Boa senhora, cuja rica fama lhe faz jus

 

I. Boa senhora, cuja rica fama lhe faz jus
Bona dona, cuy ricx pretz fai valer
1

Berenguer de Palou (c. 1160-1209)
Trad. e notas: Ricardo da Costa

 

 

 

 

 

I

Bona dona, cuy ricx pretz fai valer

Boa senhora, cuja rica fama lhe faz jus

01

Sobre las plus valens, al mieu vejaire,

acima das mais valorosas, a meu ver.

 

Avetz razo per que·m dejatz estraire

Tens razão em me privar

 

Lo belh solatz ni l’amoros parer,

de sua bela companhia e de sua amorosa visão

 

Si non quar vos auziey anc far saber

por não a ter feito saber

05

Qu’ie·us amava mil aitans mais que me?

que a amei mil vezes mais que a mim.

 

En aquest tort me trobaretz jasse,

Neste erro sempre me encontrarás,

 

Quar non es tortz que ja·us pogues desfaire.

pois não é algo que eu possa desfazer.

 

 

 

 

 

 

 

II

Si·l belh semblant que·m soliatz aver

O belo semblante que costumáveis ter,

 

De clar que fo, dona, tornatz en vaire,

claro que foi, senhora, vão,

10

Quar connoissetz qu’ieu no m’en puesc estraire,

pois deveis saber que não posso renunciá-la.

 

Mielhs me fora ja no·us pogues vezer;

Melhor seria que nunca a tivésseis visto,

 

Quar ges pauzar no·us puesc a non chaler:

pois não posso vos ser indiferente,

 

Tals es l’envey’ e·l dezir que m’en ve

Tantos são o desgosto e o desejo que me assaltam

 

Manhtas sazos que de vos me sove

todas as vezes que me lembro de vós

15

E vir mos huelhs envas vostre repaire.

e volto meus olhos para a vossa habitação.

 

 

 

 

 

 

 

III

E si de vos dizetz que·m dezesper,

Se disserdes que devo me desesperar

 

Dona, no sai de qui·m sia esperaire;

senhora, não sei qual será minha esperança.2

 

Si m’avetz fait d’autras amar estraire

Como me haveis feito renunciar a qualquer outro amor,

 

Q’una non vey ab cui dezir jazer:

não vejo ninguém com quem deseje me deitar.

20

Sens totz covens vuelh ab vos remaner,

Mesmo sem qualquer promessa, convosco quero permanecer

 

E sia en vos que·m fassatz mal o be;

e só depende de vós me fazer mal ou bem.

 

Pero guaratz qual mielhs vos en cove,

Considereis o que melhor vos convém,

 

Que no·us deman oltra grat pauc ni guaire.

pois não perguntar-vos-ei nada.

 

 

 

 

 

 

 

IV

De bon talan, ab cor leyal e ver

Assim, de boa vontade e com o coração leal e sincero

25

M’autrey a vos per vostres comans faire,

eu me entrego a vós, para vossas ordens obedecer.

 

Sol no·m mandetz de vos amar estraire,

Só não ordenais de vosso amor renunciar,

 

Quar ja, dona, no·n auria lezer;

porque nunca, senhora, eu poderia fazê-lo.

 

E no m’en cal per messongier tener,

E que não me tenhais por mentiroso,

 

Aissi m’en pren, dona, per bona fe;

porque faço isso, senhora, de boa-fé.

30

Ja dezamar no·us poiria per re,

Nunca poderia desamá-la, por nada,

 

Ni fi non vuelh, s’aman no la·n puesc traire.

nem outro fim vislumbro se não puder tê-la.

 

 

 

 

 

 

 

 

V

Trop mi podetz lonjamen mal voler,

Por muito tempo podeis me desejar mal,

 

Si·m dezamatz quar hieu vos suy amaire,

caso me odiais porque vos amo.

 

E volgues m’en mon essien estraire,

E mesmo que eu quisesse tirá-la de meus pensamentos,

35

Ja de mon cor no n’auria poder;

meu coração não teria esse poder.

 

E doncs, dona, pus no m’en puesc mover,

Assim, senhora, estou incapacitado,

 

Ni m’abelhis autre joys ni·m soste,

já que nenhuma outra alegria me mantém.

 

S’ab vos no truep chauzimen e merce,

Saibais que se em vós não encontrar perdão e mercê,

 

Vostre belh cors n’er vas Amor peccaire.

vosso belo corpo pecará contra o Amor.

40

 

 

 

VI

Amors n’a tort quar enveyos me te

O Amor errou quando me inspirou o desejo

 

Del vostre cors graile, gras, blanc e le,

de vosso corpo gracioso, apetitoso, branco e delicado.

 

S’inquer no·m faitz mielhs que no·m soletz faire.

Sequer precisa fazer o que não estais acostumada.3

 

 
 

Notas

  • 1. Tradução feita a partir do texto original editado por JEANROY, Alfred; AUBRY, Pierre. “Huit chansons de Bérenger de Palazol”. InAnuari de l'Institut d'Estudis Catalans 2 (1908), p. 520-540. Corpus des TroubadoursInstitut d’Estudis Catalans (letra); EVO Live (Lugo, Spain, 22/5/2010), Festival de Música Cidade de Lugo (música).
  • 2. A partir dessa linha, o poeta demonstrará seu desespero existencial por amar desvairadamente sua dama – sem ser correspondido.
  • 3. Berenguer de Palou foi da Catalunha, do condado de Rossilhão. Foi um cavaleiro pobre, mas galante, instruído e bom nas armas. Trovou canções bem, e cantava para Ermesenda de Avinhão, esposa de Arnau de Avinhão, filho de Maria de Peralada, DE RIQUER, Martín. Vidas y amores de los trovadores y sus damas. Barcelona: Acantilado, 2004, p. 213 (159. BERENGUER DE PALOU).