Vida Coetânia (1311)

Trad. e notas: Ricardo da COSTA1
Revisão: Alexander FIDORA
Supervisão: Fernando DOMÍNGUEZ REBOIRAS

 

 

Vida Coetânia
Aqui segue a vida e os atos do reverendo mestre Ramon Llull
I

1.

À honra, glória, louvor, magnificência de Nosso Senhor Deus Jesus Cristo, o reverendo e digno de grande memória, mestre Ramon Llull, do reino de Maiorca, instado e solicitado uma e muitas vezes por alguns seus devotos, (ele) referiu e contou as coisas abaixo escritas, onde se contêm a sua vida, conversão e penitência2 muito alta e maravilhosa, segundo que aparecem abaixo especificadamente.

2.

Ele contou primeiramente e antes de todas as coisas que, estando como senescal e majordomo do superilustre senhor rei de Maiorca3, como fosse na plenitude de sua juventude e afeito na arte de trovar e compor canções e ditados das loucuras deste mundo, estava uma noite diante de sua câmara sobre o arquibanco de seu leito4, imaginando e pensando uma vã canção, e escrevendo aquela em (língua) vulgar para uma namorada, a qual naquele momento amava com um amor vil e feiticeiro5, como, donde, tinha todo o seu entendimento aceso e ocupado em ditar aquela vã canção, mirando com insistência à parte direita viu Nosso Senhor Deus Jesus Cristo suspenso com os braços em cruz, muito dolorido e apaixonado. O qual visto, tendo grande temor em si mesmo, e, deixando todas aquelas coisas que tinha entre suas mãos, partiu, meteu-se em seu leito e cobriu-se.6

3.

E no dia seguinte de manhã levantou-se, não tomando conhecimento da visão que na noite passada havia tido, tornou a ditar aquela vã e tola canção que havia começado, e, como da outra vez, àquela hora e naquele mesmo lugar tornou a escrever e a ditar aquela mesma canção, outra vez Nosso Senhor lhe apareceu com os braços em cruz naquela mesma forma, visão da qual ele muito mais espantado que da primeira (vez), deixou todas as coisas, partiu e meteu-se em seu leito. Não obstante, por isso, ele não deixou aquela louca vontade, antes bem, pouco depois de manhãzinha, tornou ele a acabar aquela canção e não tomou conhecimento daquelas visões maravilhosas que lhe apareceram na terceira, na quarta e na quinta (vez).

4.

Pelas quais aparições assim repetidas, ele muito espantadamente cogitou que desejava asseverar aquelas visões tão repetidas, e o estímulo da consciência lhe ditava que Nosso Senhor Deus Jesus Cristo não desejava outra coisa senão que, deixasse o mundo e totalmente se doasse à sua servidão. E assim, de outra parte argüiu a si mesmo ser indigno de servi-Lo, dada a vida que até aquele dia havia podido realizar, esteve muito entristecido toda aquela noite, pregando ao Nosso Senhor que o iluminasse e, remirando a si mesmo com grande mansidão, paciência e misericórdia com a qual Nosso Senhor tem advertido7 os pecadores, confortou-se com verdadeira confiança em Nosso Senhor, não obstante a vida que até aquele dia havia podido realizar, era vontade de Nosso Senhor que ele se entregasse totalmente em sua servitude.

5.

E, já com este propósito e deliberação estivesse inflamado e incendiado no amor do crucifixo, cogitou qual ato, qual serviço ele poderia fazer que fosse aceitável e plausível à sua paixão. E, pensando nisso, ocorreu-lhe o dito do Evangelho, que diz que não pode haver maior caridade nem amor nenhum com o outro que dar8 a vida por aquele; e, para tanto, o dito reverendo mestre, já todo incendiado em ardor no amor para com a cruz, deliberou que maior nem melhor agradável ato não poderia fazer do que converter9 os infiéis e incrédulos à verdade da santa fé católica, e para aquilo colocar a sua pessoa em perigo de morte. E, como ele ficou pensando longamente sobre isso, voltando diante de si mesmo, ele duvidou ser apto e disposto a tão alto ministério; porque considerando ser iletrado — como em sua juventude só havia aprendido um pouco de Gramática10 — e considerando esta falta tão grande e defeito em tão alto ministério, e contrário disso que ele desejava, começou a ter tanta dor que quase saiu de si mesmo.

6.

E pensando estas coisas com pensamento doloroso, confiou e pensou que ainda doravante ele faria livros, uns bons e outros melhores, sucessivamente, contra os erros dos infiéis11. Mas isto ele fez por inspiração divina; porque, como ele era em si mesmo, não podia pensar como ou de qual maneira ele ordenaria os ditos livros, porque não tinha ciência.

7.

E pensando mais adiante que, malgrado ele fizesse isto, mais não sabia a língua mourisca ou arábica, que alguma coisa não lhe aproveitaria, e mais adiante, considerando ele estar só neste exercício tão grande, por isso pensava que partiria ao santo Pai e aos príncipes dos cristãos a impetrar que fizessem diversos monastérios, onde homens sábios e literatos estudassem e aprendessem a língua árabe e de todos os outros infiéis para que pudessem predicar e manifestar entre eles a verdade da santa fé católica.

8.

Donde, estas três coisas firmemente deliberadas dentro de seu pensamento, isto é, de colocar a sua vida para a honra de Jesus Cristo, de fazer os livros acima ditos, e de fazer construir e edificar diversos mosteiros, assim como é dito acima; partiu daqui o dito reverendo e mestre e foi-se embora à Igreja, que não era muito longe, e aqui prostrou-se em terra, suplicando apaixonadamente, com lágrimas, que lhe fizesse suportar a um bom fim e conclusão aquelas três coisas que havia deliberado dentro de sua alma.

9.

E, acabada a sua oração, retornou à sua casa, tendo os negócios mundanos ainda o impedindo, esteve por três meses que com diligência não podia trabalhar nas ditas coisas, mas veio à festa daquele glorioso seráfico12 monsenhor São Francisco13, e ouvindo o reverendo mestre o sermão de um bispo que predicava na dita festa, dizendo e recontando como o glorioso monsenhor São Francisco tinha deixado todas as coisas mundanas e era totalmente entregue ao serviço da cruz, foi tocado dentro de suas entranhas e deliberou que, vendidas as suas possessões, ele faria o mesmo. E de fato, deixada certa parte dos bens para sustento da mulher e infantes, partiria embora à Igreja de São Jaime e à Nossa Dona de Rocatallada, e a diversos lugares santos, para suplicar a Nosso Senhor que o endereçasse naqueles três propósitos que havia deliberado fazer.

II

10.

Acabada, donde, pelo dito reverendo mestre a sobredita romaria, deliberou ir ao grande Estudo de Paris, para aqui aprender gramática e outras ciências, mediante as quais, e com a ajuda do Senhor, pudesse dar conclusão ao seu santo propósito. Mas seus amigos e familiares e principalmente mestre Ramon de Penyafort, da ordem do glorioso monsenhor São Domingo, lhe impediram e o ergueram do entendimento que não fosse embora14; antes retornasse à sua cidade de Maiorca.15

11.

E de fato, estando em Maiorca, colocou (de lado) todas as superfluidades de vestiduras as quais ele costumava trazer, vestiu-se de um hábito muito honesto e da mais grossa fazenda que encontrou, e com aquele hábito ele se entregou a saber algum tanto de Gramática16. E mais adiante comprou um mouro, para que dele pudesse aprender a língua arábica ou mourisca. E, como desta forma ele estivesse estado pelo espaço de nove anos17, aconteceu que um dia de manhãzinha o dito mouro, ausente o dito reverendo mestre, blasfemou o sobresanto nome de Jesus Cristo. A qual coisa depois como lhe fosse recontada, inquieto pelo intrínseco zelo de Nosso Senhor, feriu o dito mouro assim na boca como na cara, cabeça e outras partes de seu corpo, e, como o dito mouro fosse muito alto de coração e fosse quase do estado de mestre do dito senhor seu em mostrar-lhe a língua mourisca18, (o escravo) teve grande ira dos ditos golpes, e de fato, pensou de que forma e maneira o poderia matá-lo.

12.

E, como numa manhã ele tivesse uma faca muito cortante, e viu seu senhor estar totalmente só e sentado em uma cadeira, com um grande grito deixou-se ir na direção dele, gritando: “— Agora morrerás!”. E, não obstante, o dito reverendo mestre desviou o golpe segundo sua força, mas o labaça chagou-lhe um golpe sobre o ventre, mas não foi mortal, e lutando com ele derrotou o dito mouro e levou a faca; e, como a companhia de casa sentisse remorso19, quiseram matar o dito mouro, mas o dito reverendo mestre não o permitiu, antes o fez meter dentro do cárcere a fim de que pudesse deliberar o que faria dele. E, como de uma parte pensava como por parte do dito mouro havia recebido grande benefício de aprender a língua mourisca, a qual ele muito havia desejado para fazer honra a Nosso Senhor Deus, lhe parecia portanto que não lhe devesse dar morte; e, como de outra parte não duvidasse que outra vez voltasse a desejá-lo matar, estava em grande dúvida e perplexidade no que faria.

13.

E, de fato, partiu à Nossa Dona de Real20 para pregar a Nosso Senhor Deus que Lhe inspirasse o que faria com o dito mouro. E como houvesse feito ali orações por três dias, e estivesse muito maravilhado que seu espírito não descansava em dar-lhe morte ou vida, antes estava naquela mesma perplexidade, com grande tristeza retornou à sua casa; e, quando passou pelo cárcere onde o cativo estava, descobriu que o dito cativo estava pendurado com a corda com que estava preso21. Deu então graças a Nosso Senhor o dito reverendo mestre, que Lhe havia tirado daquela grande perplexidade, pelo qual tanto Lhe havia suplicado.

 

III

14.

Depois de todas estas coisas, o dito reverendo mestre subiu alto em uma montanha chamada Randa22, a qual não era muito longe de sua casa, para que aqui melhor pudesse pregar e servir a Nosso Senhor23. E como tivesse estado aqui por quase oito dias, e um dia estivesse contemplando e tendo os olhos voltados para o céu, em um instante lhe veio certa ilustração divina, dando-lhe ordem e forma de fazer os ditos livros contra os erros dos infiéis24. Da qual coisa o dito reverendo mestre muito alegre, com grandes lágrimas nos olhos, fez muitas graças a Nosso Senhor daquela graça tão maravilhosa; e, incontinenti, desceu da dita montanha e rapidamente foi embora ao mosteiro de Real25, para que mais rapidamente pudesse ordenar os ditos livros26; e, de fato, ordenou um livro muito belo, o qual chamou Arte Maior e depois Arte Geral27 sob a qual arte depois compilou muitos livros para a capacidade dos homens iletrados; e como o dito reverendo mestre tivesse acabado a dita obra, subiu outra vez ao monte Randa, e naquele lugar onde ele recebeu aquela grande ilustração fez edificar um ermitório28, no qual esteve pelo espaço de quatro meses, dia e noite suplicando a Nosso Senhor que aquela Arte que havia ordenado fosse à Sua honra e ao proveito da santa fé católica, e que a fizesse prosperar.

15.

E de fato, estando o dito reverendo mestre nesta forma e maneira, aconteceu que numa manhã veio um jovem pastor de ovelhas, com a cara muito alegre e divertida, o qual dentro de uma só hora lhe recontou tanta singularidade da essência divina e do céu, e singularmente da natureza angelical, como um grande homem de ciência tivesse podido explicar em dois dias; e vendo o dito pastor os ditos livros que o dito reverendo mestre havia ordenado29, beijou-os com os joelhos na terra, e com lágrimas disse que por aqueles livros seguiriam muitos bens na Igreja de Deus; e, abençoando o dito reverendo mestre com o sinal da cruz, assim como se fosse um grande profeta30, ele partiu e deixou o dito reverendo mestre completamente admirado, porque não lhe parecia que nunca havia visto o dito pastor, e nunca havia ouvido falar dele.31

16.

Depois destas coisas, como o senhor rei de Maiorca houvesse ouvido dizer que o dito reverendo mestre havia ditado certos livros, transmitiu (uma mensagem) para que ele viesse a Montpellier32. E como fosse até lá, o senhor rei fez um mestre em teologia, frei menor33, examinar os ditos livros, e especialmente as meditações que ele havia ordenado (trinta parágrafos especiais para todos os dias do ano)34 ; às quais coisas recebeu e examinou com grande admiração e reverência o dito frade menor. E nesse momento, no dito lugar de Montpellier, fez o dito reverendo mestre um livro chamado Arte demonstrativa, a qual leu aqui publicamente, e sobre aquele fez uma leitura no qual declarava como a primeira forma e a primeira matéria constituíam um caos elemental, e como os dez predicamentos universais estão abaixo deste e são contidos naquele, segundo a verdade católica teologal.

17.

E naquele tempo o dito reverendo mestre suplicou ao dito senhor rei que fosse edificado um monastério no reino de Maiorca, bem dotado de possessões, no qual pudessem viver treze frades que aprendessem a língua mourisca para converter os infiéis, aos quais todos os anos fossem dados quinhentos florins de ouro para seu sustento.35

IV

18.

Depois destas coisas36, foi-se embora o dito reverendo mestre ao santo pai37 e aos cardeais para obter que fossem feitos monastérios pelo mundo onde se aprendessem diversas línguas para converter os infiéis; e, como fosse até a corte38, encontrou o santo pai que nesse momento tinha acabado de morrer39; pela qual coisa, deixada a corte, tornou a via de Paris, com o propósito e intenção de ler e comunicar a Arte públicamente, a qual Nosso Senhor lhe havia comunicado.

19.

De fato, em Paris, leu aqui publicamente na escola do mestre Britolt40, chanceler do dito Estudo41; e, como aqui houvesse estado um tempo e houvesse visto a forma do Estudo42, foi-se embora para Montpellier43 e aqui ordenou e fez um outro livro, o qual chamou de Arte de trobar veritat44. Assim mesmo, reduziu em todos os outros livros as sete figuras a quatro, por amor à fragilidade humana. As quais coisas todas ordenadas, partiu de Montpellier e foi-se embora pelo caminho de Gênova, onde transladou para o mourisco o dito Libre inventiu de la veritat45 A qual coisa acabada, deliberou partir para a corte romana para dar forma de fazer os monastérios que tanto desejava46; mas como na dita corte romana pudesse aproveitar pouco pelos grandes obstáculos que aí sentia, deliberou de retornar a Gênova para que daqui pudesse passar para a Berbéria mais facilmente para provar se ele totalmente só poderia conseguir alguma coisa disputando e conferindo com eles segundo a Arte que Nosso Senhor Lhe havia inspirado, isto é, provando a santa encarnação do Filho de Deus, a Santa Trindade, a qual os infiéis não acreditam.

20.

E como tivesse chegado em Gênova, prontamente divulgaram que ele desejava passar à Berbéria; e, de fato, o povo tinha confiança que Nosso Senhor Deus faria grandes maravilhas pelas mãos dele, como (já) tivessem ouvido que Nosso Senhor Lhe havia inspirado em certa montanha. E de fato, estando ele neste santo propósito, como aí houvesse já uma certa passagem pela Berbéria, e o dito reverendo mestre já houvesse recolhido os seus livros, sobreveio-lhe uma tentação muito forte47, porque o seu entendimento lhe ditava, assim realmente como se ele o visse, que incontinenti que ele estivesse na Berbéria, sem deixá-lo disputar nem predicar, os mouros o apedrejariam, ou ao menos meteriam-no em cárcere perpétuo; da qual coisa teve grande temor o dito reverendo mestre, assim como se lembrou do monsenhor São Pedro48; e, de fato, o dito reverendo mestre, por este temor não se moveu aquela vez, obrigado por Nosso Senhor, ao qual nesse momento não suportaria. E, como o barco49 já havia partido, tentação contrária reteve o dito reverendo mestre, considerando que por aquele grande pecado Nosso Senhor o danaria; e não duvidando que houvesse dado escândalo ao povo contra a fé, quase viu-se em ponto de desespero, e tinha tanta dor dentro de sua alma, que exalou uma parte para fora e caiu em uma grande doença, na qual esteve por um grande tempo, e ninguém jamais conseguiu descobrir a causa.50

V

21.

E vindo à festa de Pentescostes51, o dito reverendo mestre, assim doente como estava, se fez levar à Igreja de Monsenhor São Domingo52; e como cantassem aquele santo hino que dizia: “Veni creator Spiritus”, seu entendimento voltou ao ver Nosso Senhor, e com lágrimas afetuosas suplicou-lhe que, por sua grande benignidade, lhe perdoasse aquela fraqueza tão grande. E de fato, como lhe houvessem colocado dentro do dormitório em uma câmara, continuou o dito reverendo mestre a sua alta oração, mirando o teto da dita câmara, (quando) viu uma pequena luz, assim como uma estrela, a qual saiu uma vez e lhe disse tais palavras: “Nesta ordem deves salvar-te”. E tão logo ouviu estas palavras, o dito reverendo mestre solicitou aos frades que lhe vestissem com o hábito de monsenhor São Domingo. A qual coisa os freires não ousaram fazer, porque o prior não se encontrava ali

22.

E como o dito reverendo mestre retornasse à sua morada, recordou em sua memória como os freires menores53 haviam aceito melhor a Arte que Nosso Senhor Lhe havia inspirado54 do que os freires pregadores55, e por isso, pensou que deixada a Ordem de São Domingo, tomasse o hábito do monsenhor São Francisco; e, como ele pensasse estas coisas, viu em sua parede, próprio dele, uma corda ou cinto do monsenhor São Francisco; e como pelo espaço de uma hora, ele houvesse pensado nestas coisas, mirando no alto ele viu aquela mesma luz a qual havia visto nos pregadores56, e ouviu a mesma voz que, quase o guiando, lhe disse: “Eu não te disse que somente na ordem dos pregadores te poderás salvar? Veja, donde, o que farás.”

23.

A qual coisa, como o dito reverendo mestre houvesse escutado, pensando em si mesmo que, se ele não entrasse na Ordem dos frades menores os seus livros se perderiam; e vendo, de outra parte, a visão da estrela, que se não entrasse na ordem dos pregadores não se salvaria, ficou a pensar em grande angústia. E, depois de pensar longamente, elegeu que mais valia ele ser totalmente danado que aquela sua Arte se perdesse, com a qual muitos poderiam se salvar. E, não obstante a palavra da estrela, enviou imediatamente um pedido para o guardião dos freires menores57 que lhe desse o hábito do glorioso monsenhor São Francisco, o qual lhe prometeu dar logo que estivesse mais próximo de sua morte.58

24.

E, não obstante, o dito reverendo mestre acreditava que Nosso Senhor não desejava lhe perdoar, mas para não dar mal exemplo de si mesmo ao povo que não morreria como verdadeiro católico, quis fazer ordem de cristão. E, como o sacerdote lhe houvesse trazido o corpo precioso de Jesus Cristo, e estando diante dele à sua direita, voltou-se livre, sentindo o dito reverendo mestre que lhe viraram com força a parte esquerda do rosto, e assim mesmo o precioso corpo de Jesus Cristo lhe pareceu que passasse também ao costado esquerdo, dizendo-lhe tais palavras: “— Sustentarás pena condigna se assim na forma que estais desejar receber-me”. Mas o dito reverendo mestre, estando firme no seu propósito, amava mais ser danado totalmente só do que perder sua Arte, com a qual muitos podiam se salvar; e, sentindo outra vez girar com força o rosto à outra parte direita e tendo Nosso Senhor diante de si, levantou-se do leito e lançou-se de bruços, diante dos pés do sacerdote; e com esta devoção fixa dita acima, o dito reverendo mestre comungou. “Oh — disse um doutor — maravilhosa tentação! Abraão patriarca contra toda esperança confiou em Nosso Senhor, e com esperança.”59 E o dito reverendo mestre Ramon elegeu mais cedo sozinho ser danado do que perder sua Arte, com a qual muitos poderiam se salvar, tanto que havemos dito que amava mais seu próximo do que a si mesmo.

25.

Enquanto o dito reverendo mestre estava assim angustiado da sua doença, veio uma notícia que uma galera se preparava para ir a Túnis; da qual coisa, alegrando-se muito o dito reverendo mestre fez-se aportar com seus livros dentro da galera; mas seus amigos, vendo que ele estava em tão grande doença, forçaram-no a permanecer; da qual coisa (ficou) com grande dor o dito reverendo mestre.

VI

Mas, como depois de poucos dias uma barca se preparava para ir ao mesmo dito lugar de Túnis, contra a vontade dos seus ditos amigos (ele) se colocou dentro da dita barca trazendo o que tinha de melhor, e imediatamente, à instância sua, fizeram vela e saíram do porto para que não fosse impedido outra vez pelos seus amigos. E, pensando o dito reverendo mestre que ele já estava no caminho para ir à Berbéria (isto que tanto havia desejado), perdeu o remorso da consciência que da outra vez não havia partido, e veio uma alegria na alma que dentro de muitos poucos dias ele estava assim (bem) disposto na sua pessoa como mais (não) estivesse estado (antes); da qual coisa se maravilharam fortemente aqueles que vinham com ele.60

26.

Como houvesse feito louvores singulares e graças a Nosso Senhor, entraram no porto de Túnis. E, chegando em terra, entraram dentro da cidade, e o dito reverendo mestre começou a procurar dia-a-dia aqueles que eram mais literatos na seita de Maomé, declarando-os como ele havia estudado a lei dos cristãos e que sabia bem a sua fé e os fundamentos dela, mas que tinha vindo aqui para saber a sua seita e credulidade; e que se ele encontrasse que aquela fosse melhor que aquela dos cristãos, e ele não pudesse provar (que a dos cristãos era melhor), que por certo ele se faria mouro. E como isso fosse sentido por muitos, acomodaram-se todos os mouros conhecedores que se encontravam diante da cidade de Túnis, alegando as mais fortes razões que sabiam e podiam em sua seita; e como o dito reverendo mestre facilmente respondeu e satisfez a eles, todos estavam espantados e maravilhados, e por isso ele começou a falar e dizer assim: “— Convém manter aquela fé e crença (a cristã) a qualquer homem sábio e letrado, qual majestade divina, a qual cada um de vocês crê e outorga, atribuindo maior honra, bondade, poder, glória e perfeição, e todas estas coisas em maior igualdade e concordância; e assim mesmo aquela fé e crença (a cristã) deve ser mais exaltada e mantida a qual entre Nosso Senhor Deus e o seu efeito possua maior concordância e conveniência.61 E, como eu entendo, pelas coisas propostas a mim por vocês, que todos vocês que têm a seita de Maomé não entenderam que nas dignidades divinas existem atos próprios intrínsecos e eternos, sem os quais as dignidades divinas são ou seriam ociosas ab aeterno (assim como na bondade de Deus podemos dizer bonificativo, bonificável e bonificar, e em magnificência, magnificativo, magnificável e magnificar, e assim das outras dignidades semelhantes62; e, por consegüinte, seria colocar ab aeterno a ociosidade em Deus, a qual coisa seria blasfêmia, e contra a igualdade e concordância a qual realmente existe em Nosso Senhor Deus); e por isso, por esta razão, os cristãos provam que a trindade de pessoas existem na essência divina.”

27.

“A qual coisa provo necessariamente: outro dia ouvi dizer que foi revelado a um certo ermitão, ao qual divinalmente foi inspirada certa Arte para demonstrar por vivas razões como na simplicíssima essência divina há trindade de pessoas. As quais razões e Arte, se com pensamento repousado quisessem escutar, ouviriam claramente não tão somente as coisas ditas acima, mas ainda como a segunda pessoa está unida de uma maneira razoável na natureza humana, e como na humanidade muito razoavelmente há paixão sustentada pela Sua grande misericórdia, pelos pecadores entre nós, pelo pecado de nosso primeiro pai, e para trazer-nos à Sua glória e beatitude, pela qual ultimamente temos estado criados.”

VII

28.

E, como finalmente o dito reverendo mestre com as ditas razões começou a ilustrar os pensamentos e entendimentos dos ditos infiéis, seguiu-se que um dos ditos infiéis, pensando que se aquelas razões tão altas, tão maravilhosas e tão necessárias fossem manifestadas, a sua seita viria a ser totalmente exterminada e destruída, denunciou as coisas acima ditas ao seu rei63, requerendo que o dito cristão morresse uma morte cruel. E, sobre as coisas ditas acima, o dito rei convocou seu conselho, que determinou aqui, pela maioria, que o dito reverendo mestre devesse morrer. Mas Nosso Senhor Deus, que não permite que seus servos venham correr tais perigos, quis que ainda fosse servido pelo dito reverendo mestre nas maiores coisas, (e) colocou um entendimento num grande mouro que, contra a opinião e conselho de todos os outros, disse tais palavras: “— Não convém a um tão alto príncipe e rei como tu és, dar tal juízo e sentença a alguém que, por exaltar a sua lei, se metesse neste perigo: porque seguir-se-ia que se um dos nossos andasse entre os cristãos para convertê-los à nossa lei, assim mesmo o matariam uma tal morte; e, por conseqüência, não se encontrariam mouros que daqui em diante ousassem andar para converter os infiéis à nossa lei e à boa parte, a qual coisa seria contra a nossa lei e em derrogação daquela.” Tantas boas palavras soube dizer o dito mouro, que, por determinação do dito rei, o conselho foi revogado e foi determinado que ele (Ramon) fosse expulso de todo o reino de Túnis; e, como o trouxessem do cárcere para conduzi-lo a uma nau de genoveses, tantos foram os golpes, bofetadas e pedradas que não se puderam contar.

29.

Alegrava-se, mas o dito mestre reverendo relembrou a paixão de seu Amado64; e sentiu dor, e não foi pouca, das perdas das almas, as quais já haviam estado alguém tão preparado para receber o santo batismo; e isto o fez ficar em grande perplexidade, porque via que, se fosse embora, todas aquelas almas se perderiam, e se ficasse, estava determinado que morreria. E, não obstante, como naquela revolta lhe houvessem conduzido em uma nau de genoveses, mas, não obstante o perigo de morte, ele saiu da nau e às escondidas partiu para a terra, esperando o lugar e o tempo para entrar na cidade e converter aquelas almas.

30.

E enquanto ele estava assim, seguiu-se que um cristão, que lhe era semelhante em hábito e gesto e andava pela cidade, foi preso com grande revolta; e, como o quisessem apedrejá-lo, (ele) gritava com grande voz: “— Eu não sou o mestre Ramon!”; e maravilhando-se daquilo, investigaram, e de fato, descobriram que não era ele, e por isso o deixaram ir. E como isso chegou ao conhecimento do dito reverendo mestre, considerou que aquilo era mistério divino, e que, por consegüinte, ele não poderia aproveitar alguma coisa. Naquele momento regressou à nau e foi para Nápoles65, e aqui publicamente leu a sua Arte até que o papa Celestino fosse eleito.66

VIII

31.

Feita a eleição do papa Celestino V, foi o dito reverendo mestre a Roma, para ver se poderia obter o que ele desejava; e, como houvesse estado aqui por algum tempo, e houvesse ordenado aqui alguns livros67, sucedeu o papa Bonifácio VIII68, ao qual assim mesmo muitas vezes suplicou o dito reverendo mestre por algumas utilidades da santa fé católica. E, não obstante, suportou muitos desgostos e trabalho em seguir a dita corte, mas pela honra de Nosso Senhor suportava tudo alegremente.

32.

E, como viu que não obtinha nada da sua finalidade69, partiu daqui e foi para Gênova, onde assim mesmo compilou alguns livros da sua Arte70, e seguidamente foi ao senhor rei de Maiorca71 E, havido seu encontro72 com ele, foi-se para a cidade de Paris73 onde leu publicamente a sua Arte, ordenando muitos livros. E como houvesse suplicado ao dito rei74 sobre algumas utilidades da santa fé católica75, e viu que não aproveitava nada, retornou a Maiorca76 Ali, trabalhava continuamente com disputas e sermões para converter à santa fé católica os mouros que aqui estavam.77

33.

E, como nesta forma trabalhava o dito reverendo mestre, seguiu-se que veio uma notícia que o grande tártaro havia conquistado todo o reino da Síria78, a qual coisa como houvesse escutado, o dito reverendo mestre meteu-se numa nau e foi até Chipre79; e quando chegou lá, descobriu que aquela notícia era falsa. E vendo o dito reverendo mestre que não podia terminar o (motivo) pelo qual tinha vindo, pensou em que forma despreendeu o tempo de sua vida em honra de Nosso Senhor Deus, seguindo o dito do apóstolo que disse: “— Fazer o bem não diminui, antes exercita aquele continuamente”80; e do profeta que disse: “— E vêm vindo, chorando e plantando a sua semente, mas virão com alegria, trazendo a sua semente”.81

34.

De fato, estando aqui, suplicou ao rei de Chipre82 que fizesse vir para a sua pregação alguns hereges que se encontravam em sua terra83, oferecendo-lhe que depois ele passaria ao sultão da Babilônia e ao rei da Síria e do Egito, para instruí-los na santa fé católica; da qual coisa o dito rei de Chipre deu pouca atenção. Mas, nem por isso, o dito reverendo mestre, confiando na ajuda de Nosso Senhor, não cessou de desconcertar os ditos hereges com pregações e disputas; e, como por algum tempo houvesse estado assim pregando (por) Nosso Senhor, caiu em certa doença corporal; e, como tinha duas pessoas que o serviam, isto é, um capelão e um rapaz, maldosos, instigados pelo mal espírito, envenenaram o dito reverendo mestre, a qual coisa como o dito reverendo mestre houvesse sabido, com grande humildade despediu-os.

35.

E mudando-se para a cidade de Famagusta, onde foi alegremente recebido pelo mestre do Templo, que estava na cidade de Limiso, e o recebeu em sua casa até que houvesse recobrado a saúde. E depois meteu-se em uma nau, e foi para Gênova, e fez diversos livros. Em seguida retornou ao Estudo de Paris, onde leu a sua Arte e compilou diversos livros.84

IX

No tempo do papa Clemente V85 o reverendo mestre partiu da cidade de Paris e foi até o santo pai, suplicando-lhe que fizesse construir diversos monastérios, nos quais se aprendessem diversas línguas para pregar a santa fé católica aos infiéis, assim como Nosso Senhor havia mandado aos apóstolos, dizendo: “ — Partam a todo o mundo universal para pregar o Santo Evangelho a toda criatura.”86 Da qual coisa assim (tanto) o santo pai com(o) os cardeais fizeram pouco caso ou ânsia.

36.

Pela qual coisa, o dito reverendo mestre, todo elevado em espírito, veio a Maiorca87 e daqui passou a Berbéria, na terra de Bugia88. E como fosse inimigo da praça, esqueceu do perigo de morte e começou a gritar em altas vozes: “— A lei dos cristãos é santa e verdadeira, e a seita dos mouros é falsa e malvada, e isso eu estou preparado para provar”. E, como houvesse dito muitas vezes estas palavras, atraiu uma grande multidão de mouros, que com grande revolta o quiseram matar; a qual coisa como fosse denunciada ao bispo da cidade89, os seus aguazis tramaram para prender o dito reverendo mestre e continuamente o conduziram. O qual, como foi conduzido ao bispo (este), começou a falar com ele, dizendo: “— Como tem estado tão louco, que desejas impugnar a lei de Maomé? Porque (não) sabe certa coisa, que cada um que aqui impugna deve morrer uma má morte?” Respondeu o dito reverendo mestre: “— O verdadeiro servo de Deus não deve temer o perigo da morte para manifestar aquela aos infiéis, que estão em erro, e trazer aqueles à via da salvação”.

37.

A qual respondeu o bispo: “— Dizes a verdade, mas qual é aquela lei que seja falsa e errônea, aquela dos cristãos ou dos mouros? Porque a mim me agrada ouvir a tua razão; se não há ninguém a provar a tua lei, diga-a, porque eu te escoltarei de bom grado”. Ao qual respondeu o dito reverendo mestre: “— Agrada-me; dê-me um lugar conveniente, onde estejam os teus sábios, e eu provar-te-ei por razões necessárias ser santa e verdadeira a lei dos cristãos.” E, de fato, marcaram lugar e tempo, interrogaram o dito reverendo mestre ao bispo, dizendo: “— Perguntaste a ti se em Nosso Senhor Deus existe bondade soberana”. Respondeu o bispo que sim. Nesse momento, o dito reverendo mestre, desejando provar a Santíssima Trindade, argüiu assim: “— Toda bondade soberana é assim perfeita em si mesma, que em si mesma existe todo o bem, e não falta obrar algum bem de fora de si, nem tem necessidade daquele. Como, donde, Nosso Senhor Deus tenha bondade eterna e soberana e sem começo, segue-se que Nosso Senhor Deus não tem necessidade de obrar algum bem de fora de Si mesmo; porque, se assim o fosse, não existiria nele soberana bondade nem perfeição. E como tu crê em Deus produção eterna, isto é, a pessoa do Filho, segue-se que antes da criação do mundo Nosso Senhor não tinha tanta perfeição como houvera depois, como lhe há criado (porque perfeição é produzir bem de si mesmo), isto que seria grande erro que Nosso Senhor criasse um tempo maior na perfeição que o outro. Eu, creio mais que a bondade de Nosso Senhor é eternamente difusora de bem, isto é, pertencente ao bem soberano que Deus, o Pai, eternamente de sua mesma bondade criou Deus, o Filho, e de ambos foi produzido o Espírito Santo”.

38.

O bispo, maravilhado desta razão tão alta, não respondeu uma só palavra, mas ordenou imediatamente que (ele) fosse metido dentro do cárcere. No entanto, havia uma grande multidão de mouros do lado de fora, esperando que o dito reverendo mestre fosse apedrejado; mas foi feito um mandamento pelo bispo que ninguém ousasse tocar nele, porque ele mesmo (faria) um belo processo e sentença, e o iria condenar à morte. Mas o dito mandamento não se opunha que, enquanto o ameaçavam o cárcere, fizessem tão grande revolta que, uns com bastões, outros com pedras, outros com punhais, tiraram-lhe a barba que tinha longa e quase o deixaram à morte90; senão que pelos aguazis fosse defendido assim como tinham sido ordenado pelo bispo. Mas com esta grande revolta eles o mandaram até a prisão, e na privacidade da prisão o meteram com uma grossa corrente no pescoço, onde esteve por um grande tempo com uma vida dolorosa.

39.

Mas no dia seguinte concordaram (entre si) os doutores da Lei muçulmana e solicitaram ao bispo que (Ramon) fosse apedrejado; e convocado seu conselho, foi determinado pela maior parte que o dito reverendo mestre fosse conduzido aqui diante eles e, se soubessem que fosse homem de ciência, que morresse; mas, se compreendessem que isto que ele havia feito houvesse feito por loucura, que o deixariam ir. E ouvida a determinação do conselho por um mouro que ele havia conhecido já em Túnis, disse: “— Guardai-vos, não o façam vir aqui diante de vós, porque ele vos fará tais argumentos contra nossa lei que será impossível de responder-lhe”. E naquele momento concordaram que não o fizessem, mas para fazê-lo morrer mudaram-no para um outro cárcere mais cruel91; mas para os cristãos catalães e genoveses foram suplicar que o trouxessem, e de fato mudaram-no para um outro lugar mais suportável.

40.

Esteve, donde, o dito reverendo mestre pelo espaço de seis meses naquele cárcere, ao qual em cada dia vinham os mouros, pregando que se convertesse à lei de Maomé, oferecendo-lhe mulheres, honras e tesouros infinitos. Mas ele, assim como aquele que era iniciado sobre a pedra imóvel, isto é, no fervente amor de seu mestre Jesus, respondia-lhes dizendo: “— E se vocês desejarem renunciar a esta vossa seita errônea e falsa, e venham crer no santo nome de Jesus, eu vos prometo a vida eterna e tesouros os quais vós nunca tiveram”. E, como pelo espaço de muitos dias houvessem estado cada uma das partes mantendo a sua opinião e crença, foi concordado entre eles que cada um fizesse um livro no qual cada um provasse a sua lei ser mais verdadeira, e que aquela lei que com melhor razão fosse provada, que fosse tida como a melhor92; da qual coisa fez com singular prazer o dito reverendo mestre, porque confiava em Nosso Senhor que naquela forma ele os converteria. Mas o diabo, inimigo da verdade, que (em) todos os tempos levou as almas à perdição, vendo que por aquele caminho todas aquelas almas chegariam ao Paraíso, engenhosamente (inventou)93 que veio uma ordem do rei de Bugia que estava em Contestina, ordenando com grandes penas que o dito reverendo mestre fosse expulso da terra.

41.

E, de fato, meteram-no em uma nau que ia embora para Pisa, e desta forma o dito reverendo mestre não pôde acabar a dita obra, a qual com grande alegria já havia avançado bastante; e ordenaram ao dono da nau, com grande pena, que não deixasse ele em nenhuma terra de mouros. E, como a dita nau foi para Gênova e estivesse já próxima de Porto Pisano, seguiu-se uma grande tempestade em alto mar, da qual a nau naufragou e muitos aí morreram, e alguns escaparam com a ajuda de Nosso Senhor Deus, entre os quais foi o dito reverendo mestre e um companheiro, que escaparam com a barca, perdidos porém os livros e a roupa, assim que ninguém chegou em terra. E, vindo à cidade de Pisa, foi muito honradamente recebido pelos cidadãos, entre os quais um o recebeu em sua casa94. Aqui, o dito reverendo mestre, não obstante fosse muito velho95, mas não cessava de servir a seu Criador; pela qual coisa, estando aqui, ordenou a Arte geral última96, ao conhecimento e inteligência da qual pertencem aqueles que se dedicam a estudar e que não desejam vanglória, mas só por amor e honra de Nosso Senhor.

42.

E cumprida a dita Arte e muitos outros livros, propôs no conselho dos comuns em Pisa que seria boa coisa que alguns citadinos seus se fizessem cavaleiros de Jesus Cristo para conquistar a Terra Santa; e de fato o (conselho) comum, a preces suas, escreveu ao santo pai e cardeais sobre aqueles negócios. E assim mesmo, indo a Gênova, impetrou semelhantes letras; e, de fato, muitas pessoas devotas lhe fizeram grandes ofertas por aquele negócio, mais de trinta milhões de florins em ofertas somente de Gênova. E, partindo daqui, foi a Avignon, onde estava o santo pai, para portar o dito negócio a uma boa conclusão.97 E como viu que com ele não podia ter nenhum resultado, partiu-se daqui e foi à Paris, onde publicamente leu a sua Arte e muitos outros livros, os quais havia feito em tempos passados98. Mas vinham ouvi-lo não tão somente estudantes mas ainda uma grande multidão de mestres, os quais afirmaram que a dita santa ciência e doutrina era corroborada não tão somente por razões de filosofia, mas ainda por princípios e regras da santa teologia.99

43.

Não obstante, alguns quisessem dizer que a santa fé católica não era provável, contra a opinião dos quais o dito reverendo mestre fez diversos livros e tratados.

44.

Depois das coisas ditas acima, sabendo o dito reverendo mestre pelo santo pai Clemente (que) deveria reunir conselho geral na cidade de Vienne no ano de Nosso Senhor de 1311100, deliberou ir ao dito conselho para propor três coisas à honra, reverência e aumento da santa fé católica. A primeira, que fossem construídos lugares onde certas pessoas devotas e de alta inteligência estudassem em diversas línguas para que a todas nações pudessem pregar o Santo Evangelho; a segunda, que a todos os cavaleiros cristãos fosse dado certa ordem que continuadamente trabalhassem em conquistar a Terra Santa101; a terceira, que, contra a opinião de Averróis — que em muitas coisas têm sido um adversário da santa fé católica — fosse provido pelos homens de ciência a ordenação de livros contra os ditos erros e contra todos aqueles que têm a dita opinião, e por isso ele fez um livro que é chamado Liber de natali Pueri102, onde promete fazer razões tanto filosóficas como teológicas contra os ditos erros. E de fato assim tem feito em diversos livros seus, porque o dito reverendo mestre, servidor de Nosso Senhor Deus e manifestante da verdade, tem feito mais de cento e vinte e três volumes de livros pela honra da Santa Trindade.

45.

Porque quarenta anos haviam se passado (desde) que havia transportado todo o seu coração e sua alma ao Nosso Senhor103 e, portanto, podemos dizer a este santo homem as palavras que disse David: Eructavit cor meun verbum bonum, lingua mea calamus scribae104, porque em verdade a sua língua tem sido a pluma do Espírito Santo, o qual com a sua virtude increada Lhe tem feito assim falar altamente105; do qual disse o Nosso Mestre Jesus: “Não sou eu que falo, porque é o Espírito Santo que fala por mim”106. E, para que melhor pudessem aproveitar, instruiu alguns na língua mourisca, a qual muito bem ele havia aprendido; e, de fato, foram divulgados os seus livros por todo o mundo universal, e especialmente em certos lugares, isto é, na cidade de Paris, num mosteiro de cartuxos, na cidade de Gênova, e na cidade de Maiorca107, de onde ele era nativo, da qual coisa reporta grande preço e honra da dita cidade.

Deo gratias. Finito libro sit laus et gloria Christo. Amen.108

 

 

Notas

  • 1. No fim de sua vida, em 1311, Llull ditou aos monges cartuxos de Vauvert a história de sua vida — Vauvert era um dos três depósitos de livros criados por Llull com o objetivo de transmitir sua obra às futuras gerações (os outros depósitos eram em Gênova, financiado pelo patrício Perseval Spinola, e em Palma de Maiorca, com o apoio financeiro de seu genro). Estes três depósitos de livros determinaram a futura tradição manuscrita luliana: uma linha francesa, uma italiana e uma catalã. A Vita Coaetania, é a base autobiográfica de que se valem os historiadores para precisar sua biografia. Esta tradução foi baseada em uma versão catalã de meados do século XV do original escrito em latim entre Paris e Vienne, no Delphinado. O tradutor, provavelmente catalão, acrescentou e amplificou várias passagens que não constam do original em latim. Há uma tendência apologética, pois seus acréscimos visam glorificar a imagem de Llull, além de ter um “tom” literário mais “pomposo” que o texto original. Por exemplo, o tradutor sempre se refere a Llull como “reverendo mestre”, título inexistente no original. Esta tradução foi apresentada como trabalho final do curso Tradução de catalão antigo II, realizado no Raimundus-Lullus-Institut durante meu estágio na Albert-Ludwigs-Universität (Freiburg im Breisgau, Alemanha) nos meses de setembro a dezembro de 1999, e foi supervisionada pelo Prof. Dr. Fernando Domínguez Reboiras, com revisão a cargo do Prof. Dr. Alexander Fidora (Johann Wolfgang Goethe-Universität, Frankfurt am Main). Utilizei a tradução de Miquel Batllori, S. I. (Obres essencials. Barcelona: Editorial Selecta, 1957, pp. 34-54) e seus esclarecedores comentários na comparação entre a cópia catalã do século XV e o original em latim. Para comparação, usei a versão de Anthony Bonner, que traduziu o original em latim para o catalão moderno, além de suas notas explicativas (BONNER, Antoni. Obres Selectes de Ramon Llull. Mallorca: Editorial Moll, 1989, pp. 11-50). Procurei preservar o máximo possível a literalidade do texto, inclusive suas repetições. Por esse motivo, acrescentei em parênteses palavras inexistentes no original muitas vezes para completar o sentido da frase.
  • 2. Passagem tipicamente franciscana. Ver OLIVER, Antonio. “El Beato Ramon Llull en sus relaciones con la Escuela Franciscana de los siglos XIII-XIV”. InEstudios Lulianos, 1966, pp. 47-55.
  • 3. Jaime II de Maiorca (1276-1311). No entanto, ainda não era rei, mas príncipe.
  • 4. Espécie de banco em forma de caixa, comum em dormitórios medievais.
  • 5. A palavra fada significa exatamente a fada encantada em português. No entanto, o sentido da frase é pejorativo, pois o amor era adúltero (no original em latim, amore fatuo). Traduzo feiticeiro para adequar o sentido da frase.
  • 6. Esta revelação aconteceu por volta de 1263. Llull tinha cerca de 30 anos. Neste mesmo ano aconteceu a famosa Disputa de Barcelona.
  • 7. O sentido da palavra envers é “ao contrário”. Na frase, os dons de Deus são contra os pecadores, isto é, agem em sentido contrário aos pecados daqueles.
  • 8. O sentido literal da palavra posar é “pôr, meter, fazer, atribuir”. Traduzo segundo o sentido da frase.
  • 9. O sentido literal da palavra tornar é “girar, voltar”. Traduzo segundo o sentido da frase.
  • 10. Isto é, um pouco de Latim.
  • 11. O tradutor do séc. XV coloca no plural (livros), enquanto que, no original, em latim, “fazer um livro”.
  • 12. Os franciscanos consideravam que São Francisco já se encontrava num grau de santidade próximo dos serafins, daí o título de “seráfico”.
  • 13. Festa no dia 04 de outubro.
  • 14. Por volta de 1265.
  • 15. São Ramon de Penyafort (ca. 1185-1275). Um motivo provável da negativa de São Ramon é que nesta época funcionava uma escola missionária dominicana em Maiorca, local onde Llull poderia estudar.
  • 16. Isto é, de Latim.
  • 17. Entre os anos 1265-1274.
  • 18. Isto é, o escravo ensinou-lhe tão bem a língua árabe que quase seria um mestre.
  • 19. Aqui provavelmente uma referência a outros escravos que Llull possuía e que constituíam a criadagem da casa, o que indica seu alto nível de vida.
  • 20. O copista que traduziu do original em latim (ascendit ad abbatiam quandam) acrescentou esta informação: a única abadia de toda Maiorca era o mosteiro cisterciense de La Reial.
  • 21. O texto latino diz que o preso estava jugulaverat (degolado).
  • 22. Nesta passagem, novamente o tradutor do latim acrescenta o nome da montanha.
  • 23. Em 1274.
  • 24. Novamente o tradutor coloca no plural (livros). No original em latim, modum faciendi librum.
  • 25. Mais uma vez o tradutor acrescenta a informação local. O original em latim fala apenas abadia.
  • 26. No original em latim, “ordenar e escrever aquele livro”.
  • 27. Arte Maior é um subtítulo da obra Ars compendiosa inveniendi veritatem, escrita cerca de 1274 em Maiorca.
  • 28. Atualmente Oratório de Cura, agora em mãos dos franciscanos.
  • 29. Neste caso, o plural (“os ditos livros”) já aparece no texto original latino.
  • 30. O sentido do texto original é diferente: “aquele pastor vai abençoar Ramon com muitas bênçãos proféticas”.
  • 31. Esta segunda “iluminação” tem semelhanças com a tradição profética islâmica (Sura 18 do Alcorão) e com uma iluminação semelhante à de Joaquim de Fiore. Ver TRIAS MERCANT, S. “La ideologia luliana de Miramar”. In: EL, 1978, p. 25.
  • 32. Neste momento, Jaime II ainda não era rei, mas infante de Aragão e herdeiro de Maiorca, Rossilon e Montpellier até a morte de seu pai, Jaime I (27/07/1276). Esta passagem da Vida aconteceu entre os anos 1274 e 1275. Llull tinha cerca de 44 anos.
  • 33. Provavelmente Frei Bertran Berenguer, anteriormente professor de Sagrada Teologia em Montpellier.
  • 34. Uma referência ao Libre de contemplació en Déu (escrito nos anos 1273-1274 em Montpellier), com seus 366 capítulos (um a mais para o ano bissexto), cada um dividido em 30 parágrafos.
  • 35. Referência ao mosteiro de Miramar (entre Valldemosa e Deià, na costa noroeste de Maiorca). Supõe-se que a petição de Llull ao rei aconteceu em 1275 e que os franciscanos iniciaram seus estudos em 1276. A fundação foi confirmada em 17 de outubro de 1276 por uma bula do papa João XXI. Com certeza o número treze é uma referência a Cristo e os doze apóstolos.
  • 36. Aqui a Vida dá um salto de onze anos na vida de Llull (1276-1287), entre seus 44 e 55 anos de idade. Nesse período, devido às Vésperas Sicilianas, Jaime II perdeu Maiorca (1285) — só recuperando a ilha em 1298 —, mas manteve sua corte em Perpignan e Montpellier. Llull freqüentou estas cidades.
  • 37. Santo pai = o papa.
  • 38. Em Roma. Esta foi a primeira visita de Llull à corte papal.
  • 39. O original em latim informa o nome do papa: Honório IV (morto em 03 de abril de 1287).
  • 40. Bertaud de Saint-Denis, chanceler do Estudo, eleito em dezembro de 1288.
  • 41. Nesta época em Paris, Llull escreveu a obra Fèlix. Deduz-se que foi neste momento que teve sua primeira entrevista com o rei Felipe IV de França.
  • 42. Este primeiro contato de Llull com o ensino parisiense foi um grande fracasso para ele, principalmente por causa de um problema de comunicação: a forma da apresentação de sua Arte (as figuras e a terminologia dos correlativos) fez com que Llull se desculpasse por sua “maneira árabe de falar” (modus loquendi arabicus), em sua obra Compendium seu Commentum artis demonstrativae, escrita entre 1288 e 1289 em Paris.
  • 43. Em 1289, onde ficou residindo por todo este ano. De Montpellier, Llull enviou uma coleção de escritos seus ao duque de Veneza.
  • 44. O tradutor se equivocou: o título exato desta obra é Ars inventativa veritatis (escrita em 1290 em Montpellier). Llull se encontrava em Montpellier quando recebeu no dia 26 de outubro de 1289 uma carta de recomendação de Ramon Gaufredi, geral dos franciscanos, que o autorizava a ensinar a sua Arte nos conventos franciscanos da Itália. Teve então contato com os espirituais franciscanos.
  • 45. Nesta época, Gênova era praticamente um “estado marítimo” rival de Pisa, e controlava a Córsega e uma parte da Sardenha (Pisa controlava a outra parte da Sardenha).
  • 46. No início de 1291. Llull provavelmente tinha grandes esperanças que suas idéias fossem aceitas por Nicolau IV, o primeiro papa franciscano.
  • 47. Veja Jó 7:18.
  • 48. Mt 26:69-75, Mc 14:66-72, Lc 22:56-62, João 18:17.
  • 49. A palavra fusta também significa madeira, logo, barco de madeira.
  • 50. Esta crise de Llull é chamada pelos especialistas de “Crise de Gênova” (1292-1293). Llull teria então aproximadamente 60 anos.
  • 51. Em 1293 caiu no dia 17 de maio.
  • 52. Dos dominicanos.
  • 53. Franciscanos.
  • 54. O original em latim acrescenta “...que Deus havia-Lhe dado na montanha”.
  • 55. Dominicanos.
  • 56. Dominicanos.
  • 57. Guardião é o título do superior de um convento franciscano.
  • 58. Este parágrafo é o único que se sabe de uma possível entrada de Llull na ordem franciscana, mas no final de sua vida. O único fato concreto é que o pensamento de Llull era muito próximo intelectual e espiritualmente dos franciscanos de sua época.
  • 59. Rom. 4:18.
  • 60. Viagem a Túnis (1293-1294).
  • 61. O tradutor omite o final da frase: “...que é a suma causa e o seu efeito”.
  • 62. São os correlativos lulianos. Ver GAYÀ, J. La teoría luliana de los correlativos: Historia de su formación conceptual. Palma, 1979. Este tipo de raciocínio soava também estranho ao leitor medieval; em Paris, Llull se desculpa por essa linguagem, “uma manera aràbica de parlar”. Ver BONNER, Antoni. “Ambient Históric I Vida de Ramon Llull”. InObres Selecte de Ramon Llull (1232-1316). Mallorca: Editorial Moll, 1989, p. 30 e 35.
  • 63. Abu-Hafs, sultão hafsida de Túnis (1284-1295).
  • 64. Jesus Cristo
  • 65. Nos últimos meses de 1293. É só nesta época que Llull começa a datar as suas obras, indicando também o local de sua composição.
  • 66. Celestino V foi eleito em 5 de julho de 1294. Uns anos antes dessa eleição, Llull recebeu permissão do imperador Frederico II para pregar na colônia sarracena de Lucera (próximo de Foggia) e que no dia 12 de maio foi-lhe dado um salvo-conduto para visitar prisioneiros muçulmanos no castelo dell Ovo, em Nápoles.
  • 67. Vida omite uma rápida viagem a Barcelona, onde ele se encontrava no dia 30 de julho, e à Maiorca, onde ele dedicou a obra Arbre de filosofia desiderat (escrita em 1294 entre Nápoles, Barcelona e Maiorca) ao seu filho que há muito tempo não via.
  • 68. Eleito em Nápoles no dia 24 de dezembro de 1294 e coroado em Roma no dia 23 de janeiro de 1295.
  • 69. Este insucesso junto aos papas trouxe uma segunda crise espiritual a Llull, que então escreve o poema Lo Desconhort (setembro de 1295) e a obra Arbre de Ciència (29 de setembro de 1295 a abril de 1296).
  • 70. Não se sabe nada desses livros escritos em Gênova.
  • 71. Provavelmente a entrevista teve lugar em Montpellier ou Perpignan, pois Jaime II (de Catalunha e Aragão) ainda não havia recuperado as Ilhas Baleares de volta.
  • 72. A palavra é raonament (raciocínio); traduzo segundo o sentido da frase.
  • 73. Onde ficou nos anos 1297-1299.
  • 74. Filipe, o Belo.
  • 75. Sua segunda entrevista com Filipe, o Belo, sobrinho de Jaime II de Maiorca, que Llull acabara de ver em Montpellier ou Perpignan.
  • 76. No caminho para Maiorca, Llull parou em Barcelona. Em 30 de outubro de 1299 obteve permissão do rei de Aragão para pregar nas sinagogas dos judeus e nas mesquitas dos sarracenos. O retorno a Maiorca estava condicionado ao fato do rei Jaime II ter conseguido as ilhas de volta.
  • 77. Após a rápida visita de 1294 a seu filho, foi sua primeira estada em Maiorca depois de quase vinte anos. Coincide com o fato de Jaime II ter recuperado a ilha de volta.
  • 78. Ghazan, grande kã mongol da Pérsia, que conquistou a maior parte da Síria (Alepo, Homs e Damasco) entre dezembro de 1299 e janeiro de 1300.
  • 79. Em 1301. Llull tinha cerca de 69 anos.
  • 80. Gal. 6:9.
  • 81. Ps 125:6.
  • 82. Henrique II, da família francesa dos Lusignan, último rei de Jerusalém (1286-1291) e rei de Chipre (1285-1324) durante a época de máximo esplendor da ilha como principal empório latino do Mediterrâneo oriental.
  • 83. O tradutor omite os infiéis cismáticos: “...jacobinos, nosculins i mommins”. O primeiro nome é referente aos jacobitas (ou monofisistas), o segundo provavelmente se refere aos nestorianos.
  • 84. Não se sabe quando aconteceu esta viagem nem quais os livros que Llull escreveu ali. Os especialistas supõem que tenha sido por volta de 1306. Llull teria cerca de 74 anos.
  • 85. Bertrand de Got, o primeiro papa francês, foi eleito no dia 05 de junho de 1305 e coroado em Lyon no dia 14 de novembro, onde residiu por três ou quatro meses (até fevereiro de 1306).
  • 86. Mc 16:15.
  • 87. 1306-1307.
  • 88. Esta segunda viagem de Llull ao norte da África aconteceu provavelmente na primavera de 1307, durante o reinado de Abu-l-Baqa Halid (1302-1311). Nesta época, o reino hafsida de Bugia e Constantinopla era praticamente um feudo comercial de Maiorca.
  • 89. mufí ou cádi da cidade.
  • 90. Esta passagem confirma as ilustrações do manuscrito de Karlsruhe que Llull usava uma longa barba — daí seu apelido em Paris de “Barbaflorida”.
  • 91. O original em latim diz exatamente o contrário: que o mudaram para uma prisão mais suave.
  • 92. Toda esta parte até o final (“que o dito reverendo mestre fosse foragido da terra”) não consta do original em latim, é uma amplificação do tradutor.
  • 93. Enginy = agudesa de entendimento; aptidão para encontrar meios de conseguir ou poder executar uma coisa. Ver GGL, 1983, volume II, p. 265. Traduzo conforme o sentido.
  • 94. 1308.
  • 95. “...fosse muito antigo de dias”. Llull tinha então mais de setenta anos, idade raríssima entre os medievos.
  • 96. Ars generalis ultima, iniciada em novembro de 1305 e terminada em Pisa (março de 1308).
  • 97. Uma grande simplificação das viagens de Llull entre 1308 e 1309. No dia 04 de setembro, uma carta de um mercador genovês amigo seu (Cristià Spinola) a Jaime II de Aragão dizia que Llull se encontrava em Gênova e que iria encontrar Arnaldo de Vilanova em Marselha. De outubro de 1308 a abril de 1309, Llull se encontra em Montpellier, onde escreveu cerca de dezoito obras. Provavelmente durante o verão de 1309 esteve ao lado de Jaime II de Aragão em Avignon numa audiência com Clemente V citada nesta passagem da Vida. Ver ROL, tomo XXII, 1998, p. 354.
  • 98. Chegou em Paris provavelmente no outono de 1309, onde ficou até setembro de 1311. Este é um período de sua vida muito bem documentado: sabe-se que residiu próximo à catedral de Notre-Dame, na Rue de la Bûcherie.
  • 99. Três documentos corroboram este êxito: No primeiro, de 10 de fevereiro de 1310, quarenta mestres e baicharéis das faculdades de Arte e Medicina diziam ter presenciado a aprovado as leituras de Ramon Llull sobre a Art breu. O segundo, uma carta de recomendação de Felipe IV, datada de 02 de agosto de 1310. O terceiro, outra carta de recomendação, agora do Chanceler da Universidade, Francesco Caroccioli, datada de 09 de setembro de 1311. Estes documentos se encontram reproduzidos em DENIFLE, H. e CHÂTELAIN, A. Chartularium universitatis Parisiensis II. Paris, 1891, n.° 679, pp. 140-141, n° 684, pp. 144 e n° 691, pp. 148-149.
  • 100. Concílio de Vienne durou de 16 de outubro de 1311 até 06 de maio de 1312.
  • 101. O original em latim é mais específico: “...todos os cavaleiros religiosos cristãos fosse feita uma ordem que sustentasse em Ultramar uma guerra incessante contra os sarracenos...”; isto é, Llull se refere especificamente às ordens militares (templários e hospitalários) que ainda se encontravam na Terra Santa.
  • 102. Esta informação não consta do original em latim: a obra Liber de natali pueri parvuli Christi Iesu foi escrita em Paris na noite de Natal de 1311 e terminada em janeiro de 1311.
  • 103. Mt 22:37, Mc 12:30.
  • 104. Ps 44:1-2.
  • 105. Ps. 67:12.
  • 106. Mt 6:20.
  • 107. A partir deste ponto, a frase é um acréscimo do tradutor.
  • 108. Llull deixaria Paris logo após ditar a Vida, provavelmente em setembro de 1311. Tinha então cerca de 79 anos. Viveria até cerca de 1316, viajando a Montpellier (1312), Maiorca (1313), Messina (1313-1314) e uma terceira missão ao norte da África (1314-1315), onde dedicou uma obra ao rei de Túnis. De 1311 a 1315 ainda escreveu mais de sessenta obras.