulcedinis animos incitent audientium.

Os cantores devem aplicar-se, com o maior cuidado, em não macular com estridências o dom que receberam de Deus, mas adorná-lo com humildade, pureza, sobriedade e todos os demais ornamentos das santas virtudes, para que, assim, sua melodia eleve o espírito do povo que os escuta rumo à recordação e ao amor celestial, não só pela sublimidade das palavras, mas também pela doçura dos sons emitidos. É necessário que o cantor, como mostra a tradição dos Santos Padres, seja brilhante e ilustre, em sua voz e em sua arte, de modo que o deleite de sua doçura incite as almas da audiência.29

Para apreciar essa força doce, essa enérgica suavidade, essa delicada virilidade, proponho que escutemos o início Da pacem Domine (Introit), abertura do primeiro trabalho do Coro dos Monges Beneditinos de Santo Domingo de Silos30, para sentir a intensidade, a densidade e a dramaticidade desse primeiro grande momento da história da música ocidental.31

Da pacem, Domine, sustinentibus te
ut prophetae tui fideles inveniantur:
exaudi preces servi tui et plebis tuae Israël.

Dê paz, Senhor, àqueles que pacientemente esperam por ti
que Teus profetas possam ser encontrados pelos fiéis.
Ouve as súplicas de teu servo e do teu povo Israel.

Além de compor um exército másculo de servos do Senhor a entoar a suave resistência da fé, o canto gregoriano proporcionou o início de uma importante mudança de paradigma: até então, a Música era vista como uma ciência, uma disciplina matemática, som material das realidades terrenas e celestes no qual poder-se-iam reconhecer os conceitos filosóficos (clássicos e, naturalmente, medievais) de ordem32proporção (como analogia, com o sentido de igualdade relacional)33 e harmonia34. Em suma: era uma atividade sumamente intelectual. A criação do canto gregoriano, gradativamente, alterou essa percepção. A partir de então, cada vez mais, a música seria entendida, ou melhor, sentida, como integrante do mundo da emoção, como uma arte, a arte dos sons, expressão do mais genuíno sentimento humano: a fé.35 E ela não costuma falhar.

Sem a compreensão da unidade musical do canto gregoriano, não é possível compreender a história da formação da Europa.

Ato II – O sentido racional da civilização do Ancien Régime: Mozart (1756-1791)

A música é a arte de organizar os sons de um modo agradável aos ouvidos.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).36

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Quadro (c. 1780) do pintor austríaco Johann Nepomuk della Croce (1736-1819). Mozart, sua irmã, Maria Anna (1751-1829) e seu pai, Johann Georg Leopold Mozart (1719-1787). Na parede, retrato de sua mãe, Anna Maria Sulzer (1696-1766).

No momento mais crítico do Ancien Régime37, quando Rousseau (1712-1778) delirava com seu bom selvagem38, Voltaire (1694-1778) combatia ferozmente l’infâme, Pombal (1699-1782) expulsava os jesuítas de Portugal (e sequestrava seus bens)39, Kant (1724-1804) terminava a destruição da Metafísica clássica e anunciava a incognoscibilidade do ser40, Goethe (1749-1832), em seu Fausto, catapultava o demônio (Mephistopheles) ao protagonismo da luta pelas almas41, e a Revolução Industrial (1760-1840) dava seus primeiros passos na Inglaterra (iniciando assim o lento fim do mundo rural)42, surgia seu zênite musical, canto de cisne da sociedade de ordens, clímax sonoro da harmonia, da ordem e da proporção clássicas: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791).43

A música de Mozart é a esplendorosa síntese do Ancien Régime, espécie de réquiem do mundo que estava prestes a ser violentamente alterado.44 Poderia ser delicada porém insinuante (como o terceiro movimento de sua Sonata em Lá Maior [K. 331]), a Rondo alla Turca – na suave e cadenciada execução de Lars Roos (1945- ), ou incisiva e simultaneamente doce (como o Allegro do Concerto para piano em Mib Maior [K. 271], conhecido como Jeunehomme45, na segura e precisa interpretação de Mitsuko Uchida [1948- ]). Curiosamente, na mesma época em que compôs esse concerto, o então arcebispo de Salzburgo afirmou que aquele jovem de 20 anos nada sabia da arte de compor e que deveria ir estudar no Conservatório de Nápoles! Certamente foi um juízo injusto, mas Deus escreve certo por linhas tortas: ao conhecer a música italiana, o gênio austríaco desenvolveria toda a sua arte ao unir, harmoniosamente, a melodia italiana à polifonia alemã.46

Glorioso e sublime é o primeiro movimento de seu Concerto para piano em Ré Maior (K. 175). Escolhi para audição a interpretação de Vladimir Ashkenazy (1937- ), com a Philharmonia Orchestra de Londres – aliás, quão bela é a tradição judaica de intérpretes clássicos! As notas da melodia majestosamente salpicam em um avanço suntuoso, sem pedantismo, somente alegria de viver, dignidade e altivez. Melhor: garbo (talvez o adjetivo mais apropriado para o espírito nobre tão presente na etiqueta da sociedade de corte do tempo de Mozart).47 O entusiasmo de Ruiz-Domènec para com esse concerto beira o anacronismo: segundo o historiador espanhol, a cultura ocidental não veria júbilo igual até a chegada de Benny Goodman (1909-1986) e Glen Miller (1904-1944).48

A abertura da ópera As Bodas de Fígaro (1786), mais do que a de O rapto do Serralho (1782), em minha opinião, expressa a altivez e impetuosidade viril do aristocrático (ainda que descompromissado) mundo de Mozart. A execução da Mozarteum Orchester Salzburg (com a condução do jovem maestro Matthew Halls) de 2012 (no Teatro Colón, em Buenos Aires) apresenta uma performance com um andamento não tão rápido (como se costuma observar nas interpretações dessa abertura), mas sem deixar de ser firme e forte nos ataques do tema. Mais necessária do que a apreciação do canto gregoriano para se entender o nascimento da Europa na lenta dissolução da Antiguidade tardia ocorrida na Alta Idade Média é a audição da música de Mozart para se compreender o mundo que ruiu com a Queda da Bastilha (1789). Aquela voz aristocrática, feliz, e que tinha a música como uma de suas razões de viver belamente, era a de uma cultura católica firme na crença de sua fé e livre para gozar todos os encantos da descompromissada vida nobiliárquica das elevadas camadas sociais europeias do século XVIII.

Com a audição do segundo movimento do Concerto para piano e orquestra n. 20 em Ré menor (K. 466), Romanza49, gostaria de encerrar esse segundo momento da construção musical do Ocidente que selecionei para montar meu mosaico histórico-sonoro (na interpretação de Rudolf Serkin [1903-1991]). O Romantismo na Música principiou nesse movimento a dramaticidade estética e a melancolia lírica do tema do piano, logo seguido pela orquestra, que o trata em suaves ondas. É a melhor representação sonora do drama do fim da sociedade de ordens, de sua visão harmônica do mundo e de seu olhar comiserativo para com as camadas sociais inferiores (juntamente com a [indispensável] leitura da trilogia de Fernand Braudel [1902-1985]).50 Após uma parte intermediária, melancólica, e a repetição do tema inicial, o segundo episódio do Romanza é turbulento, grave, denso, ainda mais trágico. As escalas sobem e descem com ataques da orquestra que dramatizam a percepção do tema. É um maravilhoso e melancólico pano de fundo para o fim de uma época na qual Mozart foi seu fruto mais belo, porque sonoro.

Sem a compreensão do sentido racional da civilização do Ancien Régime manifesto nas melodias perfeitas de Mozart, não é possível compreender a história da formação da Europa.

Ato III – A incurável nostalgia do caráter espanhol: Joaquín Rodrigo (1901-1999) e seu Concerto de Aranjuez (1939)

“A música principia onde a palavra é impotente para se expressar.”
Claude Debussy (1862-1918)51

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Estanque de los Chinescos (1848), nos Jardins de Aranjuez, obra de Juan Antonio de Villanueva y de Montes (1739-1811), arquiteto neoclássico espanhol, e Pablo Boutelou, jardineiro.

09 de novembro de 1940, Palácio da Música Catalã de Barcelona. Estreia do Concierto de Aranjuez, composição para violão e orquestra do músico valenciano Joaquín Rodrigo (1901-1999). A Guerra Civil havia terminado havia sete meses (01 de abril de 1939). Mais de 400.000 mortos (cerca de 10.000, pelo fato de serem católicos e não renegarem sua fé), fratura social que levaria décadas para cicatrizar – e que talvez ainda não tenha cicatrizado inteiramente.52

O Concierto fora escrito em Paris, em 1939. Rodrigo havia recebido uma bolsa de estudos da Academía de Bellas Artes de San Fernando e estudava a História da Música em Sorbonne. Ao voltar para a Espanha, com o fim da Guerra Civil e o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), após a estreia em Barcelona, o Concierto foi executado em Madrid (12/02/1941), cidade que Rodrigo escolheu para fixar residência após aceitar o convite de Antonio Tovar (1911-1985) para trabalhar no Departamento de Música da Rádio Nacional de Madrid.53 Foi, portanto, nesse violento contexto bélico europeu que nasceu esse concerto para violão e orquestra, uma das obras musicais espanholas mais executada no mundo.

O segundo movimento do Concierto, Adagio, inicia o tema, triste, com o corne inglês, acompanhado pelo violão. Proponho apreciarmos a execução de John Williams (1932- ) de 2005 para a 111ª edição do programa BBC Proms (Royal Albert Hall, Londres).54

O tema do Concierto versa sobre os Jardins do Palácio Real de Aranjuez, casa primaveril do rei Felipe II (1527-1598), rei de Fernand Braudel55, residência reconstruída por Fernando VI (1713-1759). Cego pela difteria contraída na infância, Joaquín Rodrigo propôs que escutássemos os sons da natureza idílica dos Jardins, transportando-nos assim para outra época, mais gloriosa, mais serena, idílica, utópica. Trata-se, creio, de uma fuga da guerra, fuga do mundo – nunca deixo de me impressionar que as grandes obras, via de regra, são compostas fora de seu próprio tempo (certa vez, Fernand Braudel afirmou que todos devem invejar a nós, historiadores, pelo fato de conseguirmos fugir de nosso sempre desinteressante presente).56

Rodrigo nos conta que o tema do Adagio surgiu inteiro, completo, de uma só vez. O mistério da inspiraçãoforça irresistível e sobrenatural para o músico valenciano57, maravilhosa infusão divina para este quem vos escreve – é o desafio da História. Sem recorrermos a ela como uma das chaves interpretativas da passagem do tempo e do drama das sociedades, como podemos entender os geniais rompantes criativos do gênero humano? Sem meditar a força da suave melancolia melódica do segundo movimento do Concierto de Aranjuez não é possível compreender o sofrimento e a tragédia do século XX, da Guerra Civil Espanhola.58 Nem a dor dela, nem a de todas as guerras.

Sem a compreensão da incurável nostalgia do espanhol expressa nas melancólicas notas do violão do segundo movimento do Concierto de Aranjuez de Joaquín Rodrigo não é possível compreender o drama da formação da Europa. 

Conclusão: Música do mundo, Música no Céu, Música da História

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Mesa Anjos músicos (c. 1480) de Francesco Botticini (1446-1497). Sala dei Botticini, 36 x 121 cm, Museo della Collegiata di Sant’Andrea a Empoli, Piccoli Grandi Musei. Esta mesa alongada pode ter sido parte de um instrumento musical para uso eclesiástico, conforme o assunto representado (uma dança de anjos acompanhados de cartelas em que estão inscritos os versículos do Salmo 150, 1-6.59

Jean Delumeau (1923- ) foi taxativo: os anjos músicos presentes nos Paraísos católicos artisticamente representados nos séculos XIV-XVI são inseparáveis da promoção social da música ocorrida na civilização ocidental.60 E porque, à guisa de conclusão, encerro minhas considerações, baseadas nas pistas sonoras de José Enrique Ruiz-Domènec, com a sonoridade dos anjos?61 A música, dom dos deuses, dom de Deus, é uma das manifestações humanas mais necessárias para se compreender o passado. Sem ela, além da vida no mundo perder boa parte de sua airosidade, de seu garbo, de sua graça (no sentido teológico de dom, especialmente)62, tornamo-nos novamente brutos, rudes. Insensíveis. E sem sensibilidade não se faz História, não se recria compreensivamente o passado com as palavras do presente que se arrojam para o futuro.

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Anjo músico. Detalhe de A Virgem com a criança e os anjos (séc. XV), de Stefano di Giovanni Sassetta (1392-1451). Têmpera na madeira, 205 × 119,5 cm, Louvre, Paris. A música enternece o amor da Virgem, alegra a alma e embeleza a caridade (Caritas). A intensidade do dourado do gótico sienense (Siena era a cidade natal de Sassetta), em seu contraste com os profundos tons de vermelho, faz resplandecer ainda mais o tema.

Os sons da vida no mundo, como anteviu Gregório Magno, como sublimou Wolfgang Amadeus Mozart, como visualizou Joaquín Rodrigo, são também os sons do tempo, melodias de uma época alçadas para a posteridade, delicadas manifestações das culturas, expressões sensíveis da civilização. E a Ocidental, mais do que qualquer outra sociedade, promoveu a Música a níveis antes impensados. Anjos se uniram em sua irradiação. Por isso não vivemos sem ela. Por isso não vivo sem ela.63

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Um delicado anjo de asas azuis e verdes dedilha uma guitarra (gittern). Detalhe marginal de uma página de um Livro de Horas parisiense (c. 1418). França, MS M.919, folio 35v. Morgan Library & Museum, New York.

“Até quem não consegue cantar bem cantará ao menos para si mesmo, não porque lhe seja agradável ouvir o que canta, mas porque lhe é prazeroso expressar certa alegria interna que lhe surge da alma, a despeito da maneira com que é expressa.” BOÉCIO, De institutione musica, I, 1.64.

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Fontes

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M. COLOMBÁS, García. La Tradición Benedictina. Ensayo histórico. Tomo Segundo: Los siglos VI y VII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1990.

MELCHIOR-BONNET, Sabine. Historia del espejo. Buenos Aires: Edhasa, Club Burton, 2014.

MOTTA, Nelson. Noites Tropicais. Solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000.

MOTTA, Nelson. 101 canções que tocaram o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2016.

RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. España, una nueva historia. Madrid: Gredos, 2009.

RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. Personajes intempestivos de la Historia. Madrid: Gredos, 2011.

RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. Europa. Las claves de su historia. Barcelona: RBA, 2012.

RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. Escuchar el pasado. Ocho siglos de música europea. Barcelona: RBA Libros, 2012.

TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medieval. Madrid: Ediciones Akal, 2002.

VIGNORITA, Tullio Spagnuolo. “Justiniano e a Reconquista do Ocidente”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média I. Bárbaros, cristãos e muçulmanos. Alfragide, Portugal: Dom Quixote, 2014, p. 90-98.

Notas

  • 1. Professor do Departamento de Teoria da Arte e Música (DTAM) da UFES, do Programa de Doctorado Internacional a Distancia del Institut Superior d’Investigació Cooperativa IVITRA [ISIC-2012-022] Transferencias Interculturales e Históricas en la Europa Medieval Mediterránea) (Universitat d’Alacant, UA) e dos mestrados de Artes e de Filosofia da UFES. Acadèmic corresponent a l'estranger da Reial Acadèmia de Bones Lletres de Barcelona.
  • 2. RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. Escuchar el pasado. Ocho siglos de música europea. Barcelona: RBA Libros, 2012, p. 173.
  • 3. “A música é, certamente, uma arte independente; na verdade, é a mais poderosa de todas as artes, por isso atinge seus fins inteiramente a partir de seus próprios recursos.” – SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação, tomo II: complementos (trad.: Eduardo Ribeiro da Fonseca). Curitiba: Ed. UFPR, 2014, Livro III, cap. XXXIX (“Sobre a Metafísica da Música”), p. 130.
  • 4. “A música incita à contemplação alegórica da universalidade dionisíaca.” – NIETZSCHE. O nascimento da tragédia, §16 (trad.: William Mattioli). In: DUARTE, Rodrigo (org.). O Belo Autônomo. Textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Autêntica Editora; Crisálida, 2015, p. 255.
  • 5. O Brasil passa por uma profunda crise cultural. No caso de sua música, é sintomática a forte e concisa declaração da cantora, compositora e instrumentista Joyce (1948- ): “A música brasileira corre o risco de sumir”. Entrevista concedida a Rafael Rodrigues Costa. Caderno G. Gazeta do Povo. Curitiba, 18/04/2015.
  • 6. Preciosa lembrança do Prof. Dr. Ernesto Hartmann, a quem eu agradeço a leitura crítica e as preciosas correções de conteúdo.
  • 7. Infelizmente, em nosso país, os historiadores ainda não “descobriram” a Música como tema histórico. Via de regra, as (aliás, excelentes) pesquisas sobre a história da música brasileira costumam ser feitas por jornalistas. Por exemplo, CABRAL, Sérgio. Pixinguinha. Vida e Obra. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1997; CASTRO, Ruy. Chega de Saudade. A História e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; MOTTA, Nelson. Noites Tropicais. Solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000; MOTTA, Nelson. 101 canções que tocaram o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2016.
  • 8. Preciso fazer uma citação pessoal: certa vez, dei carona a um colega. Desses bem “politizados” (entenda-se: esquerda caviar – aliás, um ótimo livro de Rodrigo CONSTANTINO. Esquerda caviar: a hipocrisia dos artistas e intelectuais progressistas no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Record, 2013). No carro, escutava um dos discos mais exuberantes de Frank Sinatra (1915-1998), Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, de 1967 (orquestrações de Claus Ogerman [1930-2016]!). Ao entrar, o professor (de História), com ar de desaprovação, comentou: “Nossa, que horror! Escutando o cantor amigo de gângsteres?”. O que dizer a um bruto desses? Silenciei.
  • 9. Como disse, há belas (e raras) exceções a essa regra, como, por exemplo, os temas da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz (1957- ) – é sintomático o fato dela não ser historiadora! O Sol do Brasil (SP: Companhia das Letras, 2008) é uma pérola!
  • 10. Acabo de adquirir um belo livro, paradigmático exemplo da distância entre o requinte temático europeu e as obras “politizadas” brasileiras: MELCHIOR-BONNET, Sabine. Historia del espejo. Buenos Aires: Edhasa, Club Burton, 2014.
  • 11. Convido o leitor a fazer uma pesquisa nos sites dos programas de pós-graduação em História de nosso país e conferir os trabalhos de mestrado e doutorado.
  • 12. RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. Escuchar el pasado. Ocho siglos de música europea. Barcelona: RBA Libros, 2012, p. 12.
  • 13. Em quatro obras suas: España, una nueva historia. Madrid: Gredos, 2009; Personajes intempestivos de la Historia. Madrid: Gredos, 2011, Europa. Las claves de su historia. Barcelona: RBA, 2012, e Escuchar el pasado. Ocho siglos de música europea. RBA Libros, 2012.
  • 14. SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías I (trad.: Jose Oroz Reta). Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MM, p. 442-443.
  • 15. “A lenda estabelecerá em seguida uma origem divina: uma pomba – o Espírito Santo – teria ditado o canto litúrgico ao papa Gregório. Muitas estátuas, como a de Chartres, mostram uma pomba pousada no ombro do pontífice.” – FAVIER, Jean. Carlos Magno. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, p. 380.
  • 16. Na verdade, trata-se de uma imagem construída posteriormente: Gregório nunca compôs as melodias que lhe foram atribuídas no período carolíngio. Para o tema, ver DE CANDÉ, Roland. História Universal da Música 1. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 190-196.
  • 17. Boécio ainda escreveu De Institutione Musica (500). O Livro I do De Institutione Musica foi traduzido em uma dissertação de mestrado: CASTANHEIRA, Carolina Parizzi. De Institutione Musica de Boécio – Livro 1: Tradução e Comentários. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
  • 18. De 535 a 554. Para um resumo desse período que abarca o reinado de Justiniano I (482-565), ver VIGNORITA, Tullio Spagnuolo. “Justiniano e a Reconquista do Ocidente”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média I. Bárbaros, cristãos e muçulmanos. Alfragide, Portugal: Dom Quixote, 2014, p. 90-98.
  • 19. Expressão latina utilizada por Cícero em sua primeira Catilinária (Oratio in Catilinam Prima in Senatu Habita), quando lamenta a corrupção e as traições de seu tempo. O papa Gregório a utiliza em uma carta (Ep. V, 37) em que trata da política da Igreja de sua época.
  • 20. Um dos livros litúrgicos, especificamente utilizado pelo coro. A antífona é um versículo que precede o salmo.
  • 21. GROUT, Donald. A History of Western Music. New York: W. W. Norton & Co., 1960, p. 28-29.
  • 22. RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. Europa. Las claves de su historia. Barcelona: RBA, 2012, p. 49.
  • 23. Aliás, um dos temas do historiador escocês Niall Ferguson: A Grande Degeneração - A Decadência do Mundo Ocidental. Planeta, 2013.
  • 24. Para as relações da Igreja de Gregório Magno com o universo político de seu tempo, ver MAYMÓ Y CAPDEVILA, Pere. “Política de lo sacro y sacralización de la política según el Epistolario de Gregorio Magno”. In: DELMAIRE, Roland, DESMULLIER, Janine, et GATIER, Pierre-Louis (édits.). Correspondances. Documents pour l’histoire de l’Antiquité tardive. Actes du colloque international, Lille, 20-22 novembre 2003. Lyon, Maison de l’Orient et de la Méditerranée – Jean Pouilloux, 2009, p. 359-390. Um excelente trabalho sobre o papa, sua vida e obra é o livro de M. COLOMBÁS, García. La Tradición Benedictina. Ensayo histórico. Tomo Segundo: Los siglos VI y VII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1990, p. 171-274.
  • 25. “Uma tentativa para uniformizar o canto litúrgico vem, por sua vez, completar essa primeira reforma. Em 760, quando de uma viagem à Roma, o bispo de Ruão – um irmão do rei Pepino – fica encantado com a liturgia e traz com ele para a Gália um professor da scola cantorum do papa: pretende-se familiarizar os clérigos da Nêustria com as modulações da salmodia romana. Posteriormente, o bispo enviaria vários de seus clérigos para aprender mais em Roma.” – FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 378.
  • 26. Sinais que indicavam o movimento da melodia, mas postos como uma transcrição dos movimentos da mão do diretor do coro. Assim, não permitiam a leitura da música sem o conhecimento prévio da melodia.
  • 27. Ver MAINOLDI, Ernesto. “A prática da música. A monodia sagrada e o começo da polifonia”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média I. Bárbaros, cristãos e muçulmanos. Alfragide, Portugal: Dom Quixote, 2014, p. 737-747.
  • 28. Aspecto destacado por Georges Duby em relação aos monges cistercienses, mas que se adequa com perfeição também para o caso (original) do surgimento do canto gregoriano: “...o trabalho próprio ao monge realizava-se em equipe, através desse esforço de todo o corpo que o gesto de cantar requer. As palavras pronunciadas em uníssono, as do salmo de Davi, se inscreviam, com efeito, numa linha melódica, percorrendo os sete tons da música. Este suporte musical servia para concordar com as harmonias cósmicas, isto é, com a razão de Deus, as palavras dos homens, confundi-las com as palavras dos anjos, cujo coro enche a cidade celeste. Através de tal concordância se realizava em sua plenitude a ligação imaterial entre a terra e o céu, que o mosteiro tinha por função estabelecer. Assim, para atingir uma maior perfeição, as melhores abadias, no decurso do século XI, haviam ampliado progressivamente o tempo da salmodia.” – DUBY, Georges. São Bernardo e a arte cisterciense. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 28.
  • 29. TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medieval. Madrid: Ediciones Akal, 2002, p. 105.
  • 30. Chant: The Benedictine Monks of Santo Domingo de Silos. Angel Records, 1994.
  • 31. A respeito da virilidade que o canto gregoriano expressa, é notável a percepção, séculos mais tarde, que o papa João XXII (1249-1316) manifestou a respeito da Ars nova (música que, no século XIV, iniciou o contraponto, se opôs às teorias musicais gregas ainda vigentes e reconheceu a terça como uma sonoridade harmônica, criando assim a polifonia) em uma bula papal de 1324: “Alguns discípulos da nova escola (...) tentam, com novas notas, expressar melodias que são somente suas próprias, em prejuízo dos antigos cantos (...) mediante o ‘descanto’ introduzem a efeminação (...) e chegam a desprezar os princípios fundamentais do antifonário e do gradual (...) Os sons correm e não conhecem descanso, deleitam os ouvidos, mas não curam a alma (...) e fazem com que se esqueça a piedade”. Citado em TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medieval, op. cit., p. 138.
  • 32. Na filosofia clássica, desde os pré-socráticos, entendia-se a 0rdem como uma expressão do logos (λόγος0); quanto aos medievais, além de ser um conceito estruturante do pensamento filosófico cristão, como boa disposição das coisas, ainda era um dos sacramentos
  • 33. PLATÃO, A República, VII, 14, 534-6); ARISTÓTELES, Metafísica, 9, 6, 1.047 b 35.
  • 34. Especialmente a harmonia do mundo (PLATÃO, Fédon, 86c).
  • 35. MARCONI, Luca, e PANTI, Cecilia. “Introdução”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média I. Bárbaros, cristãos e muçulmanos. Alfragide, Portugal: Dom Quixote, 2014, p. 719.
  • 36. “Musique”. In: Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des métiers de Diderot et d’Alembert.
  • 37. Para os antecedentes monárquicos que constituíram o período moderno, ver, especialmente, LE ROY LADURIE, Emmanuel. O Estado Monárquico. França, 1460-1610. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • 38. “Um masoquista, exibicionista, neurastênico, hipocondríaco, onanista, homossexual não manifesto afligido pelo impulso típico para se deslocar constantemente, incapaz de ter afetos normais ou paternos, com forte propensão à paranóia, um narcisista introvertido tornado anti-social graças a sua doença, cheio de sentimento de culpa, tímido num grau patológico, cleptomaníaco, infantil, irritadiço e avarento” – JOHNSON, Paul. Os intelectuais. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p. 37.
  • 39. MATTOSO, José (dir.). História de Portugal IV. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Círculo de Leitores, 1993.
  • 40. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura (trad. de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. Para o tema, ver LOUZADO, Gerson Luiz. “O paradoxo das coisas em si mesmas”. InO que nos faz pensar n. 19, fevereiro de 2006, p. 149-164.
  • 41. GOETHE, JOHANN WOLFGANG VON. Fausto. Primeira Parte da Tragédia (trad. de Jenny Klabin Segall). São Paulo: Ed. 34, 2004.
  • 42. Para o tema, ver ASHTON, T. S. La Revolución Industrial, 1760-1830. México: Fondo de Cultura Económica de España, 2014.
  • 43. Além das obras de Ruiz-Domènec, devo prestar minha reverência e admiração por um autor banido da universidade brasileira: Will Durant (1885-1981). Os últimos volumes de sua monumental História da Civilização são uma ode à bela escrita, à saborosa narrativa fatual, qualidade estilística hoje quase desaparecida dos círculos acadêmicos. O mesmo ocorre com o delicado capítulo dedicado a Mozart, em Rousseau e a Revolução. Rio de Janeiro: Record, s/d, p. 388-415.
  • 44. Uma boa biografia, do ponto de vista sociológico, é a de ELIAS, Norbert. Mozart. Sociologia de um Gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
  • 45. Concluído em Salzburg em 1777.
  • 46. DURANT, Will e Ariel. A História da Civilização X. Rousseau e a Revolução. Uma história da Civilização na França, Inglaterra e Alemanha de 1756, e no restante da Europa de 1715 a 1789. Rio de Janeiro: Record, s/d, p. 402.
  • 47. Tema estudado por ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
  • 48. RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. Personajes intempestivos de la Historia. Madrid: Gredos, 2011, p. 260.
  • 49. Inicialmente uma peça sentimental melódica escrita para uma só voz ou um instrumento, a Romança passou a ser aplicada no século XVIII a peças líricas. Geralmente implica uma qualidade sonora terna e sentimental.
  • 50. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • 51. DEBUSSY, Claude. Monsieur Croche et autres écrits, Gallimard, 1987, p. 206.
  • 52. Por exemplo, em 14/10/2013, em Tarragona, foi realizada uma cerimônia de beatificação organizada pela Igreja Católica, dos religiosos assassinados durante a Guerra Civil. No total, são 1.523 os beatificados. Ver “Los datos de la persecución religiosa dejan en evidencia la ofensiva de Izquierda Unida”. In: Libertad Digital España, 14/10/2013. Por sua vez, a bibliografia sobre a Guerra Civil Espanhola é incomensurável. Limito-me a indicar, para um primeiro contato, a obra geral de Ruiz-Doménec, España, una nueva historia (Madrid: Gredos, 2009).
  • 53. Antonio Tovar foi filólogo, linguista e historiador que, nesse período, ocupou a Subsecretaría de Prensa y Propaganda (1940-1941)
  • 54. Ainda que a interpretação de Paco de Lucia (1947-2014) no Boulevard da Casa de la Cultura de Torrelodones com a Orquestra de Cadaqués, em 1991, seja mais dramática que a de Williams, que, por sua vez, confere um andamento um pouco mais veloz. No entanto, o toque limpíssimo do violonista inglês sempre me encantou! Provavelmente é essa a sua característica mais impressionante.
  • 55. Quanto mais esquecido no Brasil, mais desejo tenho de sempre citá-lo: BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo na época de Filipe II. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 02 volumes, 1995.
  • 56. “Invejem-nos. Os historiadores têm ao menos duas maneiras de escapar ao tempo presente. Primeira: eu me enfio e me perco no passado. Vivi assim quarenta anos de minha vida ao lado de Felipe II da Espanha, o rei de triste semblante (...). Segunda: evadir-me para o futuro (...) o mundo atual, decerto, não é lá muito deleitável. Na verdade, não é ele simplesmente sinistro?” – BRAUDEL, Fernand. Reflexões sobre a História. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 330-331.
  • 57. RODRIGO, Joaquín. Porqué y cómo se hizo el Concierto de Aranjuez.
  • 58. “O maestro Joaquín Rodrigo tinha uma incurável nostalgia do espanhol e em 1939 quis recriar, preocupado com sua possível perda, o espaço onde se construiu o espírito amável de uma nação que quase sempre costuma mostrar seu rosto amargo, criminoso. Compôs um concerto para violão em três movimentos: Allegro con espirito, Adagio e Alegro gentile, uma alegoria da Espanha, o improvável e precário mundo que a história alimentou e abandonou à corrente destruidora (o segundo movimento está inspirado no bombardeio de Guernica). (...) Aqueles que caíram no esquecimento agradecem que lhe confiramos essa majestosa oferenda. Não existe desprezo maior à História da Espanha do que aqueles que tratam seu passado com familiar cordialidade. Nunca foi fácil viver neste país. Nunca. Ainda assim, estes jardins animam seus visitantes, em especial aqueles que se alimentaram durante décadas da literatura do desencanto, a reconhecer o esforço em visitar o velho solar pátrio sob uma luz menos desdenhosa e mais esperançosa. E é aqui onde precisamente o violão do maestro Rodrigo nos recorda que isso é possível, ademais desejável.” – RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. España, una nueva historia. Madrid: Gredos, 2009, p. 825-827.
  • 59. Louvai ao Senhor. Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento do seu poder. Louvai-o pelos seus atos poderosos; louvai-o conforme a excelência da sua grandeza. Louvai-o com o som de trombeta; louvai-o com o saltério e a harpa. Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos. Louvai-o com os címbalos sonoros; louvai-o com címbalos altissonantes. Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao Senhor. Sl 150, 1-6.
  • 60. DELUMEAU, Jean. O que sobrou do paraíso? São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 231.
  • 61. LUPI, João. “Por que os anjos são músicos”. In: Música em perspectiva v. 5, n. 2 (2012), p. 7-26.
  • 62. Há inúmeras passagens bíblicas que aludem ao dom de Deus. Por exemplo, “Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo” (Ef 4, 7); “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2, 8); “Porque quereria que todos os homens fossem como eu mesmo; mas cada um tem de Deus o seu próprio dom, um de uma maneira e outro de outra” (1Cor 7, 7).
  • 63. Originalmente, esse trabalho foi fruto de uma palestra apresentada na IV Semana de Integração, Ensino, Pesquisa e Extensão –SINTEGRA UFVJM, Diamantina (MG), no dia 11 de junho de 2015. Agradeço a leitura crítica da amiga (e historiadora) Carmen Lícia Palazzo e do amigo (historiador e músico) Luiz Carlos Figueiredo (que se emocionou com a leitura do texto).
  • 64. ANICII MANLII TORQUATI SEVERINI BOETII. DE INSTITUTIONI MUSICA (ed. Gottfried Friedlein). Leipzig: B. G. Teubneri, 1867, p. 186 (trad. Luiz Astorga).

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