Crônica de Hainaut (c.1171-1195)

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Primeira página da Crônica de Hainaut (manuscrito de 1448) - 44 x 31 cm. Bibliothèque Royal de Belgique, Brussels. Na iluminura, Filipe, o Bom (1396-1467), duque da Borgonha (1419-1467) (de negro, no centro), é presentado por Simon Nockart (secretário da província de Hainaut) com um exemplar da Crônica.

Ao propormos narrar brevemente as gestas e genealogias dos condes de Hainaut, de alguns imperadores de Roma2, de Constantinopla e dos reis da França, Jerusalém, Sicília e Inglaterra, assim como as de muitos príncipes e outros nobres relacionados a eles, quisemos começar pelo conde Germano, que possuiu o condado de Hainaut3 por direito de herança após muitos outros condes, e por sua esposa, a condessa Riquilda, mulher poderosíssima e prudentíssima, para daí descender até o conde Balduíno IV4, homem ilustre, valoroso, prudente, filho do conde Balduíno III5 e da condessa Iolanda, o qual tomou por esposa a condessa Adelaide, que está enterrada em Mons6, no mosteiro de Santa Waldru, na cripta superior de São João Batista. Este conde, após grandes esforços e fadigas, ampliou suas possessões do condado de Hainaut e ao morrer foi enterrado em Mons, no coro superior do mosteiro de Santa Waldru. Deste modo, chegaremos a seu filho, Balduíno V7, conde de Hainaut e primeiro marquês de Namur8, homem muito sábio e príncipe poderosíssimo que, graças à sua esposa Margarida, possuiu Flandres9 durante alguns anos, e, ao falecer, foi sepultado também em Mons, no centro do monastério de Santa Waldru, diante do altar do apóstolo São Tiago.

Saiba-se que o conde Germano, chamado conde de Mons porque este monte era, é e sempre será o centro de todo o território de Hainaut, teve por esposa a condessa Riquilda, mulher prudente e de grande poder, e que ao falecer o conde de Valenciennes sem herdeiro de seu próprio sangue, Gemano e sua esposa reclamaram o condado em propriedade por direito de herança e por compra conjunta com alguns outros nobres que o reclamaram também em herança, e incorporaram assim o condado de Valenciennes ao condado de Hainaut e à honra do castelo de Mons. De seu matrimônio tiveram uma filha e um filho que, segundo contam, era coxo. O conde Germano morreu quando seus dois filhos ainda eram muito pequenos, mas a condessa Riquilda, viúva, sobreviveu e manteve o direito sobre a terra de Hainaut tanto por dote quanto por ser a tutora de seus filhos.10 Riquilda voltou a contrair matrimônio com o ilustre príncipe Balduíno I, conde de Flandres11, filho do conde Balduíno e da condessa Adelaide, filha de Roberto, rei da França.12 Este Balduíno I foi sepultado ao morrer no monastério de Hasnon, cenóbio13 que ele mesmo reconstruiu.

O conde Balduíno I tomou posse de Flandres e de Hainaut decidida e virilmente. Além disso, governou a França por causa da excessiva juventude de seu tio materno Henrique, rei da França.14 Sua mulher Riquilda engendrou dois filhos, Arnulfo, o primogênito e Balduíno, o secundogênito, que, após muitos trabalhos e grandes dificuldades, foram deserdados de Flandres, ainda que tenham mantido a propriedade do condado de Hainaut. Mas antes, quando Balduíno I possuía Flandres e Hainaut junto com sua esposa Riquilda, mulher astuta, vendo a debilidade de seus dois primeiros filhos, engendrados do conde Germano, envolveu com o maior afeto seus dois últimos filhos, tidos de suas segundas núpcias com o conde Balduíno. E assim, ordenou seu primeiro filho clérigo e conseguiu para ele o bispado de Chalôns-sur-Marne e fez sua filha religiosa.

Além disso, essa condessa Riquilda, junto com seu esposo Balduíno I, conseguiu adquirir para si, e fazendo-se prevalecer sobre seus filhos, todo o condado de Hainaut, tanto os alódios15 quanto os feudos16e a jurisdição. A terra, situada em Hainaut e Valenciennes, que naquele tempo era alodial, foi obtida graças ao testemunho de príncipes e nobres; receberam do imperador os feudos, isto é, a abadia e igreja de Mons e a jurisdição do condado. Deste modo, Balduíno I, conde de Flandres, possuiu, junto com sua esposa Riquilda, o condado de Hainaut em propriedade e herança.

Portanto, Balduíno teve Flandres e Hainaut. Um dia, animado por inspiração divina, reedificou o cenóbio de Hainaut e o enriqueceu com seus próprios bens, pois havia sido devastado pelos hunos e todas as suas possessões arrebatadas da Igreja, caindo em mãos estranhas. Com sua morte, a condessa Riquilda e seu filho Balduíno II ampliaram as prerrogativas dessa igreja, concedendo-lhe o alódio de Montignes, no Brabante.

Balduíno I, príncipe ilustre e poderoso, conde de Flandres e Hainaut, tinha um irmão, ainda que somente por parte de pai17: Roberto, chamado o Frisão, porque cresceu na Frísia.18 Ele não tinha nenhum direito de participar do patrimônio familiar, e graças à sua extrema maldade e reclamação injusta, Flandres e Hainaut foram destruídas. Um dia, o conde Balduíno ficou enfermo e à morte; estava em Audenarde e, oprimido pela doença, ordenou que trouxessem para ele os corpos e relíquias dos santos de todas as igrejas de Flandres. Mandou também chamar à sua presença todos os seus fiéis e, tendo reunido os homens no Conselho, legou Flandres a Arnulfo, seu filho primogênito, e Hainaut a Balduíno, seu secundogênito, declarando que, se algum dos dois falecesse, o outro lhe sucederia no condado. Todos os homens reunidos aceitaram os dois filhos como legítimos herdeiros, prestaram-lhe homenagem e lhes deram todo o tipo de fidelidade e garantias19, jurando sobre os corpos e as relíquias dos mencionados santos, ainda que a maioria não tenha respeitado tais juramentos mais tarde.

O conde Balduíno I, cheio de boas intenções e vendo a excessiva juventude e debilidade de seus filhos, confiou20 seu filho Arnulfo e todo o condado de Flandres aos cuidados de seu irmão Roberto, o Frisão. Com tal finalidade, o citado Roberto prestou juramento de fidelidade a Arnulfo e a Balduíno, ainda que mais tarde a tenha quebrado, esquecendo completamente de seu Deus. O corpo defunto de Balduíno I, príncipe e conde de Flandres e Hainaut, foi sepultado no monastério de Hainaut que ele mesmo havia reedificado.

 A partir de então, Roberto, o Frisão, cavaleiro valente e poderoso com as armas, mas obstinado na maldade e na perfídia, governou Flandres em nome de seu senhor e sobrinho, o jovem Arnulfo. Durante estes anos, Roberto atraiu para si as vontades de quase todos os nobres de Flandres e dos homens das cidades, recebendo deles todo o tipo de garantias sem horrorizar-se por usurpar abertamente o senhorio de Flandres e por expulsar seu senhor Arnulfo de sua própria herdade.21 Arnulfo recorreu ao auxílio22 de sua mãe Riquilda, de seu irmão Balduíno II e dos nobres de Hainaut. Atendendo o conselho de todos se dirigiu a seu senhor e tio materno Henrique, rei dos francos23, que o ordenou cavaleiro apesar de sua juventude. O mesmo rei da França convocou Roberto para que lhe mostrasse seus direitos perante as queixas de Arnulfo. Contudo, o Frisão não se apresentou, desprezando ostensivamente a justiça do rei e inclusive perseverando em sua iniqüidade, continuando a guerra em Flandres contra a condessa Riquilda e os homens de Hainaut, sem se amedrontar com as ameaças do rei da França. De sua parte, o rei, vendo a violenta privação da herança de Arnulfo, convocou seu exército e acudiu Flandres com todas as suas forças e acompanhado de Arnulfo e sua mãe Riquilda.

Roberto não temeu enfrentar os francos, os homens de Hainaut e muitos outros homens de diferentes regiões, apoiado como estava pelos homens de Flandres, os frisões e os holandeses. Deste modo, armados, ambos os exércitos se encontraram em um lugar chamado Cassel, onde, lutando em uma dura batalha e retrocedendo rapidamente os de Flandres, Roberto foi capturado pelos de Hainaut. Mas então, a condessa Riquilda se aproximou do campo de batalha para animar os seus e foi feita prisioneira pelos de Flandres. Os homens de Hainaut, aflitos com a captura de sua senhora, devolveram Roberto para conseguir a liberdade da condessa. Assim, Riquilda e Roberto, postos em liberdade, os homens de Flandres voltaram à luta. Morreram na batalha muitos francos e muitos homens de Hainaut.24 Morreu também Arnulfo, herdeiro legítimo de Flandres, nas mãos de um homem lígio seu chamado Gerdobão.25 Portanto, Roberto venceu, e se antes já se mostrara forte, agora estava ainda mais poderoso. A condessa Riquilda, aflita com a morte de seu filho, regressou com os seus para Hainaut e, junto com seu filho menor Balduíno II, privado agora de Flandres pela força, promoveu o quanto pôde inimizades e agressões.

Quanto a Gerdobão, o homem que matou seu senhor Arnulfo com suas próprias mãos, não posso omitir que, levado pelo arrependimento, foi à Roma, se prostrou aos pés do Sumo Pontífice26 e confessou o grande crime que foi seu pecado. Perante esses fatos, o papa ordenou a um cozinheiro seu que o levasse para fora e cortasse as mãos que mataram seu senhor. Mas acrescentou secretamente que se ao iniciar o golpe suas mãos tremessem, que o cozinheiro devesse prosseguir arrancando-as, mas se não tremessem deveria trazê-lo de novo à sua presença. Quando conduziram Gerdobão ao suplício, este permaneceu de pé com as mãos imóveis. Ao vê-lo, o cozinheiro o conduziu novamente ao papa. Então este lhe impôs como penitência que fosse ao encontro do abade de Cluny e obedecesse a seus preceitos. Quando o abade viu suas boas intenções, o ordenou monge, e com o tempo ele se distinguiu por suas boas obras e religiosidade na igreja de Cluny.

Nessa mesma época faleceu Gothelon, duque da Lotaríngia, que chamavam duque do castelo de Boillon porque esse castelo era sua propriedade alodial. O conde Otão de Champagne o havia vencido na guerra com seu grande exército e o assassinara. Ao duque Gothelon sucedeu em todas as suas possessões seu único filho Godofredo, jovem cavaleiro. Mas este duque também tinha duas filhas, Regelinda, condessa de Namur por estar casada com o conde Alberto e Ida, que foi entregue em matrimônio ao conde da Bolonha. Ida teve três filhos, Balduíno, que mais tarde obteve virilmente o reino de Jerusalém, Godofredo, duque de Bouillon, que possuiu Jerusalém antes de Balduíno, mas não quis tomar para si a coroa régia no reino onde o próprio Jesus Cristo havia tomado para Si Sua coroa, e Eustáquio, conde de Bolonha, cavaleiro muito probo.27

O duque Godofredo, filho de Gothelon, morreu sem descendência direta e isso provocou a rivalidade entre suas duas irmãs, Regelinda, condessa de Namur, e Ida, condessa de Bolonha, pela possessão dos alódios e dos feudos. Regelinda, a primogênita, reclamava para si o castelo de Boillon e a maior parte dos bens. Mas o bispo que governava naquele tempo a sede de Liège e que temia o conde de Namur, estreitamente relacionado com ele por razões de vizinhança e homenagem, se fizera mais poderoso, deixando-se subornar por dinheiro, dons e promessas, e opôs-se aos direitos do conde Alberto e de sua esposa. Ofereceu seu auxílio de todas as formas possíveis à condessa de Bolonha, Ida, para quem obteve tanto os alódios quanto os feudos. E apesar de o trânsito de Namur e Boillon ser difícil por si, fez construir no meio do caminho o castelo de Mirwart para impedir a passagem do conde de Namur. Este não pôde fazer prevalecer seus direitos e Godofredo, filho de Ida, obteve a honra, o ducado e o castelo de Boillon.

A condessa Riquilda

Após essa digressão voltemos à condessa Riquilda. Ela construiu o castelo de Beaumont, formado por uma torre e outras fortificações, e fundou ali uma capela em honra a São Venâncio, enriquecendo-a com muitos bens. Além disso, com seu filho Balduíno II, instituiu em sua corte ofícios hereditários: senescais28, copeiros29, padeiros, cozinheiros, camareiros30 e porteiros, e à frente deles colocou os homens de Hainaut e os de Flandres que, abandonando todos os seus bens nas terras de Flandres, vieram desterrados para Hainaut junto a seus senhores, a condessa Riquilda e seu filho Balduíno II. Muitos foram os que de condição nobre ou servil que deixaram Flandres aflitos com a privação de seu senhor e foram habitar em Hainaut. Todos esses foram enriquecidos com benefícios pela condessa e seu filho Balduíno.31

A condessa, doída com a morte de seu filho Arnulfo e pela violenta privação de seu segundo filho, ofereceu todas as suas propriedades alodiais de Hainaut a Teoduíno, bispo de Liège, príncipe poderoso e vizinho seu, para assim obter dele auxílio e vingança contra Roberto, o Frísio, aceitando dinheiro em troca das terras para pagar mercenários contra Roberto. O bispo Teoduíno, após ter celebrado um Conselho com a igreja de Liège, com seus nobres e ministeriais32, aceitou de bom grado todos estes alódios que estavam dotados de tantas e tão grandes honras e lhes concedeu novamente à própria Riquilda e a seu filho Balduíno II para que os tivessem em forma de feudo lígio. 33Essa troca lhes deu muitíssimo dinheiro e esta compra reduziu gravemente o tesouro em ouro e prata das igrejas conventuais do bispado de Liège. Todas essas coisas foram dispostas em Fosse sob o testemunho de Godofredo, duque de Boillon, de Alberto, conde de Namur, do conde de Louvain, do conde de Chiny, do conde de Montaigu, nas Ardenas, e de outros fiéis da igreja de Liège, de condição nobre ou servil.

Por outro lado, o bispo Teoduíno, homem prudente e poderoso, que naquele tempo possuía o favor e a amizade do imperador de Roma, conseguiu, mediante serviços e dons, que este outorgasse à igreja de Liège, com o consentimento e a aprovação da condessa Riquilda e de seu filho Balduíno II, todos os feudos que os condes de Hainaut tinham por ele, isto é: a abadia, o protetorado da igreja de Mons34 e toda a jurisdição sobre o condado de Hainaut. Dessa forma, Riquilda e seu filho Balduíno receberam do bispado de Liège de uma só vez e com uma só homenagem lígia todos os seus alódios, famílias e feudos. E assim mesmo o seguiram tendo posteriormente seus sucessores no condado, exceto os alódios de Santa Waldru: o castelo e a vila de Mons, as vilas Quaregnon, Jemappes, Frameries, Quévy, Braine-le-Comte, Braine-le-Château, Hal, Castres, Hérinnes, todas as quais, juntamente com o ducado da Lotaríngia, os reteve no dia de Santa Waldru e os concedeu perpetuamente à igreja que fundou no Castrilocus, em Mons. Mais tarde também foram atribuídos à essa igreja Cuesmes, Nimy, Ville-sur-Haine e muitos outros bens.

Uma vez legados à igreja de Liège tantos e tão grandes bens, e após ter feito homenagem lígia a um personagem tão ilustre como Balduíno II, foi acertado que, desde então, o conde de Hainaut deveria servir e socorrer seu senhor, o bispo de Liège, sempre que necessário, com seus próprios homens, a cavalo ou a pé, ele às expensas do bispo desde o momento que o conde saísse de seu condado em Hainaut, de forma que, se o conde se apresentasse perante o bispo a causa da terra recebida em feudo, este teria que pagar todos os gastos a partir do momento que saísse de seu condado, e se o bispo convocasse o conde de Hainaut à sua corte ou à qualquer colóquio, deveria pagar também os custos; se o imperador de Roma convocasse o conde de Hainaut para socorrer sua corte ou qualquer outra causa, o bispo de Liège deveria conduzi-lo por seus próprios meios até a corte e fazer com que regressasse a salvo, além de estar e responder por ele juridicamente perante a corte.

Por outro lado, se alguém agredisse a terra de Hainaut, o bispo de Liège deveria enviar um exército ao conde em seu auxílio, e se o conde sitiasse algum castelo ou se visse sitiado fora ou dentro de suas terras, o bispo deveria apresentar-se com quinhentos cavaleiros pagos por ele para ajudar o conde, o qual, por sua parte, deveria proporcionar víveres suficientes para eles: se pudesse ceder os pastos ou outros víveres necessários para os cavalos, o bispo e os seus poderiam tomá-los à vontade. Este serviço de auxílio deveria ser cumprido pelo bispo até três vezes por ano durante um período de até quarenta dias por cada vez. Assim, junto com o conde de Hainaut, o bispo de Liège ainda tem que render homenagem a seus castelães: o de Mons, o de Beaumont e o de Valenciennes. O bispo de Liège deve dar ao conde de Hainaut na festa do Natal três pares de vestimentas, cada uma das quais deve valer seis marcos de prata ao peso de Liège, e deve dar também vestimentas de igual valor aos três castelães mencionados. Se alguém confiar ao conde seu alódio no condado de Hainaut para retomá-lo na forma de feudo, ou se adquirir alódios, servos ou servas no extremo limite de seu condado, o bispo de Liège os terá imediatamente nas mesmas condições que o restante de seu feudo. Por último, enquanto muitos príncipes, duques, barões, condes e outros nobres junto com seus homens têm que responder e dar satisfações à justiça da Paz de Liège, os condes de Hainaut e seus homens não estarão obrigados a isso.

E assim, com as riquezas obtidas do bispo de Liège, a condessa Riquilda e seu filho Balduíno II reuniram todos os aliados e mercenários que puderam, procedentes das mais diferentes regiões, para conduzi-los contra Roberto, o Frisão, que retinha Flandres à força. Entre os aliados encontravam-se o duque de Boillon, o conde de Namur, o conde de Louvain, o conde de Montaigu, o conde de Chiny, o conde de Haumont e muitos outros, todos os quais Roberto, sempre que pôde, causou-lhes dano.

 No entanto, todos esses esforços foram inúteis. Roberto, desprezando os homens de Hainaut, mantinha ataques contínuos contra eles, e ao cabo de um tempo, colocou-se em marcha com seu exército até Hainaut. No Brabante, no território chamado Broqueroie, próximo de Mons, ele encontrou alguns dos homens de Hainaut e, ao iniciar uma grande luta, sendo poucos para defenderem-se, morreram quase todos. Por essa razão esse lugar recebe hoje o nome de “Bosque Mortal”. Depois disso, Roberto, cheio de maldade e soberba, atravessou o rio Haine em um lugar chamado Doua, próximo de Mons, e passando assim por Hainaut com suas tropas e deixando Valenciennes, alcançou um lugar chamado Wavrechain-sous-Denain. Ali construiu uma fortaleza com fossos e paliçadas de madeira, e logo regressou a Flandres deixando naquele lugar trezentos cavaleiros que devastaram Hainaut incessantemente. 

O jovem conde Balduíno II, diante de tão grave derrota, buscou ajuda contra seus inimigos, socorrendo a terra dos avalenses e, com o auxílio de seu senhor, o bispo de Liège, e de alguns dos seus, caiu de surpresa sobre seus inimigos que permaneciam em Wavrechain com muitos cavaleiros. Matou alguns e fez tantos prisioneiros que quase ninguém pôde escapar. Assim a fortaleza foi destruída.

A condessa Riquilda e seu filho Balduíno permaneceram injustamente desterrados de Flandres. Todo aquele tempo acrescentaram suas boas obras e esmolas, construindo em um de seus alódios em Broqueroie a igreja de São Dionísio e instituindo ali uma comunidade de monges para servirem a Deus. De igual forma entregaram a essa igreja a vila e outras terras de diferentes lugares, férteis e estéreis, bosques, prados, águas, servos e servas, concedendo-lhes quantas liberdades puderam.

A Igreja de Santa Waldru e a de São Germano

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Catedral de Santa Waldru em Mons (1450-1690), grandioso monumento no estilo gótico brabantino.

Naquele tempo em Mons havia treze cônegos na igreja de São Pedro, cujas prebendas35 pertenciam ao grupo de pessoas do capítulo de São Germano.36 Para eles, a condessa Riquilda e seu filho Balduíno II fizeram com que essas prebendas passassem para os monges de São Dionísio. E como todas as oferendas aos altares dos mosteiros e das capelas de Mons pertenciam aos capelães de Santa Waldru, ou seja, aos cônegos de São Germano, um tempo mais tarde foi acordado que a igreja de São Germano receberia dos monges da igreja de São Dionísio, pelo mosteiro de São Pedro, um censo anual de seis dinheiros37, e que estes seriam pagos perpetuamente no dia da festa de São Denis e na igreja do mesmo nome.

Da igreja de Santa Waldru deve ser dito antes de qualquer coisa que é a principal igreja de Hainaut. São Walberto, como é sabido, foi duque da Lotaríngia, ducado que se estendia por todo Cambrai, Hainaut, Brabante, Ascania e Ardenas até o Reno, e sua esposa foi Santa Bertila. Entre seus muitos bens encontravam-se muitas propriedades alodiais nas terras mencionadas de Hainaut e Brabante. De sua esposa, Santa Bertila, teve duas filhas, também santíssimas: Santa Waldru e Santa Aldegunda. Quando Walberto faleceu, por não ter filhos varões, sua filha primogênita lhe sucedeu no ducado, Santa Waldru, que ademais possuiu muitos alódios em sua propriedade. Esta santa casou-se com um homem ilustre, Magdelgario, depois chamado de São Vicente, do qual teve dois filhos, Landerico e Lesderino, que por seus muitos méritos receberam o nome de santos, e duas filhas, Santa Aldetrude e Santa Madelberta, ambas virgens. Santa Aldegunda rechaçou bodas com reis e príncipes e só quis unir-se a Deus; em seu alódio de Maubeuge construiu uma igreja e a enriqueceu entregando-lhe uma parte de seus outros alódios e instituindo nela uma comunidade de monjas para servir a Deus, e logo ela mesma tomou o hábito de religiosa. São Vicente também desprezou a vida mundana e se fez monge na igreja de Haumont. Depois fundou sua própria igreja em Soignies e instituiu nela uma comunidade de monges. Esta igreja foi destruída mais tarde pelos hunos, mas seus benfeitores logo a reconstruíram e instituíram cônegos nela.

De sua parte, Santa Waldru, desejando satisfazer a Deus em tudo, quis beneficiar amplamente muitas igrejas com suas possessões, e elegeu para viver um lugar em um de seus alódios chamado Castrilocus. Este lugar se encontrava totalmente deserto. Nele se elevava um antigo monte e foi ali que se construiu sua igreja, e ela honrou-a com muitos alódios em Hainaut e no Brabante. Nela Santa Waldru instituiu uma comunidade de cônegos e canonisas: canonisas para servirem à igreja, cônegos para a proverem com os bens temporais necessários e que estivessem dispostos a ajudar nos trabalhos e demais assuntos da igreja. Inclusive estes alódios que Santa Waldru reteve para si em propriedade mais tarde entregou perpetuamente à sua igreja, com todas as liberdades. Estes eram: a vila de Mons – que antigamente chamavam de Castrilocus –, as vilas de Quaregnon, Jemappes, Frameries e Quevy no Hainaut, e as de Herinnes, Castres, Hal e Braine-le-Chatêau, no Brabante.

Por outro lado, vendo que todos os seus filhos e filhas desprezavam o terreno e só queriam unir-se ao celeste, Santa Waldru legou o principado ducal que possuía em herança por direito paterno à sua consangüínea Aya.38 Esta desposou Hidulfo, cavaleiro nobre e valente, cujo corpo santo descansa na igreja de Lobbes. Santa Aya entregou à igreja de Santa Waldru os alódios de Cuesmes, Nimy e Braine-le-Comte com todas as suas liberdades e, por isso, não omitirei narrar um glorioso milagre que mais adiante será conveniente que se saiba como ocorreu. Muitos anos depois da morte de Santa Aya, cujo corpo descansa com todas as honras na igreja de Mons, alguns malfeitores tentaram usurpar os alódios que Santa Aya concedera à igreja de Santa Waldru, afirmando pertencerem a eles por direito. Após um grande pleito entre a igreja e os malfeitores, a comunidade eclesiástica começou a desconfiar da justiça. Então, colocando todas as suas esperanças somente no Senhor, pediram o testemunho de Santa Aya, que jazia enterrada há muito tempo. Esta testemunhou de sua tumba, e todo o mundo pôde ouvi-la, que aqueles alódios eram própria e livremente de Santa Waldru por direito. Dessa forma, todos aqueles alódios permaneceram nas mãos da igreja de Santa Waldru durante muito tempo, até que mais tarde a maior parte de Braine-le-Comte passou ao conde de Hainaut por permuta.

Portanto, se compreenderá que Mons, antes chamado Castrilocus,39 é por direito próprio o principal centro de todo o Hainaut, já que foi escolhido por Santa Waldru, duquesa da Lotaríngia, como lugar para habitar durante sua vida, uma vez morta para o século, assim como porque desde o antigo conde de Hainaut foi elevado nela à dignidade abacial e escolhido protetor40 desta igreja, ele e seus feudatários a enriqueceram com numerosos bens de Hainaut e de Brabante. De qualquer modo, não sabemos com segurança como a dignidade abacial passou para a propriedade e herança de seus protetores, os condes de Hainaut, pois no princípio foi instituída uma abadessa e a eleição da mesma correspondeu por direito ao capítulo do lugar. Foi então estabelecido que a terça parte dos alódios de Santa Waldru pertenciam à dignidade abacial, de modo que graças a eles, as outras partes restantes proveram melhor as necessidades da igreja e seu desfrute foi melhor garantido. Esta terça parte foi composta por Quaregnon, Jemappes, Frameries, Quevy e Herinnes.

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Assim, desde os primeiros tempos da fundação dessa igreja, foi instituída uma abadessa para governá-la. Ao longo de muitos anos um grande número de abadessas sucederam nesta dignidade. A eleição da abadessa correspondia ao capítulo e a eleita era apresentada diante o imperador de Roma, recebendo dele a investidura para reger a igreja. Mas aconteceu que, ainda que a abadessa recorresse sempre ao imperador de Roma para todas as questões concernentes à igreja, um conde de Mons, que desejava veementemente a dignidade abacial e tinha o favor e a consangüinidade suficiente com o imperador, pediu a ele que concedesse o domínio da dita abadia, de forma que, após a eleição da abadessa, esta receberia os bens e dignidades das mãos do próprio conde e de seus descendentes. Este conde afirmava, e assim o disse ao imperador, que os bens da abadia eram de pouca importância, e o imperador então lhe concedeu o domínio da abadia, mas o fez sem o consentimento da Igreja.

Pouco depois disso, morreu a abadessa de Mons e o conde ocupou a abadia dizendo que ela era sua, opondo-se à eleição do capítulo. Este, que queria conservar a liberdade a qual estava acostumado, enviou ao imperador alguns de seus melhores cônegos e canonisas para manifestar a injúria infringida. Ali, na presença do imperador e com seu consentimento e favor, elegeram abadessa uma dama chamada Oda.41 Mas de regresso a Mons, ela não pôde fazer a paz com o conde. E, ainda que a Igreja não quisesse sofrer a ofensa do conde, como não podiam acudir constantemente ao imperador, seguindo, com grandes esforços e gastos até distantes regiões, decidiram entregar-se à vontade do conde, seu senhor e protetor.

Destituída a abadessa, o conde de Hainaut tornou-se abade e protetor da comunidade e dessa forma a dignidade abacial passou para a sua herança. Então o conde enfeudou os muitos bens dispersos que pertenciam à dignidade abacial, conservando a dotação do capítulo a salvo. E assim foi disposto que uma terça parte dos alódios de Santa Waldru pertenceria à abadia, de modo que, com ela as outras duas partes restantes proveriam melhor as necessidades da igreja e seu desfrute estaria melhor garantido, pois deste modo, graças à parte abacial a igreja estaria liberada das taxas que eventualmente são requisitadas pelo papa, por seus legados, o senhor de Reims, ou o de Cambrai e seus oficiais, que em língua vulgar recebem o nome de giste ou porsonia.42 Todos estes bens que o abade possui juntamente com o capítulo se encontram nas vilas de Quaregnon, Jemappes, Frameries, Quevy, Herinnes, Castres, Hal e Braine-le-Château.43

Contudo, a vila de Mons pertence em propriedade à igreja de Santa Waldru de Mons e os dízimos e censos dessa vila não foram outorgados ao abade. O teloneo e a foragia44 pertencem à parte abacial. Todos os mansos da vila45 devem censo à Santa Waldru e os cônegos de São Germano, que são os capelães de Santa Waldru, recebem anualmente a terça parte deles, na festa de Quinta-Feira Santa. Deste modo, recebem os dízimos46 das colheitas e das pastagens de toda a paróquia de Mons, além dos dízimos menores e as oferendas aos altares. Por seu castelo situado na igreja de Mons, o conde de Hainaut deve um censo anual de cinco soldos na festa de Quinta-Feira Santa, além do censo por outros mansos que tem na vila, também pagos nas festas de Quinta-Feira Santa e no Natal. O conde não pode ter nenhum manso na vila nem construir nenhum edifício sem o consentimento da igreja. Caso construa, também deve pagar censo por isso. Se estes censos não forem pagos no dia marcado, está permitido à igreja, sem a intervenção do administrador senhorial nem de seus magistrados47, aceitar penhoras em troca do censo, além de dois soldos como multa.

Em Mons, qualquer homem pode dar seu manso como esmola para Santa Waldru sem a necessidade da aprovação do administrador ou do testemunho dos magistrados, sempre que São Germano não tenha participação nele. O mesmo acontece com relação a São Germano: qualquer homem pode entregar seu manso como esmola sem a aprovação do administrador ou o testemunho dos magistrados, sempre que Santa Waldru não tenha parte nele.

Em Mons existem quatro mansos livres48 que não devem ao conde a talha49, as exações, as corvéias50, nem o serviço de angária51 e o de hoste.52 Seus habitantes não podem ser julgados pelo administrador nem pelos magistrados. Estes quatro mansos livres são os seguintes: as fábricas de cerveja53 de Santa Waldru, de São Germano e os dois mansos do protetorado. A igreja de Santa Waldru pode ter sempre em Mons quatro servos livres que não devem ao conde a talha, nem a exação e o serviço de hoste ou exército, e não podem ser julgados pelo administrador nem pelos magistrados, somente pelo capítulo de Santa Waldru.

Além disso, esta igreja tem seus próprios administradores e magistrados para todas as suas vilas, sejam as procedentes do domínio alodial de Santa Waldru ou as que são oferecidas como esmola. Frente ao poder do conde, abade e protetor, e ao de todos os feudais, a igreja tem o domínio absoluto, o direito e a jurisdição de todas elas. De sua parte, o conde, como abade, tem em Mons o administrador e o magistrado do tribunal abacial, que podem apresentar testemunho e exercer a justiça junto com os outros administradores e magistrados da igreja. O conde, na qualidade de abade, recebe no dia de Natal a homenagem e o pagamento de alguns administradores de Quaregnon, Jemappes, Frameries, Quevy, Cuesmes, Nimy e de um administrador de Ville-sur-Haine, de Herinnis, de Castres, de Hal, de Braine-le-Château e de Braine-le-Comte, mas o conde não pode levar consigo estes administradores nas causas judiciais, exceto às da igreja de Mons junto ao capítulo e a seus pares.

Se algum desses administradores quiser obter o ofício por direito de herança, caso sua bailia pertencer a uma das vilas de Hainaut, deverá dar à igreja de Santa Waldru, em reconhecimento vassálico da bailia, quarenta soldos de Hainaut. Em caso de as vilas serem situadas no Brabante, todo administrador que tenha homenagem ao conde como abade deverá pagar à igreja sessenta soldos em moeda de Neville, e uma vez solicitada à igreja a bailia, pago o reconhecimento, jurada a fidelidade à igreja dando fé sobre os Santos Evangelhos, o conde como abade deverá aceitar isso sem transgredir a homenagem e a apresentação à igreja. As outras bailias que não devem homenagem ao conde fazem esse pagamento por sua vontade e misericórdia. São essas: Maffle, Bouvines, Hamme, Hofstade, Raismes, Bossu e uma de Ville-sur-Haine. Caso ocorra de qualquer das vilas de Santa Waldru desejar vender ou alienar a bailia, deverá fazê-lo com o consentimento do capítulo.

Na primitiva fundação da igreja, sob o comando da abadessa foram nomeadas: uma prepósita54 para reger os assuntos temporais; uma decana para os espirituais e uma guardiã para a custódia dos santos, dos tesouros, dos ornamentos da igreja e o cuidado dos servos e servas, das luzes, dos sinos e outras coisas necessárias. Mas assim que os condes foram dotados da dignidade abacial, cujas competências correspondem à prepositura55, custódia e doação de prebendas, concederam a prepositura e a custódia aos clérigos, já que estes podiam deslocar-se com maior facilidade e ocupar-se melhor dos assuntos da igreja.

Determinaram também prebendas da igreja de Santa Waldru a São Germano, para servirem como capelães na dita igreja e celebrarem os ofícios divinos no monastério. Todos os dias um sacerdote, um diácono e um subdiácono devem celebrar a missa maior e todos os domingos devem tomar parte nas rezas, assim como na procissão da Ascensão do Senhor. E todos os cônegos devem participar dos ofícios divinos, vésperas, matinas56 e missa maior junto com as canonisas, no Natal durante quatro dias, o dia da Circuncisão, da Epifania, da Purificação da Virgem, na Páscoa durante quatro dias, pela Ascensão, em Pentecostes outros quatro dias, o dia da Assunção, na festa de Todos os Santos e a de Santa Waldru. Na Quinta e Sexta-feiras Santas, na Vigília da Páscoa e na de Pentecostes devem tomar parte na missa. Os cônegos de São Germano recebem da igreja maior dez módios de aveia57 e quatro de grãos de inverno pela missa celebrada no altar de Santa Waldru, quer dizer, no altar posterior que recebe o nome de altar do presbítero.

De tudo que Santa Waldru recebe como dom, São Germano recebe a terça parte, exceto se se trata de tecidos pintados, terras, ouro ou panos de seda. Em troca de todas as doações de São Germano, Santa Waldru recebe dois terços, exceto igualmente se se trata de terras, ouro, ou tecidos de seda. Todas as oferendas ao altar maior, a não ser que venham para o sacerdote-estola58, pertencem a São Germano, se não se trata de terras, ouro ou panos. Nos monastérios e capelas restantes da vila de Mons, as oferendas aos altares que não chegam para o sacerdote-estola pertencem ao prepósito de Santa Waldru, ainda que se trate de terras, ouro ou panos de seda. As velas do dia da Purificação de todos os monastérios e capelas, qualquer que seja a forma que tenham sido obtidas, pertencem também ao prepósito, também as oferendas da Vigília da Páscoa.

São Germano tem sob sua custódia espiritual todos os clérigos da vila de Mons e seus próprios cônegos, capelães, cônegos familiares, clérigos escolares, os quatro servos de Santa Waldru, os cervejeiros de São Germano, os servos da herdade do conde e os próprios condes, quando estes se encontram em Mons. A todos eles os sacerdotes de São Germano prestam serviços eclesiásticos tanto em vida quanto na morte. Os cônegos de São Germano têm que procurar a igreja de Santa Waldru assiduamente para celebrar as missas maiores, com sacerdote, diácono e subdiácono, e devem socorrer esta igreja nas grandes solenidades do ano, não podendo reunir-se no monastério de São Germano para celebrar a missa maior nem para as horas paroquiais. Em São Germano tem que celebrar vésperas e matinas nos dias de festa, no Advento e na Quaresma, junto com os clérigos, exceto os dias de grandes solenidades que, como disse, têm que socorrer o monastério maior. Os dias restantes devem assistir à missa e as horas paroquiais no monastério de São Germano.

Em razão dos bens que tem na abadia, o conde de Hainaut deve liberar a igreja de Santa Waudru e pagar por ela o que em ocasiões requer o papa ou seus cardeais e legados, o senhor de Reims e seus oficiais, o senhor de Cambrai e os seus, quer dizer, a gista ou porsonia.59 Os cônegos de São Germano, como os capelães de Santa Waudru, também estão livres de exações. Se o conde de Hainaut ou alguma outra pessoa violentar ou injuriar a igreja de Santa Waldru, a comunidade poderá deixar de celebrar os ofícios eclesiásticos e além disso, como protesto, poderá desenterrar o corpo de Santa Waldru até que se dê a satisfação das injúrias recebidas. Nas ocasiões que isso ocorreu e foi desenterrado o corpo da Santa, muitos malfeitores sofreram grandes tormentos pela vingança divina e nunca se viu alguém permanecer impune.60

O conde de Hainaut reclamou pelo protetorado, que exercia uma parte dos bosques de Santa Waudru e então lhe foi entregue o bosque de Mons em propriedade. A doação do cargo de prepósito de São Germano cabe ao conde pelo direito que lhe outorga a dignidade abacial, já que o prepósito recebe do conde, de suas mãos e de uma única homenagem, a abadia, isto é, as prebendas, o cargo de prepósito, a custódia e a proteção das terras e dos homens. Ao prepósito de São Germano cabe a jurisdição sobre os cônegos do monastério e sobre os clérigos de qualquer ordem que se encontre em Mons, exceto os cônegos de Santa Waudru que são julgados pelo prepósito de Santa Waudru e pelo capítulo. O prepósito de São Germano e o prepósito ou prepósita de Santa Waudru tem que prestar homenagem e jurar fidelidade ao conde, assim como o abade, e por esta razão podem tomar parte em sua corte, em processos e testemunhos. Santa Waudru possui muitos outros privilégios que não detalharemos, mas também não passaremos, com o que ocorreu com aqueles que tentaram converter a ordem de canonisas de Santa Waudru em outra ordem.

Aconteceu um dia que um conde de Mons, após um severo Conselho celebrado contra as canonisas de Santa Waudru, incendiado pela ira, jurou subitamente expulsar as canonisas da igreja e instituir essa mesma igreja em uma ordem de clérigos. Quando foi comunicada essa decisão às damas por meio de um secretário do conde, elas se prostraram diante o corpo de Santa Waudru rogando ao Senhor e orando que as livrassem de tão injusta opressão. Graças a esses votos Deus quis velar que permanecessem em sua ordem com as mesmas liberdades de então. Ao chegar a noite, a morte surpreendeu o conde e o mal que pretendia ficou inacabado.

Outra vez aconteceu que certo conde chamado Raineiro, homem religioso e sábio que freqüentava devotadamente a igreja de Santa Waudru assistindo às matinas e as outras celebrações das horas, deixou-se sugestionar por gentes malvadas que lhe diziam que os clérigos seriam muito mais úteis à igreja que as damas, decidiu expulsá-las. Uma noite, na festa do mártir São Vicente, o conde foi ao monastério com clérigos voluntários escolhidos por ele para ocupar as prebendas; as damas ainda dormiam quando o conde, em uma hora inadequada da manhã, trancou as portas das habitações das damas e quis iniciar a celebração solene das matinas com novos clérigos. Ao iniciar o som de suas vozes clamorosas, despertaram as damas. Elas então correram presunçosas até o monastério mas não puderam passar. Os clérigos diziam a Antífona do Convite comum, o Justus florebit. As canonisas permaneceram de pé no claustro, junto à porta do monastério e, sofrendo a injúria com paciência, entoaram as matinas melhor e mais adequadamente, como condiz aos doutos, iniciando com a Antífona do Convite, própria da festa Vincentem mundum.61 Ao ouvi-lo o conde mandou abrir as portas, fez entrar as damas e dirigiu essas palavras aos clérigos: “– Distanciem-se daqui. Elas são doutas e instruídas e conhecem os ofícios eclesiásticos, vós sois ignorantes.”

Em outra ocasião, o conde Balduíno IV, aquele que posteriormente foi enterrado diante o altar maior de Santa Waudru, ao morrer uma de suas canonisas deu a prebenda vaga a um clérigo chamado Gerardo. A comunidade, gravemente ofendida com a afronta do conde, se negou a recebê-lo como cônego. O conde não quis escutar as queixas desta igreja e, após entregar a prebenda sem ater-se ao costume e à ordem justa, marchou até Binche. Ao chegar, foi afetado repentinamente por uma enfermidade tão terrível que não podia estar de pé, nem sentado, nem ficar recostado. Por conselho de alguns de seus familiares62, homens prudentes, regressou à ordem, apesar dos sofrimentos físicos, a igreja de Santa Waudru e, arrependido de sua má ação, pediu misericórdia humildemente à Santa e ao capítulo e restituiu a prebenda às damas. Após este ato o conde sarou. Ao cabo de um tempo, um cardeal chamado Gerardo, legado da Sé apostólica, aconselhado por homens pérfidos e a pedido de muitos clérigos e pela intercessão da própria condessa Adelaide, cujo corpo foi enterrado depois na cripta superior da igreja, saiu do condado de Namur, passou pela terra dos avalenses e, atravessando Hainaut, chegou à igreja de Santa Waudru, conduzido pela própria condessa. Algumas prebendas se encontravam vagas na igreja e o cardeal tentou entregá-las ao mencionado Gerardo e a outros clérigos. Mas quando o cardeal estava no coro com a condessa e ia conceder as prebendas aos clérigos sem ceder às reclamações das damas que pediam justiça e juízo, elas se precipitaram sobre os clérigos e os expulsaram da igreja. O cardeal se retirou confuso e as damas, apoiadas pela benevolência do conde, permaneceram em paz.

Riquilda e seu filho Balduíno II

Voltemos agora à condessa Riquilda e seu filho Balduíno II, que levavam constantemente a cabo a guerra contra Roberto, o Frisão e seus homens de Flandres. Um dia, o jovem conde Balduíno, probo em armas, chegou a um acordo de paz com os homens de Flandres; prometeu e jurou tomar por esposa a uma neta do conde Roberto quem nunca havia visto nem escutado falar de sua horrível deformidade. Para que Balduíno não pudesse voltar atrás, o astuto Roberto pediu ao conde que lhe desse o castelo de Douai que era de sua propriedade como prenda, aceitando como garantia os homens que custodiavam o castelo, de forma que se o conde de Hainaut não se casasse como havia jurado não teria a fortaleza devolvida, somente por uma grande soma de dinheiro. Quando Balduíno viu sua futura esposa e comprovou sua enorme fealdade e indecência a rechaçou e, desprezando-a, rompeu o pacto. Em troca, tomou por esposa Ida, irmã de Lamberto, conde de Louvain, que era uma mulher religiosa e honesta. Assim Douai ficou em mãos de Roberto e dos condes de Flandres que lhe sucederam, pois os de Hainaut não conseguiram recuperá-la, nem pela justiça, nem com dinheiro. Balduíno teve dois filhos com Ida; Balduíno III, o primogênito, que lhe sucedeu no condado de Hainaut, e Arnulfo. Teve também duas filhas.

Balduíno II, que dominava todo o condado de Hainaut, concedeu muitos bens em terras no território de Avesnes e em outros lugares a Gosuíno, homem nobre e oriundo da vila de Disy-le-Verger, em Cambrai, par do castelo de Mons.63 Ele lhe rendeu homenagem lígia enquanto possuiu e estava obrigado a prestações contínuas por seu estágio no castelo.64 Contudo, apesar da fidelidade jurada a seu senhor, ele empreendeu a construção de uma torre em Avesnes sem nenhum direito e contra a vontade do conde. Logo, admoestado pelo próprio conde recusou-se acudi-lo perante o tribunal de sua corte. O conde Balduíno lançou-se em armas contra ele e foi a seu encontro com muitos de seus homens, próximo do rio Sambre. Ali combateram encarniçadamente durante dois dias, e no terceiro o conde venceu Gosuíno e o conduziu a Mons como prisioneiro. Graças aos pedidos de seus fiéis que eram homens nobres, o conde só cortou sua barba e deixou-o partir. Com o passar do tempo Gosuíno recobrou o favor de seu senhor e pôde terminar a torre, que foi solidamente construída, fato que mais tarde prejudicaria gravemente a outro conde de Hainaut.

A cidade de Jerusalém e sua história

Naquele tempo, a cidade santa de Jerusalém, Armênia, Síria e parte da Grécia quase até o Braço de São Jorge65 se encontravam ocupadas pelos infiéis. Por isso, a maior parte dos homens do Império Romano66 e do reino da França se dispuseram a socorrer a Igreja do Oriente. Balduíno II, que era um cavaleiro poderoso em armas e generoso em esmolas, quis aumentar ainda mais suas boas obras e decidiu unir-se a eles.

Muitos desejarão saber quem edificou pela primeira vez a cidade de Jerusalém. Lê-se no Gênesis que Melquidesec, rei de Salem, fazendo oferenda de pão e vinho – pois era sacerdote do Deus Altíssimo – bendisse a Abraão. No livro de Josué se lê que quando foi dividida a Terra Prometida entre as doze tribos, Salem era a própria Jerusalém. Por isso, já que Melquidesec dizia ser rei de Salem, muitos têm deduzido que ele foi seu construtor. Os hebreus também dizem – e São Jerônimo o confirma – que este Melquidesec foi Sem, filho de Noé, que a cidade foi fundada por ele depois do Dilúvio e nela reinou com seus descendentes. É precisamente por isso que dizem que ele era sacerdote, pois pela Lei de Moisés todos os primogênitos o eram, e Sem foi o primogênito. Essa foi também a primogenitura aspirada por Jacó quando disse a seu irmão Esaú: “– Venda-me tua primogenitura”, isto é, o direito à dignidade sacerdotal.

Quando mais tarde os jebuseus tomaram Salem, esta, segundo conta o Livro dos Juízes, recebeu o nome de Iebus. Depois, transformando a letra b em r e unindo os nomes de Iebus e Salem, a cidade foi então chamada Jerusalém. Seu primeiro rei, Davi, colocou um trono e se fez cabeça do reino de Israel. Salomão construiu ali um templo e em honra deste rei, segundo narra Santo Isidoro67, se chamou Hierosolimitano, quase como Ierosalomoniano. O primeiro rei da Babilônia, Nabucodonosor, incendiou o templo, destruiu a cidade e levou seus habitantes cativos, mas depois de setenta anos, Ciro, rei dos persas, ordenou aos judeus que regressassem e reconstruíssem a cidade e o Templo. Após algum tempo, o rei Antíoco, conforme se lê no Livro dos Macabeus, entrou nela com um grande exército, destruiu a maior parte das muralhas, quis converter os judeus e infiéis e construiu na mesma cidade uma fortaleza na qual estabeleceu aqueles infiéis. Judas Macabeu conseguiu expulsar muitos deles levando a cabo uma guerra contínua. Ele fortificou novamente a cidade, mas não pôde tomar a fortaleza. Tampouco seu irmão Jônatas pôde, mas seu terceiro irmão, Simão, que lhe sucedeu no principado, a tomou, expulsando os infiéis e purificando a cidade. Assim a possuiu, junto com seus filhos, até depois de sua morte, tal como se refere José, estes litigaram entre si pela posse do reino e da dignidade sacerdotal e um deles solicitou a ajuda de César Pompeu, que veio até Jerusalém, derrotou um e deu o principado a outro, convertendo a cidade em súdita de Roma. Enviado por César, chegou Herodes e durante seu governo nasceu Cristo que, com Sua vida, Seus milagres e Sua Paixão e sepulcro glorificou a cidade a tal ponto que São Mateus Evangelista não duvidou de chamá-la Cidade Santa.

Depois da Paixão do Senhor, Vespasiano e seu irmão Tito a destruíram de modo que aconteceu o que o Senhor predissera no Evangelho: “– Não ficará nela pedra sobre pedra”. O imperador Hélio a reedificou e lhe deu o nome de Hélia. Mais tarde, quando Constantino Augusto foi batizado por São Silvestre, sua mãe Helena Augusta encontrou na cidade a cruz do Senhor. Cortou-a no meio e deixou uma de suas partes ali; a outra levou para Constantinopla, que antes se chamava Bizâncio, mas nesta época elogiada e regiamente edificada por Constantino recebeu o nome de Constantinopla.

Muitos anos mais tarde, o rei pagão dos persas, Cósroes, tomou Jerusalém e levou a metade da cruz para a Pérsia. Colocou-a em um templo que edificou para si mesmo, e tendo uma vez passado seu trono e reino para seu filho, este invadiu o reino dos cristãos com um exército de infiéis. Heráclio, imperador de Constantinopla, saiu a seu encontro com o exército cristão e na ponte de um rio, por um sinal do Senhor, o venceu e o degolou. E assim foi retomada a terra que seu pai havia arrebatado. Após subjugar o exército pagão, Heráclio partiu para a Pérsia com a milícia cristã. Chegou ao templo onde morava o pérfido Cósroes e o encontrou sentado no trono de ouro. Admoestou-o para que se fizesse cristão pois tomaria dele o reino da Pérsia, mas ele não quis se converter. Então, desembainhou sua espada, cortou sua cabeça e batizou seu filho, que ainda era pequeno e, tomando-o da fonte batismal, concedeu-lhe o reino da Pérsia, levando-o consigo como refém para que mais tarde estivesse sujeito a ele.

A cruz do Senhor que Cósroes havia levado para a Pérsia foi novamente trazida para Jerusalém e colocada outra vez no Sepulcro do Senhor, tal como se lê publicamente nas igrejas em exaltação à Santa cruz. E assim o reino da Pérsia ficou ligado por um longo tempo ao Império de Constantinopla e o culto da fé cristã floresceu em Jerusalém e em muitas cidades do Oriente até que Deus, ofendido com os pecados dos cristãos, deixou novamente que prevalecesse o erro dos pagãos. Estes atravessaram seus confins, penetraram em Jerusalém e tomaram a cidade e o Santo Sepulcro, obtendo ainda a Armênia, a Síria e parte da Grécia, quase até o mar que chamam de Braço de São Jorge.

A chamada para a Primeira Cruzada

Então, Aleixo, imperador de Constantinopla, vendo seu reino reduzido pelas incursões dos infiéis, estremecido, enviou legados à França com cartas, animando os príncipes a virem em socorro da desolada Jerusalém e da Grécia, pois se encontravam em grande perigo. Por isso, também escreveu ao conde Roberto, o Frisão, senhor de Flandres que, como já dissemos, era irmão de Balduíno I, conde de Flandres e de Hainaut. Roberto tinha uma irmã, Matilde, esposa de Guilherme, conde da Normandia e depois rei da Inglaterra. Matilde engendrou três filhos dele: Guilherme, Roberto e Henrique, e uma filha chamada Adélia, esposa de Estêvão, conde de Blois. Adélia engendrou um filho dele, Tebaldo, conde poderosíssimo que ampliou muito seus bens no reino da França e que, por sua vez, teve quatro filhos: Henrique, conde de Troyes, Teobaldo, conde de Blois, o conde Estêvão e Guilherme, arcebispo de Reims, além de quatro filhas: Adélia, rainha da França68 e mãe de Filipe, poderosíssimo rei dos francos69, a duquesa da Borgonha, a condessa de Bar e a condessa de Perche.

Dos dois filhos do rei da Inglaterra e de Matilde, Guilherme, o primogênito, quando morreu seu pai o sucedeu no reino; Roberto foi conde da Normandia e alguns anos depois, Henrique o sucedeu no trono, após Guilherme morrer pelas mãos de um de seus cavaleiros quando caçavam juntos no bosque. Morto Henrique, reinou seu sobrinho Estêvão, irmão de Teobaldo, conde de Blois, que teve por esposa uma filha de Eustáquio, conde da Bolonha, irmão de Godofredo e de Balduíno, de quem mais tarde obtiveram o reino de Jerusalém.

Por outro lado, o imperador de Constantinopla, Aleixo, também pediu auxílio e conselho ao papa de Roma, Urbano, a respeito das incursões dos infiéis. Este, que se chamava Otão antes de alcançar o papado, era oriundo da preclara estirpe dos francos. Primeiro foi clérigo, logo se fez monge e foi nomeado prior de Cluny. Posteriormente, por seus muitos méritos foi-lhe entregue o bispado de Óstia. Finalmente foi chamado a ocupar a Sede Pontifícia, recebendo então o nome de Urbano. Quando recebeu as súplicas do imperador Alexis, este homem extraordinário, comovido por elas mas impulsionado sobretudo pelo perigo geral contra a cristandade, foi ao reino da França e em uma cidade chamada Clermont, na Auvérnia, convocou um Concílio para tratar de todas essas coisas. Convidou para participar dele todos os homens da França e da Germânia. Vieram clérigos e laicos e então ele lhes exortou com um piedoso sermão para irem em socorro da Cidade Santa de Jerusalém e das igrejas do Oriente. Seu discurso foi tão doce e adequado que muitos e grandes homens tomaram o sinal da cruz para si e se puseram rapidamente no caminho.

Além disso, neste mesmo Concílio, o papa Urbano, sentindo-se cheio de autoridade, excomungou Filipe, rei da França, por ter repudiado sua esposa Berta e se unido à esposa do conde de Anjou, Bertrada, e o fez com tamanha firmeza que não quis escutar as intercessões dos grandes e notáveis do reino nem temeu permanecer no interior do mesmo. Neste mesmo Concílio, o papa Urbano deu a todos os fiéis um sinal para que no meio da batalha todos clamassem a uma só voz: “– Deus o quer, Deus o quer!”. E assim o fizeram.

O Concílio de Clermont foi celebrado no ano da Encarnação do Senhor de 1095. Depois, muitos príncipes se apressaram em partir em auxílio do Senhor. Entre eles estavam Boemundo, filho do duque de Apúlia, seu primo Tancredo, Ramon, conde de Toulouse, o bispo de Puy, Hugo, o Grande, irmão do rei Filipe da França, Roberto, conde de Normandia, o jovem conde Roberto II, de Flandres, filho de Roberto, o Frisão e Godofredo, duque de Boillon, com seus irmãos Balduíno e Eustáquio. A eles se juntou Balduíno II, conde de Hainaut, para ir em auxílio do Senhor e de todo o seu território.

Saiba-se, além disso, que quando Godofredo decidiu empreender o caminho, entregou à igreja de Liège, em troca de certa soma de dinheiro, toda a sua propriedade alodial de Boillon, com a condição de que, se por vontade divina, ele falecesse nas terras de Ultramar70, passaria tudo para propriedade da Igreja. Mas se Deus lhe permitisse regressar com vida poderia redimi-lo com a mesma soma de dinheiro aceita. E como Godofredo, por ter conquistado o reino de Jerusalém nunca mais voltou, o castelo de Boillon, com todos os seus pertences, passou a ser propriedade da igreja de Liège. A jurisdição sobre o ducado da Lotaríngia e os feudos correspondentes, por sua vez, foram entregues ao nobre Henrique de Limbourg, de modo que ele, seu filho e muitos de seus descendentes, senhores de Limbourg, tiveram o ducado, e ainda que não fossem duques, foram chamados de duques. O conde Lamberto de Louvain, pai de Godofredo, chamado de o duque Barbudo, príncipe muito poderoso, obteve finalmente a dignidade ducal das mãos do imperador, e assim o ducado passou aos condes de Louvain quem, apesar disso, nunca exerceram a jurisdição do mesmo fora de suas próprias terras.

O exército cristão, com muitos e grandes esforços, atravessou a Hungria, a Bulgária, a Grécia e Constantinopla, subjugou a maior parte das cidades e chegou a Antioquia. O imperador Alexis71 havia jurado aos cristãos que viria com seus homens caso eles necessitassem de ajuda. Assim, ele enviou um reforço de três mil homens armados com seu senescal Tatín. Os cristãos haviam jurado ao imperador, por sua vez, que se recebessem seu auxílio, toda a terra de Constantinopla até Antioquia, incluída essa, voltaria a estar em seu poder. No dia que chegaram a Antioquia e acamparam frente à cidade para sitiá-la, Balduíno II de Hainaut foi nomeado chefe da retaguarda do exército. Uma vez fixadas as tendas e colocados ordenadamente todos os príncipes do exército em volta da cidade, o conde de Hainaut não encontrou nenhum sítio para acampar a sua tenda. Então, Balduíno II, embora desconfiasse dos homens de Tatín que foram enviados pelo imperador e estivesse inquietado com sua perfídia para com os cristãos, não temeu instalar-se entre suas tendas e os muros da cidade, tendo que suportar com dureza os contínuos ataques dos turcos. Por esse motivo, sua fama se espalhou por todo o exército cristão.

Quando a cidade foi tomada, os príncipes do exército quiseram manter o pacto firmado com o imperador de Constantinopla e lhes enviaram como legados Hugo, o Grande, irmão de Filipe da França e o conde de Hainaut, Balduíno II, junto com uma multidão de cavaleiros para entregar-lhe a cidade tal como haviam jurado e para que, retomando-a, a repovoasse. Mas tiveram que experimentar a maldade dos turcos e foram atraiçoados. Uns morreram, outros foram feitos prisioneiros e só alguns conseguiram salvar-se, fugindo. O conde de Hainaut desapareceu neste conflito, mas ainda hoje continuamos ignorando se ele morreu ali.

Por este motivo, sua esposa, a condessa Ida, quando recebeu a notícia do infortúnio de seu senhor, sem saber se ele estava morto ou aprisionado, pelo amor a Deus e a seu esposo sem duvidar um instante se pôs no caminho em direção àquelas terras, apesar do grande esforço e dos enormes gastos necessários a isso. E se partiu incerta da sorte de seu esposo, regressou ainda mais incerta. Então, como era uma mulher religiosa, se dirigiu a Roma com a intenção de orar. De regresso dessa peregrinação, quando passava pelas Ardenas, onde possuía alódios próximos da igreja de São Humberto, o conde de Chiny a agrediu violentamente e quis raptá-la. A condessa Ida conseguiu fugir para a igreja de São Humberto e permaneceu ali por algum tempo até poder passar com segurança para Hainaut. Agradecida pelo favor e a hospitalidade que esta igreja lhe oferecera, ela conferiu em propriedade todos os alódios que tinha naquelas terras, que sua avó, a condessa Riquilda já havia entregue uma parte a esta mesma igreja, em plena liberdade e a outra parte provisoriamente.72 Ao reunir assim todos estes bens, ela decidiu além disso que quem fosse abade de São Humberto futuramente também seria capelão do conde de Hainaut, de modo que deveria ir três vezes por ano a Hainaut para aconselhar o conde e celebrar os Santos ofícios, como a grande solenidade do Natal, da Páscoa e do Pentecostes, trazendo consigo duas vasilhas cheias de vinho de Lieser, essas que a língua vulgar chama de barris.

O condado de Hainaut e Balduíno III

A Balduíno II, conde de Hainaut, filho de Balduíno I, conde de Flandres e Hainaut e da condessa Riquilda, lhe sucedeu no condado seu filho primogênito, Balduíno III. O secundogênito, Arnulfo, foi padre de Eustáquio, senhor de Roeux. Das três filhas, Ida foi dada em matrimônio a um homem nobre e belicoso, Thomas le Marle73; Riquilda se casou na França com o conde de Montfort e mais tarde foi repudiada por seu marido, vivendo honorificamente como monja por um largo tempo na igreja de Meubeuge; finalmente Adelaide se casou com um homem nobre chamado Hugo de Rumigny.

Quando o conde Balduíno III ainda era extremamente jovem, tomou por esposa Yolanda, mulher de nobre posição, filha do poderoso conde de Gueldre. Outra filha deste mesmo conde foi a esposa de Henrique, duque de Limbourg, cujo dote, a propriedade alodial do castelo de Wassenberg, passou para o patrimônio de seus herdeiros, os senhores de Limbourg. De sua esposa Yolanda, Balduíno III teve dois filhos: Balduíno, o primogênito, Gerardo, o secundogênito, além de duas filhas; uma foi dada em matrimônio ao senhor de Tosny e a outra ao castelão de Tournai.74

Toda a terra de Hainaut foi herdada por Balduíno III pois, como havia sido entregue à igreja de Liège e os condes a tinham em feudo do bispo, devia passar integralmente ao primogênito, sem a participação da herança nem de seu irmão Arnulfo nem de suas irmãs. Arnulfo foi padre, como foi dito, de Eustáquio de Roeux, chamado o Velho, homem vigoroso e de grande poder em Hainaut. Este tomou por esposa a filha de um nobre chamado Juan que era par do castelo de Mons, possuindo a terra por ela. Em conseqüência disso também foi nomeado par de Mons. Eustáquio fundou e fortificou vilas em suas terras de Roeux e Morlanwelz. De sua esposa chamada Maria teve dois filhos: Nicolau, o primogênito e Eustáquio, o secundogênito, e três filhas, Beatriz, Adelaide e Ada. Por desejo de seu pai, Nicolau foi estimulado desde criança a consagrar-se às letras e, quando se fez adulto, não quis abandoná-las e se fez clérigo, cedendo a seu irmão todo o seu direito à herança. Ornado de toda a erudição e honestidade, permaneceu clérigo, enriquecido com muitos bens eclesiásticos.

Eustáquio, por outro lado, foi armado cavaleiro. Foi um homem probíssimo, de renome e grande poder, tanto na corte de Hainaut quanto nos Conselhos dos nobres. De sua esposa Berta, filha de Rasão de Grave e Damison de Chièvres, teve um filho, Eustáquio, e uma filha, Beatriz. Das três irmãs de Nicolau e Eustáquio, a primeira delas, Beatriz, esposou um homem nobre, par do castelo de Mons, chamado Walter de Lens, e lhe deu um filho, Eustáquio, e duas filhas, Ida e Maria; a segunda, Adelaide, foi desposada por um nobre que morreu sem deixar descendência. Após isso, ela tomou o hábito e se retirou para a abadia de São Feuillien, onde se dedicou a obras santas e morreu; a terceira, Ada, foi dada em matrimônio ao nobre Nicolau de Boulaere, engendrando uma filha que herdou todo o patrimônio. Morto Nicolau, Ada contraiu segundas núpcias com o nobre Drogon de Bousies, do qual teve vários filhos; e finalmente, ao morrer Drogon, ela voltou a se casar pela terceira vez com um cavaleiro de Flandres chamado Gosuíno.

Uma das irmãs de Balduíno III, Adelaide, filha do conde de Hainaut Balduíno II e da condessa Ida, se uniu em matrimônio a um nobre de Rumigny e teve um filho, Nicolau, que possuiu os castelos de Rumigny e Florennes, e seis filhas: Beatriz, Adelaide, Riquilda e mais três das quais ignoro o nome. Nicolau ampliou enormemente os bens de sua terra; de sua esposa Damison de Chièvres teve dois filhos, ambos cavaleiros muito probos: Nicolau, que depois possuiu Rumigny e foi um homem prudente, probo e de grande fama, e Hugo, que possuiu Florennes. Teve também várias filhas; Juliana, a primeira, esposa de Renaud de Rozoy, homem nobilíssimo, do qual engendrou um filho, Roger; Clemencia, a segunda, casada com Gerardo de Ophasselt; Yolanda, a terceira, casada com Henrique de Hierges, e outras que esposaram o protetor de Hesbaye e o senhor de Schelde-windecke, em Flandres. Nicolau de Rumigny deu em matrimônio uma de suas seis irmãs, chamada Riquilda, ao senhor de Cons, e este engendrou um filho, Egildo; a outra, Beatriz, foi casada com Gosuíno de Mons, homem nobilíssimo e muito poderoso de Hainaut, enriquecido por numerosas possessões por cumprir constantemente o serviço de permanência em Mons, em Valenciennes e Beaumont, com a condição de que enquanto estivesse cumprindo esse serviço em Valenciennes não devia fazê-lo em Beaumont e enquanto estivesse em Beaumont não poderia estar obrigado a cumpri-lo em Valenciennes, mas de todas as formas era par de ambos os sítios na corte de Mons.

Gosuíno teve um irmão clérigo que deixou boa memória: Nicolau, bispo de Cambrai, homem pleno de todas as virtudes, que governou sua diocese com grande poder, regendo-a com honestidade. Por isso, foi muito amado pelos homens de Hainaut. De sua esposa Beatriz, Gosuíno teve um único filho, Gosuíno, e seis filhas: Ida, casada em primeiras núpcias com o nobre Siger de Enghien, em segundas com Rainier de Jauche e em terceiras núpcias com Balduíno de Caron; Matilde, casada com Walter de Ligne em primeiras núpcias e em segundas com Walter de Fontaine; Adelaide, dada em matrimônio a Rogério de Condé; Rixa, dada a Estêvão de Denain; Beatriz, casada com Balduíno de Roisin, e Inês, dada a Hugo, senhor de Espiny e de Antoing. Mas o filho primogênito, Gosuíno, morreu jovem, antes de ter sido armado cavaleiro. Por isso, a maior parte das possessões, as estâncias de Beaumont de Valenciennes e os outros bens passaram para Ida de Jauche e seu esposo Rainier e posteriormente foram herdadas pelo filho de ambos, Gerardo. Nicolau de Rumigny casou outra de suas seis irmãs, Adelaide, com o senhor de Thour, a outra se casou em primeiras núpcias com o senhor de Chéry, próximo de Rehtel, e em segundas núpcias com o senhor de Donchery; outra irmã desposou o senhor de Balham, e a última Isaac de Barbençon, par do castelo de Mons, engendrando um filho, Nicolau, cavaleiro probo e discreto, poderoso nos Conselhos da corte de Hainaut.

Uma segunda irmã do conde Balduíno III de Hainaut uniu-se em matrimônio a um homem da França, nobre, poderoso e belicoso, chamado Thomás de Marle, do qual teve uma filha, Ida, que por sua vez casou-se com um homem nobre, Arnaldo de Chimay, chamado Poliere, e depois, morto Arnaldo, contraiu segundas núpcias com Bernardo de Orbais, do qual teve um filho, Engelramo.

Balduíno III, conde de Hainaut e filho do conde Balduíno e da condessa Ida, teve por esposa, como já foi dito, Yolanda, filha de Gerardo, conde de Gueldre. Dela nasceram dois filhos: Balduíno IV, o primogênito, que hoje se encontra enterrado no coro superior do altar maior em Mons, e Gerardo. O conde teve também duas filhas: uma contraiu matrimônio com o senhor de Tosny e a outra com o castelão de Tournai. A primeira teve três filhos que foram cavaleiros insignes e grandes homens: Raul, Roger e Balduíno, além de um quarto filho chamado Godofredo, que foi clérigo piedoso, honesto e sábio. O terceiro, Balduíno, foi nutrido em Hainaut75, e feito cavaleiro por seu tio materno, o conde Balduíno III, habitando sempre com ele em Hainaut. Dia após dia sua probidade aumentou assombrosamente; ele continha toda a mansidão em seu coração, se comprazia na prodigalidade e largueza. Contudo, um dia, quando fora a Soissons para orar, faleceu na viagem de regresso. Sua morte perturbou ao máximo seu tio e a todos os homens de Hainaut, nobres ou servos. Trouxeram seu corpo para Valenciennes, onde foi enterrado no mosteiro de São João. Seu irmão Godofredo, clérigo, também habitava em Hainaut com seu tio materno, o conde Balduíno III e com seu primo, Balduíno IV. Contudo, quando se encontrava em Le Quesnoy, ficou enfermo e morreu. Foi enterrado com grandes honras em Valenciennes junto a seu irmão. O primogênito dos quatro irmãos, Raul, teve um filho chamado Roger, que lhe sucedeu em todos os seus bens.

A segunda das filhas de Balduíno III e Yolanda, que foi dada em matrimônio ao castelão de Tournai, teve um filho, Everardo, apelidado de Radou, cavaleiro probo e muito famoso, que possuiu por sua mãe a vila de Feignies, próxima de Maubeuge. Este, de sua primeira esposa, irmã de Roberto de Béthune, protetor de Arras, teve uma filha, Riquilda, que se uniu em matrimônio com o nobre Gislebert de Audenarde, e em segundas núpcias a Gautier de Sottegem, cavaleiro muito probo. Contudo, Everardo, ainda durante a vida de sua primeira esposa, tomou outra que era a mãe de Conão, de João e de Raul, condes de Soissons, senhores de Nesle e castelães de Bruges. Ele teve um filho dela, Balduíno.

Balduíno III, conde de Hainaut, filho do conde Balduíno II e da condessa Ida, morreu quando ainda era um jovem cavaleiro. Seu corpo foi enterrado na entrada do coro da igreja de Mons. Por isso, quando seus filhos ainda eram muito pequenos, Balduíno IV, o primogênito, herdou todo o condado de Hainaut, e o segundo, Gerardo, recebeu toda a propriedade alodial que sua mãe tinha na terra dos advalenses, isto é, o condado de Dodewaard e o de Dalen. Ele ainda teve um filho, o conde Henrique, cavaleiro muito probo.

Balduíno IV (1120-1171)

A condessa viúva, Yolanda, possuiu Hainaut por um longo tempo, tanto por direito dotalício quanto pela menoridade de seu filho Balduíno IV. Uniu-se em segundas núpcias com um fiel seu, o nobre Godofredo de Bouchain, castelão de Valenciennes, que tinha Ostrevant por direito de castelania. Contudo, também possuía Ribemont, Origny e Château-Porcien. Da condessa Yolanda, Godofredo teve um filho que também se chamou Godofredo, e uma filha, Berta. A ambos – Godofredo e Berta – seu irmão, o conde Balduíno IV, lhes adquiriu por justa compra a castelania de Valenciennes e toda a herança de terras de Ostrevant e Cambrai. Godofredo morreu sem descendência e Berta contraiu matrimônio primeiro com o conde de Duras, e logo em segundas núpcias com Egido de Saint-Aubert, do qual teve um filho, Gerardo, e uma filha, que por sua vez se casou com o já mencionado Nicolau de Barbençon. Por seu matrimônio com Egido, homem de glorioso nome e de incomparável fama por sua probidade e largueza entre todos os cavaleiros errantes do reino da França e do Império Germânico76, Berta, enquanto viveu, foi exaltada acima de todas as mulheres.

Quando morreu, Egido tomou por esposa a Matilde de Berlaimont, filha de Egido de Chin e Damison de Chièvres que, por seu pai possuía Berlaimont e a camareria-maior da corte de Mons. Este Egido de Chin foi, durante toda a sua vida, o mais probo com as armas dentre todos os cavaleiros de sua época. Certa ocasião, nas terras de Ultramar, ele lutou sozinho contra um leão ferocíssimo, o venceu e o matou, não com o arco e flecha mas com o escudo e a lança. Por parte de sua esposa, Damison de Chièvres, ele possuiu o castelo de Chièvres; foi companheiro de armas do conde de Hainaut e finalmente, tomando parte em uma ocasião em uma guerra entre o conde de Namur e o duque de Louvain, ele encontrou a morte e foi enterrado em São Ghislain. Egido de Saint-Albert, senescal-mor da corte de Hainaut por sua própria herança e camareiro-maior pela herança de sua esposa Matilde, teve um filho dela que também se chamou Egídio, fundou a vila de Busigny e construiu ali uma torre, entregue ao conde de Hainaut, Balduíno V, filho de Balduíno IV e da condessa Adelaide. Depois retomou a torre em feudo lígio, fundando antes outra vila em Bohain.

O conde Balduíno IV, filho de Balduíno III de Hainaut e da condessa Yolanda, teve que levar a cabo, com grandes esforços, múltiplos ataques e contínuas guerras contra seus vizinhos e contra quase todos os mais poderosos de seus próprios homens, especialmente contra Teodorico, conde de Flandres e sua esposa Sibila, filha do conde de Anjou. Contudo, em todas elas, graças ao auxílio do Senhor, não perdeu nada, nem sua herdade, nem sua honra. Tomou por esposa a Adelaide, de corpo elegante e rosto formoso, plena de costumes honestos, inclinada a boas obras e às esmolas, filha de Godofredo, conde de Namur e da condessa Ermensenda, e irmã de Henrique, conde de Namur e de Luxemburgo. Como as outras irmãs casadas de Adelaide, a duquesa de Zähringen e a condessa de Rethel, já haviam recebido há muito tempo uma parte das terras de propriedade alodial em zonas próximas a seus senhorios, Adelaide, ao contrair matrimônio, decidiu que quando morresse o conde de Namur, Henrique, todos os alódios, feudos e terras censuais passariam ao conde de Hainaut, Balduíno IV, à sua esposa Adelaide e a seus herdeiros.

Com o tempo, Balduíno IV e sua esposa Adelaide compraram das outras duas irmãs desta, a casada com o senhor de Rozoy e a casada com o senhor de Espinoy, sua parte alodial, de forma que, ainda em vida do conde Henrique, Balduíno IV e Adelaide tinham direitos sobre pelo menos três partes de toda a propriedade alodial. Mas para manter a paz foi acordado que Henrique, conde de Namur, de La Roche e de Luxemburgo, possuiria todas as terras enquanto vivesse e depois de sua morte os alódios, feudos e outras terras passariam sem nenhuma calúnia ao conde de Hainaut, Balduíno IV, e à sua esposa, a condessa Adelaide. O conde Henrique, que intermediava a fé e os juramentos, fez com que seus homens prestassem homenagem de fidelidade e segurança ao conde Balduíno e à sua esposa, não coletivamente, mas de forma individual, e assim o fizeram, tanto os cavaleiros nobres quanto os soldados familiares e os homens das cidades, da terra de Namur e da de Luxemburgo.

Este conde Henrique tinha obtido Luxemburgo com a morte de seu tio materno Guilherme, conde de Luxemburgo. A metade dos alódios correspondiam, por direito de herança por parte de sua mãe Ermensenda, em troca os feudos do condado de Thionville e dos protetorados de São Máximo em Tréveris e São Guilhebrodo em Echternach os recebeu das mãos do imperador de Roma, pois seu avúnculo tinha falecido sem descendência direta, e pelo favor do imperador os reteve em sua totalidade frente às exigências de sua prima-irmã, com a qual compartilhava os alódios. Esta foi desposada pelo conde de Grandpré, e teve um filho, Henrique, cavaleiro probo apelidado de Wafflart.

Também deve ser sabido que o conde de Namur, Godofredo, homem nobre e poderoso, pai do conde Henrique, teve duas esposas: da primeira nasceram duas filhas, que se casaram – como já foi dito – com o senhor de Rozoy, Roger, e com um nobre de Espinoy, em Artois; da segunda esposa, Ermensenda, nasceram dois filhos, o mencionado conde Henrique e Alberto, que morreu jovem, além de três filhas, a duquesa de Zähringen, a condessa de Rethel e a condessa de Hainaut, Adelaide. Das filhas do primeiro matrimônio, a senhora de Rozoy teve dois filhos e duas filhas: o primogênito se chamou Rainier, homem probo e discreto que fundou novas vilas em suas terras, as repovoou e as enriqueceu, e de sua esposa Juliana, filha de Nicolau de Rumigny, teve – como já dissemos – um filho chamado Roger; o segundo filho da senhora de Rozoy, irmão de Rainier, foi Roger, bispo de Laon; de suas duas filhas, uma foi Adelaide, dada em matrimônio ao já mencionado Egido de Chimay, e a outra foi Annchelisa, casada com um nobre homem do condado de Namur, Filipe de Atrive.

A segunda filha do primeiro matrimônio do conde Godofredo de Namur, a que casou com um nobre de Espinoy, engendrou também filhos e filhas; uma delas casou com Teodorico de Avesnes. Das três filhas do segundo matrimônio de Godofredo, a duquesa de Zähringen teve três filhos: Bertoldo, duque de Zähringen, príncipe de grande poder, Raul, bispo de Liège, que antes foi arcebispo de Mogúncia e que mandou construir em Liège um palácio grande e formoso, e o conde Hugo. A duquesa teve também uma filha que foi tomada por esposa pelo mais poderoso dos chefes, Henrique, duque da Saxônia. Contudo, o imperador de Roma, Frederico77, temeu essa aliança entre dois homens tão poderosos como o duque da Saxônia e o duque de Zähringen e que pudessem opor-lhe resistência. Por isso, tentou e conseguiu rompê-la através do divórcio. Para diminuir ainda mais a influência destes dois homens, expulsou Raul, arcebispo eleito, da sede de Mogúncia. Este, graças ao apoio de seu tio materno, o conde de Namur e de Luxemburgo, Henrique, alcançou a dignidade episcopal na sede de Liège.

A condessa de Rethel, outra das três filhas do segundo matrimônio do conde de Namur, Godofredo, teve quatro filhos: Manassés, conde de Rethel, Henrique e Balduíno, cavaleiros, e Alberto, clérigo, prepósito-mor e arquidiácono da igreja de Liège. Teve também várias filhas; uma delas foi tomada pelo poderosíssimo rei da Sicília, Roger, como segunda esposa. Este já tinha um filho de sua primeira esposa chamado Guilherme, que lhe sucedeu no reino da Sicília, no ducado da Apúlia e no principado de Cápua. Contudo, destas segundas núpcias nasceu uma filha, Constança, que seu irmão, o rei Guilherme da Sicília78, encheu-a de ouro e riquezas e a entregou como esposa ao imperador de Roma, Henrique79, filho de Frederico80, que, por sua vez, a tomou com a esperança de obter o reino da Sicília. E assim, quando Guilherme faleceu sem descendência, conseguiu sem esforço, pelo direito que lhe outorgava seu matrimônio com a imperatriz Constança, o reino da Sicília, o ducado da Apúlia e o principado de Cápua. Além disso, a condessa de Rethel teve outra filha que se casou com um homem nobre, Hugo de Pierrepont, tendo dois filhos: Roberto, cavaleiro probo e de renome, e Hugo, clérigo erudito e discreto, prepósito-mor, arquidiácono, abade e finalmente bispo da igreja de Liège.

A condessa de Hainaut, Adelaide, teve quatro filhos de seu esposo, o conde Balduíno IV: o primogênito Balduíno, Godofredo (o secundogênito), Balduíno e Henrique, o quarto e último filho. Teve também três filhas, ornadas de toda a formosura e honestidade: Yolanda, Inês e Laureta. O mais velho dos irmãos, Balduíno, morreu jovem e foi enterrado no monastério de Santa Maria de Binche. Então, Godofredo passou a ser o primogênito. Era formoso, sossegado e amado por muitos. Tomou Eleonora como esposa, filha do conde Raul de Vermandois. Contudo, um dia, quando tinha dezesseis anos e se aproximava o tempo de sua entrada na cavalaria, Godofredo ficou enfermo em Mons e faleceu. Foi enterrado ali no coro das damas do monastério de Santa Waudru. Assim, só sobreviveram dois filhos de Balduíno IV e da condessa Adelaide: Balduíno V, que governou poderosamente o condado de Hainaut e mais tarde também o de Namur e o de Flandres. Seu irmão menor, Henrique, recebeu, com o consentimento de Balduíno, seu primogênito, os bens que seu pai havia adquirido, isto é: a vila de Sebourg, a de Fayt, parte da de Angre, a quarta parte do alódio de Gosselies junto com os protetorados das vilas de São Pedro de Lobbes, próximo de Gosselies. Por tudo isso, Henrique prestou homenagem lígia a seu irmão.

Foi concedida uma graça ao conde Balduíno de Hainaut, filho do conde Balduíno III e da condessa Yolanda, entre muitos outros bens que recebeu do Senhor: desde os tempos mais remotos nunca se vira um dos condes de Hainaut viver para ver um de seus filhos ser feito cavaleiro e uma de suas filhas casada, mas Balduíno IV, vivo e poderoso, deu em matrimônio suas três filhas a três homens nobres e de grande poder. A primeira, Yolanda, que era belíssima, caritativa e devota, foi tomada como esposa por Ivo, o Velho, nobre conde de Soissons e senhor de Nesle, homem venerável e poderoso, generoso em dar e o mais sábio dentre todos os barões da França.81 Quando morreu sem ter dado descendência, Yolanda se casou em segundas núpcias com Hugo de Saint-Pol, cavaleiro probo, nascendo duas filhas: Isabel e Eustáquia.

A segunda das filhas do conde Balduíno IV e da condessa Adelaide, Inês, que era um pouco coxa mas formosa de rosto e plena de encanto e honestidade, foi tomada como esposa por um homem nobre, rico e poderoso, Rodolfo de Coucy, que possuía os castelos de Coucy, Marle, Vervins e La Fere. Ainda que nessa terra morassem homens selvagens e soberbos, Inês foi amada por todos acima das demais. Deu três filhas ao senhor de Coucy: Yolanda, que esposou Roberto, conde de Dreux e de Braisne, cavaleiro probo, filho do conde Roberto, irmão do rei Luís da França; outra das filhas desposou Raul, conde de Coucy, que morreu sem deixar descendente.82 Ela então se casou com o conde de Grandpré, sem levar em consideração seu parentesco pela casa de Luxemburgo; a terceira delas, Ada, se casou com um nobre de Flandres, Teodorico de Beveren, castelão de Dixmude.

Pelo matrimônio com Inês, Raul de Coucy recebeu como dote a concessão da vila de Mons quarenta libras de uma imposição de oitenta libras de dinheiros anuais, recebendo-os na festa de São Remígio, e o extremo de Binche. Quando morreu seu pai, seu irmão Balduíno V alcançou a dignidade condal, acrescentando sessenta libras no extremo de Valenciennes. Finalmente, a terceira das filhas do conde Balduíno IV e da condessa Adelaide, Laureta, foi tomada como esposa por um homem nobre, o jovem cavaleiro Teodorico de Alost, filho de Ivan de Gandave e de Laureta. Esta Laureta, casada com Ivan de Gandave, era a filha da primeira mulher de Teodorico, conde de Flandres, e quando Ivan morreu, Raul, conde de Vermandois, que era viúvo, a tomou por esposa. Depois ela se casou com o duque de Limbourg, Henrique, e finalmente com o conde de Namur, que também se chamava Henrique. Contudo, após ter deixado todos os seus esposos, um a um, tomou os hábitos da religião.

Não deve ser omitido, para que seja do conhecimento de todos os presentes e para a posteridade, que o conde Balduíno IV e sua esposa, a condessa Adelaide e todos os seus descendentes têm direito, desde há muito, sobre os bens de Henrique, conde de Namur e Luxemburgo. Pois quando o conde Henrique quis tomar Laureta por esposa, não pôde contrair matrimônio sem o consentimento e a aprovação do conde de Hainaut, Balduíno IV, da condessa Adelaide e de seu filho Balduíno V. Os condes de Hainaut deram seu consentimento em Heppignies, com o testemunho de muitos nobres e ministeriais, e ali mesmo as homenagens de fidelidade e garantias por parte dos homens do conde de Namur e Luxemburgo foram solenemente renovadas e confiadas por escrito em um documento autêntico.

Teodorico de Alost morreu quando ainda era um jovem cavaleiro e sua esposa Laureta, filha do conde Balduíno IV e da condessa Adelaide, permaneceu viúva alguns anos, mas as terras de Alost e de Waes retornaram a Filipe, poderosíssimo conde de Flandres e de Vermandois. Quando Balduíno IV e a condessa Adelaide morreram, seu filho Balduíno V, novo conde de Hainaut, voltou a casar Laureta com um homem muito nobre do reino da França, Bouchard de Montmorency, que teve um filho dela, Mateo. Seu tio Balduíno V apressou-se para nomeá-lo cavaleiro para que tivesse a força e a capacidade para obter o domínio da terra.

Naquele tempo, o conde Balduíno IV teve notícias que sua irmã, casada em Tosny, havia sido ultrajada gravemente por alguns de seus vizinhos que tinham muito poder. Então se apressou para acudir em seu auxílio com trezentos cavaleiros, e sem pedir licença nem escolta, atravessou a França. Vingou sua irmã das injúrias de seus inimigos e após restabelecer a paz regressou à suas terras.

Balduíno IV, conde de Hainaut, filho de Balduíno III e da condessa Yolanda, que tinha por esposa a condessa Adelaide, possuiu durante toda a sua vida o condado de Hainaut poderosamente. Freqüentemente teve que resistir com ânimo constante aos contínuos ataques do conde Teodorico de Flandres, que levava a cabo uma guerra contra ele, mas que não conseguiu causar dano nem a seus direitos nem a seu domínio, com exceção de uma fortaleza próxima a Douai que pertencia ao conde de Hainaut e que havia sido sitiada pelo de Flandres, e após um largo assédio e muitos e muito duros combates entre os cavaleiros de ambas as partes, o conde de Flandres a abateu. Durante este sítio, em um de seus combates morreu Rasse de Gavre, que tomara Damison de Chièvres como esposa quando faleceu Egido de Chin. Rasse teve um filho de Damison chamado Rasão, cavaleiro poderoso e enérgico, e uma filha, Berta, esposa de Eustáquio de Roeulx, cavaleiro de grande probidade, filho de Eustáquio de Roeulx, o Velho, do qual já falamos.

Este conde de Hainaut, Balduíno IV, filho de Balduíno III e de Yolanda, amuralhou a vila de Binche fundada por sua mãe; rodeou a fortaleza de Mons com um novo muro, e seu filho o melhoraria ainda mais; fundou a vila de Hasmonquesnoit e construiu nela um castelo, rodeando-o de fossos e muralhas, também melhorado por seu filho; cintou Bouchain de muralhas e iniciou ali a construção de uma torre, terminada por seu filho. Em Valenciennes edificou uma casa de pedra sobre o rio Escaut apta para ser habitada, fundou a vila de Raismes e nela construiu uma torre contra os ladrões de Vicogne e para vigiar o caminho para Flandres de onde os homens desse condado vinham continuamente devastar Hainaut, e essa torre também foi completada por seu filho; comprou Ath, uma vila do Brabante, do nobre Egido de Trazegnies, cavaleiro probo, enérgico par do castelo de Mons e pai de um cavaleiro também muito probo, Otão, de nome glorioso e preclara fama. Então, concebeu a idéia de fundar ali uma vila nova e construir um castelo.

Rasão de Gavre, filho de Rasse e Damison de Chièvres, com o consentimento do conde de Flandres e Vermandois, quis impedi-lo, chegando às terras de Chièvres com muitos cavaleiros e instalando-se ali. Fez isso ainda durante a vida de sua mãe, esposa de Nicolau de Rumigny, consangüíneo de Balduino IV, conde de Hainaut. Contudo, o conde da Hainaut reuniu seu exército em Blicquy, e com suas forças construiu o castelo de Ath, de modo que a vontade de Rasse de Gavre não prevaleceu.

O conde Balduíno IV adquiriu também Braine-le-Conte da igreja de Mons e ali construiu uma torre construída por seu filho. Nesta compra o conde de Hainaut e a igreja de Mons concordaram que a igreja reteria sempre os dízimos dos censos e os dízimos das oferendas assim como a terra que foi de Henrique, senhor de Braine, e que havia chegado às mãos da igreja através de esmola. Concordaram também que o altar da vila seria conservado com dízimos menores, dotalícios e tudo quanto pertencesse a esse altar, assim como seu próprio manso com a lenha da zona alodial do bosque necessária para fazer fogo e para a construção, sem precisar apresentar licença para tomá-la; servos e servas permaneceriam com a mesma liberdade e a igreja conservaria também a terceira parte do dízimo. As outras duas partes o conde as reteve sob um censo anual de doze dinheiros.

Balduíno IV também adquiriu Chimay e seus alódios correspondentes, de modo que o senhor desse castelo, que já devia serviço de estágio em Mons por uns feudos, acrescentou a estes o castelo de Chimay e seus alódios correspondentes.83 Por isso foi concordado que todos os cavaleiros e feudatários de todos aqueles alódios, assim como todos os habitantes de Chimay com mais de quinze anos deveriam prestar homenagem de fidelidade ao conde de Hainaut, jurando sobre os Santos Evangelhos. Assim, se o senhor do castelo de Chimay alguma vez não quisesse entregar a petição sua à fortaleza ou fosse contrário a algo, estes cavaleiros, feudatários e todos os homens de Chimay deveriam prestar auxílio ao conde de Hainaut de todas as formas possíveis contra o senhor do castelo.

Adão de Walincourt, um fiel deste conde de Hainaut, tinha Walincourt e outros bens em feudo lígio do conde. Retomou do conde em feudo lígio o castelo de Premont que ele mesmo havia construído. Este Adão era um cavaleiro probo, sábio, enérgico e corpulento, e aumentou seus bens e terras, sempre permanecendo poderoso entre seus consangüíneos e vizinhos.

Portanto, pode-se dizer que o conde Balduíno IV tinha como fidelidade e garantia todos os castelos e fortalezas do condado e domínio de Hainaut. Qualquer homem que tivesse castelos ou fortalezas em Hainaut, Brabante ou Ostrevant, antigos ou novos, em feudo ou alódio, estava obrigado pela justiça a prestar, diante de todos, fidelidade e garantias ao conde de Hainaut com uma homenagem diante os demais homens do conde, mesmo que sua fortaleza estivesse situada em outro feudo ou alódio. Conseqüentemente, se o conde, por necessidade ou mera vontade o requeresse, deveria entregar a fortaleza ou o castelo a ele mesmo ou a seus núncios. De sua parte, o conde deveria devolvê-la no mesmo estado que a recebeu, com tudo o que se encontrava nela quando lhe fora entregue, uma vez executados os assuntos.

Nos tempos desse conde, Balduíno IV, aconteceu uma ocasião uma discussão em sua corte sobre questões relacionadas a todas essas coisas. Gautier, senhor de Avesnes, apelidado Pulechel, se encontrava em presença do conde e de muitos de seus pares e outros homens de condição nobre e servil. Quando iam ditar a sentença contra ele a respeito dessas questões, ele morreu repentinamente. Seu filho Nicolau o sucedeu, homem pacífico e discreto, e, ao contrário de seus antecessores, sempre rebeldes ao conde, nunca quis se opor ao seu senhor. Por isso, ampliou muito seus bens e terras e fundou nelas muitas vilas novas, as povoou e as enriqueceu, construiu o castelo de Landrecies e o do conde, e logo derrubou Balduíno V, filho do conde Balduíno IV e de Adelaide, por causa de seus excessos e as usurpações cometidas por Jacob, filho de Nicolau. Este Nicolau de Avesnes teve por esposa Matilde, filha de Henrique, conde de Larouche nas Ardenas, tio paterno do conde de Namur, Henrique, e da condessa de Hainaut, Adelaide.

O conde Henrique de Namur obteve de seu tio e do favor do imperador sua parte de alódios assim como a terra, o condado de Larouche e o protetorado da igreja de Stavelot. Matilde havia engendrado um filho de seu primeiro esposo, Wery de Walcourt, cavaleiro probo, enérgico, astuto e rico, e várias filhas; do segundo marido, que foi Nicolau de Avesnes, teve um filho, Jacob, e uma filha, que se casou com Guilherme, cavaleiro ótimo e honesto, castelão de Saint-Omer. Jacob foi muito probo com as armas, enérgico, discreto e poderoso, mas em algumas ocasiões se rebelou contra seu senhor, o conde de Hainaut. Teve por esposa Adelvia, filha de Buchard de Guise, e através dela possuiu Guise e Lesquielles, e dela teve vários filhos, dos quais seu primogênito Gautier o sucedeu em Avesnes e no Brabante, e várias filhas das quais uma se casou com Nicolau, do qual já falamos, cavaleiro nobre e probo, filho de Nicolau de Rumigny e de Damison de Chièvres. Este Jacob, depois de cometer grandes façanhas das quais falaremos mais adiante, sucumbiu de forma gloriosa nas terras de Ultramar.

Regressemos agora a Balduíno III, conde de Hainaut, filho do conde Balduíno II e da condessa Ida, para falar das origens da lei de Valenciennes que chamam “Paz”. Este conde, vendo que a cidade de Valenciennes, grande e povoada, não era regida por nenhuma lei e que por causa disso não havia paz, reuniu-se com seu Conselho de homens e fundou a “Paz de Valenciennes”. A esta lei foram submetidos os cavaleiros do lugar, assim como seus servos e servas, se estes habitassem na cidade, para que assim pudessem gozar a paz. Quando de sua morte, o conde podia aceitar destes servos, assim como do restante dos homens da cidade – com exceção dos clérigos e cavaleiros – as chamadas “mãos mortas”.84

Contudo, Balduíno III atuou sempre com grande misericórdia e consideração, e desde o momento que foi imposta esta lei cobrou em poucas ocasiões as “mãos mortas”. Além disso, foi acordado que todo aquele que o conde de Hainaut nunca tivesse tido em propriedade no fim de Valenciennes não o daria em feudo, em censo, em precário ou em nada, nem nunca o venderia.

O filho de Balduíno III e da condessa Iolanda, o conde de Hainaut Balduíno IV, cobrou enquanto viveu a totalidade das “mãos mortas”, pois os homens de Valenciennes cometeram abusos contra ele em sua juventude e também porque seus súditos o aconselharam. Durante alguns anos seu filho Balduíno V também o fez, mas logo os absolveu deste dever, mas finalmente, por conselho da grande maioria voltou a exigi-las, tal como explicaremos ao narrar as gestas deste conde.

Balduíno IV, filho da condessa Yolanda, e sua esposa, a condessa Adelaide, uma mulher muito religiosa, construíram capelas em algumas de suas mansões: em Mons, em Biche e em Hautmont, embora não lhes determinassem nenhuma renda concreta. Mais tarde, seu filho Balduíno V as honrou, entregando-lhes certas rendas: a capela de Mons, construída em honra a São Sérvio recebeu os dízimos de Tronquoy e alguns outros bens, pelos quais o conde de Hainaut deve à Igreja de Santa Waldru um censo anual de cinco soldos; a capela de Binche, construída também em honra a São Sérvio, recebeu os dízimos de Estinnes-au-Mont, e a de Hautmont, construída em honra a São João Evangelista, recebeu os dízimos de Monteruel.

Balduíno IV, filho do conde Balduíno III e da condessa Yolanda, teve como companheiros e conselheiros homens probos, discretos e de renome. Entre eles se encontravam Egildo de Chin, Gosuíno de Mons, Eustáquio, o Velho, de Roeux, Hauwel de Quievrain, os irmãos Luís e Carlos de Fresnes, Teodorico de Ligne, Ivan de Wattripont, os irmãos Henrique e Guilherme de Braine, Roberto de Aisonville, Isaac, castelão de Mons, e Guilherme de Birbes.

Nos tempos deste conde, Balduíno IV, faleceu o bispo de Cambrai, Nicolau, que deixou boa memória. Pedro o sucedeu, um clérigo e irmão do conde Filipe de Flandres e de Vermandois. Este Pedro, eleito sem ser consagrado, governou a sede de Cambrai em paz durante alguns anos, sem oprimir a igreja e sem ordenar sarcedotes. Contudo, aconselhado pelo conde, seu irmão, abandonou a dignidade episcopal e se fez cavaleiro. Então seu irmão lhe entregou algumas terras de Flandres em propriedade: Lillers e Saint-Venant, e tomou por esposa a viúva do conde de Nevers, da qual teve uma filha. Pouco tempo depois morreu e foi enterrado em Issoudun. Sua filha desposou um cavaleiro probo de Flandres chamado Roberto de Wavrin, e lhe foram entregues os bens de seu pai em Lillers e Saint-Venant.

Nos tempos desse mesmo conde Balduíno IV, morreu Carlos, conde de Flandres, assassinado traiçoeiramente por seus homens lígios em sua própria casa na cidade de Bruges. O conde Carlos, nascido na Dácia, havia obtido Flandres em herança quando do falecimento do conde anterior de Flandres. Morto Carlos, sucedeu-lhe no condado, por eleição e justa consideração dos homens de Flandres, Teodorico, homem muito nobre oriundo da Alsácia, irmão do duque de Nancy. Da primeira esposa desse conde nasceu uma filha que, como já dissemos, chamou-se Laureta. A segunda esposa de Teodorico foi Sibila, filha do primeiro matrimônio de Fulque, conde de Anjou, e irmã de Gaufredo.85 Este mesmo conde de Anjou, Fulque86, ao morrer sua primeira esposa, partiu para Jerusalém e ali contraiu segundas núpcias com a rainha daquela terra que ostentava a coroa por direito hereditário. Dela teve um filho que o sucedeu no reino de Jerusalém.

O conde Gaufredo sucedeu seu pai Fulque no condado de Anjou. Um de seus filhos foi Henrique, do qual já falamos, que com grandes esforços obteve o ducado da Normandia e, a seguir, o reino da Inglaterra, ostentado por seu tio, o glorioso e poderoso rei Henrique87, filho de Godofredo de Anjou, rei da Inglaterra, duque da Normandia e conde de Anjou, que tomou por esposa, contra a vontade do rei da França, a duquesa da Aquitânia88, repudiada por esse mesmo rei Luís89, depois de engendrar nela duas filhas: a condessa de Champagne e a de Blois. Através dela Henrique obteve o ducado da Aquitânia e deste modo possuiu em feudo do rei da França a Normandia, a Aquitânia, a Bretanha e o Anjou. Dela teve quatro filhos e duas filhas: o primogênito foi o rei Henrique, jovem probo, generoso e belo, que manteve ao seu redor como companheiros de armas os cavaleiros mais probos de então; seu pai o fez coroar rei ainda em vida, o que mais tarde prejudicá-lo-ia.

O secundogênito foi Ricardo90, cavaleiro atroz ao qual seu pai lhe entregou em vida o ducado da Aquitânia e que recebeu o nome de conde de Poitiers. O terceiro foi Godofredo, cavaleiro probo, cheio de mansidão e generosidade, que obteve a Bretanha por matrimônio e por isso recebeu o nome de conde da Bretanha. O quarto filho foi João, chamado Sem Terra. De suas duas filhas, uma se casou com o rei da Espanha91 e outra com o duque da Saxônia, Henrique, o mais poderoso dos duques e geralmente um homem muito soberbo e cruel; dela o duque da Saxônia teve um filho, Henrique, probo e enérgico. Contudo, o imperador de Roma, Frederico92, deserdou este duque tão poderoso e rico, genro do rei da Inglaterra, arrebatando-lhe a terra e as honras que lhe tinha entregues e deixando-lhe nada mais do que alguns alódios, Brunswich e Althaldensleben, além da terra que chamam Neuland. Dois dos mencionados filhos do rei da Inglaterra e da duquesa da Aquitânia, Henrique, o Jovem, e Ricardo, tiveram duas filhas do rei Luís da França e de sua esposa Constança, da Espanha: Henrique desposou e coroou uma, Ricardo somente lhe jurou matrimônio, conservando-a casta, sem nunca a ter desposado. Contudo, aconteceu que falecidos tanto seu pai, o rei Henrique, quanto seu irmão, Henrique, o Jovem, Ricardo lhes sucedeu no trono, não temeu devolver a mulher a qual havia jurado matrimônio a seu irmão Filipe93, rei da França, e tomou outra por esposa.94

O rei da Inglaterra, Henrique, contra Deus e a justiça, oprimiu gravemente todas as igrejas conventuais de suas terras. Por exemplo, quando os bispos ou os abades morriam, ele retinha suas abadias e episcopados durante muitos anos, sem permitir que os cônegos ou monges celebrassem uma nova eleição até que ele desejasse. Também não consentia que elegessem outro que não fosse alguém que indicasse. Do mesmo modo, quando faleciam os condes ou homens nobres de suas terras, o rei as possuía até que seus filhos pequenos fossem feitos cavaleiros, e só então, apenas por sua graça, lhes devolvia as possessões. Nenhum nobre podia exercer a justiça em sua própria terra sem seu expresso consentimento. O rei Henrique manteve durante toda a sua vida freqüentes guerras com o rei Luís da França e com seu filho, o rei Filipe. Santo Tomás, mártir glorioso e arcebispo de Canterbury95, se opôs a este rei para defender a liberdade da Igreja. Por isso, o rei Henrique se encolerizou contra ele de tal maneira que certo dia, estando em Canterbury, se queixou diante seus homens falando dele como um inimigo mortal. Então alguns dos cavaleiros de sua família tomaram suas armas, entraram no monastério e, encontrando-o ali orando diante o altar e ornado somente com as armas divinas, lhe assassinaram. Assim, por seus muitos méritos, Deus logo lhe concedeu muitos milagres.

Nos tempos do conde Balduíno IV, filho da condessa Yolanda, Raul, conde de Vermandois, era um homem rico e poderoso, e juntou durante toda sua vida um grande tesouro. Teve um filho chamado Raul, o Jovem, e duas filhas, Isabel e Aenora; Isabel foi tomada como esposa por Filipe, o poderoso e justiceiro conde de Flandres e enérgico governante da Igreja, filho do conde Teodorico e da condessa Sibila, esta filha do conde de Anjou; a segunda, Aenora, foi esposa, como foi dito acima, de Godofredo, filho de Balduíno IV, conde de Hainaut. Quando Godofredo morreu, ela contraiu segundas núpcias com Guilherme, conde de Nevers, e ao morrer este Aenora desposou Mateo, conde de Bolonha, irmão do conde de Flandres e cavaleiro probo e formoso. Após morrer Mateo, ela se casou na França com o conde de Beaumont. Quando o riquíssimo conde de Vermandois Raul morreu, lhe sucedeu no condado seu filho ainda pequeno e excessivamente jovem para isso, e a terra de Vermandois e todo o tesouro juntado por seu pai foram confiados a um fiel seu para que o custodiasse. Este era Ivo, conde de Soissons e senhor de Nesle, homem venerável, enérgico e sábio. Os homens dos arredores do condado e os próprios homens do conde agrediram e levaram a cabo a guerra contra o condado, mas Ivo defendeu virilmente a terra e o tesouro de seu senhor e nunca o utilizou para si mesmo, somente para a defesa da honra e da herdade de seu senhor.

O jovem conde Raul caiu enfermo e logo morreu. Ao falecer o conde de Vermandois, o conde Filipe de Flandres, que tinha como esposa Isabel, irmã primogênita de Raul, obteve todo o condado de Vermandois e Le Valois. Estas possessões compreendiam: Saint-Quentin, Ribemont, Roupy, Tincourt-Boucly, Péronne, Athies, Clery-sur-Somme, Cappy, Roye, Chaunay, Thourotte, Choisy-au-Bac, Ressons-sur-Matz, Lassigny, Montdidier, o condado de Amiens, Beauquesne, cujo castelo foi construído pela primeira vez pelo conde Filipe, as homenagens de Guise e Lesquielles, de Beauvoir e de Goy-les-Groseilliers, de Ham, de Nesle, de Bray-sur-Somme, de Albert-sur-l’Ancre, de Marchais, de Villers-le-Sec, de Hangest-en-Santerre, de Pierrepont, de Boves, de Moreuil, de Picquigny, de Breteuil-sur-Noye, que o tinha Raul, conde de Clermont, de Bulles, que o possuía Guilermede Merlo, cavaleiro probo, homem nobre e vassalo enérgico, e os de Poix, de Milly, de Marle e de Vervens, que eram alódios de um homem nobre do qual já falamos, Raul de Coucy, que havia odiado o conde Filipe e não tinha acudido com o auxílio e a justiça devidas ao rei da França, e que agora os recebeu em feudo deste conde Filipe. Através de sua esposa Isabel, o conde de Flandres teve muitos outros feudos em Vermandois: a mencionada terra de Le Valois, isto é, Crepy-en-Valois, Morienval, Villers-Cotterets, Viviers, La Ferté-Milon e muitos outros bens próprios e em homenagem.

Nos tempos do mesmo conde Balduíno IV, filho da condessa Yolanda, reinava na França Luís, que teve por esposa a duquesa da Aquitânia, possuindo através dela a Aquitânia e da qual teve duas filhas que deu em matrimônio a dois irmãos, ambos poderosíssimos na França, Henrique, conde de Champagne e Teobaldo, conde de Blois. Contudo, as intrigas de invejosos e pérfidos que não queriam que seu senhor, o rei da França, fosse tão poderoso a ponto de possuir toda a França e a Gasconha, conseguiram que este se divorciasse. Então, o rei Luís tomou por esposa a Constança, filha do rei da Espanha, mulher cheia de bondade, da qual teve duas filhas. Morta Constança, que foi muito chorada na França, o rei tomou Ala por terceira esposa, irmã dos já mencionados condes de Champagne e Blois, casados com suas duas filhas, irmã também do conde Estêvão e de Guilherme, que foi bispo de Chartres, arcebispo de Sens e arcebispo de Reims, e assim mesmo irmã da duquesa da Borgonha, da condessa de Bar-le-Duc e da condessa de Perche. O rei da França Luís teve um filho da rainha Ala chamado Filipe, e uma filha que contraiu matrimônio com um imperador de Constantinopla. Filipe foi um rei poderosíssimo, e teve por esposa a Isabel, filha de Balduíno V, conde de Hainaut96, filho do conde Balduíno IV e da condessa Adelaide, do qual falaremos mais extensamente.

Teodorico, conde de Flandres, teve filhos e filhas de sua esposa Sibila. Um deles foi Filipe, poderosíssimo conde de Flandres e de Vermandois; outro foi o conde Mateo, que através de sua esposa possuiu a Bolonha. O condado da Bolonha se encontrava sem senhor, pois quase nenhum herdeiro plausível havia surgido. Então os homens desta terra concordaram em chamar uma dama, que havia tomado o hábito e era a herdeira mais próxima, para pedir-lhe que assumisse a dignidade condal. O conde Mateo a tomou por esposa e possuiu através dela o condado da Bolonha, tendo dela duas filhas: Ida, que herdou o condado ao morrer seu pai e que esposou em primeiras núpcias Gerardo, conde de Gueldre, em segundas núpcias Bertoldo, duque de Zähringen e em terceiras a Rinaldo, conde de Dammartin, na França, e Matilde, que contraiu matrimônio com Henrique, duque de Louvain. Quando a condessa da Bolonha deu ao conde Mateo estas duas filhas, quis retomar os hábitos e regressar à Igreja, pois havia feito votos a Deus.

Então, Mateo, que possuiu o condado enquanto suas filhas foram menores, tomou Aenora como segunda esposa, que era filha de Raul, conde de Vermandois, e irmã de Isabel, condessa de Flandres. O conde Mateo foi ferido mortalmente no sítio do castelo de Driencourt, na guerra entre o rei da França e o da Inglaterra. Sua viúva desposou o conde Beaumont, que também se chamava Mateo; este possuiu a terra de Le Valois, Saint-Quentin e parte de Vermandois, por direito de herança, após sofrer múltiplas injúrias. O terceiro filho do conde Teodorico de Flandres foi Pedro, inicialmente bispo eleito em Cambrai e logo, como já diremos, cavaleiro. Das filhas, uma, Gertrudes, desposou primeiro o conde de Morian, depois Hugo de Oisy, homem sábio e honesto. Finalmente tomou o hábito e se consagrou a Deus no monastério de Messines. Outra filha se uniu somente ao Senhor, elegendo-O por esposo e tomando o hábito no monastério de Fontevraut. A terceira filha, Margarida, sábia e honesta, contraiu matrimônio com o conde de Hainaut, Balduíno V, filho do conde Balduíno IV e da condessa Adelaide, e dela nasceram vários filhos e filhas cuja grandeza falaremos adiante.

Nos tempos de Balduíno IV, conde de Hainaut, filho da condessa Iolanda, um nobre de Brabante chamado Hugo de Enghien, devia fidelidade ao conde. Era um vavassalo poderoso97, pai de quatro filhos: Gosuíno, Engelberto, Soheri e Bonifácio. Um dia, Hugo construiu na vila de Enghien um castelo com fossos, uma muralha e uma torre, tomando-a em feudo do duque de Louvain contra a fidelidade devida ao conde de Hainaut. Por este motivo, começou uma guerra entre o conde Balduíno IV e o conde de Louvain, causa de graves danos nas terras condais. Com o passar do tempo, Balduíno V, conde de Hainaut e também conde de Flandres e marquês de Namur, filho de Balduíno IV, destruiu a fortaleza.

A eleição de Frederico I Barba-Ruiva (1123-1190)

Nesta mesma época, muitos reis, arcebispos, bispos, duques, condes e outros nobres, além de gentes de qualquer condição tomaram a cruz e empreenderam o caminho até Jerusalém com o objetivo de reprimir os pagãos e ajudar os cristãos.98 O rei de Roma, Conrado99, juntamente com o rei da França, Luís, e muitos príncipes da Alemanha e da França, atravessou Constantinopla e o Braço de São Jorge. Contudo, muitos levaram consigo suas esposas. No séquito também se encontravam mulheres de todas as condições. Assim, marchando de forma incorreta e injusta, não conseguiam avançar nada.100 Conta-se daquele séquito que um dos que se encontravam ali, Frederico, duque da Suábia101, cavaleiro jovem, ao chegar ao sítio de Damasco, destacou-se com as armas entre todos os demais.

Então faleceu o rei de Roma, Conrado, e seguindo o costume e o direito, os príncipes da Alemanha se reuniram na cidade de Frankfurt, que se encontra junto ao rio Main, para eleger seu imperador. Como não chegavam a nenhum acordo para escolher um entre tantos e tão nobres príncipes, decidiram deixar a eleição nas mãos dos quatro príncipes mais poderosos, entre os quais se encontrava o mencionado Frederico, duque da Suábia, sobrinho de rei Conrado e que florescia entre todos na cavalaria e no ânimo. Porém, todos os quatro aos quais havia sido confiada aquela eleição, desejavam alcançar a dignidade imperial. Então, Frederico com astúcia e firmeza, falou secretamente com cada um dos outros três, dizendo a todos que se confiassem a ele somente a eleição, os apoiaria para alcançar o Império. E assim os três, com o juramento, a fé e as garantias dadas, outorgaram o poder de decisão a Frederico, duque da Suábia.

Quando os príncipes que haviam entregue e confiado a esses quatro a eleição se reuniram, os três primeiros declararam que cediam a decisão ao duque da Suábia. Todo mundo o olhou e ninguém se opôs. Então Frederico disse que tinha sangue imperial e que não conhecia ninguém melhor para reger o Império e que, portanto, se elegia para ocupar o cargo de suma majestade. Aqueles que o queriam se encheram de gozo. Alguns, contudo, por inveja e avareza, se lamentaram mas não puderam eleger outro. Frederico, que viera à assembléia com três mil cavaleiros armados, se dirigiu rapidamente à cidade de Spira e ali se coroou rei para que ninguém pudesse se opor. Uma vez coroado, dali se dirigiu ao palácio de Aix-la-Chapelle, de onde levou a coroa. Posteriormente, quando teve tempo, foi até Roma e recebeu a dignidade imperial.

O imperador Frederico tomou por esposa uma mulher da Borgonha através da qual possuiu a cidade de Besançon e grande parte da Borgonha. Dela teve cinco filhos: Henrique, que seria imperador de Roma e rei da Sicília102, Frederico, duque da Suábia, Otão, conde palatino103, Conrado, duque de Rotenbourg e Filipe, clérigo, de cujas lendas falaremos a seguir. O imperador Frederico aumentou muito os bens do Império e com grandes esforços submeteu as cidades da Itália que se haviam rebelado à sua vontade. Em uma ocasião, quando se encontrava em guerra com a Itália, angustiado por graves dificuldades e pela morte de muitos dos seus, se dirigiu a um fiel e consangüíneo seu, o poderosíssimo Henrique, duque da Saxônia, homem selvagem e feroz, cujas riquezas e poder admiravam todos que haviam ouvido falar delas, e pediu que o auxiliasse. O Saxão negou seu auxílio e o imperador, fazendo mais do que devia, se prostrou a seus pés, mas ele se manteve perseverante em sua postura e não quis nem ouvir seu senhor nem levantá-lo de seus pés.

Por todas essas injúrias contra sua pessoa, o imperador o levou a juízo e o obrigou a abjurar de todas as suas terras, juntamente com suas honras, mas como o duque, apesar de seus pecados e do crescente ódio que seus homens lhe mostravam, não era capaz de renunciar somente com suas forças a tão ampla e espaçosa terra e a tantas e tão grandes fortalezas, o imperador pessoalmente o deserdou completamente e repartiu suas terras entre muitos príncipes.

No ano do Senhor de 1168, na Vigília Pascoal, o conde de Hainaut, Balduíno IV e sua esposa, a condessa Adelaide, encontrando-se em Valenciennes juntamente com suas filhas Yolanda, condessa de Soissons e senhora de Nesle, Inês, senhora de Coucy e Laureta, que já era viúva, e seus filhos Balduíno V e Henrique, o maior de todos, ordenou Balduíno cavaleiro com grande honra e alegria. Então se cumpriu plenamente o que o conde havia desejado tanto, pois desde muito tempo nunca se ouvira falar que um conde de Hainaut tivesse visto um de seus filhos feito cavaleiro, ou casado uma de suas filhas. Depois disso, Balduíno V, na segunda feira da oitava da Páscoa, foi ao torneio de Maestrich com muitos outros cavaleiros que floresciam em Hainaut naquele tempo. Ali morreu um cavaleiro paupérrimo, Walter de Honnecourt, pai de Walter.

Nesses dias pascoais, o conde Balduíno IV, sua esposa e seus filhos permaneceram um tempo no palácio de Valenciennes. Era um grande palácio, com magníficas estâncias, e estavam se realizando obras para que ficasse ainda mais grandioso. Um sábado, o conde Balduíno IV e seu filho Balduíno V, o novo e probo cavaleiro, foram examinar os trabalhos em curso junto com alguns de seus cavaleiros: Balduíno de Tosny, Godofredo, chamado Tuelasne e Luís de Fraisne, homem prudente, além de outros cavaleiros e soldados. Uma das vigas que eram novas e grossas – fato ainda mais estranho – se rompeu sob seus pés e todos caíram do alto. O conde quebrou uma perna e esteve um longo tempo convalescendo. Seu filho, por outro lado, que somente deslocou uma mão, se recuperou rapidamente, e seus companheiros e outros cavaleiros que se encontravam ali receberam danos diversos e durante um tempo convalesceram.

Enquanto o conde Balduíno IV se encontrava ainda se recuperando de sua lesão na perna, sua esposa Adelaide, mulher religiosíssima, submissa a Deus e generosa em esmolas, caiu enferma e entregou seu espírito ao Senhor. Seu corpo foi levado para Mons e enterrado no monastério de Santa Waldru, na cripta de São João Batista. O conde ordenou que o sacerdote que deveria celebrar a missa por sua alma a partir de então, recebesse quinze bonerias de terra arável no território de Nirchin.104

O conde de Hainaut Balduíno IV, filho de Yolanda, transformou a ordem de cônegos seculares da igreja de São João Batista de Valenciennes, cuja instituição lhe pertencia em propriedade, em uma ordem de cônegos regulares, liberando-os, além disso, de seu direito de instituição e confiando o mando a um abade. Estes cônegos permaneceram próximos ao conde por suas boas obras e tiveram o favor e a familiaridade de seu filho Balduíno V e de sua esposa Margarida, que viveram com honestidade e aumentaram os bens de sua igreja.

Balduíno V, o Corajoso (1171-1195)

O novo cavaleiro, o jovem Balduíno V ouviu dizer que nas terras de Hainaut moravam muitos ladrões e bandidos que viviam ousadamente com o favor de muitos poderosos cujo sangue também lhes pertencia. Ele os fez buscar e capturar e uma vez feitos prisioneiros, enforcou aqueles que tinha a certeza de sua infâmia, queimando-os na fogueira, afogando-os na água ou enterrando-os vivos, e com ninguém levou em consideração a importância de sua parentela. Além disso, Balduíno V foi a todos os torneios que se celebravam em sua época e neles tentou ganhar como aliados e companheiros de armas os cavaleiros mais valorosos e de maior fama. Uma ocasião ocorreu, entre os muitos torneios que o jovem Balduíno percorria, que Filipe, poderoso conde de Flandres e Vermandois – que seu pai Balduíno IV, ele mesmo e também os homens de Hainaut sempre mantiveram rancor, ódio e ameaças – convidou alguns francos para participar combatendo contra ele em um torneio entre Gournay e Ressons. Balduíno V ouviu dizer que o conde de Flandres iria ao torneio com grandes forças, compostas por numerosos cavaleiros de grande valentia e por soldados a cavalo e a pé.

Então, por causa do rancor que guardava consigo, decidiu, contra o costume dos homens de Hainaut, que tomavam parte naquele torneio junto aos de Flandres, passar com seus homens para o lado dos francos, que eram poucos. Lutou com eles e resistiu virilmente contra o conde de Flandres e os seus. O conde Filipe, aceso então pela ira, dispôs suas forças de homens a cavalo e a pé quase como para uma guerra e fez frente aos francos e aos de Hainaut com um rigor excessivo. Então, um cavaleiro valente e cruel com as armas, chamado Godofredo, chamado de Tuelasne, companheiro de Balduíno V, advertiu o dano que seu senhor Balduíno e seus homens receberiam. Correu ao encontro do conde de Flandres suportando a lança com firmeza e lhe desferiu um golpe no meio do peito, que em língua vulgar se chama “golpe de feltro”.105 O conde de Flandres conseguiu se manter no cavalo, mas ficou longo tempo sendo dado como morto com todos os seus apinhados a seu redor. Muitos dizem que nesta ocasião o conde de Flandres foi feito prisioneiro, mas que conseguiu fugir graças a um cavaleiro probo, Egido de Aulnois. Por isso, se afirma que Balduíno V obteve a vitória sobre os de Flandres com os francos.

Naquele tempo, Henrique, conde de Namur e de Luxemburgo, tentou transgredir o mencionado compromisso que havia contraído por juramento com Balduíno IV, conde de Hainaut, com sua esposa, a condessa Adelaide, e com o filho de ambos, Balduíno V, sobre suas possessões. O conde Henrique desejava possuir novamente a cidade de Maastrich, que havia empenhado junto com sua mãe ao imperador por mil e seiscentos marcos de prata, e sem temer a ira do conde de Hainaut, já muito velho, tomou por esposa a Inês, filha do muito nobre conde de Gueldre, Henrique, e consangüínea do conde Balduíno IV. Através desse matrimônio, o conde de Gueldre prometeu ao conde de Namur conseguir do imperador que em troca de dinheiro lhe devolveria Maastrich, mas como este pacto nunca se cumpriu, o conde de Namur reteve Inês durante quatro anos sem dividir o leito com ela, devolvendo-a depois. Mais tarde, como veremos em seguida, ele a retomaria, fato que trouxe infinitos males.

O casamento de Balduíno V

No ano do Senhor de 1169, um ano depois de ter sido feito cavaleiro, no mês de abril durante o tempo da Páscoa, Balduíno V, filho do conde Balduíno IV e da condessa Adelaide, com o consentimento do Conselho dos homens de Flandres e de Hainaut, tomou Margarida por esposa, mulher de grande nobreza, muito bela e ornada de toda a honestidade e bondade, irmã de Teodorico, conde de Flandres e de Vermandois, de Mateo, conde da Bolonha e de Pedro, bispo eleito de Cambrai. Por este matrimônio lhe foram outorgadas trezentas libras, além das duzentas libras que seu pai, Balduíno IV, conde de Flandres, já recebia anualmente, em compensação da perda do castelo de Douai. Estas quinhentas libras foram entregues anualmente sobre o vinágio de Baupaume.106 O conde de Hainaut e o de Flandres então firmaram um pacto de federação, dando-se mutuamente fé e jurando-a sobre os Santos Evangelhos. Por ela, o conde de Flandres ajudaria ao de Hainaut em toda a necessidade e contra todos os homens, exceto contra seu senhor lígio, o rei da França, e o conde de Hainaut ajudaria ao de Flandres contra todos os homens, exceto contra seu senhor lígio, o bispo de Liège.

Oh, quão gloriosa foi a celebração desse matrimônio! Quantos homens ilustres, quantos príncipes poderosos e sábios e quantas damas dentre as mais nobres, honestas e prudentes estiveram presentes! Deus, vendo do alto a fé de ambos, ampliou largamente seus bens e seu poder, situando-os acima de todos e lhes outorgando uma prole gloriosa ao qual nos referimos extensamente. Balduíno V, após ter desposado Margarida, sempre foi obediente e nunca ofendeu seu pai, o conde Balduíno IV.

No outono desse mesmo ano, o conde de Namur e Luxemburgo, Henrique, entrou em guerra com Godofredo, duque de Louvain, consangüíneo do conde de Hainaut, que tinha por esposa a uma irmã do duque Henrique de Limbourg, do mesmo consangüíneo do conde Balduíno IV. Este e seu filho Balduíno V, tal como sempre haviam feito quando o conde de Namur lhes necessitava, lhe ofereceram seu auxílio. Reuniram o exército e aguardaram próximo de Ecaussines. Dos setecentos cavaleiros em armas que compunham o exército do conde de Hainaut, todos eram da terra de Hainaut, exceto dois cavaleiros mercenários chamados Gautier e Gerardo de Sotteghem. O conde e seu filho entraram em guerra com este exército em auxílio do conde de Namur e contra o duque de Louvain, conseguindo uma paz honesta para o conde Henrique de Namur.

Balduíno V engendrou uma filha em sua esposa Margarida, Isabel, de gloriosa memória, que contraiu matrimônio com o poderoso rei da França, Filipe, e foi uma rainha aprazível, religiosa e amada por todos. Margarida deu a luz a esta filha em Lille, em Flandres, no mês de abril do ano do Senhor de 1170. Nesse mesmo ano faleceu Balduíno de Tosny.

Em agosto foi proclamada a celebração de um torneio em Trazegnies, e Balduíno V, filho do conde de Hainaut foi participar. Mas como o duque de Louvain lhe inspirava desconfiança, para estar mais seguro no torneio levou consigo cerca de três mil soldados a pé. De sua parte, Godofredo foi ao torneio preparado quase como para uma guerra, com quantos cavaleiros pôde conseguir e com um exército de cerca de trinta mil homens armados. Quando cruzaram o outro lado do bosque de Carnieles e viram as forças do duque, Balduíno V e os seus, se pudessem, teriam retrocedido rapidamente. Mas era difícil voltar a atravessar o bosque sem perder muitos homens. Por isso, se prepararam para enfrentá-los. O duque e os seus se apressaram a atacar Balduíno, mas este, adotando um ânimo enérgico e firme, desceu do cavalo no meio do riacho de Pieton para que os seus, vendo-o a pé, não o abandonassem e se animassem a lutar. Quando foram alcançados pelos homens do duque, soberbos e ferozes, Balduíno e os seus resistiram virilmente, e com a ajuda de Deus, venceram. As escassas forças do conde prenderam muitos do duque que quiseram fugir e outros foram mortos. Do exército do duque morreram uns dois mil e cerca de seis mil foram feitos prisioneiros. A vitória foi de grande proveito para Balduíno V e pleno de gozo a seu pai, o conde Balduíno IV e aos homens de Hainaut mas produziu grande dor e causou graves danos ao duque de Louvain e aos homens de Brabante.

No ano seguinte, no mês de julho de 1171, Margarida, esposa de Balduíno V, deu a luz em Valenciennes a um filho, Balduíno VI, que após a morte de seu pai e de sua mãe possuiria o condado de Flandres e o de Hainaut. Enquanto Margarida estava de cama por causa do parto, houve um incêndio na cidade de Valenciennes, que queimou em sua maior e melhor parte. As casas que arderam foram cerca de quatro mil.

Naquele tempo, Filipe, conde de Flandres, chegou a um acordo com o ilustre conde de Champagne, Henrique, que tinha por esposa a uma filha do rei Luís da França, e cuja irmã havia tomado em terceiras núpcias este mesmo rei, e firmou com ele um pacto de matrimônio segundo o qual o primogênito do conde de Champagne, que também se chamava Henrique, tomaria por esposa a Isabel, filha de Balduíno V de Hainaut e Margarida, que ainda era donzela. Por outro lado, o filho primogênito de Balduíno V e Margarida, Balduíno VI, que ainda era muito pequeno, tomaria por esposa a filha do conde Henrique, quando chegassem à idade núbil. Se algum dos filhos morresse antes de contrair matrimônio, o filho primogênito sobrevivente lhe substituiria, e se alguma das filhas morresse, uma filha sobrevivente lhe substituiria. Após muitos juramentos, estes acordos em parte foram observados, em parte não, como se verá em seguida.

Naquele mesmo ano, no outono, o conde Henrique de Namur e Luxemburgo se viu atraiçoado e atacado por alguns de seus homens lígios e pelos homens dos arredores da terra de Luxemburgo, a tal ponto que temia perder seu castelo se a traição o arrastasse. Seu sobrinho, Balduíno V, filho do conde de Hainaut, veio então com trezentos cavaleiros pagos por ele mesmo, além de outros tantos soldados a cavalo, restituiu aquela terra à vontade do conde, sitiou o castelo de Betringen e, atacando duramente com máquinas de guerra, o tomou com suas forças e o destruiu, pilhando, queimando e devastando as terras até a cidade de Metz daqueles que haviam sido contrários a seu tio. Em seu exército se encontravam cavaleiros probos e de renome: Jacob de Avesnes, Egido de Saint-Albert, Rasão de Gavre e muitos outros cavaleiros valentes que naquele tempo floresciam em Hainaut. Dali Balduíno V regressou alegre e incólume ao condado paterno.

Nesse mesmo ano, Balduíno IV, glorioso conde de Hainaut e filho da condessa Yolanda, caiu enfermo em Mons. Temendo a proximidade da morte, quis velar pela saúde de sua alma. Ordenou que alguns direitos que tinha em Valenciennes e em Mons, e que se traduziam em opressão para todos os homens que habitavam naquelas vilas, fossem substituídos por melhores costumes. O conde tinha direito, quando se encontrava em Valenciennes e em Mons, de tomar indistintamente colchão e baixela de cozinha para seu uso e para os seus107 das casas dos burgueses e de outras caso levasse sua corte. O conde Balduíno IV ordenou, de comum acordo com essas vilas, que elas mesmas prover-no-iam com os colchões e as baixelas necessárias, de forma que Valenciennes proporcionaria ao conde escudelas com a outra baixela, mas os restos da comida deveriam ser distribuídos entre os pobres da vila. Por outro lado, Mons não deveria proporcionar escudelas. O administrador de Mons teria que controlar as despesas do castelo em toda a cidade até o fosso, cabendo ao castelão a administração no interior da fortaleza. Na cidade de Mons ficaram excluídos do dever de proporcionar colchões e baixela as casas dos clérigos, das religiosas e dos cavaleiros assim como a fábrica de cerveja de Santa Waldru, de São Germano, dos mansos dos protetorados e a casa contígua ao canal que vai desde a porta de São Germano até a porta chamada Fori. Também ficaram isentas as casas dos soldados com cargo hereditário na corte do conde. Em Valenciennes ficaram excluídas deste dever as casas dos clérigos, dos cavaleiros, dos soldados hereditários do conde e os mansos do lugar chamado Castellum. Nesta ocasião, o conde Balduíno IV também renunciou aos direitos de vinágio que possuía sobre Marchipont e Denain. Com sua morte, no ano do Senhor de 1171, foi enterrado diante o altar maior de Santa Waldru.

A “Paz de Hainaut”

Balduíno V o sucedeu no condado juntamente com sua esposa Margarida. O novo conde, com o conselho de seus nobres e sábios, pôs fim às guerras e inimizades mortais que há muitos anos se prolongavam entre os poderosos senhores de Trith e Aulnoy. Para isso, de comum acordo com seu Conselho, organizou a “Paz de Hainaut”, jurando ele mesmo e fazendo jurar os principais homens de seu condado. Nesta “Paz” foi disposto que para cada homem que fosse morto se deveria matar o homicida; por cada membro arrancado se deveria arrancar o mesmo membro de quem tivesse feito. E isso não deveria ser feito seguindo um procedimento judicial, mas somente testemunhal.108 Se alguém escapasse destes crimes e não quisesse aceitar a paz ordenada, seria julgado pelos crimes que lhe imputassem sem ter misericórdia posteriormente, a não ser em comum acordo entre o conde e os próximos daquele a quem houvesse sido perpetrado o crime. Se um nobre matasse um camponês ou lhe arrancasse um membro, o conde poderia ser indulgente e não tirar-lhe a vida ou arrancar-lhe um membro, mas não poderia restabelecer a paz sem a concordância daquele a quem tivesse sido perpetrado o crime. Os próximos dos homens que fugissem e, por soberba ou temor, não quisessem ajudar a instituição da “Paz” e serem regidos por ela, teriam que abjurar de sua consangüinidade com os fugitivos e assim permanecer nesta instituição de “Paz”.

O conde Balduíno V de Hainaut, filho do conde Balduíno IV e da condessa Adelaide, recebeu os juramentos de fidelidade de seus homens, tanto dos nobres quanto os de condição servil, amou a paz e a justiça e teve o condado de Hainaut viril e honradamente com grande esforço e enormes gastos. Deus lhe acumulou de graças, exaltando-o de modo admirável em seus atos e aumentando muito os seus bens. Ademais, o conde Balduíno V foi esplêndido em banquetes, sua mansão se encontrou sempre provida de honoráveis e magníficos manjares, reconheceu e restituiu os cargos hereditários a seus serventes e naquele lugar de onde se encontrasse os levava consigo com o maior prazer. Sempre às expensas próprias ou com os benefícios dados por cavaleiros probos, reuniu todos os grandes em celebrações de sua magnífica corte e nos exércitos formados para a guerra ou os torneios, e estes foram sempre pronunciados com palavras doces e decentes, sem nunca se deixar levar pela ira ou pronunciar palavras torpes ou indecentes contra eles. Além disso, o conde Balduíno V, ainda que se entregando com gosto aos prazeres, acostumou-se a assistir os ofícios divinos, as missas e as horas, e tinha compaixão dos pobres, mandando-os generosamente esmolas de sua própria comida.

O novo conde, junto com sua esposa Margarida, celebrou o Natal gozosamente em Valenciennes. Quinhentos cavaleiros acudiram à corte. Ali se encontrava Egido de Saint-Albert, homem de grande probidade e renome em toda a terra e que, como grande senescal de Hainaut, organizou os banquetes com outros nobres e serventes com direitos hereditários sobre este cargo. Estava também Arnulfo, nobre de Landas, que morto Egido de Aulnois, copeiro-mor de Hainaut, tomou sua viúva como esposa e como copeiro-mor proveio o vinho das festas junto com outros nobres e serventes que tinham direitos hereditários sobre esse cargo. Depois desse Natal, Balduíno V, novo conde de Hainaut, participou com oitenta cavaleiros em um torneio entre Bussy-le-Châteaux e a cidade de Chalôns e dali se dirigiu a Brie, no lugar que chamam Lizy, onde permaneceu saindo e regressando continuamente e mantendo suas expensas a todos esses cavaleiros no espaço de um mês. Durante a Quaresma se dirigiu a Liège e rendeu a devida homenagem ao bispo de Liège, Raul, que era seu primo, devida pelos condes de Hainaut aos bispos de Liège.

Depois da Páscoa, no ano do Senhor de 1172, o conde de Hainaut voltou a participar de torneios: em Borgonha, em Montbard e em Rougemont, com cerca de cem cavaleiros. Mas o conde de Nevers, cujos domínios se encontrava o castelo de Rougemont, proibiu a celebração do torneio para os que chegaram para participar dele e se negou a hospedar o conde de Hainaut em seu castelo de Rougemont. Contudo, o conde Balduíno V foi hospedado ali mesmo contra a vontade do de Nevers. No dia seguinte, o conde Balduíno V se encontrava com cinco cavaleiros de sua terra; na parte contrária se encontrava o duque da Borgonha, Henrique, que havia chegado com grande soberba e acompanhado de muitos soldados a pé apinhados a seu redor. O conde de Hainaut então cobrou ânimo firme e prudente, fez de seus escudeiros e muitos soldados a pé e os armou como pôde para a defesa, resistiram virilmente frente a muitos cavaleiros da parte contrária e os derrotaram. De regresso, tomou parte no torneio de Rethel e permaneceu ali durante cinco semanas com cerca de cem cavaleiros, todos mantidos por ele, saindo e regressando continuamente.

Na festividade de Pentecostes desse mesmo ano, o conde Balduíno V foi ao encontro do rei da Inglaterra, que também era duque da Normandia, da Aquitânia e conde de Anjou, e lhe rendeu homenagem por cem marcos esterlinos109 de grande peso que lhe correspondiam anualmente, tal e como seu pai os havia possuído em feudo de seu tio Henrique, rei da Inglaterra.110 Também foram reconhecidos e também fixados alguns feudos que os homens de Hainaut tinham por este rei: quinze marcos de Eustáquio de Roeulx, dez de Gautier de Ligne, dez de Armando de Prouvy, dez de Henrique de Braine e dez de Roberto de Carnières. E nessa ocasião o rei enfeudou trinta marcos a Jacob de Avesnes, graças ao conde de Hainaut.

Naquele tempo, o rei Henrique da Inglaterra, duque da Normandia e da Aquitânia e conde de Anjou, cercou seus filhos de afeto e os engrandeceu com bens e honras próprias. Depôs a coroa régia e fez coroar rei seu filho Henrique. Este era um cavaleiro muito probo e generoso em dons e sempre que podia atraía para seu redor os cavaleiros mais probos de qualquer terra. Tinha por esposa a filha do rei Luís da França. Seu pai, o rei Henrique, reteve de todas as formas para si toda a terra do reino com seus frutos e colheitas e também conservou a tutela do novo rei, seu filho Henrique. No entanto, mais adiante, este filho, com o auxílio do rei Luís da França, se sublevou contra seu pai e quis expulsá-lo do reino, sem sentir horror por isso. Apesar de desprezar os favores de seu pai e de obstinar no pecado, nem ele nem os que o ajudaram conseguiram nada. O rei Henrique da Inglaterra entregou o ducado da Aquitânia a seu segundo filho, Ricardo, e também este se opôs a seu pai em algumas ocasiões. O terceiro filho, Godofredo, adquiriu o condado da Bretanha através de matrimônio.

O sítio ao castelo de Arlon

No outono do ano do Senhor de 1172, o duque Henrique de Limbourg, consangüíneo do conde Balduíno V de Hainaut, havia semeado calamidades, mediante pilhagens, rapinas e incêndios as terras de Henrique, conde de Namur e de Luxemburgo, tio do mesmo conde de Hainaut, e além disso havia lhe arrebatado as homenagens de alguns castelos que pertenciam por direito ao conde Henrique. O conde de Namur pediu a seu sobrinho, o conde de Hainaut, o auxílio mais rigoroso, como de costume. O conde Balduíno V se ofereceu com um séquito de trezentos e quarenta cavaleiros e outros tantos soldados a cavalo com lorigas111 e mil e quinhentos soldados a pé.112 Sitiou o maior dos castelos do duque de Limbourg, o de Arlon, e com seu tio devastou todas as terras dos arredores, tomou as colheitas e incendiou os campos.

O duque de Limbourg não pôde resistir por mais tempo a estas tropas que já estavam a dez dias em sítio e possuíam víveres em abundância: pão, vinho, carne e pescado. Então ressarciu o conde de Namur dos danos causados e lhe devolveu todos os bens que reclamava, livre e pacificamente. Durante o sítio do castelo, o conde de Namur quis que fossem renovadas a este conde de Hainaut Balduíno V, amadíssimo sobrinho seu, os juramentos de fidelidade e as garantias dadas pelos homens de seu condado, nobres ou servos, sobre a promessa de que lhe sucederia em suas possessões. Dali o conde de Hainaut, que havia permanecido distante de suas terras pelo espaço de um mês com todos aqueles cavaleiros e soldados, regressou a seu condado. Formaram parte daquele exército valentes cavaleiros como Jacob de Avesnes, Egido de Saint-Albert, Rasão de Gavre, Everardo Radou, castelão de Tournai, Eustáquio de Roeulx, o Velho, seu filho Eustáquio, Carlos de Fresne e seu filho Egido, João de Monchecort, Amando de Prouvy, Pol de Villers, Gautier de Lens e seu filho Eustáquio, Egido de Chimay, Nicolau de Barbençon, Gautier de Fontaine, Gautier de Ligne, Guilhermo de Haussy, Balduíno e Mateo, filhos de Adão de Walincourt, Gerardo de Wattripont, Gosuíno de Eighien, Engelberto e seu irmão Bonifácio, Hauvel de Quiévrain, Balduíno de Strepy, Arnulfo e Gerardo de Landas, Rainier de Trith, Estêvão de Denain, chamado Makrellus, Godofredo Tuelasne, Guilherme e Gerardo, irmãos não carnais do conde, Nicolau de Peruwelz, Gerardo de Bruyelle, cavaleiro muito probo apesar de ter somente uma mão, Hugo e Gautier de Croix e muitos outros homens probos.

Depois da oitava da Epifania desse mesmo ano, o conde Balduíno deu sua irmã viúva, Laureta, muito bela e honesta, esposa em primeiras núpcias do nobre Teodorico de Alost, ao nobre Bouchard de Montmorency da França. Deste matrimônio nasceram um filho, Mateo, e uma filha.

No ano da Encarnação do Senhor de 1173, o rei da Inglaterra, Henrique, o Jovem, empreendeu uma guerra contra seu pai, com o auxílio do rei Luís da França. O rei Luís trasladou seus exércitos da França contra a Normandia. Então, Filipe, conde de Flandres e Vermandois, se sublevou contra seu primo e senhor, o rei da Inglaterra, Henrique, o Velho, e acudiu com grandes forças em auxílio de seu senhor, o rei Henrique, o Jovem. Entrou na Normandia e a oprimiu gravemente. Tomou o castelo de Aumale e sitiou o de Driencourt. Neste sítio seu irmão Mateo, conde de Bolonha, cavaleiro formoso, probo e generoso em dons, recebeu uma ferida mortal, viveu ainda alguns dias mas depois faleceu. Seu irmão Filipe, conde de Flandres, foi considerado culpado por sua morte, pois naquela guerra o poderosíssimo conde de Flandres e de Vermandois poderia ter feito prevalecer a paz. Mais tarde, o rei Luís da França e o conde de Flandres sitiaram juntos a cidade de Rouen, mas não puderam fazer nada contra o velho rei da Inglaterra, Henrique, homem astuto, enérgico e de ânimo poderoso. Firmada a paz, lhe entregaram todas as suas possessões livres de conflitos e reconciliaram filho com pai.

Naquela guerra o conde de Hainaut Balduíno V quis prestar auxílio a seu senhor, o rei da Inglaterra, porque tinha um feudo anual de cem marcos de prata, e porque não estava obrigado de modo algum a ajudar o rei da França, nem por homenagem, nem por nenhum afeto especial. Então, se propôs atravessar secretamente a terra de seu genro, o conde de Flandres e de Vermandois, mas quando empreendeu o caminho com seus cavalos e armas, deparou-se com uma emboscada feita por alguns homens de Flandres, Hellin de Wafrin e outros, no lugar chamado Baupame, de forma que não pôde seguir adiante.

O castelo de Beaufort

Antes de empreender secretamente a viagem por este caminho, o conde Balduíno V havia ordenado a construção de uma fortificação na vila chamada então de Kivins, que agora se chama Beaufort. Esta fortaleza prejudicava a Jacob de Avesnes, mas a construção não ia contra seus direitos. Jacob, que sabia que seu senhor havia partido em segredo e pensava que demoraria por um longo tempo em terras distantes, rogou à condessa de Hainaut, Margarida, que interrompesse as obras já iniciadas, pois iam contra seus direitos. Contudo, sem separar-se de seus direitos, a condessa disse que na ausência do conde terminaria os trabalhos que haviam iniciado sob o direito de seu senhor. Contudo, partindo dali, Jacob se propôs desafiá-la. A condessa advertiu secretamente o exército em todo o condado de Hainaut e se dirigiu a Maubeuge. O conde Balduíno V, que não pôde ir ao encontro do rei da Inglaterra por causa da emboscada feita pelos homens de Flandres, ao regressar às suas terras também se dirigiu a Maubeuge, onde encontrou sua esposa, a condessa, e seus cavaleiros, em armas contra Jacob. Então, temendo alçar-se contra seu senhor lígio, o conde de Hainaut, e contra suas forças, Jacob fez as pazes com ele. E assim o conde Balduíno V construiu naquele lugar uma torre por direito próprio e a fez chamar Beaufort. Era o ano do Senhor de 1173.

Nesse mesmo ano, no inverno, Egido de Saint-Albert, cavaleiro probo e de nome preclaro, caiu enfermo quando se encontrava em seu castelo em Bousignies. O conde de Hainaut, que lhe professava grande afeto, foi visitá-lo. Então Egido, com o consentimento de Gerardo, seu filho primogênito, nascido de Berta, sua primeira esposa e tia paterna do conde Balduíno V, e com o consentimento também de seu segundo filho, Egido, nascido de Matilde de Berlaimont, sua segunda esposa, entregou ao conde o castelo de Bousignies que ele mesmo havia construído e que não o tinha por nada, retomando-o em feudo de suas mãos. Por este castelo o próprio Egido e seu segundo filho, Egido, fizeram ali mesmo homenagem lígia ao conde, acrescentando este feudo ao de Berlaimont e ao de camareiro-mor de Hainaut. Durante aquela enfermidade, Egido de Saint-Albert decidiu tomar a cruz. Com ele se fizeram cruzados seu filho Gerardo e muitos outros cavaleiros probos que eram companheiros de armas de Egido.

Na Páscoa do ano do Senhor de 1174, Pedro, bispo eleito de Cambrai, do qual já falamos, impelido por seu irmão Filipe, conde de Flandres e de Vermandois, abandonou o bispado, deixou os hábitos e foi ordenado cavaleiro. Depois tomou por esposa em Nevers a condessa viúva, da qual teve uma filha, que se casaria com Roberto de Wafrin, cavaleiro probo e senescal-mor de Flandres. Um homem prudente, poderoso e enérgico o sucedeu no bispado, Roberto, nascido na cidade de Chartres. O conde Filipe de Flandres converteu este Roberto de um pobre clérigo em um dos mais ricos e poderosos de Flandres e de Vermandois. Obteve quase todas as preposituras da igreja de Flandres, e foi sempre chamado “prepósito de Aire”. Quando foi eleito bispo da igreja de Cambrai e recebeu a investidura do imperador de Roma, Frederico, Roberto foi averiguar com grande zelo quais eram os bens do bispado, tendo por isso muitos conflitos com Jacob de Avesnes.

Roberto quis passar o outono em sua honra de Meslin, no Brabante, e como desconfiava de Jacob, que o havia ameaçado, pediu ao conde de Hainaut um conduto.113 Este lhe enviou o nobre Luís de Fresne. No entanto, o bispo, ao passar sem nenhum medo por Condé, que pertencia ao castelo de Jacob, foi descoberto por alguns servos de Jacob, que o assassinaram ignonimiosamente ao descer o poente. Quando o conde Balduíno V recebeu a notícia do crime perpetrado contra sua honra, apesar da escolta dada por ele e da justiça de sua terra, incendiou a cidade de Condé e assediou o castelo, provisto naquele tempo de uma torre e de muralhas fortíssimas, que ao final foram libertadas por sua vontade. Por causa desse crime, cometido contra um clérigo seu que havia sido um criado amado e da família, foram devolvidos ao conde de Flandres os castelos que Jacob tinha em Vermandois, Guise e Lesquielles. Jacob, no entanto, teve uma paz mais breve com o conde de Flandres que com o de Hainaut. Roberto foi sucedido no bispado de Cambrai por Alardo, arquidiácono da igreja de Cambrai em Hainaut, homem maduro e honesto.

Nesse mesmo ano, no Natal, o conde Balduíno V de Hainaut chamou à sua corte de Mons seus principais homens. Reuniram-se ali muitos cavaleiros probos, cerca de trezentos e cinqüenta. Egido de Saint-Albert, que havia tomado a cruz, organizou os banquetes de seu senhor como senescal-mor, aceitando então do conde de Hainaut um dom honesto como reforço para sua viagem, recebendo depois sua licença e a de toda sua corte para partir em peregrinação. Jacob de Avesnes, que também se encontrava ali, recebeu de volta o castelo das mãos de seu senhor, jurando devolvê-lo sempre que aquela fosse sua vontade. Egido de Saint-Albert morreu na viagem por mar; seu filho Gerardo, primo do conde Balduíno V, ao regressar de sua peregrinação, o sucedeu na maior parte de seus bens.

O Torneio de Soissons

No mês de agosto do ano do Senhor de 1175, foi anunciada a celebração de um torneio entre a cidade de Soissons e o castelo de Braisne, no qual foram tomar parte, cheios de soberba e arrogância, os homens de Champagne, cavaleiros probos e preclaros, além de muitos homens da França, todos contra o conde Balduíno V de Hainaut. Este chegou ao torneio com duzentos cavaleiros e mil e duzentos soldados a pé. Além disso, tinha seus cunhados, Rodolfo de Coucy e Bouchard de Montmorency, e junto com eles o conde de Clermont, Raul, cavaleiro probíssimo. Os de Champagne e Flandres se encontraram reunidos em Braisne. Tinham mais e mais fama, mas não se atreveram a sair.

O conde de Hainaut cavalgou em armas até o monte e os vinhedos de Braisne, permanecendo ali até a tarde. Quando entardeceu, todos se reuniram com o conde para o regresso, pois ninguém havia comparecido para enfrentá-lo. Contudo, ele disse que esperaria todo o dia naquele lugar e observaria o pacto firmado para tornear. Passadas as vésperas, quando a maior parte dos cavaleiros do bando do conde de Hainaut já havia iniciado o regresso e estavam chegando a Soissons, e os soldados a pé se encontravam na metade do caminho, o conde empreendeu o caminho de volta quando caiu a noite, mas então os homens de Champagne e da França saíram de Braisne e o perseguiram.

Com o conde de Clermont e uns poucos homens armados, Balduíno V conseguiu resistir até que os homens a pé chegaram de volta e puderam pôr em fuga por vales e vinhedos todos os seus adversários, vencendo-os totalmente. Muitos deles, e também muitos soldados a pé, morreram na entrada da vila de Braisne, e muitos caíram na água e se afogaram, enquanto outros foram feitos prisioneiros. E assim, o conde de Hainaut logrou esta vitória durante a noite, muito auxiliado pela claridade da Lua. Logo regressou gozoso e incólume.

Naquele tempo, Henrique, irmão do rei Luís da França114, de Roberto de Braisne e de Pedro de Courtenay, governava o arcebispado de Reims. Este bispo aumentou enormemente os bens da Igreja em muitos lugares. Construiu os castelos de Septsaulx e de Cormicy, e a casa fortificada de Reims, que se encontra junto à Porta de Marte, mas faleceu neste mesmo ano. Guilherme, antes arcebispo de Soissons, o sucedeu no cargo, embora governasse o bispado de Carnoit. Era irmão da rainha da França, Adélia115, e dos condes Teobaldo de Blois e Estêvão.

Nesse mesmo ano, Gautier, bispo de Laon, encontrando-se débil e cansado, renunciou ao bispado. Foi eleito para sucedê-lo seu sobrinho Gautier, tesoureiro da igreja de Laon, mas depois de ser consagrado em Roma, faleceu na viagem de regresso da cura pontifícia para a sua igreja. Então foi proposto, com a intercessão e o apoio do conde Balduíno V de Hainaut, que Roger, irmão de Rainier de Rozoy e primo do conde de Hainaut ocupasse o posto. Mas uma vez eleito e consagrado foi expulso, e teria causado graves danos à sua parentela se não fossem as sábias ações do conde Balduíno e o auxílio de suas forças com as quais chegou contra o desejo do rei Luís da França, conforme narraremos mais adiante.

A discórdia entre Balduíno V de Hainaut e Jacob de Avesnes

Também nesse mesmo ano nasceu uma discórdia entre o conde de Hainaut e seu fiel e consangüíneo Jacob de Avesnes. O conde, que pensava que Jacob cometera certas injustiças contra ele, exigiu que lhe entregasse o castelo de Condé, tal como, conforme os pactos, tinha obrigação de fazer se assim o pedisse. Contudo este, apresentando queixas enganosas e vãos subterfúgios, se negou a dar o castelo. Diante destes fatos, o conde convocou seus fiéis em juízo, quer dizer, os pares de Jacob e outros nobres. Ali foi julgado que Jacob não tinha mais direitos sobre aquele castelo, somente os que lhe outorgavam o favor e a vontade do conde. Após conceder muitas tréguas, reiteradamente solicitadas pelo conde Filipe de Flandres, que intercedia por Jacob perante o de Hainaut, Balduíno V reuniu seu exército, e no final da Páscoa do ano do Senhor de 1176, atacou Jacob com firmeza. Não se dirigiu ao castelo de Condé e sim ao maior e melhor de seus castelos: o de Avesnes, e para que seu exército pudesse atravessar mais facilmente o bosque de Avesnes, fez com que suas forças se dividissem de forma que pudessem passar cem homens de frente, sem nenhum impedimento.

Jacob se encontrava do outro lado com suas forças compostas de muitos cavaleiros da França, de sua terra e de outros lugares, e por soldados a cavalo e a pé. Mas quando viu o conde de Hainaut, não se atreveu a enfrentá-lo; se jogou armado a seus pés, rogando-lhe misericórdia e lhe devolveu o castelo de Condé. O conde ficou compadecido dele, tomou o castelo e o destruiu, mas lhe devolveu a vila e restituiu a paz. Naquele exército junto ao conde de Hainaut se encontrava seu tio, o conde Henrique de Namur, e também Raul, conde de Clermont, na França.

No outono daquele mesmo ano aconteceu um conflito entre Jacob de Avesnes e o poderoso conde de Flandres e Vermandois, Filipe. Este reclamou a Jacob os castelos de Guise e Lesquielles que tinha dele no condado de Vermandois. Como se negou a devolvê-los, o conde de Flandres sitiou o castelo de Guise. O conde Balduíno V de Hainaut firmou confederação, como se diz, com este conde de Flandres, acudindo em seu auxílio e sitiando o castelo de Lesquielles. Jacob, atuando com astúcia nos castelos que tinha do conde de Hainaut, Avesnes, Landrecies e Leuze, os entregou a seu senhor, o conde Balduíno V, para que ele, como feudos lígios, os protegesse. O conde os tomou, os conservou fielmente e quando quis os restituiu. Após sitiar e atacar o castelo de Lesquielles com máquinas, auxiliando assim o conde de Flandres, Balduíno, por vontade desse mesmo conde Filipe, destruiu sua grande torre, edificada na parte mais elevada da colina. O castelo de Guise esteve sitiado por um longo tempo pelas forças do conde de Flandres, até que se rendeu e foi devolvido. Mais tarde o conde Filipe o restituiu a Jacob.

No ano do Senhor de 1177, Filipe, conde de Flandres e de Vermandois, tomou a cruz do Senhor. Como não tinha herdeiro direto, pois seus irmãos Mateo e Pedro haviam morrido e sua primeira irmã viúva do conde de Sabóia e de Hugo de Disny havia se retirado para o convento de religiosas de Messine, reuniu seus barões em Ile, os fez prestarem juramento de fidelidade e darem garantias a Balduíno V, conde de Hainaut, e à sua esposa Margarida, por seus justos direitos sobre Flandres como herdeiros mais próximos do condado. Concluído isso, com sua terra em ordem e seus fiéis sob proteção, Filipe, conde de Flandres e Vermandois, partiu até Jerusalém com muitos outros homens probos.

Nesse mesmo ano faleceu Alardo, bispo de Cambrai, e nessa igreja surgiram grandes disputas sobre a eleição de seu sucessor. O conde Balduíno V de Hainaut trabalhava arduamente para impor naquele bispado seu primo Gaufredo de Tosny, homem honesto e muito sábio. De sua parte, Hugo Oisy, um homem poderoso da região de Cambrai que tinha dois castelos do condado de Hainaut em feudo lígio do conde Balduíno, Crevecoeur e Arleux, tentava de todos os meios possíveis conseguir aquela dignidade para seu irmão Pedro, arquidiácono maior da igreja de Cambrai. Então, diante essa dissensão, Roger de Warvrin conseguiu ganhar o apoio do conde e foi eleito e consagrado bispo da sede de Cambrai. Tempos mais tarde ele morreria em Ultramar, em auxílio do Santo Sepulcro.

Nesse mesmo ano, o bispo de Laon, Roger, chamou às armas seus amigos e reuniu o maior exército que pôde, invadindo suas próprias terras para lutar contra os homens das mesmas que, com o apoio do rei, faziam frente comum contra sua igreja. Encontrou os homens da comuna de Soissons116, os de Vailly e os de Saint-Médard prestes a defenderem-se com a ajuda de alguma gente do rei da França. Atacou-os virilmente, matou muitos e fez prisioneiros a outros tantos, submetendo-os com facilidade. Com isso, apesar de ter feito pelo bem da justiça e liberdade de sua igreja, ofendeu ao rei Luís da França. O rei, aceso pela ira, enviou o exército, ocupou os bens do bispo de Laon e, atravessando essas terras, se dirigiu às de Hugo de Pierrepont e Reinaldo de Rozoy, irmãos do bispo, para devastá-las, assim como as de Jacob de Avesnes, que havia oferecido auxílio ao bispo Roger. Reinaldo, primo de Balduíno V de Hainaut, Jacob de Avesnes, consangüíneo e homem lígio seu e Hugo de Pierrepont, cuja esposa era prima do mesmo conde, se dirigiram a ele para pedir-lhe auxílio como sumo protetor.

O conde Balduíno V reuniu um exército de setecentos cavaleiros e setenta mil homens em armas e chegou a Etreaupont para auxiliar seus amigos contra o rei da França, que havia chegado até o castelo de Nizy e estava disposto a destruir as terras desses nobres. Quando o rei teve notícias do exército de Balduíno V, deixou aquelas terras em paz e retrocedeu, mas ocupou os bens do bispado durante o tempo que quis e só mais tarde, por mandado apostólico e intercessão do conde de Hainaut, os restituiu àquele bispo.

Nesse mesmo ano o conde de Hainaut tomou parte em um torneio entre Vendeuil e La Fère. De seu lado havia menos cavaleiros que do outro lado. Apesar disso, prevaleceu sobre os outros e capturou o senhor do castelo de La Fère, Raul, cunhado seu. Também fez prisioneiros muitos cavaleiros de grande probidade, como Raul, conde de Clermont, seu irmão Simão e Mateo, conde de Beaumont, como prisioneiros. A todos deixou partir livremente.

No ano do Senhor de 1178, no princípio do mês de agosto, morreu o conde de Soissons e senhor de Nesle, Ivo, de boa memória. Tivera por esposa a Yolanda, irmã do conde de Hainaut, e como carecia de descendência direta, seu sobrinho Conão, castelão de Bruges, que por parte de sua esposa Ágata possuía o castelo de Pierrefonts, o sucedeu em todos os seus bens. Este Conão, com a ajuda do conde de Flandres, do qual era homem e consangüíneo, causou dano e detrimento ao conde de Hainaut, Balduíno, por causa do dotalício de Yolanda, que era a metade de todo o Nesle e Falvy.

Nesse mesmo ano regressou de Jerusalém o conde de Flandres e Vermandois, Filipe. Yolanda, viúva, irmã do conde Balduíno V, contraiu segundas núpcias com Hugo de Saint-Pol, cavaleiro probo e jovem, e embora nunca antes tenha dado a luz a um filho, com a idade de quarenta e sete anos teve duas filhas, Isabel e Eustáquia.

Fazia já um tempo que durava um cisma na Igreja de Roma a respeito da eleição do Sumo Pontífice. O imperador Frederico, que favorecia uma das partes, obedeceu, contra Deus e a justiça, a três dos papas eleitos, apesar da sentença que os excomungava e apesar de ter sido eleito e consagrado retamente, para a maior glória do Senhor, o papa Alexandre.117 A este último se submeteram inteiramente o rei Luís da França, todos os francos e todos aqueles cristãos que não vacilavam diante as ameaças do imperador Frederico. Este obrigou os romanos, os toscanos e os alemães a obedecerem a seu eleito. Mas os lombardos, os venezianos e os pisanos apoiaram e obedeceram a Alexandre. Por fim, graças à vontade divina, o imperador abandonou seus maus propósitos , abjurou o papa injustamente eleito que se chamava Vitor e em Veneza, prostrado aos pés do papa Alexandre, pediu misericórdia. Recobrada a paz e a unidade da Igreja, foi convocado em Roma um concílio para esse mesmo ano do Senhor de 1178, e todos os prelados da igreja acudiram no domingo de Letare Jerusalem118, celebrado em Latrão.119 O papa Alexandre, homem prudente e muito sábio, benigno e atento aos desejos e petições justas de todos, prudente reitor da Igreja, obrou um manifesto milagre: nenhum de seus antecessores havia sido papa tantos anos como São Pedro, ele o foi durante mais anos ainda para vencer os cismáticos e permanecer com a Santa Igreja unida.

No ano do Senhor de 1179, no primeiro domingo depois da Ascensão, o conde Balduíno V de Hainaut reconheceu e confirmou na cidade de Troyes para Henrique, conde palatino da dita cidade, os pactos matrimoniais firmados primeiro entre este e o conde de Flandres, segundo os que contrairiam matrimônio: Isabel, filha do conde de Hainaut, com Henrique, filho do conde de Troyes, que em língua vulgar chamam Champanha, e a filha deste mesmo conde, Maria, com o primogênito do conde de Hainaut, Balduíno VI. Nesse mesmo dia, naquela cidade, a esposa do conde Henrique de Troyes deu à luz a um filho que se chamou Teobaldo.

Nesse ano, no outono, um dos irmãos por parte de pai do conde Balduíno V, Gerardo, cavaleiro probo e corajoso, honesto, pio e bondoso, caiu gravemente enfermo em Mons e faleceu. Seu corpo foi enterrado no monastério de Santa Waldru.

Nesse mesmo ano abandonou o século o conde Conão de Soissons, senhor de Nesle, de Pierrepont e castelão de Bruges. Em Nesle e na castelania de Bruges, lhe sucedeu seu irmão João, e no condado de Soissons seu outro irmão, Raul, mas o senhorio e o castelo de Pierrepont passou para sua esposa Ágata, pois lhe pertenciam em herança. Mais tarde, esta, não vivendo com suficiente prudência e honestidade, vendeu o castelo e a maior parte de seus bens ao rei da França, Filipe.

A coroação de Filipe II Augusto da França (1165-1223)

Também em 1179, na cidade de Reims, no dia de Todos os Santos, o rei Luís da França, sentindo-se velho e débil, fez coroar rei a seu único filho, Filipe, nascido da terceira de suas esposas, Adélia120, irmã do arcebispo de Reims, Guilherme, e dos condes Henrique, Teobaldo e Estêvão. Assistiram a essa coroação todos os príncipes da França. Acudiu também com muitos cavaleiros armados o poderosíssimo conde Filipe de Flandres e Vermandois, que reclamava para si o direito ao transporte da espada na coroação. Por rogo seu veio também, com oitenta cavaleiros armados, à expensas próprias, o conde Balduíno V, que não se encontrava obrigado com o rei da França, nem por homenagem, nem por confederação, nem por parentesco. E assim Filipe foi ungido com suma veneração e reverência e foi coroado rei. Dali, o conde de Hainaut se dirigiu ao torneio que se celebrava entre Rethel e Châtillon, onde capturou o conde Henrique de Bar, cavaleiro muito probo, primo do novo rei Filipe, e que se encontrava rodeado por muitos cavaleiros também muito probos; conduziu-o até Valenciennes e uma vez ali o deixou partir livremente.

Nesse mesmo ano, Roger, o bispo de Laon do qual falamos acima, primo do conde de Hainaut e mal visto pelo rei Luís da França, foi acusado diante o papa de ter assassinado um homem. Para mostrar sua inocência foram nomeados juízes na França: se diante deles o bispo de Laon pudesse provar, por seu próprio juramento e mais o de três bispos, que não assassinou ninguém com suas próprias mãos, e o que tivesse feito com aquele homem fora em prol da liberdade da igreja, ficaria totalmente livre de culpa. Mas como era conveniente fazer tudo isso para a maior paz e com o consentimento e favor do rei da França, já que haviam fixado a celebração da prova da inocência na cidade de Meaux, dentro da oitava do Natal, o bispo de Laon pediu auxílio ao conde Balduíno V de Hainaut para que intercedesse por ele perante o rei da França, embora não fosse nem seu fiel nem seu familiar. O conde o acompanhou perante o rei, quem, junto com sua esposa, a rainha Adela, recebeu-os benignamente e concedeu ao bispo, pelo bom conselho do conde de Hainaut, que sempre estivera em paz, a prova de inocência.

O conde Balduíno V celebrou a festa de Natal no burgo de Saint-Denis. Ali chegou a diversos acordos com o abade e a igreja a respeito de um vasto alódio que pertencia a São Dionísio, para construir uma vila nova que se chamaria Forest. Os pactos foram confirmados por escrito e com o selo da igreja de Saint-Denis e do conde. Desde então, a cidade de Forest, que foi construída ali, não pôde passar a nenhum dos herdeiros do conde, somente para aquele que recebera o condado de Hainaut.

Dali o conde Balduíno V e o bispo de Laon se dirigiram a Meaux, onde este bispo, com o auxílio dos bispos de Cambrai, Noyon e Arras, levou a cabo a prova de inocência que lhe havia sido concedida. Livre da culpa, regressaram a Paris e obtiveram do rei Luís a restituição dos bens do bispo e a concessão da graça e o favor do monarca.

O casamento de Filipe II da França e Isabel de Hainaut em 1180

Nesse mesmo ano, parentes e conselheiros do ancião rei Luís da França começaram a negociar o matrimônio de seu filho, o novo e jovem rei Filipe, com Isabel, filha do conde de Hainaut, donzela jovem, bela e honesta. Mas estas negociações se fizeram sobretudo com o conde de Flandres, Filipe, mais do que com o próprio conde de Hainaut. Por isso, o conde Filipe de Flandres, o conde Raul de Clermont e outros dos principais parentes e conselheiros do rei da França, durante a Quaresma, se dirigiram a Mons para requerer o consentimento do conde Balduíno V e de sua esposa Margarida, permanecendo ali por três dias. O conde de Hainaut via perfeitamente que podia elevar sua filha acima de sua honra, mas, por outro lado, queria observar os pactos que havia firmado com o conde de Champagne e para deixar a salvo seu juramento se resistisse ao rogos do conde de Flandres e dos outros. Finalmente prevaleceu a vontade do conde de Flandres e Balduíno V cedeu, apesar de aflito por deixar sua filha nas mãos do conde Filipe. Este a conduziu até Flandres. Ao conde de Hainaut pesava o fato de que por aquele matrimônio uma parte do condado de Flandres, após a morte do conde Filipe, passaria para o rei da França, pois foi acordado que as cidades de Arras, Saint-Omer, Aria e Hesdin, isto é, todas as terras situadas depois de Fossé Neuf, passariam para o rei da França após o falecimento do conde de Flandres e o resto das possessões do condado para o conde de Hainaut, para sua esposa e seus herdeiros. Contudo, se a filha do conde de Hainaut e a esposa do rei da França morressem sem herdeiro direto ou tendo um herdeiro e este morresse sem herdeiro direto, as possessões de Flandres voltariam para o conde de Hainaut e sob nenhuma circunstância se poderia exigir que fossem entregues de volta para o reino da França.

O jovem rei Filipe tomou Isabel como esposa no castelo de Baupaume, que pertencia ao conde de Flandres, na segunda-feira depois da oitava pascoal do ano do Senhor de 1180, e no dia seguinte da festa da Assunção do mesmo ano, em São Dionísio, a fez ungir e coroar rainha com a veneração que lhe correspondia. O rei Filipe levou a coroa e a espada régia em honra de sua esposa, a nova rainha, na presença de seu pai, do conde Balduíno V de Hainaut e de seu tio, o conde Filipe de Flandres e Vermandois. Nesse mesmo ano o rei Luís da França121, pai de Filipe, abandonou o século, e Filipe, o novo rei, expulsou todos os judeus de suas cidades e castelos, recebendo por isso imensas riquezas dos cristãos da França.

Nesse ano, o rei Filipe quis ir a Auvergne para informar-se melhor de seus direitos sobre essas terras. Rogou ao conde Balduíno V que lhe proporcionasse soldados a pé para que o acompanhassem, pois os que tinha em Hainaut naquela época eram muito valentes. O conde de Hainaut quis satisfazer o rei e lhe enviou três mil soldados a pé, pagos e escolhidos por ele e muito bem armados. Quando estes chegaram a Paris, o rei Filipe já havia iniciado sua viagem e os enviou de volta ao conde, com seus agradecimentos. Também nesse mesmo ano o rei da França se indispôs com o rei da Inglaterra, Henrique, o Velho, e só após vários colóquios fizeram as pazes. O conde de Hainaut se encontrou sempre presente junto ao rei da França e ao conde de Flandres nestas reuniões, acudindo a elas a pedido do rei e do conde Filipe com grandes e árduos gastos.

No mesmo ano o conde de Flandres e Vermandois, Filipe, que por causa de um certo conflito via com maus olhos a Raul de Coucy, amadíssimo cunhado do conde de Hainaut, declarou guerra a ele durante o inverno. O conde de Flandres convocou então o de Hainaut para que lhe oferecesse seu auxílio na qualidade de confederado. O conde Balduíno lhe enviou o auxílio devido mantendo durante dez dias em Ribemont cem cavaleiros e muitos soldados a cavalo provido de lorigas. Assim mesmo, naquele tempo se indisporam o rei da França e o conde de Flandres, mas pela mediação do conde de Hainaut foram firmadas tréguas entre o rei Filipe da França, o conde Filipe de Flandres e Raul de Coucy. Alguns desses conflitos, como veremos em seguida, acabaram bem, outros mal.

No ano seguinte, em 1181, faleceram o conde palatino de Troyes, Henrique, sua viúva, a condessa Maria e seus irmãos. O arcebispo de Reims, Guilherme, o conde Teobaldo e o conde Estêvão renovaram com o conde de Hainaut e com o conde de Flandres, através de intermediários e por meio de juramentos, o duplo pacto cerimonial anteriormente firmado e que estava em parte quebrado pelo matrimônio de Isabel com o rei da França. E assim, o conde Balduíno V, juntamente com o conde Filipe de Flandres, no dia da Ascensão desse ano chegaram ao magnífico castelo de Provins, que pertencia ao conde de Champagne, e ali renovaram solenemente os acordos.

Da parte do conde de Hainaut prestaram juramento o próprio conde Balduíno V, o conde de Flandres, o nobre Raul de Coucy e muitos outros cavaleiros, companheiros de armas e fiéis do conde de Hainaut, entre eles o Eustáquio de Roeulx, Otão de Trazegnies, Gautier de Fontaine, Amando de Prouvy e Gautier de Wafrin. Da parte do conde de Champagne juraram a condessa viúva Maria, Adela, mãe do rei Filipe e irmã do falecido conde de Champagne Henrique e dos condes Teobaldo de Blois e Estêvão, o duque de Borgonha Henrique e o conde de Bar Henrique, ambos sobrinhos dos de Champagne, além de muitos outros nobres. O arcebispo de Reims foi nomeado fiador de ambas as partes e se acordou que o filho primogênito dos condes de Champagne, Henrique, tomaria por esposa a Yolanda, outra das filhas do conde Balduíno V, e o primogênito do conde de Hainaut, Balduíno VI, teria por esposa a Maria, filha do conde de Champagne. Se alguns desses morressem antes de contrair matrimônio seria substituído pelo filho primogênito sobrevivente ou, no caso das filhas, por outra delas.

Nesse mesmo ano, o prepósito de Douai, Gerardo, cavaleiro rico, poderoso, rodeado de uma importante parentela em Hainaut, em Flandres e em Vermandois e possuidor de feudos lígios do conde de Flandres e do de Hainaut, feriu um primo seu, Bernero de Roucourt, em certo conflito que houve entre ambos. Quando, de regresso de um torneio celebrado em Blangy, o conde de Hainaut se inteirou disso, considerou que Gerardo havia transgredido a justiça e a paz de sua terra, e por isso queimou completamente sua mansão de Emerchicourt, em Ostrevant, destruiu sua fortaleza nesta mesma vila e ocupou no outono todos os bens que este possuía no condado de Hainaut. Um sobrinho do prepósito, o cavaleiro Guilherme de Roeulx, irmão de Hugo, deixando-se levar pela ira, matou, para ofender o conde Balduíno V, a um de seus servos, durante a Páscoa, na cidade de Dechy. Então, o conde acudiu a Ostrevant com urgência, incendiou a vila de Roeulx e, para que a vingança fosse maior, incendiou as casas e vilas de todos os consangüíneos de Gerardo, mesmo sem terem culpa. Por fim, fez com que todos os seus próximos e amigos abjurassem dele, incondicionalmente.

A guerra entre Filipe de Flandres e Raul de Coucy

No ano do Senhor de 1182, o conde Filipe de Flandres e Vermandois, indisposto com o rei da França e esperando secretamente a melhor ocasião, convocou seu exército contra Raul de Coucy. Para isso pediu, como de costume, o auxílio do conde de Hainaut. Este, em consideração ao afeto que os unia e ao pacto de confederação, foi ao rio Oise, entre Origny e Macquigny, onde o conde de Flandres havia reunido seu exército, com quatrocentos cavaleiros e sessenta mil soldados, a cavalo e a pé. Os homens do conde de Flandres eram cerca de mil cavaleiros e duzentos mil soldados a cavalo e a pé. Reunido todo aquele exército contra Raul de Coucy, foi somente graças aos emissários do rei da França e a intercessão do conde de Hainaut que se acordou uma trégua.

O conde Balduíno V, de regresso daquela expedição teve que dirigir-se com todo o seu exército rapidamente em auxílio do conde de Namur, Henrique, seu tio, que se encontrava em guerra. Juntos sitiaram o castelo de Rochefort. Restabelecida honestamente a paz, graças a um número tão grande de forças, o conde Balduíno V de Hainaut, que já havia se demorado muito e com grandes gastos em outras terras entre a expedição do conde de Flandres e a do de Namur, regressou a seu condado.

A guerra entre o conde de Flandres e Filipe da França

Mais adiante, por conselho do diabo, explodiram graves conflitos entre o conde de Flandres e Vermandois e seu senhor, o rei Filipe da França. Diziam que a culpa era em parte devido aos maus conselhos do conde Raul de Clermont, que exercia grande poder nas assembléias do rei. Nem o rei da França havia injuriado de nenhuma maneira o conde, suas honras ou herdades, nem o conde de Flandres estava contra o rei por motivo de alguma terra ou honra. Contudo, ambos, confiando em sua ferocidade ou poder, se prepararam para a guerra. Por isso, o conde, chegada a ocasião, reclamou do conde Raul de Clermont que lhe entregasse o castelo de Breteuil, que tinha por ele. Este, apoiado pelo auxílio do próprio rei da França, se negou a devolvê-lo. Então, o conde de Flandres, cheio de ira contra o rei, reuniu seu exército e se alçou contra ele em seus domínios reais.

O conde de Hainaut, confederado e conjurado seu, veio em auxílio do conde de Flandres, apesar de desaprovar esta guerra contra seu genro, o rei da França. Acudiu com duzentos e vinte cavaleiros e cento e dez soldados a cavalo armados com lorigas. Na sexta feira antes do Advento, o conde de Flandres assaltou a cidade de Noyon e queimou-a até chegar às muralhas. Dali, junto com o conde de Hainaut, passou a Montdidier. Como a guerra durava muito tempo, o conde Balduíno V, por vontade do próprio conde de Flandres, reenviou à Hainaut cento e vinte dos cavaleiros que havia trazido consigo, mas reteve os outros cem e todos os soldados a cavalo provistos com lorigas, com grandes gastos à suas expensas.

O conde Filipe de Flandres então se inteirou que o rei da França havia disposto ao largo de toda a fronteira em suas cidades e castelos cavaleiros e soldados a cavalo e a pé, e, reunido o exército na cidade de Senlis, se propunha atacar Le Valois, terra que pertencia ao conde de Flandres. Alguns dos cavaleiros de Flandres que se encontravam em Crépy, o senescal de Flandres, Hellin de Wavrin, e outros saquearam e incendiaram a terra do rei da França que se encontra nos arredores. Entraram em Damartin, que se encontra em Goële, a incendiaram e prenderam muitos cavaleiros e homens a pé; com seus ataques os francos propagaram o medo até Paris. O conde de Flandres deixou o de Hainaut em Montdidier com alguns cavaleiros e homens a pé para que custodiassem aquelas terras, e logo se dirigiu ao famoso castelo de Crépy, fazendo etapa em seu castelo de Choisy e no de Pierrefonds, que naquele tempo lhe oferecia auxílio pela benevolência de Hugo de Oisy, então senhor da dita fortaleza. O conde Balduíno V ficou em Montdidier, incendiou toda a terra de Saint-Just, o castelo do bispo de Belvacen e a terra de Breteuil, à exceção de seus castelos, e levou a cabo esta guerra fiel e virilmente em nome do conde de Flandres, contra todos os seus inimigos.

O rei da França, que tinha consigo o rei Henrique, o Jovem, da Inglaterra, com seiscentos cavaleiros, se preparava para uma grande batalha contra o conde de Flandres. O conde Filipe então convocou todos os homens da fronteira. Ordenou que o conde de Hainaut viesse rapidamente. Para isso, Balduíno V teve que atravessar com grande dificuldade as terras do castelo de Thourotte, por causa de algumas inundações, e para chegar ao outro lado passou a noite em Choisy, e só no dia seguinte pôde chegar a Crépy. Para poder hospedar-se melhor, o conde então proveu aquela vila com alimentos para os cavalos e a abasteceu de feno, vinho, trigo, aveia e outros víveres. E como os conflitos entre o rei da França e o conde de Flandres prosseguiam, ambos os bandos estiveram armados e dispostos para a batalha durante dois dias. O conde de Flandres confiou ao conde de Hainaut a honra de ser o primeiro para começar a batalha, e o conde Balduíno V, uma vez armado, entregou seu estandarte, que chamam bandeira, a um fiel seu companheiro de armas, Hugo de Croix, cavaleiro forte e grande, para que o levasse durante a batalha. Mas apesar de estarem a ponto de começar a luta, graças à vontade de Deus não chegaram a enfrentar-se.

Depois de o conde Balduíno V de Hainaut ter demorado um largo tempo nas terras de Le Valois, o conde de Flandres o enviou de novo a Montdidier para custodiar aquela terra. Na ausência do conde de Hainaut, Henrique, filho do duque Godofredo de Louvain, jovem e ainda não cavaleiro, a havia vigiado, acudindo àquelas terras com trinta cavaleiros e muitos soldados a cavalo à expensas do conde de Flandres.

No Natal desse mesmo ano firmou-se uma trégua até a Oitava Epifania entre o rei da França e o conde de Flandres. O conde de Hainaut, que havia permanecido nesta guerra sempre às expensas suas, pôde por fim regressar à suas terras. O filho do duque de Louvain, o jovem Henrique, que havia sido mantido com seu exército pelo conde de Flandres, obteve quantas graças quis deste conde. O conde Balduíno V esteve fora de suas terras desde que partiu para a guerra até que pôde regressar, cerca de cinco semanas depois, o que lhe custou uns mil e oitocentos e cinqüenta marcos de prata de grande peso.

Após a Oitava Epifania, o rei da França e o conde de Flandres voltaram a entrar em guerra. Filipe de Flandres avisou o conde de Hainaut, que sempre se encontrava disposto a ajudar-lhe em toda a necessidade, para que acudisse na guerra em seu auxílio, tanto como confederado quanto conjurado. Balduíno V acudiu a Montdidier com oitenta cavaleiros e muitos soldados a cavalo provistos com lorigas e se hospedou na cidade de Faverolles, próxima de Montdidier. Ali permaneceu algumas vezes com o conde de Flandres, outras saía para fazer cavalgadas com os seus e alguns homens de Flandres, apesar do tempo frio e chuvoso. Nessas ocasiões, percorrendo as fronteiras, devastava a terra do rei até as regiões de Compiègne e de Beauvais, incendiando-as e saqueando-as. Assim, após grandes esforços, o fogo destruiu Neuville-Roy, no Beauvais.

Na Quaresma voltaram a firmar-se tréguas de ambas as partes e o conde de Hainaut, que já se encontrava em guerra há seis semanas completas desde que partiu de seu condado e sempre suportando os gastos de seu exército, pôde regressar à suas terras. O custo de tudo isso chegou a mil e seiscentos marcos de prata de grande peso. Por outro lado, o filho do duque de Louvain, Henrique, que tinha por esposa a filha do conde da Bolonha, Matilde, sobrinha de Filipe de Flandres, acudiu a esta guerra em auxílio do conde de Flandres com quarenta cavaleiros e outros tantos soldados a cavalo e dez balisteiros, mas esteve sempre às expensas do conde de Flandres e recebeu dele quantas graças quis.

O exército do conde de Hainaut, antes e depois do Natal, esteve formado por cavaleiros valentes, de fama, probos e preclaro nome. Entre eles se encontravam Everardo Radou, Eustáquio, o Jovem, de Roeulx, Guilherme, irmão do próprio conde, Eustáquio de Lens, Nicolau de Barbençon, Otão de Trazegnies, Gautier de Wargnies, Roger de Condé, Gautier de Blandain, seu irmão Gerardo de Wattripont, Amando de Prouvy, Pol de Villers, Nicolau de Peruwelz e seu filho Balduíno, Hugo de Croix, Gautier de Fontain, seus irmãos Guido e Fulco e seus sobrinhos Gautier e Arnulfo de Gouy, Hellin de la Tour, Guilherme de Anzin, Gautier de Bierbeek, pequeno, mas de grande coragem, Egido de Bermerain e seu irmão Bovero, Ricardo de Orcq, Guilherme de Flaon, Balderico de Roisy, Gerardo de Malcicout, Nicolau, chamado de o Monge, João Cornudo, Rainier de Trith, Balduíno e Renardo de Strépy e muitos outros, maiores e menores.

O Torneio de Assche

No ano do Senhor de 1182, o conde Balduíno V de Hainaut se encontrava em um torneio em Assche, na região advalense, onde participavam, conforme o costume, os de Hainaut contra os de Flandres. Naquele torneio se encontrava o filho do duque de Louvain, o jovem Henrique, que ainda não era cavaleiro. Seus homens, seguindo um mau conselho, roubaram arneses, vestimentas, palafréns, rocins e outras coisas deste tipo do conde de Hainaut e os de sua equipe. Quando o conde se inteirou disso, queixou-se ao jovem duque Henrique, e lhe pediu que lhe devolvesse tudo o que fora levado. O filho do duque de Louvain e seu pai Godofredo restituíram ao conde Balduíno V a metade do que foi roubado, prometendo-lhe que devolveriam a outra metade em um prazo estipulado. Contudo, quando ainda não lhe haviam devolvido esta segunda parte, próximo do dia de São Martinho, Henrique ocupou pela força uma fortaleza chamada Wissenaken, que o conde de Hainaut tinha no Brabante, tomando de surpresa o que tinha na fortaleza e o próprio conde de Hainaut, e fortalecendo-a com homens e armas.

Ao inteirar-se disso, o conde Balduíno V pediu auxílio a todos os seus amigos e, deixando o exército, se dirigiu com poucos cavaleiros até Braine-le-Comte, onde ocupou a fortaleza de Tubize, que pertencia ao duque de Louvain, equipando-a com homens, armas e víveres. Congregou um grande exército e construiu novos fossos e máquinas de guerra em forma de torres. Ali se encontravam junto ao conde Hugo, conde de Saint-Pol, sobrinho do conde, Raul de Coucy, que também tinha por esposa a uma de suas irmãs, Inês, Manassés, conde de Rethel, seu primo, o bispo de Laon e seu irmão, Reinaldo de Rozoy, ambos primos do conde, Roberto de Pierrepont, seu consangüíneo, Raul de Thour, Godofredo de Balham, Guido de Séri e seus irmãos Reinaldo e Balduíno de Donchery, consangüíneos do conde, Raul, conde de Soissons e seu irmão João, senhor de Nesle, amigos seus e consangüíneos de seus filhos, além de muitos outros nobres de Flandres. Entre os de Hainaut se encontravam Jacob de Avesnes, Hugo de Oisy, Rasão de Gavre, Gerardo de Saint-Albert, Everardo Radou, Nicolau e Hugo de Rumigny, Nicolau de Barbençon, Eustáquio de Roeulx e seu filho Eustáquio, Otão de Trazegnies, Gautier de Wavrin, Balduíno e Mateo de Walcourt, Rainier de Trith, Guilherme, irmão do conde, Amando de Prouvy, Gerardo de Wattripont, Gautier de Fontaine e seu irmão, Egido de Chimay, Nicolau de Peruwelz e seu filho Balduíno, Gautier de Lens e seu filho Eustáquio, Gosuíno de Enghien, Gautier de Honnecourt, Bernardo de Saint-Valery, poderosíssimo castelão de Beaumetz, Hugo de Roeulx, Hauwel de Quievrain, Carlos de Fraisne, o Velho, Pol de Villiers, Balduíno de Strépy, Roger de Condé, Hugo de Croix, Balduíno, castelão de Mons, Henrique, castelão de Binche, Gisleno, castelão de Beaumont, João Cornudo, Balderico de Rouzy, Gerardo Makrellus de Denain, o Velho, Estêvão de Denain, Gerardo de Monchecourt, Guilherme de Haussy, Simão de Aulnoy, Fulco de Semeries, o Velho e muitos outros cavaleiros de sua terra e da de seu tio, o conde de Namur.

A vila de Lembecq

Então, o conde mandou fortificar a vila de Lembecq, no Brabante, situada no condado de Hainaut e aceita como garantia de um de seus fiéis, Gosuíno de Enghien, que a tinha em feudo por Gautier de Lens, o qual, por sua vez, devia ao conde de Hainaut o estágio no castelo de Mons. Dizia-se que Santa Gertrudes de Nivelles tinha poder sobre certos bens daquela cidade e que o duque Godofredo de Louvain e seu filho Henrique, que afirmavam serem protetores desta Santa, se opuseram à fortificação da vila e se colocaram em marcha com seu exército para impedi-la.

O conde de Hainaut reclamou o auxílio do conde Filipe de Flandres, tanto confederado quanto conjurado seu, e também porque havia lhe servido em todas as ocasiões sempre que solicitado. O conde Balduíno pretendia com isso que, caso o conde de Flandres não quisesse lhe oferecer auxílio, pelo menos se manteria neutro. Balduíno tinha forças mais que suficientes para fortalecer a cidade, mesmo que isso fosse contra a vontade do duque. No entanto, quando o conde de Flandres chegou com seu exército até o Natal, o convenceu com palavras lisonjeiras e com rogos para que firmasse um armistício e concedesse uma trégua ao duque de Louvain até a oitava da Epifania seguinte. Além disso, Filipe de Flandres prometeu ao conde que se interaria da autenticidade de seus direitos e então lhe ajudaria diligente e fielmente em tudo e lhe enviaria quantos homens a cavalo e a pé pudesse conseguir para apoiá-lo.

Durante a trégua, o conde fez um acordo em uma assembléia na cidade de Vinoiz com seus amigos, o conde de Rethel, o bispo de Laon e seu irmão Reinaldo, Raul de Coucy, Nicolau de Rumigny, Guido de Séry, Godofredo e Arnaldo de Balham, Roberto de Pierrepont e muitos outros. Todos continuaram mantendo o auxílio a suas terras e acudiram depois com quantos cavaleiros puderam. Também durante a trégua, o conde Balduíno dirigiu-se sem armas a um torneio que se celebrava entre Braisne e Soissons, e ali, com rogos e promessas, atraiu quantos cavaleiros pôde para acudirem em seu auxílio.

Passada a oitava da Epifania, reuniram-se em Mons muitos cavaleiros armados. Ali chegou o conde Filipe de Flandres ao encontro do conde Balduíno, que se encontrava com sua esposa, a condessa Margarida, irmã da de Flandres, e com seus filhos, que então ainda eram muito pequenos. Filipe prometeu auxílio e conselho a Balduíno em tudo o que pudesse, e no dia seguinte, partiram juntos até Lembecq, onde Balduíno V havia convocado seu exército. Nela se encontravam, além de seus amigos, muitos outros cavaleiros do Império e do reino da França, assim como os homens de Hainaut. Quando Filipe de Flandres viu as forças reunidas por Balduíno V, entre rogos e palavras lisonjeiras pediu-lhe que voltasse a conceder uma trégua até que o duque Godofredo regressasse de Jerusalém, de onde havia partido após fazer-se cruzado. O conde de Hainaut, que confiava plenamente em sua força e em seu direito, não estava disposto a conceder uma trégua. Contudo, Filipe de Flandres, colocando seu afeto pelo duque de Louvain e seu filho Henrique na frente de seu dever de auxílio para com o conde de Hainaut, disse abertamente que não pensava permitir de nenhum modo que se construísse ali a fortaleza, e que se o conde de Hainaut fosse omisso por seus rogos, ele ajudaria o duque de Louvain. Então, o conde Balduíno, que não queria perder as graças pelos serviços prestados ao de Flandres e esperava obter algum dia seu favor, aconselhado por seus homens e amigos, mesmo sendo-lhe custoso, concedeu a trégua até que o duque regressasse de Jerusalém.

Oh, Lembecq funesta! Por ela o Império e o reino da França se inimizaram gravemente, e após os exércitos terem chegado de forma imprevista, o condado de Hainaut ardeu ao largo e ao longo de suas terras. Oh, Lembecq funesta! Por ela as terras do duque de Louvain foram devastadas, submetidas a pilhagens e incêndios. Oh, Lembecq funesta! Por ela o conde de Namur perdeu seu castelo e seu domínio e apesar de o conde de Champagne, Henrique, ter reunido com grandes esforços um poderoso exército, tudo foi inútil. Oh, Lembecq funesta! Por ela foi destruída, repetidamente saqueada e incendiada a maior parte da terra de Jacob de Avesnes. Oh, Lembecq funesta! Por ela o mesmo conde de Flandres, Filipe, o poderosíssimo, um dia perdeu uma de suas cidades e sessenta e cinco castelos, tal como narrarei adiante.

Nesse mesmo outono de 1182, o conde Henrique de Namur e Luxemburgo caiu enfermo em Luxemburgo. Fazia anos que um de seus olhos não enxergava e nesta ocasião, pela vontade de Deus, extinguiu-se a luz do outro e ele ficou cego. Quando seu sobrinho, o conde Balduíno V de Hainaut se inteirou disso e foi visitá-lo, o conde de Namur fez com que fossem renovadas as garantias dos nobres de sua terra, dos familiares e dos burgueses de Luxemburgo. Entre os cavaleiros que he renderam homenagem e deram garantias ao conde se encontravam Wery de Walcourt, Arnulfo de Luxemburgo e seu filho João, Gautier de Wiltz e seus filhos Ricardo e Gautier, Wery de Luxemburgo, sua esposa Isabel e o filho de ambos, Arnulfo, Wecelo de Bertringen, protetor de Luxemburgo, e seu irmão Roberto, Conão de Ouren, seus filhos Arnulfo, Conão, Egido e seu irmão Arnulfo de Larochette, João de Burscheid, Herbrando de Falkenstein, os irmãos Raul, Anselmo, Henrique e Frederico de Kahler, Nicolau de Bettingen, Roger de Useldingen e seu filho Menis, Germano de Neumagen, Gautier de Meisenburg, Mateu de Reckingen, Teodorico de Reuland, Estepo e Henrique de Arloncourt, Bartolomeu de Esch e seus filhos Godofredo, Henrique e Guilherme, e muitos outros cavaleiros, além de soldados e burgueses.

A morte de Isabel, condessa de Flandres

Na Quaresma do ano do Senhor de 1182, na semana da penitência que procede a Páscoa, faleceu a nobilíssima condessa de Flandres e de Vermandois, Isabel, esposa do conde Filipe, amada sobremaneira por todos os homens de Flandres e Vermandois. O conde Filipe sentiu grande pesar por essa morte, pois temia perder Vermandois. Por isso avisou o conde de Hainaut para acudir a seu Conselho. O rei da França se preparou, apoiando a condessa de Beaumont, Aenora, irmã da falecida Isabel, a tomar possessão das terras de Vermandois e de Le Valois. Durante a Páscoa, o conde Balduíno V de Hainaut acudiu em auxílio ao Conselho do conde de Flandres em seu novo castelo de Beauquesne.

O conde Balduíno, que jamais havia faltado a seu dever de auxílio, se declarou disposto a dirigir-se até Saint-Quentin e a Chauny com o exército reunido em Flandres, mas os homens de Flandres se negaram. Então, o conde Balduíno enviou com urgência núncios a seu condado de Hainaut para que mandassem vir todos os seus homens a cavalo ou a pé. Estes acudiram prontamente em auxílio do conde de Flandres. O conde de Flandres, o de Hainaut, o rei da Inglaterra, Henrique, o Velho122, e seu filho, o rei Henrique, o Jovem123, se reuniram em um colóquio em Gerberoy. Ali se acordou a celebração de outro colóquio na Páscoa de 1183, entre a cidade real de Senlis e o castelo de Crepy, em um lugar chamado La Grange de Saint-Arnoul, entre o rei Filipe da França124 e o conde de Flandres, com a mediação do rei da Inglaterra e um representante enviado pela França. Com a esperança de uma futura paz, o conde de Flandres e o de Hainaut deram contra-ordem a seus respectivos exércitos.

Naquela reunião foram mediadores o rei da Inglaterra, Henrique, e seu filho Guilherme, arcebispo de Reims, os condes Teobaldo e Estêvão, o duque de Borgonha e o conde de Hainaut. Todos desejavam a paz entre o rei e o conde e por isso chegou-se a um acordo: o conde Filipe de Flandres reteria toda a terra de Vermandois e Le Valois em fiança por quatorze mil libras do dinheiro de Chalôns. Na realidade, o conde não queria redimir essa fiança mas prometia fazê-lo quando pudesse. Tratava-se de um simulacro: a renúncia à herança por parte do conde de Flandres deveria parecer menos dura.125 Naquele ano, o conde de Flandres, que havia retido Vermandois e Le Valois à sua vontade, entregou Le Valois à condessa de Beaumont, Aenora, convencido de sua generosidade e com a condição mutuamente aceita que ele o possuiria, como havia feito o conde Raul, em paz, enquanto vivesse.

Naquele tempo, o jovem rei Henrique da Inglaterra, cavaleiro de grande probidade, mantinha ao seu redor como companheiros de armas muitos cavaleiros de grande valor, vindos de todas as partes. E a todos quantos podia atrair, lhes dispensava bens com liberalidade. Como não possuía nenhuma terra, nem por herança materna nem paterna, alçou-se contra um de seus irmãos, reclamando sua terra. Tratava-se de Ricardo.126 Seu pai, o rei Henrique, duque da Normandia e conde de Anjou, lhe ofereceu auxílio. Mas quando o jovem rei Henrique tirou de seu irmão Ricardo muitos castelos e grandes vilas e ganhou muitos poderosos para a sua causa, pois seu irmão não era amado por muitos, caiu gravemente enfermo e faleceu no burgo de Martel.

Em agosto desse mesmo ano, a condessa Margarida de Hainaut empreendeu uma peregrinação a Saint-Gilles, partiu feliz de Mons e regressou sã e incólume no dia seguinte da festa de Santa Lúcia.

Nesse ano, Gautier de Fontaine, cavaleiro probo, formoso e sábio, conselheiro e amado companheiro de armas do conde de Hainaut, caiu enfermo em Mons. Tomou então o hábito da ordem da abadia de Alne e pouco tempo depois morreu monge.

Nesse mesmo ano, o conde Balduíno V de Hainaut, que queria conseguir o favor do imperador de Roma em relação às terras de seu tio, o conde de Namur e Luxemburgo, enviou dois legados à sua corte: o cavaleiro Gosuíno de Thulin, homem muito discreto e eloqüente, e Gautier de Steenkerque, cavaleiro muito probo. Enquanto isso, Jacob de Avesnes, que já se encontrava junto ao imperador, tentou conseguir o condado de Larouche para si e para seu irmão, Wery de Walcourt. O imperador recebeu os núncios do conde de Hainaut dignamente e ordenou que dissessem ao conde para vir pessoalmente.

Então o conde Balduíno V tomou para si homens probos e discretos: Rainier de Lacea, Eustáquio de Roeulx, o Velho, e seu filho Eustáquio, o Jovem, Otão de Trazegnies, Nicolau de Barbençon, Amando de Prouvy, Rainier de Trith, Hugo de Croix, Gosuíno de Thulin, Gautier de Steenkerque, João Cornudo e Nicolau, o Monge, e chegou com eles diante o imperador em Hagenau, na Alsácia, no domingo de Letare Jerusalem, após atravessar Namur – onde seu tio, o conde, lhe entregou cartas deprecatórias para o imperador – Durbuy, Larouche, Luxemburgo, Trevers, Tholey, Hornbach – onde caiu enfermo o mui nobre Rainier de Lacea, que formava parte do séquito, morrendo pouco tempo depois (o enterraram ali mesmo, na abadia dos monges) – Bitche e Caste. O imperador e seus filhos – Henrique, que era rei, mas ainda não era cavaleiro, e Frederico, duque da Suábia – receberam o conde Balduíno benignamente e lhe concederam seu favor em relação a todas as possessões do conde de Namur. E para que a petição fosse feita solene e oficial, fixaram um dia, o de Pentecostes, na cidade de Mogúncia, onde os filhos do imperador seriam ordenados cavaleiros.

Além disso, propuseram a ele que participasse do torneio que seria celebrado na oitava de Pentecostes seguinte, em Ingelheim, e lhe rogaram encarecidamente que estivesse presente. O conde aceitou diligentemente e prometeu que assistiria à corte em Mogúncia e ao torneio. Regressaram de Hagenau através da abadia de Seltz, Spira, Worms, Sponheim, Kirchberg (que era terra de seus consangüíneos, os filhos do conde Raul, Henrique, Simão e Luís, cavaleiros, e Alberto, Godofredo e Frederico, clérigos), Trevers e Luxemburgo. Simon de Sponheim, cavaleiro de grande probidade e consangüíneo do conde Balduíno, foi quem lhes deu escolta no caminho de ida desde Trevers até a corte de Hagenau e no de volta dali até Trevers.

Durante esse ano do Senhor de 1183, como o conde Balduíno V de Hainaut auxiliava o conde de Flandres contra o rei da França na guerra pelo auxílio que se encontrava comprometido, sua filha, a rainha Isabel da França, foi criticada injustamente pelos francos. Confabularam contra ela um plano maligno. Em Senlis teve lugar uma assembléia de homens malvados que se propunham conseguir o divórcio entre ela e o rei, sem que a rainha, seu pai, o conde de Hainaut, e o conde de Flandres soubessem. A favor desse divórcio trabalhavam alguns dos homens mais poderosos da França: o arcebispo Guilherme de Reims, o conde Teobaldo e o conde Estêvão, tios do rei da França, o duque Henrique da Borgonha, o conde Raul de Clermont e todos os principais conselheiros.

No dia que se quis levar a cabo o divórcio, a rainha Isabel se despojou de seus preciosos vestidos, vestiu-se humildemente e começou a percorrer descalça todas as igrejas da cidade, exortando nelas ao Deus Altíssimo para que a livrasse dos maus conselheiros do rei que confabulavam contra ela. Então os leprosos e todos os pobres da cidade, vendo os maus tratos que a rainha recebia, confluíram para o palácio real e começaram a orar a Deus, podendo ouvir-lhes o rei e os seus, para que confundisse os inimigos da rainha e a livrasse de suas más artes. O Senhor Onipotente, voltando-Se para seus humildes escravos, inspirou alguns homens para que saíssem em ajuda da rainha. E assim, Roberto, conde de Braisne, tio paterno do rei da França e seus filhos, Roberto, conde de Dreux, Filipe, bispo de Beauvais e Henrique, bispo de Orléans, intervieram no Conselho a favor da rainha de forma que o rei voltou atrás em seus maus propósitos e não se divorciou. Contudo, manteve-se distante da rainha em seu tálamo e em sua dívida conjugal.

Entretanto, voltaram a acontecer conflitos entre o conde de Flandres e o rei da França. Por causa disso, no fim da Páscoa de 1184 celebrou-se um novo colóquio próximo da cidade de Rouen, em uma casa no meio do bosque que pertencia aos irmãos da Ordem de Grandmont, e assistiram a ele o rei da Inglaterra, Henrique, o Velho, e o conde de Flandres. Junto a este último se encontrava também o conde de Hainaut. O rei da Inglaterra reclamava do rei da França que o conde de Flandres colocara em mãos da Ordem de São João de Jerusalém, enquanto vivesse, os castelos de Thourotte e Choisy, e que a terra restante de Vermandois fosse confiada em vida pelos príncipes da França a este conde. Este acordo aconteceu devido ao prazer do conde, mas Jacob de Avesnes, que era então seu principal conselheiro, se opunha, dizendo que se o conde Filipe cedesse um só palmo de Vermandois ao rei da França, ele não lhe seria fiel por mais tempo nem permaneceria ligado à sua homenagem. E assim, sem firmar paz alguma, o conde de Flandres regressou à suas terras e as relações permaneceram tensas.

O conde Balduíno V de Hainaut, trabalhando continuamente para conseguir a paz, dirigiu-se ao castelo de Bethisy, onde também acudiu o rei, mas não chegaram a nenhum acordo de paz nem à concessão de nenhuma trégua. Dali foi a Pontoise visitar sua filha, a rainha da França, pois fazia muito tempo que não a via. Isabel, ilustre rainha da França, mulher santíssima, desfazendo-se em lágrimas, rogou então a seu pai e aos companheiros de armas que o rodeavam que se compadecessem dela e ajudassem seu senhor, o rei, que por muito tempo ofendia a causa do conde de Flandres, para que deste modo ela pudesse ser mais querida por seu senhor, o rei, e por todos os francos. O conde, seu pai, lhe respondeu que faria por ela e pelo rei da França o que estivesse a seu alcance, sempre e quando a fidelidade devida estivesse a salvo. Contudo, alguns invejosos e malvados disseram ao conde de Flandres que o de Hainaut havia firmado uma confederação com o rei da França e lhe havia prometido auxílio contra o de Flandres. Por culpa desses, o conde Filipe suspeitou e desconfiou do conde de Hainaut, sem ele o saber.

A reunião imperial na corte de Mogúncia

Aproximando-se o tempo de Pentecostes, o conde de Hainaut se dispôs partir à corte de Mogúncia para fazer a petição de sua herança perante o imperador. Como o conde de Flandres tinha que enviar núncios àquela corte, o conde Balduíno lhe rogou, ignorando as suspeitas do de Flandres, que através daqueles ele intercedesse por ele junto ao imperador e seu consangüíneo, o rei Henrique. O conde Filipe concedeu isso e prometeu proceder desse modo. Contudo, se pudesse, por meio de seus núncios, Gerardo, clérigo de Messines, secretário do conde e Raul, cavaleiro de Hazebrouck, ele teria causado grande dano ao conde de Hainaut, apesar de haver prometido ajuda.

O conde de Hainaut chegou à corte na véspera de Pentecostes, depois de atravessar Namur, Liège, Aix-la-Chapelle e Conflent, com um grupo de homens probos e discretos, entre os quais se encontravam Eustáquio de Roeulx, o Jovem, Otão de Trazegnies, Gautier de Wavrin, Nicolau de Barbençon, Rainier de Trith, Hugo de Croix, Amando de Prouvy, Pol de Villiers, Godofredo de Esch, que é de um castelo que se encontra em Ardenas, Nicolau, o Monge, Gautier de Steenkerque e Henrique, irmão do conde de Hainaut e cavaleiro novo, todos eles ornados com vestidos de seda.

O séquito do conde de Hainaut era grande e honesto, levava muitas baixelas de prata e todas as outras coisas necessárias, e formavam parte do mesmo muitos serventes honestamente ornados. O conde de Hainaut se encontrava rodeado também por muitos nobres das terras de Luxemburgo. O imperador ordenou que fixassem sua tenda e as de todos que chegavam ao prado de Mogúncia, do outro lado do Reno. Ali ordenou que construíssem as casas que faltavam. E assim o conde de Hainaut se instalou entre muitas e belas tendas.

Naquela corte acudiram príncipes, arcebispos, bispos, abades, duques, marqueses, condes e condes palatinos, muitos homens nobres e ministeriais de todo o império desta parte dos Alpes. Calcula-se que se reuniram ali, em uma estimativa exata, uns setenta mil cavaleiros, além dos clérigos e homens de outra condição.

No dia de Pentecostes, o imperador Frederico e sua esposa, a imperatriz127, portavam as coroas imperiais como a solenidade exigia. Junto deles estava seu filho, o rei Henrique128, portando a coroa real. Diversos príncipes poderosíssimos reclamavam o direito de portar a espada real na coroação, entre eles o duque da Boêmia, que havia chegado à corte com dois mil cavaleiros; o duque da Áustria, Leopoldo, cavaleiro probo e generoso, acompanhado de quinhentos cavaleiros; o novo duque da Saxônia, com setecentos cavaleiros; o conde palatino do Reno, Conrado, irmão do imperador, que se encontrava rodeado de mais de mil cavaleiros e o landgrave da Turíngia129, homem valente e sobrinho do imperador, acompanhado de mil ou mais de mil cavaleiros. Contudo, o imperador confiou o transporte da espada ao conde Balduíno V de Hainaut. Ninguém contradisse essa decisão, pois viram que ele era cavaleiro de grande renome, que se encontrava pela primeira vez na corte e tinha muitos consangüíneos entre os príncipes mais poderosos e entre os nobres.

Na segunda feira de Pentecostes, o rei de Roma, Henrique, e o duque da Suábia, Frederico, ambos filhos do imperador de Roma Frederico, foram ordenados cavaleiros. Em sua honra recolheram cavalos, vestimentas preciosas e quantidades de ouro e prata dadas por eles mesmos, pelos príncipes e os outros nobres, para pagar resgates de cativos, para os cruzados, jograis e jogralesas. Os príncipes e os demais nobres dispensaram generosamente, não só por seus senhores, em honra do imperador e seus filhos, como também para engrandecer sua própria fama e renome.

Na segunda e terça-feira, após a comida, celebrou-se a cavalgada dos filhos do imperador, na qual se calcula que tomaram parte mais de vinte mil cavaleiros. A cavalgada se fez sem armas; os cavaleiros deleitaram-se portando escudos, lanças e bandeiras, e lançando os cavalos em uma correria sem choque. Aquela cavalgada foi feita para o imperador Frederico, ainda que não fosse fisicamente maior nem mais apropriado que os demais, que seu escudo fosse portado por algum outro, e o conde de Hainaut, que foi seu servidor naquela cavalgada, ter levado sua lança.

Ao entardecer da terça feira, um vendaval arrasou a capela do imperador e algumas das casas construídas no prado junto ao Reno. Morreram alguns homens, romperam-se muitas tendas e o pânico disseminou-se.

Naquela corte reuniram-se, como se disse, uns mil cavaleiros. Cada um dos grandes príncipes havia acudido, rodeado de muitos deles: o duque da Boêmia com dois mil, o da Áustria com quinhentos, o da Saxônia com setecentos, o conde palatinado do Reno com mil ou mais, o landgrave da Turíngia com mil, o arcebispo de Colônia, Filipe, consangüíneo do conde de Hainaut com mil e setecentos, o arcebispo de Magdeburgo com seiscentos e o abade de Fulda com quinhentos. Isso sem nomear muitos outros príncipes, como o arcebispo de Trevers, o de Bremen, o de Besançon e o de Ratisbona; o bispo de Cambrai, o bispo Raul de Laon, o de Metz, o de Toul, o de Verdun, o de Utrecht, consangüíneo do conde de Hainaut, o de Worms, o de Spira, o de Estrasburgo, o de Basiléia, o de Constança, o de Coire, o de Wurzbourg, o de Bamberg, o de Münster e o de Hindelsheim; o abade de Kamberg, o de Lorsch e o de Prüm; os príncipes Otão, duque da Baviera e seu irmão Teodorico, conde palatino da Baviera, o ancião Welf, duque da Baviera e tio do imperador, o landgrave da Baviera, o duque Bertoldo de Zähringen, primo do conde de Hainaut, o marquês de Meissen, o marquês de Estíria, o duque de Nancy, o conde Gerardo de Vienne-sur-le-Rhône, tio da imperatriz, o conde palatino de Tubingen e muitos outros arcebispos, bispos, abades, duques, marqueses, condes e condes palatinos, landgraves e muitos outros nobres e ministeriais, pois todos os da Baviera, Saxônia, Suábia, Francônia, Áustria, Boêmia, Borgonha e Lotaríngia haviam sido convidados para assistir.

Contudo, de comum acordo, os príncipes anularam o torneio que seria celebrado em Engelheim junto ao Reno, a duas milhas de Mogúncia.

Na corte, o conde de Hainaut tratou de todos os assuntos com o imperador. Primeiro queria chegar a um acordo com seu primo Bertoldo, duque de Zähringen, que reclamava toda a herança de seu tio, o conde de Namur, sem nenhum direito. Por parte de sua mãe, correspondiam a este duque como alódios somente os castelos. Contudo, para que reinasse a paz, o conde Balduíno V queria oferecer ao duque mil e seiscentos marcos de prata pura do peso de Colônia, a serem pagas em oito meses. Quando o imperador se inteirou disso, aconselhou o conde que não o fizesse, pois era mais provável que o duque, seu primo, morreria antes que seu tio, o conde de Namur, já que se encontrava gravemente enfermo, e Balduíno, portanto, não levou o acordo a cabo. Nesse mesmo ano morreu o duque de Zähringen e o conde de Hainaut, graças ao conselho do imperador, ganhou a prata que pensava dar ao duque.

O imperador de Roma concedeu ao conde Balduíno V de Hainaut todo o seu favor em relação aos bens do conde de Namur e lhe confirmou a doação de alódios e feudos em um privilégio redatado de acordo com o seu Conselho e disposto pelo notário do conde, Gislebert. Entre os que se encontravam nesse Conselho junto aos príncipes figuravam: o chanceler do palácio imperial, Godofredo, homem muito discreto e enérgico e que mais tarde foi bispo de Wurzbourg; o protonotário do palácio imperial, Raul, logo bispo de Verden, na Saxônia; Werner de Boladen, ministerial do Império, homem muito sábio e muito rico e que tinha muitos castelos próprios, muitas vilas e a homenagem de mil e cem cavaleiros (enquanto viveu este Werner sempre promoveu os assuntos do conde de Hainaut e teve um filho muito probo, Filipe, que morreu do outro lado dos Alpes a serviço de seu senhor, Henrique, rei de Roma); Cono de Minzenberg, também ministerial do império, rico e sábio, possuidor de castelos e outros bens em propriedade e da homenagem de muitos cavaleiros, e finalmente o conde Henrique de Dietz, homem muito sábio e devoto amigo do conde de Hainaut. E assim, naquela corte, confirmaram os bens do conde de Namur ao conde Balduíno V de Hainaut, seu sobrinho, tanto os do próprio condado de Namur quanto os de Luxemburgo e Larouche.

Na mesma corte encontravam-se os núncios do conde de Flandres que vieram rogar o auxílio do filho do imperador, o rei Henrique, assim como o do arcebispo de Colônia e de muitos outros, contra o rei da França. A ajuda lhes foi concedida por todos eles, e começaram com urgência os preparativos para a guerra que finalmente seria levada a cabo, para o mal do conde de Hainaut e em detrimento de sua terra.

O conde Balduíno V, após as negociações sobre seus assuntos, e tendo realizados todos os seus desejos e sido muito honrado na corte por todos os outros príncipes, pediu licença ao imperador para partir. Na sexta feira de Pentecostes, ele deixou a corte e regressou através de Bingen, Trevers e Luxemburgo.

O encontro do rei da França com o conde de Flandres

Enquanto isso, o rei da França se reuniu com o conde de Flandres, entre Compiègne e Choisy, e firmaram uma trégua, e para que fosse mantida com maior seguridade ambas as partes nomearam fiadores: o conde de Flandres pôs o conde Estêvão, tio e homem lígio do rei, que há muito tempo o ajudava contra o próprio rei. De sua parte, o rei da França, astutamente, escolheu o conde de Hainaut, sem tê-lo consultado, para semear a discórdia entre este e o conde de Flandres, e assim ter o conde de Hainaut do seu lado.

Quando o conde Filipe ouviu isso, enfureceu-se com o conde de Hainaut, mas aceitou que ele fosse o fiador do rei da França na trégua, ainda que tenha sido assegurado antes de seu consentimento, pois caso não o fizesse teria que prosseguir a guerra contra o poderoso rei até que o conde o confirmasse pessoalmente ou através de núncios fiéis.

No domingo após a oitava de Pentecostes, quando o conde Balduíno alcançou Amberloup, nas Ardenas, chegaram-lhe rumores do sucedido. Em sua ausência, o conde de Hainaut havia advertido que quando regressasse, todo o exército de sua terra deveria estar pronto para partir em auxílio do conde de Flandres, conforme o costume. Mas, estupefato com o que lhe relataram em seu regresso, enviou núncios ao conde de Flandres para que lhe pedissem que viesse falar com ele em suas terras, ou que combinassem um encontro na fronteira, ou ainda, se preferisse, que se encontrassem em algum lugar em Flandres ou Vermandois. O conde Filipe, que guardava um grande rancor com o de Hainaut, negou-se categoricamente, com escusas diferentes.

Durante essa época, o conde de Flandres, que não tinha esposa e estava desejoso de uma, começou a buscá-la incessantemente. Enviou seus legados – cavaleiros e abades – à Espanha. Estes partiram para terras distantes em busca de uma esposa para o conde e regressaram com Matilde, irmã do rei de Portugal130, que chegou com muito ouro e preciosos panos de seda. O conde Filipe a desposou com grande gozo e nas núpcias a dotou com muitos bens: Saint-Omer e Aire, que após sua morte deveriam ser cedidas em parte à rainha Isabel da França; Douai, L’Écluse, Orchies, Lille, Nieppes, Cassel, Fournes, Dixmude, Bergues e Bourbourg, que deveriam passar para a condessa de Hainaut e a seus filhos. Por fim, aceso pela ira contra o conde de Hainaut, acrescentou também ao dote o resto dos bens que após sua morte deveriam passar para a condessa de Hainaut e a seus filhos: Bruges, Gand, o País de Waes, Alost, Grammont, Ypres, Courtray e Audenarde.

O encontro e a guerra entre Balduíno de Hainaut e Filipe de Flandres

Naquela época regressou de Jerusalém o duque Godofredo de Louvain, pai do jovem duque Henrique. A “trégua de Lembecq” deveria ser finalizada, portanto, na festa de São Pedro. No início do mês de agosto, o conde Balduíno V convocou o auxílio de todos os seus amigos e reuniu a soldo quantos cavaleiros pôde. Propôs-se então, após celebrar um Conselho, requerer também o auxílio do conde de Flandres, pois o de Hainaut lhe havia servido sempre com muitos homens e grandes gastos.

Balduíno V tomou para si um grupo de homens probos e discretos e se dirigiu ao encontro do conde Filipe em um domingo, três dias antes da festa de São Pedro. Entre os homens que o acompanhavam figuravam Eustáquio de Roeulx, o Velho, seu filho Eustáquio, Nicolau de Barbençon, Otão de Trazegnies, Gautier de Wafrin, Amando de Prouvy, Rainier de Trith, Hugo de Croix, Balduíno, castelão de Mons, Gosuíno de Thulin, João Cornudo, Balduíno de Wattrincourt, Guilherme de Haussy e muitos outros. Ao vê-los, o conde de Flandres se mostrou confuso. Sentaram-se e permaneceram um longo tempo em silêncio por causa da perturbação do conde até que o de Hainaut tomou a palavra e advertiu o de Flandres que, tanto como confederado quanto conjurado, ele deveria ajudar-lhe a conservar sua honra e herdade contra o duque de Louvain. O conde Filipe de Flandres afirmou que lamentava as circunstâncias e rogou que desse uma trégua ao duque de Louvain e o ajudasse contra seu inimigo mortal, o rei da França.

O conde Balduíno respondeu que não estava disposto a outorgar nenhuma trégua, mas que se ele queria levar imediatamente a cabo a guerra contra o rei da França, se declarava disposto a ajudá-lo com todas as suas forças, mas se não quisesse levar a cabo imediatamente, então ele exigia ter seu auxílio imediato contra o duque de Louvain. E assim, requerendo o conde o auxílio do de Flandres contra o duque de Louvain, pedindo-lhe este uma trégua para poder levar a cabo a guerra contra o rei da França, e o de Hainaut querendo prestar-lhe auxílio imediato, não obstante, no final o conde Balduíno de Hainaut se retirou da assembléia sem o auxílio desejado.

No dia seguinte, véspera de São Pedro, eles voltaram a reunir-se em Warde de São Remígio. Ali o conde de Flandres pediu ao de Hainaut que lhe dissesse se queria permanecer como fiador do rei da França na trégua firmada. O conde de Hainaut respondeu que, apesar de ter sido ligado ao rei da França e sem o saber, coisa feita só pela vontade daquele rei, ele estava disposto a ajudar o conde de Flandres imediatamente contra o rei e que não queria dizer isso mais vezes. Sem os condes e seus homens conseguirem chegar a um acordo, o de Hainaut foi a Tubingen no dia de São Pedro, onde seu exército encontrava-se preparado.

Acudiram em seu auxílio o bispo de Laon, Roger, primo do conde e seu irmão Rainier, com oitenta cavaleiros, o conde de Rethel, Manassés, com cento e quarenta cavaleiros, Guido de Sery e seu irmão Reginaldo de Donchery, Raul de La Thour, Godofredo de Balham, consangüíneo do conde, Roberto de Pierrepont, consangüíneo do conde, os irmãos Godofredo e Ludemar de Vienne, cavaleiros de grande probidade, e Raul de Coucy, com cinqüenta cavaleiros.

No dia seguinte, chegou Jacob de Avesnes com alguns cavaleiros em auxílio de seu senhor lígio, mas sugeriu ao conde de Hainaut que concedesse uma trégua, já que os de Louvain iriam ao auxílio do conde de Flandres, e se fosse necessário, também todo o exército de Flandres. O conde Balduíno mal podia acreditar, mas aconselhado por seus homens, permitiu a Jacob que celebrasse reuniões com os duques de Louvain para tentar conseguir forças maiores que pudessem preservar seus direitos frente aos duques de Louvain e ao conde de Flandres, seu novo aliado.

Enquanto Jacob ia ao encontro do duque para falar dessas coisas e o conde de Hainaut aguardava seu regresso, o duque de Louvain, que se encontrava com seu exército em Hal, incendiou Lembecq, coisa que o conde de Hainaut não havia previsto. Em auxílio do duque de Louvain, da parte do conde de Flandres, encontrava-se Hellin de Wavrin, senescal de Flandres, com trezentos cavaleiros e muitos soldados a cavalo e a pé. Quando os cavaleiros e soldados a cavalo de Hainaut viram o incêndio atacaram rapidamente os de Brabante e entraram apressadamente na fortaleza, sem ordem de batalha, o primeiro que chegava era o primeiro que feria. Quando o conde Balduíno alcançou a ponte de Tubingen, sobre as águas do Sena, deixou passar somente alguns poucos para tentar evitar, enquanto pudesse, enfrentar os de Flandres, pois conservava ainda a esperança de obter o reconhecimento de amizade daquele que sempre serviu no que pôde, apesar de todos, os da França, os de Hainaut e os de Ardenas quisessem atravessar a ponte correndo.

Naquela disputa violenta, os poucos homens do bando do conde de Hainaut causaram grandes danos aos muitos do exército do duque, matando-os, fazendo prisioneiros e matando cavalos. Daquele conflito, que em língua vulgar se chama pognis131, nunca se viu ou ouvir falar em um igual a essas horas do dia; da parte do conde os mortos foram uns oitenta e os do duque trezentos e quarenta. Além disso, alguns companheiros de armas e homens do conde de Flandres foram feitos prisioneiros. No dia seguinte, graças à mediação de Jacob, a quem o conde de Hainaut imputava o incêndio de Lembecq por ter demorado tanto a chegar, firmou-se uma trégua de dois anos. No entanto, o duque nunca o respeitou. O conde Balduíno V licenciou a todos, comportando-se com grande generosidade e liberalidade com os cavaleiros que haviam atuado como fiadores; restituiu seus bens, remunerou honrosamente os mercenários e deu encarecidamente as graças a seus amigos pelo auxílio recebido.

Logo o conde de Hainaut se dirigiu a Paris, com poucos homens, ao encontro do rei da França. Ali firmou confederação com este rei contra o conde de Flandres. Como o rei também se encontrava nesse momento com poucos homens, fixaram um dia para reunirem-se em Soissons. Nesse dia o rei teria consigo muitos dos príncipes e nobres da França, e o conde de Hainaut teria convencido os homens mais probos e valentes de sua terra a confirmarem a confederação. Na data assinalada, o conde Balduíno V chegou a Soissons com cento e quarenta cavaleiros dentre os mais nobres e poderosos de sua terra, e ali, na abadia de São Medardo, aceitou a fé e o juramento do rei da França para conservar a confederação. Do mesmo modo, o rei recebeu dos homens de Hainaut igual fé e juramento. O conde de Flandres se enfureceu com isso e reuniu o maior exército que pôde contra o conde de Hainaut, convencido que algum dia o rei da França, seduzido por algum conselho pérfido, não contribuiria com seu auxílio ao conde quando este estivesse esperando.

O conde de Flandres tinha o auxílio de Jacob de Avesnes, homem duplamente lígio do conde de Hainaut, que devia estágio contínuo em Mons pela terra de Avesnes e em Valenciennes pela de Brabante. Que incrível traição a de Jacob! O conde de Hainaut, que por volta do outono já temia sua perfídia, antes que a guerra iniciasse, astutamente mas em seu direito, o advertiu que deveria custodiar o castelo de Mons e exercer continuamente ali o serviço de estágio e lhe assinalou um dia para acudi-lo. Jacob chegou a Mons no dia assinalado, foi aconselhado pelo conde e reconheceu seus deveres de estágio nos castelos de Mons e Valenciennes diante todos os seus pares de Mons, isto é, diante Eustáquio de Roeulx, Nicolau de Barbençon, Gautier de Lens, Otão de Trazegnies, Rasão de Gavre, Ida de Jauche, Egido de Chimay, Guilherme de Quevy e Gerardo de La Hamaide, e também diante de seus pares em Valenciennes, isto é, diante Amando de Prouvy, Rainier de Trith, Nicolau de Caudry, Carlos de Fresne, filho de Luís, Oliveros de Préseau e Ida de Jauche, par também de Valenciennes.

E depois de reconhecer os serviços que devia ao conde, rogou-lhe que lhe adiasse o exercício do estágio, prometendo-lhe que em qualquer momento que se encontrasse em guerra contra o conde de Flandres entregaria em auxílio os castelos que tinha por ele e lhe serviria pessoalmente junto com todos os homens dos feudos do conde de Hainaut, e também lhe daria os castelos que tinha pelo conde de Flandres, Guise e os adjacentes. O conde de Hainaut, aconselhado por seus homens, concordou, e Jacob prestou-lhe juramento na capela de Mons, deu um beijo de paz e amor ao conde, à condessa e a seus filhos Balduíno, Filipe e Henrique, e partiu com o seu beneplácito. Mas o juramento e o beijo não tardaram a ser quebrados.

Antes de se passarem quarenta dias desse juramento, o conde de Flandres levantou-se em armas contra o conde de Hainaut e Jacob colocou nas mãos do de Flandres os castelos que tinha pelo conde de Hainaut, Avesnes, Landrecies e Leuze, e depois não se horrorizou de entrar em armas em sua própria terra no mesmo dia que o havia desafiado.

O conde Filipe contava com o auxílio do arcebispo Filipe de Colônia, consangüíneo do conde de Hainaut, filho de Gosuíno de Fauquemont, e com o do duque de Louvain, Godofredo, e seu filho Henrique. Primeiramente, abasteceu os castelos para fazer frente ao rei da França, provendo-os com cavaleiros e outros homens. Logo pôs também cavaleiros e soldados a cavalo e a pé para fazer frente ao conde de Hainaut nos castelos de Grammont, Leuze, Douai, Castro, Le Cateau, Landrecies e Avesnes, e finalmente, chegando à região de Cambrai com cerca de quinhentos cavaleiros, uns mil homens a cavalo providos de lorigas e cerca de quarenta homens a pé bem armados, invadiu as terras do conde de Hainaut. No mesmo dia que desejava entrar nessa terra, ele enviou um desafio ao conde Balduíno através de um de seus cavaleiros, Lambekino de Reninghe; e Jacob de Avesnes, que desafiava seu consangüíneo e duplamente senhor lígio, enviou seu desafio através de um de seus fiéis, João de Orcha, em Hasmonquesnoit.

O conde de Flandres pernoitou em Viesly. Otão de Trazegnies o atacou à meia-noite, entrou em algumas casas, matou alguns de seus homens e fez outros de prisioneiros. No princípio, o conde de Flandres tomou algumas fortalezas menores – Solesmes, Saint-Python, Haussy – que o conde de Hainaut, por mau conselho, havia fortificado com muralhas pequenas e baixas e as havia provisto com cavaleiros que, apesar de se defendessem virilmente entre estas pobres defesas, foram, no final, feitos prisioneiros pelas forças do conde de Flandres, cerca de quarenta e cinco. O conde de Flandres não quis conservar nenhuma daquelas fortalezas, tão débeis, e incendiou completamente toda a região até Hasmonquesnoit. O conde de Hainaut havia feito arder a vila de Hasmonquesnoit para que não servisse de ponto de apoio para o exército de Flandres, e a partir dali sitiaram o castelo. Além disso, guarneceu o castelo com muitos cavaleiros e soldados a cavalo e muitíssimos a pé.

O arcebispo de Colônia, Filipe, príncipe prepotente, chegou em auxílio do conde de Flandres com mil e trezentos cavaleiros e muitos soldados a cavalo; o duque de Louvain, Godofredo, e seu filho, o jovem duque Henrique, romperam a trégua que haviam firmado com o conde de Hainaut sem haver renunciado a ela e acudiram também em auxílio do conde de Flandres com quatrocentos cavaleiros e sessenta mil homens a cavalo e a pé, atravessaram pelo bosque de Charbonnière e incendiaram a vila de Roeulx, cruzaram por Binche e passaram a noite em Estinnies. Ali, como faltavam víveres, apesar de ser sexta-feira, comeram ovelhas até fartarem-se. Dali devastaram a terra até chegarem a Belmoncel, a uma milha de Mons.

O conde de Flandres permaneceu dois dias em Hasmonquesnoit acampado em um bosque que chamam de Petit-Gay, repleto de gamos e vacas, e logo se dirigiu ao encontro do exército do arcebispo de Colônia e do duque de Louvain, atravessando Bavay e Maubeuge, e se instalando em Quevy. Não é de se estranhar que o conde de Hainaut não tenha saído a seu encontro, pois concentrava todas as suas forças para conservar os castelos. Por isso, fortaleceu Valenciennes durante esta guerra com um fosso e a guarneceu com muitos cavaleiros além dos mesmos homens da cidade; reforçou o castelo de Bouchain com cavaleiros e soldados a cavalo e a pé; em Raismes colocou soldados a cavalo e a pé, e também reforçou, como se disse, Hasmonquesnoit.

Além disso, o conde Balduíno V de Hainaut ofereceu cavaleiros, homens a cavalo e a pé e dinheiro a Balduíno de Walincourt para que fortificasse seus castelos em Walincourt e de Perwsmont, e a Egido de Busigny para fortificar Busigny; reforçou também Saint-Aubert durante uns dias; enviou cavaleiros e soldados a cavalo e a pé para Monceau, para Beaufort e para Solre; abasteceu Binche com cerca de dois mil homens entre cavaleiros e soldados procedentes de Hasbanio, além de trezentos mercenários.

Eustáquio de Roeulx, o Velho, e seu filho Eustáquio, que puderam contribuir com um grande auxílio ao conde de Hainaut, se encontravam em dificuldades custodiando o castelo de Morlanwelz. De qualquer modo, quando o arcebispo e seus homens passaram por ali junto com o duque e os seus, lograram fazer prisioneiros alguns e mataram outros. Braine-le-Comte, Ecaussines, Ath, Blaton e Tubize – esta última arrebatada ao duque de Louvain em troca de Hoesnaken – foram guarnecidos de cavaleiros e soldados. Mons, onde se encontrava a condessa Margarida, que jazia na cama por causa de um parto, se encontrava rodeada por uma muralha excessivamente pequena e baixa, e por isso foi reforçada com cento e quarenta cavaleiros e balisteiros necessários para defendê-la. Para todos os soldados a cavalo e a pé que o conde havia encomendado para a defesa dos castelos contra a agressão inimiga, ele procurou tudo o que necessitavam abundantemente, sob seu próprio gasto, e para seus homens, tanto os principais quanto os demais, ele os animava com um rosto alegre, dizendo: “– Reconfortem-se e sejam fortes, pois nossos inimigos irão embora algum dia e deixarão nossas terras, pois não podem levá-la consigo.”

Nesta guerra, o conde Balduíno V utilizou cerca de trezentos cavaleiros mercenários e também uns três mil soldados mercenários, a cavalo e a pé. Encontravam-se ali trezentos cavaleiros que lhe ofereceram auxílio e estavam à expensas do conde, apesar de não estarem a soldo. Entre eles alguns vinham da França, outros da Lotaríngia.

Naquela época, o conde recebeu Balduíno Caron como companheiro de armas, um grande cavaleiro, formoso, forte e probíssimo, filho de Roger de Rumes. Este Balduíno havia abandonado o conde de Flandres por causa de uma discórdia e então o conde de Hainaut lhe entregou seiscentas libras em feudo lígio sobre Querenaing, vila próxima de Valenciennes. Entre os demais companheiros de armas que rodeavam Balduíno V se encontrava Hugo de Antoing, cavaleiro então bastante pobre, irmão de Gosuíno e Guilherme de Antoing, ao qual o conde entregou livremente a vila de Attre, no Brabante, que seus antepassados haviam recebido em fiança por quatrocentas libras. Também se encontrava Balduíno de Neuville e seu irmão Eustáquio, aos quais enfeudou trezentas libras pelo que lhes consignou trinta no winage de Meubeuge.132 Outro companheiro de armas foi Roberto de Beaurain, cavaleiro muito probo e de renome que enfeudou as terras da vila de Forest por vinte libras. Gautier de Wavrin, cavaleiro discreto e probo em armas, recebeu em feudo lígio a fiança de setecentas libras na vila de Bellaing, próxima de Valenciennes. E a vários cavaleiros do reino da França, probos e de renome – Roberto de Conde, Gerardo de Geri e Guilherme de Pierrepont – deu-lhes feudos anuais, vinte libras a Roberto, vinte a Gerardo e vinte marcos a Guilherme.

Deve-se saber de qual forma o conde Filipe de Flandres, o arcebispo de Colônia e o duque de Louvain partiram de Hainaut e o que fez o conde Balduíno V após sua marcha. Quando o conde de Flandres, o duque e o arcebispo se encontravam com seu exército em Belmoncel, o conde de Hainaut parlamentou com o arcebispo através de mediadores, e o arcebispo insistia com o conde para que firmasse a paz, mas o conde, que sabia que faltavam víveres para seus inimigos, não respondia nada de concreto para ter tempo e conseguir a vitória, quando se viram surpreendidos pela fome. Assim, fingindo estar meditando aceitar estes conselhos, conseguiu reter o arcebispo durante três dias somente com palavras. No final, o arcebispo e os demais se deram conta da astúcia do conde e foram embora dali. Passando entre Mons e Binche, chegaram ao bosque de Carnières, onde demoraram dois dias abrindo passo através do bosque.

No terceiro dia, o arcebispo de Colônia e o duque de Louvain chegaram de regresso a suas terras. O conde de Flandres, que atravessou o bosque com eles, regressou a seu condado através das terras do duque de Louvain; mais adiante, voltou a Ostrevant para atacar o conde de Hainaut. Durante esse tempo, Jacob atacou com força algumas fortalezas do conde Balduíno V, especialmente aquelas que mais odiava: Beaufort e Moncel. Os poucos que se encontravam nelas resistiram virilmente. Não logrando nada ali, Jacob partiu confuso. O conde de Flandres atacou durante dois dias o castelo de Villiers, em Warde-Saint-Remi, com cavaleiros, soldados a cavalo e a pé, balisteiros e manganeles133, mas os que guarneciam o castelo se defenderam viril e animadamente, e o conde teve que partir confuso e com muitos feridos. Rasão de Gavre, homem lígio do conde de Hainaut mas que também se encontrava ligado por homenagem ao conde de Flandres e o temia muito, colocou-se do lado deste e atacou gravemente a Balduíno V em Geraumont, incendiando grande parte daquelas terras e tomando a fortaleza de Ghislengien, pobre e pequena, quando então obrigou os soldados que foram feitos prisioneiros a unirem-se às suas forças.

Após a partida do duque de Louvain e do arcebispo de Colônia, o conde de Hainaut devastou a terra de Jacob no Brabante, saqueando-a e incendiando-a. Arderam setenta e duas vilas, algumas das quais pertenciam a Jacob em propriedade e outras em feudo. Ele encontrou Condé quase completamente queimada e iniciou a reconstrução da fortaleza com a intenção de possuí-la para sempre. Mais tarde, contudo, graças à intervenção do rei da França, devolveu-a à Jacob, juntamente com a vila.

O rei da França havia congregado o exército em Compiègne para acudir em auxílio do conde de Hainaut contra o de Flandres. Contudo, aconselhado por homens cheios de perfídia, retrocedeu para atacar seu tio, o conde Estêvão, que o provocava para assim favorecer o conde de Flandres. O rei teria podido fazer-lhe frente através de qualquer príncipe, mas seguindo o mau conselho dos seus, abandonou o conde de Hainaut, apesar de haver firmado uma confederação com ele e ter se comprometido absolutamente a prestar-lhe auxílio.

E assim, os homens do conde, seus legados e cavaleiros que acudiram em seu auxílio não puderam sair nem entrar do condado nesta guerra, exceto através da fronteira do castelo de Thuin e de Chimay. No momento de iniciar a guerra, o conde de Hainaut pediu a seu senhor lígio, o bispo de Liège, que também era seu primo, que lhe proporcionasse o auxílio devido. Contudo, ele não quis dar. De qualquer forma, como temia o conde de Flandres, para que seus filhos Balduíno VI, Filipe e Henrique se encontrassem melhor protegidos durante a guerra, enviou-os ao castelo de Thuin, que pertencia ao bispo de Liège.

No curso da guerra entre o conde de Flandres e o de Hainaut, Jacob de Avesnes insinuou ao conde Balduíno V através de Guilherme, o Pisiere, homem seu e companheiro de armas enviado como núncio, que se algum cavaleiro ousasse afirmar que ele não havia atuado justamente contra o conde de Hainaut e que não havia faltado à sua homenagem por causas legítimas, estaria disposto a retaliar em qualquer corte, na do rei da França ou no da Inglaterra, em um duelo judicial entre ele e o suposto cavaleiro. Isso agradou a muitos e dentre os homens de Hainaut muitos cavaleiros de grande probidade mostraram-se dispostos a defender aquele duelo. Contudo, chegado o tempo e o lugar oportunos, Jacob voltou atrás.

A guerra começou na Festa de Todos os Santos e se prolongou até o Natal. Então intermediários do conde de Flandres e do de Hainaut firmaram trégua até a oitava da Epifania, quando foram incluídos pelo conde de Flandres o duque de Louvain e Jacob de Avesnes. Durante a trégua, o conde Hainaut restituiu generosamente as fianças e os gastos dos que haviam acudido em seu auxílio e deixou os partir dando-lhes graças repetidamente e com grande benignidade. Também remunerou amplamente os serviços dos mercenários, fossem cavaleiros, soldados a cavalo, a pé ou balisteiros. Depois, no Natal, foi ao encontro do rei da França em Laon, e na oitava do Natal saiu dali com o rei e muitos outros cavaleiros probos para a reunião que teve lugar entre Compiègne e Causiaco, com o conde de Flandres. Foi ali que Eustáquio de Roeulx, o Jovem, e Otão de Trazegnies, que haviam se preparado com grande empenho para isso, se ofereceram como voluntários para enfrentarem-se em duelo judicial134 contra Jacob de Avesnes, pois consideravam que haviam atuado mal contra seu senhor lígio, o conde Balduíno V de Hainaut.

Contudo, como este estava incluído na trégua pelo conde de Flandres, o conde Balduíno não permitiu que ninguém o enfrentasse sem a licença do conde de Flandres para não quebrantar a fé outorgada ao firmar a trégua. Assim, rogou publicamente a Jacob de Avesnes que prosseguissem o assunto em Valenciennes perante o conde de Flandres de forma que, sem quebrantar a fé, pudessem chegar a um acordo para um duelo. Jacob não queria que tudo aquilo fosse adiante e preferia esconder-se na sombra indecorosa das tréguas do conde de Flandres e, por isso, recusou-se a responder conforme requeria sua condição de homem nobre e cavaleiro probo. Nesta assembléia foram firmadas tréguas até o dia de São João entre o Conde de Flandres e o rei da França, junto ao conde de Hainaut, que o auxiliava.

Naquela época, o conde Balduíno V adquiriu de um de seus homens lígios, chamado castelão de Famars, os bens que este tinha por ele: treze prebendas da igreja de Conde, as gentes do armazém de Valenciennes, um moinho também em Valenciennes, a metade da cidade de Artres, vinte e cinco homenagens de cavaleiros e todo o restante que tinha pelo conde Hainaut.

Naquele tempo, Gosuíno de Wavrin, cavaleiro muito probo e irmão de Hellin de Wavrin, senescal de Flandres, matou um soldado do conde Filipe de Flandres chamado Lamberto. Gosuíno logo acudiu à corte do conde de Hainaut, onde Balduíno V o acolheu, o nomeou companheiro de armas e naquele mesmo ano lhe entregou como esposa sua consangüínea Ada, filha de Eustáquio de Roeulx e viúva de Nicolau de Boulaere e Dreux de Boisies. Entregou-lhe ainda (...)135 libratas de terra136 em feudo lígio na cidade de Querenaing, próxima à Valenciennes. Nesse mesmo ano, considerando a probidade do cavaleiro Balduíno de Caron, lhe entregou como esposa Ida de Jauche, consangüínea sua e muito nobre, esposa em primeiras núpcias de Rainier de Jauche.

Na Páscoa de 1185, antes que fosse finalizada a trégua firmada pelo conde de Flandres e o rei da França, um cavaleiro muito nobre, castelão de Péronne, pôs nas mãos do rei da França o castelo de Bray-sur-Somme, possuído há muito tempo pelo conde de Flandres e Vermandois; logo o recebeu de novo do próprio rei, reforçado com cavaleiros para ficar a salvo das ameaças do conde de Flandres. O conde Filipe de Flandres reuniu o exército, se dirigiu ao castelo e o sitiou. O rei convocou seu exército para acudir em socorro da fortaleza e dos cavaleiros que se encontravam nela, dirigiu-se a Boves-sur-Somme, próximo de Amiens, e aguardou.

De sua parte, o conde Filipe atravessou o rio com suas tropas. O exército do rei era composto aproximadamente de dois mil cavaleiros e cento e quarenta mil soldados a cavalo e a pé. O rei e o conde permaneceram ali com seus respectivos exércitos durante três semanas. Com o conde de Flandres e Vermandois encontravam-se cerca de quatrocentos cavaleiros e quarenta mil homens a cavalo e a pé; não é estranho que fossem menos do que de costume, pois ele havia disposto grande parte de seus cavaleiros e soldados em seus castelos para defendê-los do rei da França, reforçando Ribemont, Saint-Quentin, Chauny, Beaulieu, Thourotte, Choisy, Ressons, Lassigny, Montdidier, Hangest, Bulles, Milly, Poix, Beauquesne, Amiens e muitos outros. Por outro lado, nenhum homem de fronteira se atrevia a acudir em seu auxílio e abandonar a custódia de seus próprios bens.

Além disso, para se defender do conde de Hainaut, o conde Filipe teve que prover de forças os castelos de Château-Cambresis, Douai, Wavrechain, Ecluse, Audenarde, Grammont e muitos outros, e também nenhum homem daquela terra se atreveu a acudir em auxílio do conde de Flandres e deixar a custódia de seus próprios bens. Faltou também ao conde de Flandres o auxílio do duque de Louvain e de suas grandes tropas, e o de Jacob de Avesnes e das suas, pois se encontravam ocupados na guerra com o conde de Hainaut. Por outro lado, ele já não podia contar com o apoio que já estava acostumado, o do conde de Hainaut, com o qual, sem dúvida, teria podido resistir ao rei.

Entretanto, o conde Balduíno V havia reunido o exército e devastado a maior e melhor parte das terras de Jacob de Avesnes, saqueando-a e arrasando-a com fogo. Naquela ocasião arderam cerca de cento e dez vilas. Dali se propôs atravessar as terras do conde de Flandres até Grammont e as terras do duque de Louvain. Encontrando-se com seu exército no prado de Boussu, próximo do rio Haine, chegaram a seu encontro legados do rei da França, que lhe rogava que acudisse com urgência e que, entretanto, se mantinha em paz com o conde de Flandres e os que o apoiava. O fato é que havia sido acordada uma reunião entre o rei da França e o conde de Flandres e Vermandois. O conde Balduíno, que se preparava naquele momento para cobrar a vingança de muitos males causados por seus inimigos, viu com grande desagrado a convocação daquela trégua e reunião. Não obstante, como estava acostumado a atuar sempre de acordo com o conselho de seus homens, e tendo visto seu parecer, atravessou as terras do conde de Flandres com escolta e licença e foi ao encontro do rei da França.

A “Paz de Boves”

O conde de Hainaut encontrou o rei e seu exército em Boves. Ali trataram das pazes do rei da França e do conde de Flandres. As condições foram as seguintes: o conde de Flandres devolveria imediatamente a Aenora, condessa de Beaumont, Chauny, Resignies e Lassigny, pois lhe pertenciam por herança, e lhe entregaria ainda duzentas libras anuais em winage de Roye; daria ao rei da França, com o consentimento da condessa Aenora, herdeira de toda esta terra por justiça, o condado de Amiens e todas as suas homenagens, Mondidier, com suas adjacências e homenagens, Choisy, Thourotte, as homenagens de Breteuil, de Poix, de Milly, de Bulles, de Hangest, o vice-senhorio de Picquigny, o senhorio de Boves, o de Moreuil e outros daquela região, para que os possuísse perpetuamente.

Por sua vez, o conde de Hainaut restabeleceria os laços de amor e a confederação com o conde de Flandres e voltaria a prestar-lhe a homenagem que deve pelas quinhentas libras anuais sobre o winage de Baupame relativas à reclamação sobre a herança de Douai e a seu matrimônio com a condessa Margarida. Esta confederação deveria deixar a salvo a confederação firmada entre o conde de Hainaut e o rei da França. Por fim, Jacob de Avesnes faria as pazes com o conde de Hainaut e voltaria a render-lhe homenagem lígia.

Estas condições de paz satisfizeram muito ao rei da França, e o deixaria ainda mais satisfeito, pois ao final não só recebeu todas estas honras já mencionadas como também as cidades de Noyon, Corbie, Montreuil-sur-mer, Saint-Riquier, no Ponthieu e vilas reais ligadas até esse momento ao conde de Flandres e rodeadas por seus castelos.

Contudo, o acordo não prazerou tanto ao conde Balduíno V de Hainaut, que se doía muito por tantos danos causados a ele e a seus homens e tantos gastos por causa do conde de Flandres e Jacob de Avesnes. Não obstante, é certo que destroçou a terra de Jacob em Hainaut e no Brabante, saqueando-a e incendiando-a, fazendo muitos prisioneiros e matando muitos outros. O rei lhe rogou então quase de joelhos, tratando-o como um pai e como auxílio máximo depois de Deus, que aceitasse esta paz que favorecia tanto a ele. O conde de Hainaut pensou então que aquela paz aumentava muito a honra de seu genro, o rei, e prejudicaria claramente o conde de Flandres – todo o mundo dizia naquela reunião que esse prejuízo o conde de Hainaut havia conseguido. Por isso concordou com a vontade do rei e consentiu em firmar essa paz pela qual o rei lhe prometia tantos bens, ainda que estas promessas não se cumpriram quando se encontrou necessitado.

Os castelos mencionados foram devolvidos pelo conde de Flandres e Vermandois à condessa Eleonora de Beaumont. Outros, como já se disse, passaram ao rei e a seu reino com o consentimento da condessa. Alguns eram honras próprias e outros feudos e se calcula que entre todos somavam cerca de sessenta e cinco, além da cidade de Amiens. Aqui está a origem dos males causados por Lembecq, como já se disse; o primeiro a sofrer foi o conde de Hainaut, a seguir Jacob de Avesnes e agora o conde de Flandres.

O conde Balduíno V restabeleceu sua homenagem e confederação com o conde de Flandres, mas deixou a salvo, acima disso, a que havia firmado com o rei da França. Jacob restabeleceu sua homenagem lígia ao conde de Hainaut. Este Jacob, que foi o principal conselheiro do conde de Flandres, obteve uma recompensa que o rei da França, para conseguir esta paz tão favorável a seu reino, lhe havia prometido em segredo. Muito poucos souberam disso até que o rei lhe entregou um feudo de cem libratas de terra correspondentes a Crépy-en-Laonnois. Ao duque de Louvain foi restituída Tubize, e ao de Hainaut, Hoesnacken. Uma vez firmada a paz naquela reunião, Roberto de Boves, homem nobre e de renome que havia realizado múltiplas façanhas em muitos lugares, como já se falou, ao fazer nova homenagem ao rei da França pronunciou estas palavras, para opróbrio do conde de Flandres, que o odiava: “– Senhor conde, em outro tempo fui vosso homem, hoje, graças à vontade divina, me converti, por vossa causa, em homem do rei e devo julgar na mesma corte junto a vós.”

Obras de defesa em Mons

Naquele mesmo ano o conde de Hainaut elevou e proveu as muralhas de Mons com novas defesas. Reformou a torre e, para maior defesa da vila e de sua pátria, fez construir um grande fosso, derrubando muitas casas, tal como havia existido em um outro tempo. Elevou e reformou também as muralhas de Binche. Em Braine-le-Comte elevou a torre e fez construir um telhado superior. Da mesma forma, cobriu e elevou a torre de Bouchain e reformou as muralhas da vila. Elevou a torre de Raismes e a ornou com um telhado. Iniciou a construção do fosso de Valenciennes. Circundou Beaumont com uma muralha. Em Ath construiu uma muralha exterior ao redor de sua mansão. Todas estas coisas o conde de Hainaut levou a cabo, prudente e resoluto, para se prevenir da maldade de seus inimigos e adversários, já que desconfiava da maioria das promessas feitas e da fé outorgada.

A destruição de Gembloux

Nos dias em que estavam tratando o acordo de paz entre o rei da França e o conde de Flandres, o duque Godofredo de Louvain e seu filho Henrique reuniram o exército e se levantaram contra o conde de Namur. Quando o conde de Hainaut regressava da reunião em Boves, recebeu legados de Namur na cidade de Cambrai. Ao inteirar-se disso, reuniu às pressas o exército e, ao cabo de três dias, acudiu à própria terra de Namur em auxílio de seu tio, pois não queria infringir a recente paz firmada entre Hainaut e Brabante. Chegou com trezentos cavaleiros e cerca de trinta mil homens a cavalo e a pé, e encontrou seu tio com duzentos cavaleiros e cerca de dez mil homens. Quando soube da chegada do conde Balduíno V, o duque de Louvain reuniu no burgo de Gembloux todos os rebanhos e bens móveis de suas terras fronteiriças com o condado de Namur e colocou-os sob a custódia e defesa dos melhores e mais fortes dentre os burgueses, com alguns soldados e cavaleiros. Quando se encontrava ainda próximo dali, com muitos cavaleiros e homens a cavalo e a pé, o conde de Hainaut e o conde de Namur atacaram Gembloux. Os homens que a guardavam resistiram por um longo tempo, defendendo-se virilmente dos de Namur e dos de Hainaut. Quando finalmente a vila foi tomada pelas forças do conde Balduíno, os homens de Gembloux permaneceram defendendo-se no interior das casas e no mosteiro, mas nem o mosteiro pôde servir-lhes de refúgio ou baluarte de segurança.

A vila foi arrasada pelo fogo, muitos homens do duque foram mortos e cerca de três mil foram feitos prisioneiros. Os de Hainaut levaram consigo muitos cavaleiros e animais, armas, vestidos e muitos outros bens móveis. Logo, o conde de Hainaut com seu tio incendiou a vila de Mont-Saint-Guilbert, além de muitas outras, tudo diante os olhos do duque de Louvain. A destruição de Gembloux, os muitos danos sofridos e os prisioneiros afligiram muito o duque e sua terra. É evidente que junto a tantos males já narrados, também estes, agora sofridos pelo duque de Louvain, procederam de Lembecq.

Deste modo, em pouco tempo o conde Balduíno V vingou-se de todos os seus inimigos: do conde de Flandres, que teve que devolver tantos castelos, de Jacob de Avesnes, que teve suas terras arrasadas, e do duque de Louvain, pela destruição de Gembloux.

Naquela época, após a paz com o rei da França, o conde Filipe de Flandres foi ao encontro de seu senhor e consangüíneo, o rei de Roma, Henrique, filho do imperador Frederico. Encontrou-o na Germânia e lhe apresentou graves queixas contra o conde de Hainaut. O rei estranhou que o conde Filipe não tivesse esperado o auxílio que lhe havia prometido contra o rei da França nas duas Lotaríngias: Brabante e a região de Hainaut e Metz. Não obstante, lhe prometeu seu auxílio pela segunda vez.

Pouco depois, o rei da França chamou à sua presença o conde Filipe para que lhe entregasse o castelo de Beauquesne, construído não fazia muito tempo pelo conde de Flandres, pois considerava que se encontrava no domínio de Amiens, ainda que o conde de Flandres sustentasse que se encontrava no domínio de Artois. O rei esperou-o alguns dias, em Compiègne e em Paris, mas o conde Filipe, que aguardava o auxílio do rei Henrique, estava demorando. Por fim, o rei de Roma, a pedido do conde de Flandres e rogos do arcebispo de Colônia e do duque de Louvain, acudiu a Liège no outono para levar seu auxílio contra o rei da França e para pressionar o conde de Hainaut para se que se distanciasse deste rei e do amor e da confederação jurados, ameaçando devastar as terras ao passar por seu condado.

Em Liège, o rei Henrique mandou chamar o conde de Hainaut à sua presença. Este, disposto a ir, dirigiu-se primeiro às Ardenas com cerca de duzentos cavaleiros, mas não quis prosseguir sem escolta até o rei, pois naquela corte se encontravam vários príncipes poderosíssimos que então eram seus inimigos: o arcebispo de Colônia, o conde de Flandres e o duque de Louvain.

O rei enviou a seu encontro os guias que o duque Henrique de Limbourg e o conde Alberto de Dasbourg solicitavam: o arcebispo de Colônia, o bispo Raul de Liège e o conde palatino do Reno, Conrado. Tentou coagir o conde e pressioná-lo para que ajudasse o conde de Flandres contra o rei da França e para que oferecesse seu auxílio, deixando seus castelos em Hainaut livres para os homens do Império utilizarem-nos contra a França, organizando sua passagem através do condado.

Contudo, o conde Balduíno respondeu a isso dizendo que se o conde de Flandres, que recentemente havia firmado a paz com o rei da França e acabara de fazer-se seu homem e amigo, já conspirava, não estranharia que fizesse o mesmo com ele. Afirmou também, quando ameaçaram devastar suas terras, que de todas as formas se via obrigado a ajudar o conde de Flandres pela "Paz de Boves", mas não estava obrigado a entregar os castelos aos homens do rei de Roma nem oferecer seu caminho pelo condado. Além disso, encontrando-se na fronteira entre o Império Romano e o reino da França, ele devia proteger suas terras naquela guerra. Disse ainda que tinha todo o condado de Hainaut pelo bispo de Liège, ali presente, e que nunca havia falado, mas que o havia servido em tudo como seu senhor lígio. Assim, se o bispo de Liège tivesse algo a dizer sobre sua terra e seus castelos, ele, com o conselho de seus pares, estaria disposto a satisfazê-lo.

Quando ouviu essas palavras, o bispo de Liège, com o conselho de sua Igreja e de seus homens, disse que se o rei de Roma tivesse alguma queixa contra seu fiel, o conde de Hainaut, ele a julgaria perante seus pares, os príncipes do império. E assim, o conde Balduíno partiu daquela corte destemidamente, mas com a malevolência do poderosíssimo rei Henrique, de quem não poderia esperar nada de bom, pelo contrário, somente graves problemas. Contudo, o conde de Hainaut, com astúcia e rapidez, começou a tomar medidas para defender-se, mas o Senhor lhe salvou de graves ameaças. Quando o rei de Roma já se dispunha a atravessar as terras de Hainaut utilizando-se da força, o conde de Flandres firmou tréguas com o rei da França sem consultar o rei de Roma.

Naquele outono, o conde Henrique de Namur, instigado pelo arcebispo de Colônia, pelo conde de Flandres e pelo duque de Louvain, que tentavam deserdar o conde de Hainaut, retomou sua esposa Inês que havia repudiado há quinze anos. Ela era irmã do conde Otão de Geldre e consangüínea em segundo grau do conde de Hainaut. Logo concebeu uma filha que viu a luz no mês de julho e recebeu o nome de Ermensenda. Por causa disso ocorreram grandes males ao conde de Hainaut e aos seus e enormes gastos e grande prejuízo ao duque de Louvain. As origens de tanta desgraça devem ser encontradas em Lembeck.

O casamento de Balduíno VI e Maria de Champagne

Nesse mesmo ano, no Natal, o conde de Hainaut acudiu a Soissons chamado pelo rei da França para comparecer à sua presença. Juntos se dirigiram ao encontro da condessa de Champagne, próximo da cidade. Ali o conde Balduíno V foi pressionado a cumprir os pactos matrimoniais entre os filhos de ambos que haviam sido firmados e jurados há muito tempo. O filho do conde de Hainaut e a filha da condessa de Champagne haviam alcançado a idade núbil, contudo o conde de Hainaut pedia ainda um prazo para cumprir o pacto até que sua filha Yolanda tivesse idade suficiente pra ser tomada como esposa de forma razoável por Henrique, o jovem conde de Champagne.

Contudo, não conseguiu nada, porque seu filho Balduíno VI e a filha da condessa, Maria, já tinham a idade adequada. Diante dessa negativa, e apesar de muitos prometerem seu auxílio, o conde Balduíno V não quis pecar contra a religião faltando a fé jurada e foi a Troyes, onde prometeu que na oitava da Epifania seguinte Balduíno VI de Hainaut e Maria de Champagne contrairiam matrimônio. Também foi jurado por ambas as partes que quando Yolanda, filha do conde de Hainaut, tivesse idade suficiente para contrair matrimônio, o conde Henrique de Champagne a tomaria por esposa sem escusa nem distinção alguma.

O conde Henrique, que já tinha dezesseis anos ou mais, também jurou isso. Sua mãe, a condessa Maria de Champagne e muitos de seus nobres também juraram. O arcebispo de Reims, Guilherme, tio do conde de Champagne foi o fiador de tudo isso. Da parte do conde de Hainaut jurou o próprio conde e seus homens que se encontravam presentes. Contudo, estes juramentos foram mal observados, e não foi necessário que os de Champagne faltassem à fé jurada, pois, como se verá em seguida, tentaram deserdar o conde Balduíno para obter outro matrimônio.

Assim, o filho do conde de Hainaut, Balduíno VI, quando tinha treze anos, aceitou como esposa Maria, irmã do conde de Champagne, que tinha doze, em Château-Thierry. Esta, dotada por Deus de grandes virtudes desde jovem tendeu a praticar a oração, vigílias, jejuns e esmolas. Seu esposo, Balduíno VI, que apesar de sua juventude já era cavaleiro, viveu castamente, rechaçou todas as outras mulheres e amou somente a ela com um amor fervente que acontece muito raramente, pois não é freqüente que os homens queiram somente uma mulher e estejam satisfeitos somente com ela.137 As bodas se celebraram em Valenciennes, com a alegria solene correspondente. Acudiram muitos cavaleiros, damas e homens de todas as condições.

Naquele tempo, o conde Balduíno V entregou a Egido, senhor do castelo de Chimay, fiel e consangüíneo seu, a vila alodial de Baileux, para que aumentasse seu feudo, vila que adquiriu de uns nobres. Deste modo, Egido acrescentou a vila de Baileux a seu serviço de estágio no castelo de Mons e também outra, recentemente fundada em Momignies.

Na Quaresma daquele ano do Senhor de 1185, o rei da França se reuniu com o rei da Inglaterra e o conde de Flandres entre Trie-Château e Gisors para tratar do assunto de Beauquesne. Ali também se encontrava o conde de Hainaut, acompanhando o rei da França. Dali, logo o rei da França, o conde de Hainaut e o conde de Flandres se dirigiram a Amiens, onde o conde de Flandres ofereceu Roye ao rei, no Vermandois, em troca de reter Beauquesne, e o rei aceitou, incluindo este último no domínio de Artois. Além disso, o rei confirmou a esposa do conde, Matilde, que se fazia chamar de rainha, o dote concedido pelo conde de Flandres. O conde Balduíno, requerido nesta ocasião para a confirmação, como em outras, não quis aprová-la.

Na Páscoa do ano da Encarnação de 1186, o conde de Hainaut teve Conselho com seus administradores e familiares sobre as grandes dívidas causadas pelos enormes gastos feitos nas múltiplas guerras que havia levado a cabo só ou em auxílio do conde de Flandres e pelas generosas remunerações a cavaleiros e soldados mercenários. Nesse Conselho, realizado no castelo de Mons, calculou-se zelosamente quanto a dívida subiu, computando-a em quarenta e uma mil libras de dinheiros de Valenciennes. Por causa dela, com grande pesar o conde teve que impor grandes impostos às suas terras, e assim pagou a maior parte do que devia em sete meses.

Nesse mesmo ano, no mês de julho, uma grande tormenta com trovões, granizo e chuva torrencial atravessou velozmente Warde-Saint-Remi, passando pelo condado de Hainaut, e não só derrubou mas também destroçou os cereais, inundando as árvores, matando as aves e lebres nos campos e feras nas profundezas da floresta. Morreram também animais nos pastos e todo o Hainaut se viu gravemente castigado.

Nesse mesmo ano morreu Eustáquio de Roeulx, homem nobre, enérgico e de renome, filho de Eustáquio, o Velho. Foi enterrado no monastério de Saint-Feullien, em Roeulx, sendo muito chorado pelo conde Balduíno V e pelos seus.

A descoberta das relíquias

Nesse ano, próximo da festa de São Martinho, encontraram algumas relíquias no velho mosteiro de São Estêvão de Paris, sob o altar maior. Quem as encontrou foi um monge chamado João de Claraval, e Deus lhe revelou sua existência em sonhos. O conde de Hainaut assistiu à descoberta das mesmas quando regressava de seu encontro com o rei da França em Montlhery. Entre elas encontraram-se cabelos da Virgem Mãe de Deus, a cabeça de São Denis, uma costela de São Lourenço e algumas das pedras com as quais São Estêvão foi flagelado. Uma escritura encontrada junto às relíquias indicava que uma rainha, esposa de Clóvis, rei dos francos, o primeiro a receber o batismo das mãos de São Remígio, consagrou aquele templo e lacrou-o com as ditas relíquias. Esta havia sido então a principal igreja de Paris e foi ali a sede metropolitana que depois foi transferida para Soissons.

Dali o conde Balduíno foi a Cassel, onde celebrou um duelo entre seu primo Everardo Radou e João de Cysoing, provocado por este último por instigação do conde de Flandres, que detestava profundamente a Everardo. Por isso, o conde de Hainaut, ao ver que o conde Felipe se autonomeara senhor e juiz do duelo, recomendou a Everardo que, se fosse possível, fizesse as pazes antes do duelo, solucionando o problema que fora provocado. Everardo firmou a paz, mas para isso teve que ceder às reclamações do conde de Flandres e aceitar dele seu próprio castelo alodial de Mortagne em feudo, que, além disso, se encontrava situado no condado de Hainaut. E assim, aquela fortaleza passou a formar parte do domínio de Flandres.

A aliança matrimonial entre os condes de Namur e de Champagne

Durante a Páscoa de 1187, o conde de Namur, que aparentemente mantinha amizade com o de Hainaut mas na realidade conspirava para deserdá-lo, firmou uma aliança matrimonial através de seu sobrinho, o conde Manassés de Rethel, com o conde Henrique de Champagne, a quem prometeu sua filha Ermensenda, que não tinha nem um ano de idade, e com ela, a herança de toda a sua terra. Este aceitou, apesar de ter jurado tomar a filha do conde de Hainaut como esposa. Quando Balduíno V se inteirou disso, enviou ao venerável abade de Saint-Ghislain, Lamberto, e seu clérigo Gislebert, como legados à corte do imperador de Roma, Frederico, para informá-lo de tudo e para saber seu parecer. O imperador os recebeu em Toul, na Lotaríngia, no dia de Pentecostes, e lhes respondeu que quando o conde de Namur morresse, todos os seus feudos lhe pertenceriam e não seriam concedidos a mais ninguém a não ser o conde de Hainaut, pois haviam sido confirmados na corte de Mogúncia; quanto aos alódios que o conde de Namur tinha no reino da França, quem quisesse poderia sucedê-lo. O imperador prometeu ainda grandes bens ao conde de Hainaut, e com estas notícias os legados regressaram às terras de seu senhor.

Nessa época, Otão de Trazegnies, cavaleiro de grande probidade e homem e companheiro de armas do conde de Hainaut, regressou de Ultramar. Para aumentar seus feudos e sua estância em Mons, Balduíno V então lhe entregou a vila de Aubechies, no Brabante, e a parte que ele tinha no winage de Haspre.

Nesse mesmo ano de 1187, Ricardo, filho do rei da Inglaterra, atacou seu senhor, o rei da França. Este rei reuniu o exército e marchou contra Ricardo, que tinha por ele Poitou e a Gasconha, e foi ocupando todos os seus castelos, entre os quais se encontravam o de Issoudun, até que chegou ao lugar de Chateauroux, onde acampou a uma distância de aproximadamente meia milha do castelo. O rei da Inglaterra e seus filhos, Ricardo, Godofredo e João, se encontravam com seu exército no interior daquela fortaleza. O conde de Hainaut acudiu em auxílio do rei da França com cento e dez cavaleiros e oitenta soldados a cavalo provistos com lorigas. Tanto ali como na viagem de regresso ele mesmo cobriu todos os gastos.

Como não chegaram a nenhum acordo de paz ou trégua através dos mediadores, na véspera de São João ambos os bandos começaram a armar-se para o combate. O conde de Flandres e o de Champagne desejavam iniciar a batalha e os dois reclamavam seu direito a tal dignidade. Contudo, o rei da França, por conselho de seus príncipes, a outorgou ao conde Hainaut. Quando todos já haviam se armado, os homens do conde Balduíno compareceram magníficos, com todos os cavaleiros abastecidos, exceto o probíssimo Balduíno de Strepy, com cavalos cobertos de armadura de ferro, inclusive muitos soldados, armados como cavaleiros, pois também tinham cavalos cobertos de fé. Finalmente graças à mediação dos homens da igreja, foram firmadas tréguas entre os reis. Contudo, os castelos que o rei da França haviam ocupado permaneceram em suas mãos.

Em julho o conde Henrique de Champagne chegou a Namur. Ali ele mesmo e muitos de seus homens, escolhidos entre os cavaleiros mais probos que naquele tempo floresciam em Champagne, juraram que tomaria por esposa a filha do conde de Namur, aquela que somente com um ano de idade foi levada às suas terras de Champagne. O conde de Namur quis dar garantias e segurança a seus homens – cavaleiros, soldados e burgueses – que após a sua morte o conde Henrique receberia a terra.

Quando Balduíno V recebeu esta notícia, dirigiu-se a Namur sem armas, acompanhado simplesmente por homens discretos e probos. Ao encontrar-se com o conde de Namur no átrio de Santo Albano, recordou-lhe que ele e seus homens, burgueses ou cavaleiros, deveriam observar a fidelidade e a segurança juradas então a seu pai e a sua mãe e renovadas mais tarde a ele mesmo, segundo a qual ele era o herdeiro legítimo daquelas terras. Assim, rogou e advertiu o conde de Champagne que não lhe usurpasse suas homenagens, e lhe recordou o que havia jurado, junto com muitos de seus homens ali presentes: tomar sua filha Yolanda como esposa. Contudo, o conde Namur, atentando contra a religião, não quis observar a fé e o juramento feitos a seu sobrinho, e desprezando o pacto de matrimônio firmado entre este e Henrique de Champagne, fez com que seus homens prestassem homenagem ao conde de Champagne, apesar das queixas do conde de Hainaut. Os homens de Namur lhe obedeceram; uns pelo dinheiro que aceitaram do conde Henrique, outros por temor do conde de Namur.

O conde Balduíno teve notícias que no mês de agosto, no dia da Assunção, o imperador de Roma, Frederico, havia convocado seus príncipes à corte, na cidade de Worms, e que havia chamado o arcebispo de Colônia para comparecer à sua presença, com quem se encontrava fortemente em inimizade. Então o conde de Hainaut se apressou em enviar Gosuíno de Thulin, cavaleiro discreto, e seu clérigo e notário Gislebert como legados perante o imperador. Estes reclamaram perante o imperador e seus príncipes o direito do conde de Hainaut à herança das terras de Namur, direito obtido pela doação do próprio conde de Namur e pelas garantias e homenagens confirmadas em privilégios do próprio conde, e mostraram ali a todos os privilégios velhos e novos corroborados pelo selo condal.

Quando viram o selo, todos se maravilharam da perfídia do conde de Namur, que fraudava assim os direitos de seu sobrinho, o conde de Hainaut, que o havia defendido sempre contra todos os homens. O imperador prometeu ao conde de Hainaut todo o tipo de bens e disse, e todos os príncipes e nobres ali presentes ouviram, que enquanto ele vivesse nem o conde de Champagne nem qualquer outro príncipe da França, por mais poderoso que fosse, sucederia o conde de Namur em suas honras. Deste modo, os legados de Hainaut regressaram à suas terras levando para o conde a graça do imperador.

Nesse mesmo ano de 1187, em agosto, em Paris, a rainha da França, Isabel, filha do conde Balduíno V de Hainaut, deu à luz a um filho que se chamou Luís, cujo nascimento alegrou muito a todos os homens da França e de Hainaut.

Na festa dos apóstolos Simão e Judas, do mesmo ano, o clérigo Alberto, arquidiácono de Liège, filho do duque Godofredo de Louvain e irmão do jovem duque Henrique, deixou o hábito e acudiu à corte do conde Hainaut para ser armado cavaleiro. Balduíno V, apesar do pai e do irmão de Alberto terem sidos seus inimigos durante muito tempo, o recebeu com benignidade e o armou cavaleiro com grandes honras em Valenciennes.

No outono chegaram notícias à França e a este lado do Alpes que os cristãos de Ultramar haviam sido vencidos, que o rei de Jerusalém havia sido prisioneiro juntamente com muitos outros homens e a Cidade Santa fora ocupada pelo inimigos da fé. Diante destes fatos, o papa Gregório, homem santíssimo, enviou como legado apostólico à França e à Alemanha, Henrique, cardeal da Santa Igreja de Roma, bispo de Albano e homem extremamente discreto e honesto, para que pregasse ao povo e o exortasse a acudir em socorro de Jerusalém, pois desde que começou o ataque inimigo, só havia chegado àquelas terras em auxílio dos cristãos levado pela vontade de Deus um príncipe poderoso, probo, discreto e valente, Conrado, marquês de Montferrat e consangüíneo do imperador de Roma e do rei da França. Contudo, Conrado conseguir conservar somente Tiro e Acre, pois sofria ataques contínuos dos sarracenos. Tendo ouvidos isso, o duque da Aquitânia, Ricardo, filho do rei da Inglaterra, o bispo de Beauvais, seu irmão Roberto, conde de Dreux, ambos filhos do conde Roberto de Braisne e Jacob de Avesnes tomaram imediatamente o sinal da cruz. Muitos outros, naquele momento ou mais tarde, seguiram seu exemplo.

No Advento concordou-se celebrar uma reunião entre o imperador de Roma, Frederico, e o rei Felipe da França em lugar entre Ivoy e Mouzon. O rei da França convocou o conde de Hainaut para que o acompanhasse em seu séquito. Contudo, pouco tempo depois, o conde Balduíno de Hainaut recebeu a mesma ordem do imperador; ele estava obrigado com ambos os homens por laços de fidelidade. No entanto, como pertencia ao Império, considerou que deveria acudir à reunião com o séquito do imperador, e ali atuou como mediador e conselheiro de ambos os senhores.

Ao regressar, o imperador passou a noite na vila de Virton, que pertencia ao conde de Chiny, Luís, consangüíneo em segundo grau do conde de Hainaut. Encontrando-se ali, o conde Balduíno rogou-lhes que dessem seu parecer em justiça a respeito daqueles que, contra seu direito, usurpavam as possessões de outros e as conservavam durante anos. Os príncipes do Império e outros fiéis ali presentes sentenciaram perante o conde de Hainaut e seus homens que se alguém entra nas possessões do outro e se clama por justiça ao senhor supremo, este deve buscar provas através do testemunho dos vizinhos; se é informado que a possessão foi feita injustamente, há de obrigar o usurpador a entregá-la livremente e, além disso, restituir os danos causados e corrigir a transgressão causada à lei pagando dez libras de dinheiros.

Os homens do imperador que assim julgaram foram: o chanceler João, o bispo Raul de Liège, o arcebispo de Mogúncia, o bispo de Metz, o conde palatino do Reno, o conde Henrique de Dietz, Werner de Boladen, Conão de Mintzenberg, o conde de Leiningen, o conde Gerardo de Looz e Frederico de Hausen. Entre os homens do conde de Hainaut que ouviram o juízo se encontravam Eustáquio, o Velho, de Roeulx, Nicolau de Barbençon, Otão de Trazegnies, Hugo de Croix, Armando de Prouxy, Rainier de Trith, João Cornudo, Balduíno, castelão de Mons, o clérigo Gislebert, prepósito de Mons, e muitos outros.

Naquela mesma reunião, através de seus rogos, o conde de Champagne tentou conseguir de seus tios paternos, o arcebispo de Reims, Guilherme, e o conde Teobaldo, e de seu primo, o duque de Borgonha, o favor do imperador em relação à herança de Namur, mas nada conseguiu. O próprio rei da França se mostrou mais a favor do conde de Hainaut que de seu primo e sobrinho, o conde de Champagne. O conde Balduíno então expressou seu desejo de renovar os acordos sobre aquela terra, e o imperador lhe respondeu benignamente que não queria ordenar nada de novo a respeito dessas questões sem o consenso e a presença de seu filho, o rei de Roma, Henrique. E como este regressaria em breve à Alemanha vindo da Itália, o conde de Hainaut poderia ir ali ao encontro de ambos; prometeu-lhe também que rogaria a seu próprio filho que outorgasse sua graça. Então o conde Balduíno regressou à suas terras através de Bouillon e Dinant, chegando a Binche nas vésperas do Natal e ali se deteve para celebrar o dia santo do nascimento de Cristo. Dali passou para Valenciennes, para receber o rei da França.

O rei Filipe chegou a Valenciennes três dias depois do Natal. O conde de Hainaut recebeu seu hóspede com grandes honras. No dia seguinte o rei foi a Tournai. Nunca se viu antes um de seus predecessores nesta cidade, mas nesta ocasião seus habitantes, que até então só haviam visto seu senhor, o bispo, se submeteram plenamente à vontade do rei e mais tarde, quando foi pedido, serviram-no fielmente, participando em suas expedições e dando-lhe dinheiro. Na realidade, a passagem da França naquela cidade fora sempre dificultada pelas tropas do conde de Flandres, e nesta ocasião foi mais fácil ao rei Felipe, graças à familiaridade com o conde de Hainaut e sua esplêndida colaboração. Contudo, este conde, como se verá mais adiante, ao chegar o momento e lugar oportunos, não recebeu o rei da França, e em troca dos serviços prestados nesta e em outras ocasiões não ofereceu mais do que um escasso agradecimento e nenhuma restituição.

A pregação para a cruzada do bispo Henrique

Nessa mesma época, o bispo de Albano, Henrique, cardeal e legado apostólico, com sua pregação na França convenceu muitos se fazerem cruzados. Quando chegou a Hainaut, o conde, na qualidade de abade da igreja de Mons, o recebeu com grandes honras no castelo e o hospedou por duas noites. No domingo que se canta Exsurge, quare abdormisti, Domine (...), celebrou missa na igreja do monastério de Santa Waldru. Graças às suas pregações muitos cavaleiros, Otão de Trazegnies entre eles, e muitos outros homens de todas as condições tomaram o sinal da Cruz. As honras com as quais foi homenageado pelo conde satisfizeram muito o cardeal e depois, com seu beneplácito, partiu até Nesle, onde também ganhou muitos adeptos à sua causa. Logo se dirigiu até Louvain, onde fez cruzado o jovem duque Henrique, o qual, não obstante, abandonando logo a Cruz, levou a cabo extensas e longas guerras. Dali chegou exacerbado à Liège, onde haviam dito que, entre outros grandes vícios, crescia a simonia no bispo Raul.

O conde Balduíno, que conhecia a obcecação de seu senhor e primo, temeu que a pregação do cardeal naquelas terras ou seus decretos e ordenações o levassem a distanciar-se da Santa Igreja. Por isso, acudiu à Liège para oferecer auxílio e conselho a seu senhor. Em Liège, o cardeal converteu muitos e, ganhando-os para sua causa, os fez cruzados. Logo começou a pregar contra a simonia e convocou o Conselho Maior da igreja de Liège e todo o seu episcopado. O bispo Raul, que nunca queria seguir o conselho de ninguém somente sua própria vontade, resistiu obcecadamente, mas seu primo, o conde de Hainaut, o induziu a seguir a vontade do cardeal. Então se reuniram no palácio do bispo abades, arquidiáconos, prepósitos, decanos e outros prelados e clérigos. Calcula-se que foram cerca de dois mil.

Ali estavam também o bispo de Liège, sentado próximo do cardeal e do conde de Hainaut, que era o único laico no Conselho. Cerca de quatrocentos clérigos de maior e menor importância colocaram seus bens à disposição do legado apostólico: arquidiaconatos, preposituras, prebendas eclesiásticas, paróquias e outros benefícios que haviam adquirido em sua maior parte através de compra ao bispo Raul, ali presente. O cardeal os absolveu deste pecado e lhes impôs como penitência mudar os cargos e bens da igreja, de forma que o que um tinha possuído seria conferido a outro e aquele que recebesse os bens de outro faria a doação dos seus. O bispo Raul bendisse a restituição desses bens. Alberto, filho do duque de Louvain, renunciou então à ordem militar, voltou a entregar seus bens à igreja e, retomando os hábitos, se fez cruzado.

Dali o legado papal se dirigiu à cidade de Mogúncia, onde encontrou muitos príncipes, cavaleiros, clérigos e homens de todas as condições reunidos em volta do imperador de Roma. O imperador Frederico e também seu filho, o duque Frederico da Suábia, então tomaram a cruz. Junto com eles se fizeram cruzados muitos dos cavaleiros que se encontravam ali e muitos outros príncipes dentre os mais poderosos e valentes de todo o Império, além de arcebispos, bispos e outros clérigos e os homens da plebe. Muitos dos cruzados do Império, do reino da França e do da Inglaterra sucumbiriam em Ultramar. Alguns, contudo, terminada a guerra de Cristo, regressaram à suas terras.

Nesse mesmo ano, após terem se reunido entre Trie e Gisors, o rei Felipe da França, o da Inglaterra, Henrique, seus filhos e o conde Felipe de Flandres, sentindo-se chamados por Deus, se fizeram cruzados muitos que se encontravam ali. Entre eles tomaram a cruz o próprio rei da França, o da Inglaterra, o conde de Flandres, o de Blois, Teobaldo, o conde Estevão, o de Clermont, Raul, e muitos outros cavaleiros. Todos eles concordaram em fazer tréguas para todas as suas discórdias até que tivessem regressado de Jerusalém. Contudo, essas tréguas nem sempre foram observadas, como se verá mais adiante.

Naquele tempo também tomaram a cruz o duque Henrique de Limbourg e seus filhos Henrique e Waleran, contudo, logo a abandonaram e levaram a cabo guerras e pilhagens no Império. O conde Gerardo de Looz, após tomar a cruz, foi cruzado durante cinco anos. Depois disso empreendeu o caminho de regresso para suas terras. O conde de Hochstaden foi cruzado durante dois anos e regressou primeiro à Apúlia, onde encontrou o novo imperador Henrique138, e dali voltou com ele às suas terras. Pouco depois de seu regresso este conde foi vítima de muitos males.

A paz entre os condes de Namur e Hainaut

No ano do Senhor de 1188, após terminar a Páscoa, o conde de Hainaut ouviu dizer que o rei de Roma, Henrique, filho do imperador Frederico, já tinha regressado da Itália e se encontrava na Alemanha. Então se dispôs a ir ao encontro de ambos. O conde de Namur, seu tio, para adulá-lo e para que não maquinasse nada contra ele na corte, acudiu pessoalmente a Namur para prometer-lhe seu amor e grandes bens. O conde Balduíno V, embora não confiasse demasiadamente nessas promessas, aceitou de seu tio cartas de precatórias para o imperador. Empreendeu a viagem por Luxemburgo e Trevers e chegou a Ingelheim, onde encontrou o rei Henrique no palácio imperial, cujo favor não confiava tanto quanto como o de seu pai. O conde encontrou com ele e suplicou sua graça na herança de Namur. O rei lhe respondeu benigna e amistosamente e lhe prometeu auxílio e conselho perante o imperador, seu pai, da mesma forma que o pai havia prometido com respeito ao filho.

E assim enviou o conde Balduíno juntamente com seus secretários ao encontro do imperador em Seligenstadt, do outro lado do Reno, rogando-lhe a favor do conde através desses secretários. O Imperador decidiu então mandar que seu filho acudisse o quanto antes e levasse a cabo os assuntos do conde de Hainaut com a maior prontidão. O rei Henrique foi com urgência até seu pai e, após celebrarem um Conselho em comum, pai e filho outorgaram seu favor ao conde sobre os alódios e feudos de seu tio, o conde de Namur, coisa que não haviam feito juntos, e lhe confirmaram todos os seus privilégios. A rainha Constança, consangüínea do conde de Hainaut e recentemente desposada com o rei Henrique, também se esforçou o quanto pôde para interceder por ele perante o imperador e seu filho Henrique. Assim que recebeu a licença, o conde partiu dali e se dirigiu a Namur, onde seu tio já o esperava e sabia que seu sobrinho havia obtido o favor do imperador e do rei, seu filho.

Como o conde de Hainaut tinha agora em todas as suas petições o apoio do imperador Frederico, de seu filho, o rei Henrique, e da rainha Constança, o conde de Namur fez as pazes com ele e firmou novas concórdias, congregando muitos de seus homens; cavaleiros, servos, clérigos e burgueses, todos no átrio da igreja de Santa Maria. Ali o conde de Namur reconheceu o de Hainaut como o legítimo herdeiro de todos os seus bens, e deu sua fé sobre os Santos Evangelhos, jurando que dali em diante não faria nada que prejudicasse o conde Balduíno V em sua herança, e que este o sucederia em todos os seus bens. E ali os homens de Hainaut renovaram-lhe todas as fidelidades e garantias de então, quando juraram, entre outros, Clarembaud de Atrives, Bastien de Gourdinne, Godofredo de Orbais, Teodorico de Faing, Guilherme de Mosain, Iberto de Ais, Henrique de Merlemont, Guilherme de Eghezée, João de Golzinne e muitos outros.

Por sua vez, o conde de Namur concedeu ao de Hainaut a jurisdição e administração de suas terras, prometendo-lhe que faria todo o possível para recuperar sua filha, abandonando os pactos firmados com o conde de Champagne. Juntamente com os homens que o acompanhavam, o conde Balduíno V de Hainaut jurou que ajudaria o conde de Namur contra todo o mundo, que conservaria fielmente sua terra e honra e exerceria devidamente a justiça nela. Por isso, o conde Balduíno tomou para si todo o peso e o trabalho nas costas e, propondo muitos outros assuntos, começou a organizar a terra de Namur, velando-a para que reinasse o bem e a paz.

O duelo entre Gerardo de Saint-Aubert e Roberto de Beaurain

Naquele tempo, Gerardo de Saint-Aubert, cavaleiro nobre, homem e primo do conde de Hainaut, inimizou-se com alguns cavaleiros. Gerardo afirmava que um deles, Achardo de Verli, era seu servo. Por isso levou a discórdia ao juízo da corte do conde de Hainaut. Fixou-se um dia para que comparecessem em Mons na presença do conde, de muitos nobres de grande probidade e de muitos outros homens de todas as condições. Naquela assembléia se levantou um cavaleiro, Roberto de Beaurain, que era homem muito probo, cuja primeira esposa, da qual tivera filhos, era da família do próprio conde, e ele mesmo era consangüíneo deste Achardo, e disse assim: “– Senhor conde, me contaram, embora não tenha dado ouvido, que Gerardo de Saint-Aubert disse que eu lhe pertencia na condição de servo. Se é verdade que disse isso, mentiu como um traidor e se agora quisesse continuar afirmando isso, mentiria da mesma forma. Por isso, aqui está minha garantia: estou disposto para o duelo.” Gerardo, diante de tanta presunção e arrogância daquele que havia amado até então acima dos outros e ao qual havia prometido ajuda neste juízo, realizou rapidamente um Conselho com os seus e respondeu: “– Senhor conde, Roberto de Beaurain, que se encontra aqui presente, é meu servo. Como ele nega isso e diz ser livre, aqui está minha garantia: estou preparado para o duelo, pois ele mente como um traidor e estou disposto a provar que ele é meu servo.”

Roberto respondeu-lhe novamente, dizendo que ele era livre e que Gerardo mentia maldosamente ao provocá-lo sobre esta questão. E assim, como ambos estavam de acordo para levar o duelo judicial até o fim, entregaram suas garantias ao conde e aceitaram o duelo, fixando um dia para celebrá-lo em Mons.

O conde Balduíno V quis trabalhar na justiça e com absoluta retidão. Para isso, convidou todos os homens nobres e sábios de sua terra para presenciar o duelo. Roberto foi reprovado por quase todos que o escutaram na assembléia, pois havia provocado um cavaleiro tão nobre que permanecia pacificamente no juízo. Além disso, deve-se dizer que, embora considerassem Roberto o mais probo e renomado em armas de todos os cavaleiros, certa vez quebrara o braço direito e não o curara bem, sendo necessário duplicar a força do esquerdo.

Quando chegou o dia marcado reuniram-se em Mons. O conde de Hainaut sentou-se na praça do mosteiro de Santa Waudru junto a muitos nobres e outros homens de todas as condições. Também estavam ali o bispo de Cambrai, Roger e muitos abades com seus clérigos. Todos queriam que se fizessem as pazes. Na hora prima139 Gerardo de Saint-Aubert chegou armado, se apresentou perante o conde, disse que estava preparado para enfrentar Roberto e permaneceu esperando em pé. Passou algum tempo sem que Roberto, que se encontrava na própria vila de Mons, aparecesse, e todo mundo se maravilhava. Soou a nona hora. Quando Gerardo a ouviu, disse, através de seu porta-voz, que havia esperado seu adversário até a hora acertada e além dela e que, portanto, devia ficar livre do duelo e vencedor da querela, ganhando assim a causa. Assim, pediu juízo a respeito dessas coisas.

Os homens do conde de Hainaut, solicitados por ele, examinaram o Sol e, deixando-se instruir pelos clérigos, disseram que a nona hora havia passado.140 Então julgaram que Gerardo estava livre do duelo e o que havia sustentado contra Roberto lhe correspondia pela justiça, pois Roberto, que permanecia em seu albergue ignorando o que o Conselho acabara de decidir, não havia aparecido nem antes nem depois dele.

Após esse juízo Roberto chegou armado, se apresentou diante do conde e disse que estava disposto a enfrentar Gerardo. Por conselho do seus, o conde mandou prendê-lo e desarmá-lo, mas Gerardo de Saint-Aubert rogou ao conde que devolvesse Roberto como seu servo.

O conde, com o conselho de seus homens, entregou-o e Roberto foi levado como servo e prisioneiro. Os homens do conde que julgaram as horas – a nona hora e a do duelo – pelas quais Gerardo ficou livre do mesmo e conseguiu que reclamava, e que julgaram também a entrega de Roberto nas mãos de Gerardo, foram os seguintes: Eustáquio de Roeulx, o Velho, Nicolau de Barbençon, Gautier de Lens e seu filho Eustáquio, Alardo de Chimay, Guilherme, irmão do conde, Otão de Trazegnies, Balduíno Caron, Hoelus de Kavren, Guilherme de Kavren, tio de Roberto, Amando de Prouvy, Rainier de Trith, Gautier de Wavrin, Balduíno de Walincourt, Guilherme de Hausi, Fulque de Sémeries, Estêvão de Denain, Gerardo makerellus, Simão de Aulnoy, Rasão de Gavre, Gerardo de Wattripont, Hugo de Oisy, Gerardo de La Hamaide, Gosuíno de Enghien, Nicolau de Peruweltz, Nicolau e Egido de Mainvault, Roger de Condé, Hugo de Croix, Balduíno, castelão de Mons, Gisleno, castelão de Beaumont, Henrique, castelão de Binche, Geraldo de Hon, João Cornudo, Hugo de Roeulx, Rainier, protetor de Marchiennes, Teodorico de Wallers, Guilherme de Gommegnies, Guilherme de Anzin, Hugo Aunoit, Estêvão de Lambres, Nicolau de Roeulx, arquidiácono de Cambrai, Nicolau, prepósito de São Germano141, Gosuíno, prepósito de Soignies, Gosuíno de Thulin, Renardo de Strepy, Gautier de Blandain, Pol de Villers, Carlos de Fresnes, Carlos, filho de Luís de Fresnes, Nicolau de Caudry, Godofredo de Thuin, Walgano de Amfroipret, Balderico de Roisy, Egido de Bermerain e Estêvão, prepósito de São Armando.

Quando Roberto se viu prisioneiro de Gerardo, pediu-lhe misericórdia e lhe jurou fidelidade como homem seu de condição servil. Então Gerardo lhe deixou partir ileso e posteriormente inclusive lhe entregou honras e bens. Contudo, Roberto quebrou a fé jurada logo depois e, acudindo à corte do imperador, apresentou queixas sobre a sentença dos homens do conde Balduíno V. Como ninguém se lhe opôs, conseguiu documentos daquela corte que anulavam a sentença. Os homens do conde, ao terem aqueles documentos, apesar de Gerardo não se encontrar entre eles, revogaram a sentença.

É digno de maravilha que Roberto conseguisse do rei de Roma, Henrique, aqueles documentos, pois o próprio rei Henrique, quando já era imperador, fez juízo semelhante a um cavaleiro. O marechal do império provocou o duelo judicial a um cavaleiro que era prepósito de Estrasburgo. No dia marcado – em Haguenau, no quinto dia depois do Natal – após comer, o imperador Henrique sentou-se no meio da praça para considerar melhor as horas, e como aquele cavaleiro não se apresentou antes da nona hora, foi julgado por Conrado, arcebispo de Mogúncia, pelo bispo de Bamberg, pelo de Spira, pelo de Metz, pelo conde palatino do Reno, Conrado, pelo conde Estêvão de Sponheim, pelo conde de Sarrebrücken, por Conão de Minsenberg, por Roberto de Walldürn e por muitos outros. Julgou-se então que, como desertor, aquele cavaleiro estava privado de honra, terra e esposa. Quem escreve isso ouviu e viu, como também viu e ouviu a sentença de Mons contra Roberto.

Intrigas contra o conde de Hainaut

Voltemos novamente agora aos condes de Hainaut e Namur. Com grandes gastos o conde Balduíno V permaneceu em Namur. Pacificou aquelas terras, impedindo pilhagens e violências. Para a honra do conde de Namur e a paz de sua terra, pacificou as fronteiras anteriores do condado contra as usurpações do duque Godofredo de Louvain e do bispo de Liège. No entanto, os homens do conde de Namur, que tinham por costume oprimir suas terras e fazer prevalecer suas vontades nelas, lamentaram muito a justiça do conde de Hainaut e se propuseram semear a discórdia entre ele e seu tio. Assim, sugeriram ao conde de Namur que se ele permitisse que seu sobrinho permanecesse muito tempo em suas terras, ele o deserdaria.

Um dia, um malfeitor roubou todas as coisas de um pobre mercador e o golpeou, ferindo-lhe gravemente. Quando se soube do fato, detiveram o malvado na fronteira jurisdicional de Clarembaud de Atrives, e logo o redimiram pelo pagamento de 14 marcos. O homem que havia sido roubado e maltratado era pobre e débil, e acudiu perante o conde de Hainaut para apresentar suas queixas. Quando este soube o ocorrido, quis prender novamente o malfeitor e trazê-lo à sua presença. Logo, tal como se costumava fazer com os assassinos, mandou-o à fogueira, cumprindo a sentença em um campo próximo de Namur onde se encontravam naquele momento o conde de Namur e seus pérfidos aduladores. A queima daquele homem irritou muito a estes últimos, que estavam acostumados a receber grandes riquezas mediante estes métodos de justiça. Por isso, instigaram a ira do conde de Namur contra o de Hainaut. Este, que não sabia de nada, continuava atuando de boa fé e olhando somente através da justiça.

Mais tarde, o conde Balduíno V regressou a Hainaut. Quando se encontrava ali, o conde de Namur ficou enfermo em Andenne. Quando o conde de Hainaut soube, se apressou para visitar seu tio, pois temia que, caso morresse, seus familiares maquinariam contra sua herança e possessões, o que certamente já estavam fazendo. Por conselho de seus secretários, que odiavam o conde de Hainaut porque mantinha a paz, o conde de Namur havia enviado seus legados ao conde de Champagne para que mandasse dali apressadamente cavaleiros para defender os castelos do condado. Quando o conde de Hainaut chegou a Andenne para estar próximo de seu tio, este o fez saber que já podia regressar para as suas terras, pois a ele não comprazia sua presença naquele lugar. Por sua vez, os legados que haviam sidos enviados a Champagne sem que o conde Balduíno V soubesse, encontraram somente a condessa, mãe do conde Henrique. Este se encontrava em uma expedição com o rei da França contra o rei da Inglaterra e seu filho Ricardo, os quais, embora tivessem se tornados cruzados, haviam quebrado a trégua e se encontravam em guerra. Então, como resposta, a condessa de Champagne enviou seus próprios legados a Namur através dos quais o conde voltou a pedir o mesmo à condessa.

Inteirado disso, o conde de Hainaut tomou para si cavaleiros probos e discretos, entre os quais se encontravam Eustáquio de Roeulx, Nicolau de Barbençon, Otão de Trasegnies, Gautier de Wavrin, Guilherme, irmão do conde, Balduíno Caron, Amando de Prouvy, Rainier de Trity, Hugo de Antoign, Hugo de Croix, Balduíno, castelão de Mons, Gosuíno de Thulin, João Cornudo, Renardo de Strepy e Pol de Villers. Com eles também se encontrava Gislebert, o clérigo. Com este séquito, o conde de Hainaut se dirigiu a Namur para se inteirar bem das intenções de seu tio. Entretanto, o conde de Namur, embora se encontrasse enfermo, transportou-se em uma nave até Namur. Quando Balduíno V chegou a Namur, foi imediatamente com seus homens visitar seu tio no castelo superior. Este se encontrava ali com apenas trinta homens, entre cavaleiros e soldados. O conde de Hainaut, que chegava com cento e quarenta homens, bem que poderia tomar o castelo e expulsar o conde de Namur se o quisesse. Contudo, após visitá-lo, hospedou-se tranqüilamente, como tinha costume, no burgo.

No dia seguinte, tomou para si três cavaleiros: Amando de Prouvy, João Cornudo, Renardo de Strepy, seu clérigo Gislebert e três soldados a pé para que sujeitassem os cavalos e fosse visitar o conde passando pela porta contígua ao bosque. Contudo, ao chegar foi-lhe totalmente negada a entrada porque o conde se maravilhou muito e sentiu-se muito confuso. Então, quando regressou ao albergue onde os demais o esperavam, recebeu a ordem da parte do conde de Namur de partir do burgo antes da comida, pois sua permanência ali o desgostava. O conde de Hainaut não podia acreditar que aquela ordem procedera de seu tio. Depois da comida, o conde Namur enviou-lhe novamente dois cavaleiros para que o fizessem saber de sua parte que não se partisse imediatamente do castelo de Namur no dia seguinte provaria qual dos dois era mais forte e lhe seriam retirados os víveres e proibida a caça.

O conde Balduíno V celebrou Conselho com os seus e logo respondeu àqueles núncios que partiria no dia seguinte, mas antes queria falar com seu tio, o que lhe foi concedido. No dia seguinte, depois de ouvir a missa, o conde de Hainaut entrou com seus homens no castelo superior onde se encontrava seu tio junto a sessenta cavaleiros, por temor a seu sobrinho. Ali, o conde Balduíno, dirigindo-se a seu tio que jazia na cama por causa de sua enfermidade, mas podendo ouvir a todos, falou desta maneira: “– Senhor”, disse, “eu tomei com boa fé muitos trabalhos e grandes gastos, por vossa vontade, a custódia e a justiça de vossa terra. Ouço e vejo que desagrado a vós e a vossos conselheiros, pois me forçais a partir de vossa fortaleza, o que não me parece honroso nem para vós nem para mim. Assim, quero, se vos apraz, que me liberes totalmente da fé jurada por vosso bem e vossa paz.”

Ao ouvi-lo, o conde de Namur respondeu que podia conservar sua terra somente por si e com a ajuda dos seus. O conde de Hainaut insistiu que desejava ficar livre da custódia e da fidelidade jurada. E assim, absolvido dela por seu tio, regressou às suas terras.

A guerra entre o conde de Hainaut e o de Namur

Vendo o perigo em que se encontrava sua herança, o conde Hainaut apressadamente reuniu o exército e com poucos homens se dirigiu a Namur e sitiou o castelo, mas não permitiu que molestassem as gentes daquelas terras nem que levassem a cabo incêndios ou pilhagens. No dia seguinte, apesar de a maior parte de seu exército ter vindo desarmado e o conde de Namur ter consigo cerca de duzentos e quarenta cavaleiros e vinte mil homens a cavalo e a pé bem armados, o conde Balduíno V atacou Namur com trezentos cavaleiros e cerca de trinta mil homens a cavalo e a pé. Os homens de Namur se defenderam virilmente, mas no final foram derrotados. Cerca de cento e quarenta cavaleiros e muitos outros homens foram feitos prisioneiros e a todos eles o conde de Hainaut deixou em liberdade após jurarem que dali em diante não ofereceriam auxílio ao conde de Namur na guerra contra o conde de Hainaut.

Muitos dos cavaleiros e homens que restaram se refugiaram com o conde de Namur no castelo superior. Entre os prisioneiros estava também Egido de Duras, o conde leproso, homem enérgico que o conde teve cativo durante muito tempo no castelo de Ath. A vila de Namur foi espoliada pelos homens do conde, que levaram um botim em ouro, prata, vestidos e panos novos, brunete e viridubus, e outros tecidos, ornamentos de casa e armas para os homens. O conde de Namur teve desgosto com a pilhagem, pois apreciava muito os homens da vila de Namur e era amado por eles, mas em um caso assim não se pode conter a rapina dos homens.

Logo o conde ordenou que todos os cavaleiros permanecessem na vila para sitiar o castelo e que os homens restantes saíssem pelas portas afora. Contudo, os homens do castelo souberam disso e ocultamente incendiaram a vila que, destruídas as casas por causa do forte calor e do vento, ardeu quase por completo. No princípio, isso deixou preocupado o conde Balduíno V, mas logo fixou as tendas do outro lado do rio Sambre, em um prado situado entre as águas, o bosque de Marlagne e o castelo. Dali pôs sítio ao castelo defendido por muitos cavaleiros e homens armados. Uns dias depois começou a escassear o vinho, a cerveja e a água, pois havia secado o poço, e muitos, vendo o agravamento da situação, pediram paz e misericórdia. Então o conde de Namur entregou o castelo ao conde de Hainaut com uma condição: que Roger de Condé, homem lígio de ambos, de Namur e de Hainaut, teria o castelo e o conservaria fielmente com o de Durbuy enquanto o conde de Namur vivesse, de forma de que nenhum dos condes tivesse poder naqueles castelos, e com a morte do conde de Namur, ambos seriam restituídos ao conde de Hainaut como senhor e herdeiro dos mesmos.142

Contudo, como Roger não se encontrava presente, o castelo de Namur foi confiado a Otão de Trazegnies, Gautier de Wavrin e Nicolau de Barbençon, para que o custodiassem durante quinze dias até a chegada de Roger. Por outro lado, deram garantias de que o castelo de Durbuy ficaria livre no prazo de quinze dias da custodia de Roger. Deram sua fé e juraram o próprio conde de Namur, Wery de Walcourt, Clarembaud de Atrive, Bastien de Gourdinne e Godescalco de Morialmé. Contudo, estes juramentos nunca foram observados.

Por sua vez, o conde de Namur havia abastecido os castelos de Durbuy e de Bouvines com os cavaleiros do conde de Champagne, e quando Roger de Condé estava disposto a assumir a custódia dos castelos e pediu ao conde de Namur e a seus homens que entregassem o castelo de Durbuy, este conde não quis e nem pôde fazê-lo. Antes disso, os homens de Hainaut entregaram o castelo de Namur diretamente ao conde Balduíno V, e este o reforçou com cavaleiros, soldados a cavalo, a pé e víveres.

No tempo em que o conde de Hainaut se encontrava no sítio de Namur, havia sido devolvido a ele o castelo de Thy, que mais tarde seria entregue em feudo lígio a seu irmão Guilherme. O conde de Namur detestava o de Hainaut a tal ponto que preferiu perder esse castelo que era da honra de Namur que deixar de recorrer a quantos esforços e intentos estivessem em sua mão para deserdá-lo.

Sítios aos castelos de Bouvines, Viesville e Biesne

No mês de agosto, o conde Balduíno V, vendo que o de Namur faltava com a paz estabelecida, sitiou o castelo de Bouvines, guarnecido por cavaleiros de Champagne e Namur que, quando anteriormente haviam sido feitos prisioneiros pelo conde de Hainaut em Namur, haviam jurado fidelidade, assim como por soldados valentes e homens probíssimos e bem armados da cidade. Era impossível tomar a fortaleza pela força sem utilizar máquinas de guerra. Enquanto os sitiados aguardavam reforços de Champagne, os muros foram demolidos até a torre com um manganel, e logo atacaram a torre com uma catapulta até que os sitiados entregaram o castelo e regressaram em paz para suas terras. O conde de Hainaut restaurou a fortaleza, em grande parte abandonada há anos, e fortificou-a novamente. Todos estes fatos ocorreram no ano do Senhor de 1188.

Depois disso, o conde recebeu mensageiros do rei da França, que o ordenava acudir com presteza à sua presença. Contudo, o conde de Hainaut não tinha partidários no reino da França, mas inimigos que sustentavam que ele havia prejudicado a seu exército, pois o conde de Champagne o havia abandonado por causa de seus ataques. E como este conde de Champagne possuía uma importante parentela na França, o conde Balduíno não quis ir sem uma boa escolta. Quando a obteve, foi ao encontro do rei.

Enquanto o conde de Hainaut estava na França, seus homens sitiaram o castelo de Viesville, que após muitos assaltos se rendeu. Logo depois sitiaram e tomaram a fortaleza de Biesne, que recebe o nome de “La Coloniense”. O conde regressou então à suas terras sem muitas boas impressões do rei da França. Tampouco o conde de Flandres havia se mostrado muito afetuoso, de forma que não lhe cabia esperar nada bom dele. Também lhe chegaram rumores de certas ameaças do imperador e de seu filho Henrique, rei de Roma. E assim, praticamente só, o conde de Hainaut fazia o que podia, sem confiar na ajuda do imperador Frederico, nem de seu filho, nem do rei da França ou do da Inglaterra, nem do conde de Flandres ou do de Louvain, nem tampouco do arcebispo de Colônia. Só recebia contínuas ameaças de toda sorte de males.

Durante o tempo em que se encontrou no sítio de Namur, o conde de Hainaut havia colocado alguns soldados na defesa das fortíssimas torres do monastério de Floreffe, para que custodiassem as terras do monastério e para que seu tio não pudesse tomar as torres e utilizá-las contra ele. O abade do lugar, Germano, homem sedicioso mas que aparentava sempre uma ingenuidade, rogou a estes homens que se distanciassem dali, pois não podiam permanecer assim em um monastério, e lhes prometeu que ele custodiaria as torres e que elas não causariam dano algum ao conde de Hainaut. Contudo, quando se afastaram, o conde de Namur pôs ali seus homens com a permissão do abade. Por causa disso, o conde de Hainaut e aquelas terras sofreram um grande dano e prejuízo. A mesma abadia, então opulenta, foi devastada pelo fogo e reduzida a uma grande miséria durante muito tempo.

Não deixarei de contar como João Cornudo venceu a uns homens que lhe fizeram uma emboscada quando regressava do sítio de Bouvines, saltando completamente armado e a cavalo de um monte a um navio nas águas do Mosa. Este João, cavaleiro probo e enérgico, consangüíneo do conde de Hainaut, se encontrava em Namur custodiando o castelo. Como o conde Balduíno V se encontrava então no sítio de Bouvines, João foi buscá-lo para tratar de certas questões. No caminho de regresso, acompanhado por dois cavaleiros e sete soldados a cavalo bem armados, ele foi atacado por alguns soldados do conde de Namur, probos e escolhidos que haviam atravessado o Mosa em um grande navio por uma zona de difícil ultrapassagem. Quando João os viu, e como não podia escapar e tinha que enfrentá-los, completamente armado e com seu cavalo, atacou-os junto aos seus, que também estavam armados. Os inimigos, que eram uns quarenta, empreenderam rapidamente a fuga até o navio. Mas João, que não queria que escapassem, quando chegou às margens do rio e viu que não podia alcançá-los, com grande audácia retrocedeu até um monte e saltou armado e a cavalo no navio, que afundou e os cavaleiros caíram na água. Alguns se afogaram e outros escaparam, mas João, nadando com o cavalo, matou um homem na água, o que é digno de maravilha, e levou outro prisioneiro, saindo são e salvo do rio. Por esta façanha ele mereceu a louvação de quantos o ouviram contar.

A guerra entre o conde de Champagne e o conde de Hainaut

Naquele tempo foram firmadas tréguas entre o rei da França e o da Inglaterra, e o conde de Champagne recebeu a promessa de auxílio e ajuda contra o conde de Hainaut do rei da França, tio seu e filho de sua tia paterna, e de Ricardo, filho do rei da Inglaterra, que recebia o nome de conde de Poitiers, além de outros consangüíneos e amigos. Então o conde de Champagne reuniu um grande exército e se dispôs a atacar o conde de Hainaut. Muitos dos que se acostumaram a prestar auxílio ao conde de Hainaut se separaram dele e acudiram ao conde de Champagne, pois eram seus homens e vizinhos. Entre eles figuravam o conde de Rethel, Rainier de Rozoy, Roberto de Pierrepont, Godofredo de Bakham, Raul de Tur, Guido de Chery e Nicolau de Rumigny.

O conde de Hainaut não poderia esperar por socorro da parte dos de Flandres, apesar de alguns serem amigos seus e consangüíneos de sua esposa, a condessa Margarida, pois estes temiam muito o conde Felipe. Tampouco receberia conselho ou auxílio dos homens de Geldre143, pois apesar de haver entre eles muitos príncipes, condes e nobres que eram amigos e consangüíneos seus, também o eram do conde de Namur e de sua esposa. Por outro lado, desconfiava do duque de Louvain, Godofredo, e de seu filho Henrique, apesar de ter firmado com eles uma nova amizade.

E assim, quando teve notícia de que o conde de Champagne se dispunha a ir contra ele com um exército tão grande e formado por cavaleiros de tanta probidade, tomou para si sua esposa Margarida e seus filhos Balduíno VI, Felipe e Henrique, que então ainda eram pequenos, e foi ao encontro do conde Felipe de Flandres. Encontrou-o em Rihoult, próximo de Saint-Omer, e pediu-lhe humildemente, como seu senhor, seu amigo e confederado, que acudisse em auxílio de sua herança, de sua honra e de seus filhos. O conde de Flandres respondeu-lhe que se ele estivesse disposto a renunciar à confederação firmada com o rei da França e quisesse receber em feudo de suas mãos os castelos de Walincourt, Premont e Busigny, o ajudaria, mas de modo algum o faria em caso contrário. E o conde Balduíno V não desejava renunciar à confederação com o rei da França, pois não queria quebrar a fé dada por nada desse mundo, nem desejava receber em feudo daquele conde os castelos mencionados, pois mesmo que os tivesse quase como se fossem alódios sem formar parte do condado de Hainaut, temia a severidade do conde de Flandres que em qualquer momento poderia exigir sua restituição como senhor dos mesmos e o obrigaria a prestar estágio como homem seu, além de poder provocar para um duelo judicial qualquer barão de Flandres, tal como havia se acostumado a fazer naquela região.

Por isso, o conde de Hainaut, a condessa e seus filhos, não tendo encontrado amor nem piedade no conde Felipe, regressaram às suas terras. E assim foi como, por causa do rei da França, faltou ao conde de Hainaut o auxílio do de Flandres, e, ao mesmo tempo, por causa do conde de Champagne, lhe faltou o do rei da França, pois teve que levar ao fim seus mais graves assuntos, contando com o favor do Senhor e somente com as forças de seus homens de Hainaut.

O conde de Hainaut também considerou que necessitaria do apoio do imperador e do rei Henrique para ocupar o honor de Namur, pois eram alódios do império, e além disso o conde de Namur tinha feudos das mãos do imperador. Por isso, após celebrar Conselho com os seus, enviou núncios ao rei de Roma, Henrique, que se encontrava próximo do Reno com sua esposa Constança. Figuravam na legação o abade de Vicogne, homem muito erudito, doutor em língua romana e germânica, e também Gislebert, clérigo do conde. Estes atravessaram o Reno e encontraram o rei em Frankfurt, próximo ao rio Main. Narraram o que aconteceu em Namur e de que forma o conde Balduíno V teve que ocupar os castelos de seu tio, pois via fechar-se sobre si a deserdação. O rei respondeu-lhes bondosamente, e marcou um dia para que o conde acudisse à sua presença e à de seu pai, o imperador, em Altenburg, na Saxônia, para ali tratar dos bens do conde de Hainaut e da paz, de forma que possuísse os castelos ocupados com o favor do imperador e recebesse o auxílio do mesmo para os restantes bens que seu tio, o conde de Namur, ainda possuía. Após ouvir tão benigna resposta, a embaixada regressou para seu senhor, o conde de Hainaut.

Entretanto, o conde Balduíno havia enviado Gosuíno de Thuin como núncio ao rei da França, cavaleiro discreto e eloqüente, para que falasse secretamente com o rei. Este, contudo, lhe respondeu com severidade que não queria ouvir nada que o conde de Champagne, que se encontrava ali presente, não pudesse ouvir. Gosuíno astutamente então mudou as palavras e disse ao rei da França outras coisas que lhe haviam sido confiadas. Recebeu uma resposta não tão bondosa e depois regressou para o conde de Hainaut.

Assim, o conde de Champagne e o de Hainaut reuniram seus respectivos exércitos. O de Champagne, dispondo-se já a atacar o conde de Hainaut, chegou às Ardenas e, avançando seu exército muito ordenadamente, pediu auxílio ao duque de Louvain juntamente com o conde de Namur.

O conde de Namur, com o consentimento do de Champagne, outorgou ao jovem duque em garantia toda a sua terra, feudos e alódios, desde o Mosa até o Sambra, por cinco mil marcos de prata e fez com que dois de seus homens, Clarembaud de Atrives e Henrique de Merlemont, lhe jurassem fidelidade. Este duque também ocupou ali todas as vilas que pôde: Thisnes, Hasbania e muitas outras, reconstruindo a fortaleza de Liernu que ele mesmo, na guerra anterior contra o duque de Namur havia destruído, e em Merlemont, com Henrique, que era quem possuía a vila, colocou cavaleiros e soldados para pressionar dali o conde de Hainaut. Contudo, apesar de atacá-lo constantemente, nunca puderam submetê-lo.

Ao ver que era impossível chegar a uma trégua com seu tio, com o conde de Champagne e com o duque de Louvain, o conde Balduíno V pensou que não poderia chegar a Altenburg no dia marcado e, por isso, após celebrar Conselho com os seus, enviou, como legados à corte do imperador e de seu filho, o rei, Gosuíno de Thuin e seu clérigo Gislebert. Quando estes chegaram a Mogúncia, ouviram dizer que o imperador e seu filho se encontravam em Erfurt, que se encontra a quinze jornadas desta cidade144, e haviam decidido partir dali separadamente após três dias. Então, os legados decidiram percorrer esta distância em dois dias e duas noites e chegaram a Erfurt na Oitava de Todos os Santos. Ali foram recebidos com grandes honras pelo imperador e pelo rei, seu filho, que, por causa dessa visita, atrasaram sua partida três dias.

Não deixarei de narrar as honras e bens que o imperador e seu filho, o rei, colocaram à disposição do conde de Hainaut. Na corte de Erfurt, encontrava-se Pedro, bispo de Toul, homem discreto e enérgico, que havia sido enviado pelo conde de Champagne com a promessa de cinco mil marcos para o imperador, cinco mais a seu filho, mil para a rainha, mil para a corte em geral e cerca de mil e setecentos para vários conselheiros da corte, em troca de seu favor nas possessões de Namur e de seu auxílio contra o conde de Hainaut. Inclusive, caso não quisesse oferecer seu auxílio contra este conde, prometia a metade do mencionado apenas por seu favor. Contudo, quando os núncios do conde de Hainaut chegaram, o imperador desdenhou no mesmo instante aquelas promessas e deu licença ao bispo para partir.

Os núncios do conde de Hainaut obtiveram o favor do imperador e do rei com a promessa de pagar mil quinhentos e cinqüenta marcos em três vezes: a terça parte no Natal, outra na Páscoa e a última quando morresse o conde de Namur ou quando se chegasse a um acordo e se firmassem tréguas. Foi também fixado que o conde de Hainaut iria ao encontro do rei Henrique próximo do Reno e voltaria a colocar em suas mãos os alódios e feudos de seu tio, tanto os que tivesse naquele momento quanto os que retivesse o conde de Namur, e que o rei os entregaria em feudo lígio. Por isso, o conde de Hainaut seria chamado marquês de Namur e gozaria do privilégio dos príncipes do Império. E assim, os núncios, após firmarem o pacto desses acordos e confiarem-nos a um escrito que os revalidasse, regressaram de Erfurt à corte de Hainaut na véspera de São Martinho com a escolta de um cavaleiro muito probo do rei, F. de Hause.

Tampouco deve silenciar, pelo contrário, deve ser conhecido publicamente como exemplo de um fiel serviço a um senhor, como um desses núncios, o clérigo Gislebert, deu na corte as duas únicas prebendas que possuía, encontrando-se ausente e ignorando-o seu senhor, o conde de Hainaut, para assim promover a um bom término os assuntos do condado. E deve ser sabido que este clérigo já havia entregado antes duas outras prebendas, a pedido de seu senhor. O conde premiou sua boa vontade e remunerou aquele fiel serviço buscando para ele a prepositura da igreja de São Germano de Mons, a custódia e a prebenda da igreja de Santa Waldru, a custódia e a prebenda da igreja de São Pedro de Namur, a prepositura, custódia e prebenda da igreja de Santo Albano de Namur, a prebenda de Soignies, a prebenda da igreja de Conde e da igreja de Meubeuge. Além disso, conseguiu de Alberto de Cuyk, bispo de Liège, que este Gislebert pudesse obter a doação das prebendas da igreja de Santa Maria, em Namur.

Nessa época, foram firmadas várias vezes tréguas entre o conde de Hainaut e o duque de Louvain e o conde de Namur. Contudo, estes nunca as observaram. O conde Balduíno, por ordem do rei de Roma, se dispôs a ir a seu encontro. Com a escolta do duque Godofredo, outorgada por ordem do rei Henrique, atravessou com F. de Hause até Visé, junto ao Mosa. Dali, com a escolta de Hugo, cavaleiro de Worms que custodiava aquela terra em nome do rei, chegou até o palácio de Aix-la-Chapelle. Ali veio ao seu encontro o conde de Juliers e, por ordem do rei, o conduziu até Coblence. No terceiro dia depois do Natal, o conde de Hainaut chegou perante o rei de Roma em Worms. Junto com ele vieram alguns de seus homens: Rainier de Trith, Hugo de Croix, H. de Roeulx, João Cornudo, Gosuíno de Thulin e Gislebert, seu clérigo. O rei os recebeu com um semblante tranqüilo e jovial.

O conde Balduíno colocou então nas mãos do rei todos os alódios do conde de Namur, tanto aqueles que já possuía quanto os que ainda estavam retidos por este conde. Este alódios pertenciam aos domínios de Namur, La Roche e Durbuy. O rei os reuniu com os feudos, as famílias e as igrejas situadas nestes condados do império e fez deles um principado chamado Marca, concedendo este marquesado ao conde de Hainaut em feudo lígio.145 O conde Balduíno logo rendeu homenagem lígia por estas terras sob o testemunho dos príncipes Conrado, arcebispo de Mogúncia, o conde palatino do Reno, Conrado, o bispo de Worms, o bispo de Spira e de muitos outros nobres, de Roberto, conde de Nassau, (...)146, conde de Leiningen, de Roberto de Walldürn, do chanceler João e também de ministeriais, Werner de Bolanden, Conão de Minzenberg, F. de Hause, Hunfrido de Falkenstein e de muitos outros nobres e ministeriais. E deste modo ele foi feito príncipe do império e marquês de Namur. Contudo, por ordem do imperador a seus fiéis, isso deveria ser mantido em segredo até que morresse o conde de Namur ou o de Hainaut chegasse a um acordo com ele. E foi acordado que nenhum outro herdeiro do conde de Hainaut receberia aquele marquesado de Namur em tenência, mas somente aquele que recebesse o próprio condado de Hainaut.

Henrique, rei de Roma, para favorecer o conde de Hainaut, ordenou ao conde de Namur que acudisse a Liège em um dia assinalado para isso, na oitava da Epifania, para fazer as pazes com o conde de Hainaut. Após permanecer dezesseis dias em Worms, o rei chegou com o conde de Hainaut à cidade de Liège. Também acudiram a Liège muitos homens probos de Hainaut que formavam parte do Conselho do conde: seu irmão Guilherme, Otão de Trazegnies, Nicolau de Barbençon e muitos outros, e com eles também seu filho Balduíno VI, que ainda era criança. Todos eles chegaram desarmados. Ao contrário, o conde de Namur chegou com cerca de cem cavaleiros em armas e muitos soldados a cavalo e o duque de Louvain, Henrique, o Jovem, chegou com grande soberba acompanhado de um séquito de trezentos cavaleiros em armas e outros tantos soldados. Estes séquitos ímprobos e arrogantes ofenderam gravemente o rei, pois ele mesmo veio com poucos e desarmado, trazendo consigo também sem armas o conde de Hainaut mesmo sabendo que aqueles o odiavam muito. O conde, se tivesse sabido disso antecipadamente, teria podido precaver-se em armas contra eles.

O rei tentou por todos os meios lograr a paz entre o conde de Namur e o de Hainaut, mas nada conseguiu. Após reter o conde de Namur e o duque de Louvain alguns dias, no final deu licença para o de Namur partir e levou consigo para Utrecht o duque de Louvain e o conde de Hainaut para que pelo menos fizessem as pazes. E não tendo podido fazer nada por esta paz durante sua estada em Utrecht, partiu daquelas terras com eles em direção a Kaiserwerth, próximo ao Reno. Ali logrou a paz entre ambos, ficando dela excluída o conde de Namur. Pela paz, concórdia e confederação firmadas então entre o conde de Hainaut e o duque de Louvain, este entregou livremente ao conde de Hainaut a terra que tinha em fiança de cinco mil marcos pelos condes de Namur e de Champagne, em troca da qual o de Hainaut deu-lhe setecentos marcos.

Além disso o conde Balduíno V concedeu-lhe perpetuamente as vilas de Thisnes, na Hasbania, e de Liernu, prometendo-lhe ajudá-lo em toda a necessidade contra todos os homens, exceto o imperador, seu filho, o rei Henrique, o bispo de Liège e o conde de Flandres. Estes acordos foram confirmados por juramentos de fidelidade e deles foi fiador o rei de Roma. Eles também quiseram que isso constasse por escrito.147

Uma parte deste escrito, firmada e revalidada pelo selo real e o duque de Louvain, o conde de Hainaut guardou consigo; outra parte, firmada e revalidada pelo selo do rei e o do conde de Hainaut foi guardada pelo duque de Louvain. O rei Henrique também obteve uma parte confirmada com os selos do conde de Hainaut e do duque de Louvain. Foi também ordenado que estes pactos e esta confederação fossem reconhecidos perante muitos homens nas respectivas terras, e que o duque de Louvain renunciasse-as do conde de Namur perante eles e fizesse o conde de Hainaut ter em paz os castelos, as fortalezas e os homens daquelas terras que anteriormente estavam sob a fiança do conde de Namur.

O conde Hainaut deixou seu filho Balduíno VI com o rei para que aprendesse a língua germânica e os costumes da corte e dali regressou para suas terras com a escolta do duque, através de suas possessões e das do conde de Geldre, sendo recebido com grandes honras em Mons e entrando em procissão na igreja de Santa Waldru, tal e como deveria fazer sempre que regressasse da corte do imperador.

O jovem duque de Louvain, após celebrar Conselho com o conde de Flandres, embora tivesse se comprometido com o conde de Hainaut a reconhecer os pactos perante os homens de suas terras e prometido devolver livre a terra do conde de Namur, quando findaram os três dias assinalados para isso, durante a Quaresma, não se apresentou nem quis devolver a terra aceita em fiança de seu tio, causando dano e detrimento ao conde de Hainaut. Em Merlemont, os homens do duque que se encontravam com Henrique, possuidor do castelo, cavalgavam de Hainaut a Namur e de Namur a Hainaut oprimindo gravemente as terras. Próximo dali, no monastério de Floreffe, também se encontravam alguns homens do conde de Namur e daquela abadia devastavam continuamente as terras do conde de Hainaut, atacando seus homens, de forma que após a tomada do castelo de Namur, o conde Balduíno V, durante dezessete meses, proveio os castelos de Namur e de Bouvignies de víveres, somente graças às grandes tropas de cavaleiros. Durante esse tempo, o conde, sem esperar nada de bom da paz e confederação firmadas com o duque de Louvain, estava continuamente na expectativa dos ataques do conde de Champagne.

Naquela Quaresma, Godescalco de Morialmé, cavaleiro probo, nobre e rico, muito amado pelos de Hainaut, se fez cruzado e recebeu as ordens do Hospital de São João de Jerusalém.

A morte de Frederico I Barba-Ruiva (1189)

Na Páscoa do Senhor de 1189, Frederico, poderosíssimo imperador de Roma, pai do rei Henrique, tendo tomado em Haguenau a alforje e o bordão148, empreendeu o caminho até Jerusalém. Chegou primeiro à cidade de Ratisbona, onde seu exército cruzado o aguardava. Congregado este, estimado em cerca de vinte mil cavaleiros além de soldados, burgueses, clérigos e outros homens a pé, o imperador, junto com seu filho, o duque Frederico de Suábia, cavaleiro probo e generoso, pôs-se em marcha, poderosa e virilmente. Dali, passando pela Hungria e Bulgária, chegou à terra do imperador de Constantinopla, e como este se opôs a seu trânsito por aquelas terras, alçou-se contra ele como inimigo de Cristo, destruiu algumas de suas cidades, retendo outras à sua vontade enquanto permaneceu ali. A intenção do imperador de Roma era que o de Constantinopla o acompanhasse, ou ao menos que lhe desse garantias para atravessar pacificamente aquelas terras, provendo-o de víveres durante esse tempo.

Quando o imperador de Constantinopla viu que o de Roma, tendo Deus a ajudá-lo, prevalecia sobre ele, fez as pazes, ofereceu-lhe escolta, reféns que garantissem a paz e mandou que lhe vendessem víveres. Então o imperador de Roma atravessou aquela terra e a do sultão de Konia. Após terem avançado afortunadamente chegaram a um rio que estava congelado149, apesar de o tempo estar quente. Enquanto estavam se preparando para atravessar o rio navegando-o, o imperador decidiu atravessá-lo a cavalo, apesar de todos tentarem dissuadi-lo. Ele quis atravessá-lo corajosamente de todas as maneiras, e caiu com o cavalo no meio do rio. Quando a água o cobriu, ele quase se afogou, mas graças a Deus pôde ser ajudado por seus homens e regressou à terra. Contudo, como a água estava gelada, embora o tempo estivesse quente, ele caiu tão gravemente enfermo que faleceu oito dias depois.150 Sua morte foi chorada por quase todos os fiéis da cristandade submetida, pois ele parecia ser, dentre todos os reis e príncipes deste mundo, o mais poderoso, vigoroso e valente, além de ter consigo os homens mais probos do Império e carregados de grandes riquezas em ouro e prata. Se tivesse sobrevivido ele poderia ter contribuído com um grande auxílio à terra de Jerusalém. Mas ao morrer, quase todo o seu exército pereceu de uma enfermidade idêntica. Seu filho Frederico, duque da Suábia, chegou ao sítio de Acre somente com cerca de setecentos cavaleiros, e pouco depois de encontrar-se ali, por vontade do Senhor, também faleceu, virilmente e pagando com largueza os necessitados.

Entretanto, o conde de Hainaut se encontrava às vezes em conflito, às vezes em trégua com o duque de Louvain e com o conde de Namur, pois quando firmavam tréguas estes não as mantinham firme por muito tempo. No dia de Pentecostes, o rei de Roma, Henrique, nomeou cavaleiro na cidade de Spira com grandes honras a Balduíno VI, filho do conde de Hainaut, com o consentimento deste conde. Balduíno VI consumiu bens e distribuiu dons honestamente entre todos os cavaleiros, clérigos e soldados da corte: presenteou-os com cavalos de combate, palafréns151 e rocins152, vestes preciosas, ouro e prata; recompensou grata e alegremente a jograis e jogralesas, e uma vez feito cavaleiro, o rei Henrique não o permitiu partir, fez-lhe grandes promessas e o honrou na corte acima dos restantes nobres.153 Além disso, o rei de Roma queria que o conde de Hainaut fizesse um de seus filhos clérigo, e lhe prometia que em quinze anos o faria arcebispo de Colônia, de Mogúncia ou de Trevers, ou bispo de Liège.154 Este conselho, contudo, não agradou ao conde, e todos os seus filhos permaneceram laicos.

Naquele tempo era conde de Duras Egido, cavaleiro probo, que tinha também o castelo de Clermont, entre Liège, Huy e Rochefort, nas Ardenas. Ele era protetor de Saint-Trond e de Dinant, e tinha dois irmãos, Conão e Pedro. Por vontade de Deus ele caiu enfermo, de lepra, abandonou suas armas que sempre amara e convivera, e entregou o condado e alguns alódios a seu irmão Conão. Entregou ao outro irmão, Pedro, sua parte em terras, e reteve para ele o alódio de Geldenaeken. Após um tempo, o jovem duque de Louvain, Henrique, o arrebatou, com o consentimento do conde de Flandres, consangüíneo de Egido. Por isso, apesar da lepra, ele tomou de novo as armas para vingar a afronta e, instalando-se às vezes em Duras, às vezes em Clermont, atacava constantemente o duque de Louvain e o conde, capturava suas mercadorias e lhes arrebatava tecidos escarlates e outros tecidos e a prata que levavam, encarcerando-os e pedindo por eles altos resgates. Esta guerra se prolongou por muito tempo. Seus irmãos, que careciam de herdeiros diretos, doaram todos os seus bens, alódios, feudos e famílias às igrejas de Santa Maria e São Lamberto de Liège.

Contudo, posteriormente não respeitaram a doação e Raul, bispo de Liège, não quis reter estes bens para honra e utilidade de sua igreja, pois ele mesmo aceitou dinheiro do conde Gerardo de Looz para renunciar a Duras, e de Wery de Walcourt, que tinha sua irmã por esposa, para renunciar a Clermont, a Rochefort e ao protetorado de Dinant, de forma que após a morte destes irmãos Wery de Walcourt possuiu Clermont, Rochefort, Dinant e muitos outros bens, e o conde Gerardo de Looz obteve Duras e o protetorado de Saint-Trond, sendo ajudado, além de Deus, pelo auxílio do conde de Hainaut, consangüíneo seu em segundo grau. Além disso, deve ser sabido que este Conde Conão de Duras, homem débil e de pouco ânimo e sabedoria, tinha o protetorado de Saint-Trond e outros bens pelo duque de Limbourg, devendo estágio em seu castelo de Limbourg.

Um dia, o duque Henrique de Limbourg, tio do jovem duque Henrique de Louvain, mandou chamar Conão para prestar estância em sua fortaleza. Conão rechaçou o aviso de seu senhor e, atuando assim insensatamente incorreu em grave ofensa, pondo seus feudos em perigo.155 O duque de Limbourg levou-o diante seu tribunal e o fez abjurar os bens que tinha por ele e alguns deles ocupou-os pessoalmente156, mas o protetorado de Saint-Trond vendeu-o ao conde de Looz, Gerardo. Este conde rendeu-lhe homenagem e se fez com o protetorado apoiado pelos próprios burgueses dessa vila, homens ricos e poderosos com as armas. Era o ano do Senhor de 1189.

Nesse mesmo ano, o conde Conão de Duras se fez cruzado, vendeu o mesmo protetorado e o castelo de Duras ao jovem Henrique de Louvain por oitocentos marcos. Então, o duque ordenou que renovassem a fortificação de Duras, provendo-a de cavaleiros, soldados e víveres para, a partir dali, atacar o conde de Looz e a vila de Saint-Tronde. Tendo reunido um exército de cerca de setecentos cavaleiros e sessenta mil homens a cavalo e a pé, na oitava de Pentecostes arrasou com pilhagens e incêndios a maior parte da terra do conde de Looz e logo sitiou Saint-Tronde, onde se encontrava o conde de Looz e o duque de Limbourg com trezentos cavaleiros, outros tantos homens a cavalo e cerca de vinte mil a pé, além dos homens da vila. O duque de Louvain havia tomado a vila com segurança, pois possuía um número de forças muito maior. Contudo, o conde Balduíno V de Hainaut chegou em socorro do conde de Looz. Este, considerando que o duque de Louvain não queria respeitar a paz e a concórdia firmadas perante o rei de Roma, e escutando os rogos e as súplicas de seu consangüíneo, o conde de Looz, com quem também se encontrava confederado, reuniu o exército e, na segunda-feira depois do primeiro domingo após a oitava de Pentecostes, atravessou seu castelo de Viesville, entrou na terra do duque e a devastou, saqueando-a e incendiando-a em sua maior parte. Logo regressou a Soignies com seu exército e ali atacou duramente a terra do duque de Brabante com incêndios e pilhagens. Quando o duque recebeu as notícias dessas agressões, abandonou rapidamente o sítio, confuso e estremecido.

Quando Saint-Trond foi liberada, o conde de Hainaut licenciou seu exército mas colocou suas mesnadas em Brabante, em Braine-le-Comte, em Viesville e em Namur para fazer frente ao conde de Namur.157 Este, por sua vez, colocou as suas frente ao conde de Hainaut e ao de Looz em Nivelle e nas fortalezas da fronteira. Na mesma época, o conde de Champagne colocou seu grande exército em marcha e ameaçou atacar as terras de Hainaut. O jovem duque de Louvain esperava sua chegada para cobrar vingança do conde Balduíno V. Contudo, o de Champagne, quando já se dispunha ir, e o próprio conde de Hainaut mobilizava seu exército para enfrentarem-se, atrasou sua partida.

Aconselhado por seus homens, o conde de Hainaut decidiu avisar a seu filho Balduíno VI, novo cavaleiro, através de legados, para que não tardasse em acudir em seu auxílio, pois se encontrava em grande necessidade. Este, quando ouviu o núncio de seu pai, o clérigo Gislebert, e após bondosamente receber licença do rei de Roma, regressou ao local junto a seu pai.

A paz entre o conde de Hainaut e o conde de Flandres

No mês de julho, o conde de Flandres, vendo que o duque de Louvain não lograva causar dano ao conde de Hainaut, convocou ambos em Ypres e ali acertou uma trégua entre eles até a festividade da Natividade de Maria. Um pouco antes dessas tréguas houve um enfrentamento, que em língua vulgar chamam pognis158, entre muitos homens de Nivelle e um pequeno grupo de cavaleiros e soldados de Viesville. Estes resistiram virilmente e deram morte a muito mais cavaleiros inimigos que os que lhes mataram. Mesmo assim, muitos cavaleiros e serventes, cerca de cem, procedentes de Nivelle, chegaram a vila de Haine, próximo a Binche, mas foram vencidos por seis cavaleiros, alguns camponeses indefesos e as mulheres, e ao fugir alguns foram feitos prisioneiros e outros abandonaram cavalo e armas. Assim, uma mulher daquela terra reclamou sua parte do botim frente aos homens, um cavalo de tiro159, armas e vestes, o que se maravilharam quantos a ouviram. Também nessa mesma época chegaram inesperadamente a Braine-le-Comte cerca de duzentos cavaleiros e soldados a cavalo, além de muitos homens a pé, procedentes de Nivelle; foram vencidos nesta ocasião por quarenta homens a cavalo estabelecidos em Braine e um pequeno grupo de homens a pé, que os colocaram em fuga e fizeram muitos prisioneiros.

O rei da França quis então fazer a paz entre aqueles a quem amava, isto é, entre o conde de Champagne, seu sobrinho, e o conde de Hainaut, seu pai.160 Para isso, fez acudir à sua presença em Pontoise, no mês de agosto, o conde de Hainaut. Ali se encontravam, representando o conde de Champagne, o arcebispo de Reims e o conde Teobaldo. O rei ordenou a paz dessa maneira: o conde de Hainaut teria Namur e o que pertencesse a Namur em alódios e feudos, e o de Champagne obteria La Roche e Durbuy; Luxemburgo ficaria à disposição do rei de Roma, Henrique. Tanto o conde de Hainaut quanto o conde Teobaldo e o arcebispo de Reims firmaram este acordo de paz que seria concluído em Paris no dia de São Egido. Embora estas disposições não lhe parecessem contrárias em nada à vontade de seu senhor, o rei de Roma, o conde Balduíno V não quis levar ao término o acordo sem seu conselho e seu consentimento, e lhe enviou como núncio a seu clérigo Gislebert; o rei lhe respondeu que de modo algum lhe comprazia esta paz nem lhe comprazeria enquanto o conde de Champagne retivesse uma parte qualquer de sua terra. Por outro lado, tampouco o conde de Champagne estava de acordo com a paz acordada por meio de seu senhor, o rei da França e de seus tios, o arcebispo de Reims e o conde Teobaldo. Assim, o conde de Hainaut obteve o favor do rei de Roma e do da França.

Em setembro, o conde de Champagne mobilizou seu exército contra o conde de Hainaut e o duque de Louvain se dispôs a acudir em seu auxílio. O conde de Hainaut também convocou o seu e, uma vez congregado, esperou alguns dias, mas então o conde de Champagne adiou sua partida.

O conde de Flandres quis então atuar bondosamente e lograr as pazes entre o duque de Louvain e o conde de Hainaut. Fixou uma data em outubro em Hautecroix para o colóquio. No dia assinalado, na presença do arcebispo Felipe de Colônia, e após três dias de conversações, foi renovada a paz que já tinha sido firmada por mediação do rei Henrique, confirmada novamente mediante a fé e os juramentos de ambas as partes e corroborada pela entrega mútua de reféns. Não obstante, o conde de Flandres acrescentou quinhentos marcos aos setecentos que o conde de Hainaut havia prometido dar ao duque de Louvain pelo resgate da terra de Namur, sob o pretexto de compensação dos danos causados ao duque, de modo que o conde Balduíno V acabou por dar ao jovem duque de Louvain mil e duzentos marcos e este entregou a terra que tinha em fiança do conde de Namur. Foi igualmente acordado que o duque de Louvain devolveria a metade do dinheiro que o conde de Hainaut havia emprestado a respeito de Lembecq, e que este duque teria a partir de então as rendas e colheitas desta vila pelo reconhecimento de verdadeiramente pertencer a seu feudo.

Em novembro o conde de Hainaut reuniu seu exército e pôs sítio a Merlemont. Após seis dias de sítio, assediando com assaltos e máquinas de guerra, finalmente lhe foi entregue este castelo que tantos problemas havia lhe causado. Na última semana de novembro, antes que começasse o Advento, o conde Balduíno V sitiou o mosteiro de Floreffe, que se encontrava abastecido de homens resolutos e destemidos dispostos a defendê-lo. Nada conseguiram os ataques de homens e de máquinas, isto é, catapultas e manganeles.161 No final, o conde decidiu escavar a parte anterior dos muros do mosteiro, com a ajuda de seus homens e das máquinas, sustentando-o com madeiras. Após sete semanas de sítio incendiou as madeiras que sustentavam os muros e então os homens que se encontravam em seu interior entregaram o mosteiro e se colocaram nas mãos do conde.162 Este derrubou as torres e os telhados, para que ninguém voltasse nunca mais a encontrar refúgio nelas. Durante aquele sítio morreu de enfermidade João Cornudo, homem probo e cavaleiro valente, consangüíneo do conde de Hainaut. Foi enterrado no mosteiro de Saint-Ursmer de Lobbes.

No terceiro dia depois do Natal desse mesmo ano, os homens que pertenciam ao honor de Namur, tanto cavaleiros como serventes, fizeram homenagem e deram garantias ao conde de Hainaut no prado situado em um lugar chamado Herbatte. Logo recebeu a homenagem e garantias de Clarembaud de Atrives, consangüíneo seu, por seu castelo e outros bens.

Em março desse mesmo ano do Senhor de 1189, faleceu Isabel, rainha da França, filha do conde de Hainaut, mulher religiosíssima e muito amada por todos os da França, tanto por cavaleiros como pelos clérigos e os homens de outras condições. Seu corpo foi enterrado em Paris, no mosteiro maior de Santa Maria.163

Em julho do ano do Senhor de 1190, o conde de Hainaut fez as pazes com seu tio, o conde de Namur e de Luxemburgo, por mediação do arcebispo Felipe de Colônia, e com as seguintes condições: o conde de Hainaut teria em paz todos os castelos que havia ocupado junto com o burgo de Namur e todas as vilas nas quais se encontravam estes castelos; o conde de Namur teria todas as vilas nas quais não se encontravam estes castelos; o conde de Hainaut receberia a homenagem e jurisdição de todos os feudos. Por isso, o conde de Namur reuniu a seus fiéis e lhes fez prestar homenagem e jurar fidelidade ao conde de Hainaut. Além disso, o próprio conde de Namur jurou que, após a sua morte, o conde de Hainaut teria os castelos de Durbuy, La Roche e todos os demais. Esta paz foi aprovada por ambas as partes, dada mútua fé e prestados os juramentos. O conde de Namur rogou ao rei de Roma, Henrique, através de suas cartas patentes164, e de legados fiéis do próprio rei que haviam sido testemunhas do acordo, que ratificava esta paz e concederia ao conde de Hainaut todos estes bens, recebendo-o como seu homem, o qual já havia sido realizado anteriormente. Firmada a paz, o conde de Hainaut teria de pagar ao rei, por sua parte e pela parte de seu pai, o imperador, os novecentos marcos de prata pura que haviam acordado em Erfurt; e como o imperador as havia destinado ao arcebispo de Colônia como auxílio a sua viagem que deveria empreender a Apúlia, o conde teve de liquidar este assunto com o arcebispo.

Nesta época havia falecido o gloriosíssimo rei da Sicília, Guilherme, duque de Apúlia e príncipe de Cápua, sobrinho da rainha de Roma, Constança. Um consangüíneo seu chamado Tancredo, nascido do adultério, ocupou o reino de Apúlia e em troca de muito ouro se fez corar rei. Quando o rei de Roma, Henrique, se inteirou disso, decidiu dirigir-se àquelas terras e subjugá-las a seu domínio, pois lhe pertenciam por direito de herança de sua esposa, a rainha Constança. Convocou em seu auxílio quantos príncipes do império, nobres e ministeriais, pôde, e fixou o dia de São Miguel para reunir-se com eles em Augsburg, cidade da Suábia.

Naquele tempo também morreu o nobre duque Godofredo de Louvain, homem bondoso e pai do jovem duque Henrique. Sua esposa era irmã do conde Gerardo de Looz e ele a havia tomado em segundas núpcias ao falecer sua primeira esposa. Dela nasceram dois filhos: Guilherme, que viveu muito tempo, e Godofredo, que morreu em seguida.

Nesse mesmo ano morreu o rei Henrique da Inglaterra, que havia tomado a cruz.165 Sucedeu-lhe seu filho Ricardo, que foi coroado rei na cidade de Londres.166 Este rei Ricardo rendeu homenagem ao rei da França, Filipe, pelos ducados da Normandia e da Aquitânia e pelo condado de Anjou.

Nesse verão, o ilustre rei Filipe da França e o rei Ricardo da Inglaterra empreenderam juntos o caminho a Jerusalém.167 No trajeto e mais tarde, em terras de Ultramar, surgiram graves disputas entre ambos. De seu lado, o rei da Inglaterra submeteu a rica ilha de Chipre, cujo senhor se fazia chamar rei. Logo o rei da Inglaterra a incorporou ao reino de Jerusalém.

O rei de Roma, graças ao favor do papa Celestino e dos próprios romanos168, pôde levar a coroa imperial em sua viagem a Apúlia, e rogou ao conde de Flandres, que se havia feito cruzado e se dispunha a partir para Jerusalém, que lhe acompanhasse até Roma, de forma que, com as forças do poderosíssimo conde de Flandres, as do rei pareceriam maiores. O conde Felipe de Flandres assim o concedeu.

Quando o conde de Hainaut se inteirou que o conde de Flandres logo partia ao encontro do rei de Roma, por conselho de seus homens e do próprio conde de Flandres pensou em ir com este conde perante o rei para manifestar a paz firmada com seu tio, para que assim este rei reconhecesse antes de sua partida e perante todos os príncipes do império o que havia sido acordado e confirmado ao conde de Hainaut na corte de Worms perante somente alguns poucos. Mas como o conde de Hainaut não tinha segurança na entrada e saída de muitos lugares, foi acordado que Henrique, duque de Louvain, lhe daria escolta. Este rei Henrique também se dispunha a partir à corte do rei de Roma para que, por intercessão do conde de Flandres, lhe fossem entregues com maior rapidez das mãos desse rei suas terras e feudos que pertenciam ao império e que ele herdaria por ter morto seu pai. Certamente esta escolta não seria muito boa para o conde de Hainaut, pois na corte ele logo se lhe opôs abertamente.

O conde de Flandres e de Vermandois, Felipe, homem ilustre e poderoso, justiceiro com os bens da Igreja e dos homens, marcado pela cruz do Senhor, ao empreender o caminho até Jerusalém recebeu o bordão e a alforje em Gand169, na presença do conde Balduíno V de Hainaut, de sua esposa, a condessa Margarida, e dos filhos de ambos. Ali o conde de Flandres confiou ao de Hainaut a custódia de sua terra e a proteção de sua esposa à rainha Matilde. Do dinheiro que levava consigo, cerca de cinqüenta marcos de prata, entregou quarenta marcos à sua esposa Matilde, que se fazia chamar rainha.

O conde de Hainaut mudou de parecer e decidiu não ir pessoalmente perante o rei de Roma, enviando seu clérigo Gislebert, prepósito de São Germano em Mons e custódio de Santa Waldru, com as cartas de seu tio que demonstravam a paz firmada e rogavam o apoio do conde de Hainaut, bem como as cartas do arcebispo de Colônia que garantiam esta mesma paz e suas condições. Além disso, o conde de Hainaut havia entregue seu filho Felipe como garantia ao arcebispo por novecentos marcos de prata pura, prometidas ao rei e doadas ao bispo. Quando o núncio do conde de Hainaut chegou perante o rei de Roma em Hall, na Suábia, e lhe notificou a paz firmada entre o conde e seu tio, este se alegrou muito. No domingo pela manhã o rei entregou ao duque de Louvain, a pedidos do conde de Flandres, todos os seus feudos, sem mediação de dinheiro, embora antes não tenha querido concedê-los, nem em troca de muitíssimo dinheiro, e sem sequer ter atendido os rogos daquele conde.

O discurso do clérigo Gislebert de Mons na reunião em Hall, na Suábia, em defesa do conde de Hainaut

Naquele tempo o duque de Louvain possuía as terras de Bolonha pelo conde de Flandres. Este afirmava que tinha sobre aquela terra cinco mil libras de fiança. Ele havia entregue em feudo este dinheiro ao duque e, expulsando sua sobrinha daquela terra, a condessa Ida, a havia destinado ao duque de Louvain por esse dinheiro, de forma que possuía a terra quase como em fiança. Portanto, foi necessário que o duque de Louvain, antes de fazer homenagem ao rei, renunciasse à homenagem do conde de Flandres, pois os príncipes do império gozam do privilégio de não poder fazer homenagem a nada que não tenha sido consagrado, podendo, no entanto, render homenagem a reis e a bispos e abades reais.

Depois que o duque rendeu homenagem ao rei Henrique, o núncio do conde de Hainaut, o clérigo Gislebert, que se encontrava sentado entre muitos príncipes e nobres e cerca de quatro mil cavaleiros no amplo e espaçoso claustro dos monges, sendo visto e ouvido por todos, apresentou ao rei as cartas do senhor de Colônia e as do conde de Namur e de Luxemburgo, a respeito da paz firmada sob o testemunho do conde Gerardo de Looz e de muitos outros nobres e ministeriais que estiveram presente. Então, o rei, disse, sendo ouvido por todos, que havia feito de Namur, Durbuy e La Roche um marquesado, que havia feito o conde de Hainaut marquês e príncipe do império sob o testemunho de alguns príncipes, e que manifestava isso para que todos os príncipes que estavam ali presentes o reconhecesse.

Quando ouviu isso, o duque de Louvain disse que aquilo ia em detrimento de sua dignidade e que queria ter conselho sobre estas coisas.170 Quando celebrou conselho com o conde de Flandres e aqueles seus homens que estavam presentes, disse, através de seu locutor, o conde de Flandres, que na terra de Namur ou na de La Roche não poderia haver nenhum príncipe, pois elas se encontravam em seu ducado, que se estendia além de Hainaut até um lugar que chamam Truncus Berengeri. O clérigo Gislebert respondeu a isso, afirmando que nem os duques de Bulhão, nem depois deles os duques de Limbourg, os condes ou duques de Louvain tiveram ducado algum no condado de Namur, em La Roche ou em Hainaut, nem esse duque Henrique podia demonstrar continuidade alguma na possessão desses lugares, nem por ele mesmo, nem por seus antecessores. Dirigindo-se ao rei, disse: “– Senhor rei, o conde de Hainaut, meu senhor, tem por vós, como príncipe, a marca de Namur, tal e como a reconheceis, tendo os príncipes como testemunhas e pares. Se alguém tem algo a dizer contra sua tenência e honor, ele está disposto a apresentar-se no dia que assinalais em juízo perante um tribunal legitimamente constituído.”171

Enquanto o núncio do conde de Hainaut falava assim contra o duque de Louvain e seu locutor e auxiliador o conde de Flandres, o rei pediu sentença sobre estas coisas ao próprio conde de Flandres. Este sentenciou dizendo – e com ele seguiram os príncipes – que o conde de Hainaut podia ser feito marquês e príncipe daquelas terras em justiça, pois o duque de Louvain não podia demonstrar continuidade na possessão de um ducado naquelas terras nem por si nem por seus antepassados. Logo o marquês de Meissen julgou – e com ele seguiram todos os seus pares, os príncipes – que o duque de Louvain não era duque nos condados que tinha por si mesmo ou naqueles que outros possuíam por ele, pois não podia demonstrar que ele ou seus antecessores possuíram poder ducal nos condados vizinhos.172

Então o rei advertiu o duque de Louvain que deveria nomear publicamente os condados que ele tinha diretamente e os que os outros tinham por ele. O duque mencionou os condados de Louvain, de Nivelle e de Aerschot como condados tidos em propriedade. Nomeou os que Henrique de Cuyk, o conde de Geldre e o de Clèves tinham por ele e junto com estes afirmou também que o condado de Looz pertencia a seu ducado, pois tinha direito de escolta em todo aquele condado até o rio Mosa. A isto respondeu virilmente o conde Gerardo de Looz com estas palavras: “– Senhor duque, eu possuo o condado de Looz pelo bispo de Liège. Esse direito de escolta que tens em minha terra o tens porque um antepassado meu matou a um vosso e na paz firmada concedeu-lhe direito de escolta por sua terra.”173 E deste modo, o duque de Louvain teve que renunciar à causa que propunha, pois foi considerada de igual maneira por muitos. Ali mesmo, por conselho dos príncipes, foi concedido um privilégio ao conde de Hainaut e foi confiado ao chanceler e ao notário que o elaborassem.

Contudo, o duque de Louvain seguiu maquinando durante nove dias, com o auxílio do conde de Flandres, para lograr que a sentença em detrimento seu e a favor do conde de Hainaut, pronunciada em Hall, na Suábia, fosse revogada por outros príncipes reunidos na cidade de Augsburg, prometendo ao rei e à corte quinhentos marcos para que estes sugerissem ao rei que revogasse o privilégio que estava sendo feito. Mas não puderam fazer nada contra o conde de Hainaut, e a sentença foi aceita.

E assim, o núncio do conde, uma vez recebido o privilégio das mãos do rei em Augsburg, regressou para seu senhor, o conde de Hainaut, com honra e gozo no dia de São Miguel.

Não deve passar por alto o que aconteceu em Hall, onde um bispo exigiu perante o rei um juízo sobre se os ministeriais de um príncipe podem julgar com os nobres. O conde palatino de Tubingen julgou sobre isso que se um homem nobre dá a conhecer seu juízo o outro nobre o apóia, o terceiro pode ser ministerial do protetorado de um príncipe ou da própria família destes nobres.

Gislebert, de regresso a seu senhor o conde, encontrou-o em Namur com sua nobilíssima esposa, a condessa Margarida, e deu-lhe a conhecer a honra que lhe havia sido outorgada. O conde convocou a todos os cavaleiros daquela terra e fez ler na presença de todos, no mosteiro de Santo Albano, o privilégio real para que conhecessem sua honra e direito. Então o conde entrou em solene procissão, primeiro no mosteiro de Santo Albano, a seguir em Mons, na igreja de Santa Waldru, e depois na de São João, em Valenciennes, e em todas foi recebido como novo príncipe. E quebrou o selo em que se encontrava inscrito “Conde de Hainaut” e mandou fazer um novo em que figurava a inscrição “Marquês de Namur e Conde de Hainaut”.

No ano do Senhor de 1191, o rei Henrique atravessou Roma com seu exército e ali, na segunda-feira da Páscoa, foi consagrado e coroado imperador pelo papa Celestino.174 Junto com ele foi consagrada e coroada imperatriz a rainha Constança.

Nessa época, tomou a cruz o conde Henrique de Champagne, que ainda era muito jovem, e empreendeu o caminho a Jerusalém. Por esse motivo, ele mereceu a honra e a glória por parte de outros príncipes ou reis. Mais tarde, quando quase todos os príncipes e reis regressaram às suas terras, ele permaneceu quase só, e pelo matrimônio que contraiu, recebeu o reino daquela terra, cuja riqueza aflorava por todas as partes.175 Contudo, no início, os homens de Champagne não devolveram a filha do conde de Namur, pois pensavam que seu senhor regressaria algum dia e voltaria a aspirar as terras de Namur, mas como fez muito tempo que permanecia naquelas terras, a filha foi devolvida a seu pai.

As mortes do bispo Roger de Cambrai e de Felipe, conde de Flandres (1191)

Na Vigília de Pentecostes de 1191, o conde de Flandres, Felipe, homem muito probo e poderoso, bem provisto de homens, de víveres, de ouro e prata, e que havia assumido virilmente o serviço a Deus, gravemente enfermo, morreu em Ultramar, no sítio de Acre. Diz-se que o rei da França, que desejava suceder-lhe na maior parte de seus bens, pôs então como pretexto o ódio ao rei da Inglaterra e também que se encontrava enfermo, partindo rapidamente dali em direção às suas terras.

Neste mesmo ano chegaram notícias a Cambrai de que havia falecido em Ultramar o bispo Roger de Cambrai. Um estudante de Cambrai, de regresso a suas terras, passou por onde se encontrava o novo imperador Henrique com seu exército, em Apúlia, quando entregou cartas deprecatórias para ser eleito bispo, dirigidas ao capítulo de Cambrai, aos cidadãos e ao conde de Hainaut e marquês de Namur. O capítulo não conseguiu chegar a um acordo e uma parte escolheu João, arquidiácono dessa igreja, e outra Gautier, chanceler da mesma e aquele a quem o imperador havia advogado. Ambos se dirigiram ao encontro do novo imperador Henrique. A discórdia procedia do fato que, parecendo que João tinha mais méritos que Gautier, e tendo a seu lado os melhores do capítulo, havia sido eleito sem fixar, como era o costume e de acordo com o direito, uma data para a eleição, e sem convocar os principais personagens da igreja; a outra parte, por outro lado, atuando por conselho e com o favor do imperador, pois o imperador afirmava que em caso de discórdia lhe era lícito conferir a quem quisesse bispados e abadias, havia eleito a Gautier.

Nesse mesmo ano, o bispo de Liège, Raul, que regressava a Jerusalém, ao passar por sua terra natal, a Suábia, parou por um tempo para descansar nela. Mas enquanto estava ali, caiu enfermo e morreu. O capítulo de Liège se reuniu e alguns elegeram como novo bispo a Alberto, irmão do duque de Louvain, nomeado subdiácono e logo arquidiácono desta igreja graças às pressões deste duque. Por outro lado, o capítulo elegeu a Alberto, irmão do conde de Rethel e primo do conde de Hainaut, diácono, prepósito maior e finalmente arquidiácono deste igreja. Ambos enviaram seus núncios ao imperador. O irmão do duque de Louvain pôs todas as suas esperanças nesse duque, em seu tio, o duque de Limbourg e seus filhos, e em seu tio paterno, o conde Alberto de Dasbourg. O conde de Hainaut, que não queria que Alberto o dominasse, pois sempre tinha conflitos com seus próximos, tentava que seu primo, Alberto de Rethel, mais maduro, porém demasiado pusilânime, fosse eleito. Este Alberto era tio da própria imperatriz Constança, e tanto ela quanto o imperador lhe haviam apoiado sempre e pedido ao conde de Hainaut que, se alguma vez ficasse vago o episcopado de Liège, fizesse o possível para que ele o obtivesse.

Mesmo assim, o conde Balduíno V, marquês de Namur, trabalhava em favor de Gautier, chanceler de Cambrai e compatriota seu, pois o imperador também havia rogado. Para isso, enviou seu clérigo Gislebert, prepósito de Mons, diante o imperador de Roma e acompanhado pelo chanceler. Eles atravessaram juntos as terras germânicas, cruzaram os Alpes por Septimer e o lago de Como e quando se encontravam na vila de Borgo-San-Donnino, na Itália, ouviram notícias fidedignas da morte de conde de Flandres, e que o rei da França enviava de Ultramar alguns cavaleiros para que ocupassem toda a terra do conde de Flandres, em detrimento do de Hainaut. Entre eles se encontravam Pedro de Mesnil, Roberto de Wavrin, Hélio, irmão do senescal, e outros. Alguns deles morreram logo ao chegar à Itália, mas Pedro e Roberto alcançaram França e Flandres. O clérigo Gislebert fez saber a seu senhor, o conde, estes rumores, através de velozes mensageiros, de forma que o conde de Hainaut teve notícia disso oito dias antes que os da França e Flandres, o que lhe foi de grande utilidade.

O conde Balduíno V tomou medidas e assim, quando os rumores chegaram à França e Flandres, ele ocupou as terras de Flandres que correspondiam a sua esposa, a condessa Margarida, por direito hereditário: Bruges, Ypres, Courtrai, Audenarde, Geralmont, Alost e Waes. Gand, também lhe correspondia, mas embora logo a tivesse por sua vontade, não a submeteu de imediato, pois a viúva do conde de Flandres, Matilde, reforçou a fortaleza com homens e armas e colocou sua confiança na graça do rei e no auxílio do duque de Louvain. Este duque então iniciou ataques e guerras contra o conde de Hainaut, mas estas voltaram mais tarde contra ele, causando-lhe grande prejuízo, como se verá.

O conde de Hainaut não queria ocupar nada que não lhe pertencesse por direito dotalício de Matilde, que se fazia chamar rainha, embora quando a maior parte das terras nele incluídas estivessem distribuídas de forma a colocar-se em suas mãos.176 Enquanto o conde de Hainaut ia de um lado a outro controlando a ocupação de Flandres, fez permanecer o exército em Geralmont para custodiar suas terras de Flandres e de Hainaut contra o duque de Louvain. Entretanto, Matilde maquinava quanto males poderia fazer, pressionando o bispo de Reims, Guilherme, que governava a França na ausência do rei e de muitos outros poderosos de toda a França. Os citadinos de Ostrevant177, os burgueses de Arles, de Saint-Omer e muitos outros se uniram voluntariamente ao conde de Hainaut como se fosse seu senhor hereditário se os houvesse recebido, mas o conde Balduíno V, como esses homens deveriam passar para o rei da França por seu filho Luís, sobrinho do próprio conde, não quis quebrar por nada a fé dada. Apesar disso, os burgueses de Saint-Omer não quiseram aceitar a nenhum homem do rei da França até que recebessem o consentimento e a ordem do mesmo conde de Hainaut na corte do rei. Por esse motivo, sofreram mais tarde ofensas e danos por parte do rei por terem querido a ordem justa e não terem se separado do justo herdeiro de Flandres sem seu pleno consentimento.

Naquela época, graças à benevolência e beneplácito do conde, a condessa de Bolonha, Ida, que havia contraído matrimônio em segundas núpcias com Reinaldo, conde de Dammartin em Goële, recuperou sua terra de Bolonha. Esta era ocupada pelo duque de Louvain, por vontade do conde de Flandres, há algum tempo. Mas o conde de Hainaut expulsou este duque e os seus. Se o duque de Louvain tivesse naquele tempo o amor e o favor do conde de Hainaut178, teria permanecido naquelas terras o quanto tivesse desejado.

O sítio de Nápoles

O imperador de Roma, Henrique, e sua esposa, a imperatriz Constança, submeteram, por sua vontade, por direito e por força, muitas cidades da Apúlia e todo o principado de Cápua. Nápoles, opulenta e fortíssima, se opôs e eles e foi sitiada. Nos meses de julho e agosto sobrevieram grandes calamidades e enfermidades àqueles se encontravam nesse sítio. Morreram o arcebispo de Colônia, Felipe, e o duque de Boêmia, príncipe ilustre, probo, sábio e erudito, e morreram também muitos dos príncipes, arcebispos, bispos, abades, duques, marqueses, condes palatinos e outros nobres que ali se encontravam, de forma que de todo o exército imperial escapou da morte apenas sua décima parte. O próprio imperador caiu tão gravemente enfermo que o deram como morto, e no estado em que se encontrava se viu forçado a levantar o sítio. De regresso daquele sítio encontrou Gautier, estudante de Cambrai, que havia sido eleito bispo por uma parte da comunidade, junto com o clérigo Gislebert, ambos enviados pelo conde de Hainaut para tratar a favor de Gautier e do prepósito de Liège, Alberto.

Durante o sítio de Nápoles, a imperatriz Constança permaneceu em seu palácio em Salerno. Os citadinos daquele lugar lhe haviam jurado fidelidade por ela ser sua senhora, por direito de herança, mas a traíram e a entregaram desonradamente, em troca de ouro, a seu sobrinho Tancredo, injustamente nomeado rei da Sicília, fato que o imperador lamentou muito. Tancredo a levou para Pannormus, cidade que em língua vulgar se chama Palermo. Ali os citadinos a honraram como se fosse sua senhora herdeira, pois Tancredo não era seu dono em demasia. Ao cabo de um ano ou mais, ele a devolveu ao imperador.

O imperador recebeu bondosamente o estudante de Cambrai e o núncio do conde de Hainaut, prometendo com toda a certeza o bispado de Cambrai a este estudante e o de Liège ao prepósito Alberto. Mas como não podia fazer isso sem o testemunho dos príncipes da Alemanha e só um se encontrava presente, o patriarca de Aquiléia, foi necessário adiar as investiduras até que estivessem de regresso à Alemanha. Por cartas, e através do núncio do conde de Hainaut, ele avisou ao prepósito de Liège que fosse a seu encontro na Alemanha para receber a dignidade episcopal de Liège. Do mesmo modo, deu a conhecer ao conde de Hainaut as promessas feitas sobre Liège e Cambrai e lhe fez chegar seu agradecimento por haver apoiado Alberto e Gautier. E como o rei de Roma já havia sido feito imperador, o núncio do conde de Hainaut, Gislebert, obteve, naquela cidade de Reti onde se encontravam, um privilégio relativo aos bens de Namur igual ao que havia sido firmado em Augsburg, revalidado com o selo real pelo então imperador Henrique e ali mesmo renovado, sob o testemunho dos príncipes da Lombardia, da Apúlia e da Alemanha, corroborado pelo selo áureo imperial e enviado ao conde de Hainaut. O imperador também transmitiu ao conde Balduíno V que não concederia seu apoio sobre os feudos do império que havia tido o conde de Flandres a ninguém além dele. A transcrição destes privilégios será comentada mais adiante.

O conde Balduíno V de Hainaut, que alcançava assim o principado de Flandres, havia possuído um primeiro selo, legado por seu pai, que figurava esta inscrição: "Balduíno, conde de Hainaut", e com ele seu pai e o próprio Balduíno firmaram muitos documentos com privilégios. Mais tarde, ao adquirir a dignidade de Namur, este selo foi destruído e o conde possuiu um segundo selo, em que figurava "Balduíno, marquês de Namur e conde de Hainaut". Este, que também firmou muitos documentos com privilégios, ele não o rompeu, mas o retirou e utilizou um terceiro selo, cuja inscrição rezava "Balduíno, conde de Flandres e de Hainaut e marquês de Namur". Com este renovou muitos privilégios e outorgou novos. Mais tarde, quando faleceu sua esposa Margarida, o condado de Flandres passou a seu filho Balduíno VI, e então o conde Balduíno V recuperou seu segundo selo, no qual figurava a inscrição "Balduíno, marquês de Namur e conde de Hainaut", e utilizou este até o fim de seus dias, confirmando com ele muitos privilégios, entre eles, os que gozam as igrejas de Mons, Meubeuge, Soignies, Condé, Hautmont, Crépy, Valenciennes, Alost, Brogne, Saint-Denis, além de muitas outras.179

Surgiram então graves controvérsias entre o conde Balduíno V e sua esposa Margarida, herdeira por direito do condado de Flandres, por um lado, e a viúva do conde de Flandres, por outro. O arcebispo de Reims, Guilherme, fixou um dia no mês de outubro para que tanto o conde de Hainaut quanto a condessa Matilde, que se fazia chamar rainha, fossem a Ostrevant para chegar a um acordo. A condessa Matilde reclamava Flandres integralmente como dote e o conde de Hainaut pedia um juízo sobre isso, pois considerava que não entravam no dote mais do que aquelas terras que lhe haviam sido concedidas nas núpcias. Após muitas disputas, se fez a paz com as seguintes condições: o conde de Hainaut teria a primazia no condado: Bruges, Gand, Ypres, Courtrai, Audenarde, Waes, Alost, Geraumont e outros feudos do império, isto é, as vilas que chamam de ministeria com as ilhas marítimas que tinha o conde de Holanda em feudo do conde de Flandres; a condessa Matilde reteria o dote concedido em suas núpcias, isto é, Douai, Escluse, Orchies, Ille, Cassel, Furnes, Dixmude, Bourgbourg, Bergues e a mansão de Nieppe; do dote que lhe correspondia por direito, deixou ao rei da França Saint-Omer e Aria, que em sua morte deveriam passar, por direito de herança ao filho, ainda pequeno, desse rei, Luís.

Enquanto o conde de Hainaut se encontrava neste colóquio, chegou a seu encontro seu núncio, Gislebert, prepósito de Mons, com a mensagem do imperador, que lhe ordenava que fosse à Alemanha durante o Advento ou na Natividade, para receber de suas mãos os feudos do império que o conde de Flandres tivera, bem como para conferir o episcopado de Liège a Alberto, prepósito de Liège, e o de Cambrai a Gautier, estudante de Cambrai. Estas notícias agradaram muito ao conde.

Dali o conde foi com sua esposa a Gand180, onde antes não pudera entrar por causa da rainha Matilde, que havia fortificado o castelo para seu próprio uso. Recebidos agora nessa cidade, o conde foi ao encontro de seu exército em Geraumont, exacerbado contra o duque de Louvain, que não deixava de maquinar para deserdá-lo e que havia faltado presunçosamente à fé dada. Devastou muitas de suas terras, saqueando-as e incendiando-as, e tomou à força as fortalezas de Tubize, Hasquempont e Oisquercq – das que o duque havia causado danos a ele e aos seus – e as destruiu, sitiou o castelo de Enghien, que pertencia ao duque, embora a vila pertencesse ao conde de Hainaut. As torres e as muralhas desta fortaleza não podiam ser tomadas sem máquinas de guerra. O conde de Hainaut fez trazer então catapultas, e quando os sitiados viram que não podiam defender o castelo, pediram conselho a seu senhor, o duque. Este, que não podia fazer frente às tropas do conde, consentiu e concedeu ao nobre Engelberto de Enghien, que tinha a custódia deste castelo, que se não pudesse reter aquele castelo, colocasse ao menos a condição que não seria de utilidade, nem para ele, nem para o conde de Hainaut contra o duque de Louvain, nem para o conde de Louvain contra o de Hainaut, e lhe pedira assim conservar o castelo em paz. O conde de Hainaut o concedeu dessa vez, porém mais adiante, em outra ocasião, destruiu-o totalmente. Naquele sítio caiu enfermo e morreu Amando de Prouvy, cavaleiro probo, sábio e de renome, e que tinha grande poder nos conselhos do conde de Hainaut.

Por fim, firmadas tréguas com o duque de Louvain, o conde de Hainaut continuou percorrendo com sua esposa as terras de Flandres para receber a homenagem de seus homens e exercer justiça. Esta terra nunca foi dominada por malfeitores, mas necessitou sempre ter um príncipe enérgico e severo no exercício da justiça.

Entretanto, o conde de Holanda havia enviado núncios ao imperador para rogar-lhe que aumentasse os feudos que tinha por ele, entregando-lhe diretamente os que havia tido pelo conde de Flandres, de modo que pudesse emancipar-se da homenagem devida a Flandres. Em troca de fazer-lhe príncipe lhe prometia cinco mil marcos de prata. Também o duque de Louvain queria dar ao imperador cinco mil marcos de prata pura pela terra de Alost, que o conde de Hainaut tinha pelo imperador, pois dizia que naquela terra possuía em feudo alguns alódios pequenos e o protetorado de algumas vilas. O imperador de Roma, contudo, preteriu as petições do conde de Holanda e do duque de Louvain, pois todo o seu favor e sua benevolência eram para o conde de Hainaut.

Nessa época, Siger, castelão de Gant que possuía em Flandres uma grande parentela e muitos homens e riquezas, reclamava a custódia do castelo que o conde Felipe de Flandres havia construído em Gand para reprimir a soberba dos homens daquele lugar, pois dizia que aquela castelania lhe pertencia. O conde Balduíno V, que havia se ausentado em Flandres com dificuldades para que Siger não pudesse queixar-se dele por essa razão, deu-lhe, em troca da custódia do castelo, cem libratas de terra; desse modo, ele nunca poderia lhe acusar de ter obrado contra a justiça e podia esperar de Siger ou de seus filhos futuramente grandes bens e fidelidade em seu serviço.

O conde de Hainaut, ocupado nestes e outros assuntos, não podia ir ao encontro do imperador nas datas assinaladas. Enviou então a Worms seu filho Balduíno VI, acompanhado de um séquito de cavaleiros. Entre eles se encontravam Rainier de Trith, Gerardo de Hamaide, Gisleno de Beaumont, Reinaldo de Strepy, Gosuíno de Henripont e Gautier de Steenkerque. Na realidade, o conde tentara alargar o prazo fixado através de seus núncios, o nobre Benero de Roucourt e o prepósito de Mons, Gislebert. Mas estes, que também tinham o encargo do conde de advogar pela eleição do prepósito de Liège e do chanceler de Cambrai, nesta ocasião não conseguiram nada na corte imperial. O próprio imperador faltou com suas promessas e petições.

E assim, antes que Balduíno VI, filho do conde de Flandres e Hainaut e marquês de Namur, chegasse à presença do imperador, este havia aceitado secretamente de João, arquidiácono de Cambrai, três mil marcos de prata pura. Depois pediu a João, eleito por uma parte do capítulo, e a Gautier, eleito pela outra – e que não sabia nada do dinheiro oferecido pelo diácono – que submeteriam a eleição do bispado de Cambrai à sua vontade. João, se sentido seguro pelo dinheiro que dera, não se opôs a isso, e Gautier, acreditando na promessa que o mesmo imperador lhe havia feito, também aceitou, com grande alegria. O imperador conferiu o bispado a João, homem de aparência honesta e religiosa. Ordenou assim mesmo que fossem pagos a Gautier todos os gastos que tivera, que chegavam a cerca de mil e cem marcos de grande peso, e mandou que tivesse pelo mencionado João uma renda anual de oitenta mil marcos enquanto vivesse. Contudo, nenhuma dessas duas coisas foi observada, nem pelo imperador, nem por João. Tudo isso ocorreu em Haghenau, na Natividade, e ali mesmo, nos mesmos dias, se levou a cabo o juízo que já foi falado antes, contra o prepósito de Estrasburgo, similar ao de Mons, contra Roberto de Beaurain.

Naquele tempo se encontrava também na corte do imperador Alberto Rethel, prepósito maior e arquidiácono da igreja de Liège, que esperava obter a dignidade episcopal. Embora tivesse sido eleito por uma parte do capítulo, não poderia ser bispo até que fosse rechaçada a eleição feita pela outra parte, quando então obteria a dignidade das mãos do imperador pela sentença dos príncipes.

Encontrando-se o imperador em Worms, na oitava da Epifania, se apresentou diante dele Bruno, prepósito maior da igreja de Colônia, que havia sido eleito arcebispo. Este Bruno, consangüíneo do conde de Flandres e Hainaut, era um homem sábio e honesto, porém muito ancião, e se encontrava gravemente enfermo. O imperador lhe conferiu a investidura sem dificuldade. Contudo, Bruno nunca quis ser consagrado, pelo contrário, dada sua enfermidade, renunciou em seguida ao bispado, quando lhe sucedeu seu sobrinho Adolfo, decano maior da mesma igreja e consangüíneo do conde de Flandres e de Hainaut.

Também chegou a Worms Alberto de Louvain, acompanhado dos que o haviam escolhido e de seu tio, o duque de Limbourg e seu tio paterno, o conde de Dasbourg e Meuse. Seu irmão, o duque de Louvain, não ousava acudir à corte de Worms, pois era considerado culpado de ter eleito Alberto bispo à força. E assim, Alberto de Louvain foi apresentado ao imperador como bispo eleito. Como Alberto de Rethel contestava essa eleição e era apoiado pelos que o haviam escolhido, embora fossem em menor número, o imperador pediu sentença aos príncipes sobre essa discórdia. O juízo foi confiado a Bruno, arcebispo eleito de Colônia, a Conrado, arcebispo de Mogúncia, a João, arcebispo de Trevers, aos bispos de Münster, de Metz, de Toul, de Estrasburgo, de Spira, de Wurzbourg, de Bamberg e de Basiléia, aos abades de Fulda, de Lorsch e de Prüm. O bispo de Münster sentenciou, e lhe seguiram todos os demais, que o bispado de Liège deveria passar para as mãos do imperador para que este o desse a quem quisesse. Alberto de Louvain e os seus que estavam presentes ouviram essas palavras e ficaram muito pesarosos, e Alberto de Rethel e os seus, por outro lado, se alegraram muito, pois este Alberto tinha muitas esperanças de que lhe fosse outorgado o bispado que o imperador já lhe prometera antes do juízo, e depois do juízo continuou lhe prometendo. Por isso, Balduíno VI, filho do conde de Flandres e de Hainaut, que se encontrava naquela corte, apoiava seu primo sem grande preocupação, pois ninguém parecia duvidar de sua eleição. Mas o imperador, após aceitar muito dinheiro do clérigo Lotário, nobre prepósito de Bonn e irmão do conde de Hochstaden, vendeu-lhe a chancelaria imperial que estava vacante e, ao cabo de dois dias, lhe conferiu, sob o testemunho dos príncipes acima mencionados e na presença de ambos os Albertos, o bispado de Liège. Esta doação causou grande escândalo à Igreja e ao povo, e logo conduziu a morte a Alberto de Louvain e ao próprio Lotário. O imperador quis ressarcir com quinhentos marcos os gastos que Alberto de Rethel teve, já que lhe havia fraudado em sua promessa, mas ele o desdenhou.

Nessa época, o conde de Holanda prestou homenagem ao conde de Flandres e de Hainaut pelos feudos que havia possuído anteriormente pelo conde Felipe de Flandres. O filho do conde de Flandres e de Hainaut, Balduíno VI, conseguiu tréguas do imperador para que seu pai se apresentasse perante ele quando quisesse e pudesse, e logo regressou para as terras paternas. Estas tréguas foram concedidas para que o conde de Hainaut acudisse em um prazo razoável.

Nesse mesmo ano de 1191, Acre caiu após um longo sítio. Durante aquele sítio, o rei da França havia caído enfermo, e se dizia que essa enfermidade era obra do rei da Inglaterra, que maquinava seu envenenamento ou sua morte. Por sua enfermidade e pelo ódio ao rei da Inglaterra, o rei da França, quando teve ocasião, voltou para suas terras, no mês de janeiro. Sua partida causou grande dor e prejuízo entre os peregrinos cristãos que viam nesse rei seu único refúgio. Por outro lado, isso causou um gozo entre os sarracenos, pois sua presença, mais que tudo, os deixava aborrecidos.

Quando o conde Balduíno V teve notícias de sua chegada, acudiu a Paris e lhe ofereceu sua homenagem por Flandres. O rei da França se negou a aceitá-la, considerando que o conde de Hainaut não havia atuado fielmente em relação à parte que deveria passar para ele e para seu filho Luís, e se havia oposto à ocupação da terra por parte do rei. Na realidade, o que o rei queria era, com dons e promessas para a rainha Matilde, esposa do conde de Flandres, conseguir que toda a parte que havia sido passada para o conde de Hainaut fosse considerada dote de Matilde. O conde de Flandres e de Hainaut exigiu justiça, mas não pôde encontrar nem eqüidade nem benevolência naquele rei da França a quem tantos serviços havia prestado, com tão grandes tropas e enormes gastos.

 

- CONTINUA -

 

Fonte

GISLEBERT DE MONS. Cronica de los condes de Hainaut (trad. de Blanca Garí de Aguilera). Madrid: Ediciones Siruela, 1987.

 

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Notas

  • 1. A versão completa da Cronicon Hanoniense encontra-se em um único manuscrito datado do século XV (Biblioteca Nacional de Paris, Ms. Latino 11.105). Alguns fragmentos dele encontram-se em várias obras do século XIV, como os Annales Hanoniae, de Jacques de Guise, e o Chronicon, de Balduíno de Avesnes. Nossa tradução baseou-se na edição Cronica de los condes de Hainaut (trad. de Blanca Garí de Aguilera). Madrid: Ediciones Siruela, 1987 (aproveitamos ainda suas sessenta e cinco notas explicativas).
  • 2. Isto é, imperadores do Sacro Império Romano Germânico. Na Idade Média, o imperador tinha o direito de ser coroado pelo Papa após sua eleição, e só depois desta coroação poderia usar o título de imperador. Até então, usava apenas o título de rei dos romanos. Para assegurar a sucessão de seus filhos no Império, os imperadores se esforçaram para elegê-los rei dos romanos enquanto viviam, como fez Frederico Barba-Ruiva com Henrique VI (1190-1197), e como fizeram, por sua vez, Henrique VI e Frederico II (1212-1250). Ver MASSON, Georgina. Frédéric II de Hohenstaufen. Paris, Albin Michel, 1963.
  • 3. Povoado na Antigüidade pelos nervianos, Hainaut é atualmente uma cidade (e também província) da Bélgica.
  • 4. Balduíno IV (1120-1171) casou-se em 1127 e adquiriu através desse casamento o direito pelo condado de Namur.
  • 5. Balduíno III (1099-1120).
  • 6. Cidade na Bélgica, capital de Hainaut, situada sobre um acampamento de Júlio César.
  • 7. Balduíno V, o Corajoso (1171-1195), e conde de Flandres (1191-1195).
  • 8. Namur, província da Bélgica, era parte da Austrásia e depois da Lotaríngia. No século IX, Namur pertencia ao condado de Name. A primeira dinastia de condes de Namur data dos anos 907-952.
  • 9. Flandres era um condado autônomo resultante da desintegração do Império Carolíngio.
  • 10. Ao contrário do que se costuma pensar, as mulheres também herdavam feudos na Idade Média. Juridicamente falando, eram chamados “feudos de roca” (fiefs de fuseau): “Assim, o condado de Hainaut foi enfeudado, em 1071, à condessa Richilde. Numerosas foram, desde então, as mulheres que detiveram grandes feudos e exerceram o poder político que daí decorre; citemos as condessas de Flandres, Joana e Margarida de Constantinopla (1205-1244 e 1244-1280), a duquesa de Brabante, Joana (1355-1406), Margarida da Baviera, em Hainaut (1345-1356), Maria de Borgonha para o conjunto dos pays de par deçà (1477-1482). Em França e Alemanha mesmo os maiores feudos transmitem-se às mulheres que, então, desempenham em pessoa os seus serviços feudais, salvo a hoste.” – GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 602. Foi o próprio imperador Henrique IV quem legalizou a enfeudação do condado de Hainaut à condessa Riquilda feita pelo duque da Baixa Lotaríngia. Nas disposições estabelecidas para o futuro, ficou previsto inclusive o caso de outra mulher receber a sucessão. O caso foi um dos primeiros em que uma mulher recebeu um condado como feudo. Ver GANSHOF, F. L. Que é o Feudalismo. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 189-191.
  • 11. Balduíno I, conde de Flandres (1067-1070).
  • 12. Trata-se de Roberto II, o Piedoso, rei da França (996-1031).
  • 13. Cenóbio = Habitação de monges, convento.
  • 14. Embora o cronista Gislebert de Mons esteja se referindo a Henrique I (c. 1009-1060), na verdade se equivocou: tratava-se de Filipe I (1053-1108), cuja regência foi assumida por Balduíno V de Flandres e não por Balduíno I de Hainaut.
  • 15. Alódio = bem familiar recebido dos antepassados e transmitido por herança de geração em geração. Inalienável fora do grupo familiar, o alódio está associado à glória da linhagem. Nos séculos XI e XII designava qualquer tipo de bem fundiário. É importante ressaltar que existiam alódios aristocráticos e camponeses, e que estes últimos estavam isentos de tributação – somente aquela que dizia respeito à justiça. (os direitos banais) Em contrapartida, a longo prazo, o alódio camponês foi engolido pelos progressos da economia monetária, especialmente a partir do século XI. Ver BONNASSIE, Pierre. Dicionário de História Medieval. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985, p. 26-29. Para o caso da região de Hainaut, as pesquisas mais recentes indicam que os alódios camponeses representavam uma parcela considerável das terras. Ver HEERS, Jacques. A Idade Média, uma impostura. Lisboa: Edições Asa, 1994, p. 209.
  • 16. Feudo = de 890 até 1020-1030 o feudo era um bem público (geralmente um território fiscal) concedido a um agente da autoridade pública em troca de serviços públicos. A partir da primeira metade do século XI, pouco a pouco o feudo tornou-se um bem privado (cobranças, pedágios, direitos de justiça, cunhagem de moeda, bens fundiários), concedido em troca de serviços de natureza também privada.
  • 17. Isto é, bastardo.
  • 18. Roberto, o Frisão (1071-1093), “...dito ‘conde aquático’ porque vivia na Frísia.” – DUBY, Georges. A Idade Média na França. De Hugo Capeto a Joana D’Arc. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 146.
  • 19. Isto é, o reconhecimento do dever de fidelidade de um vassalo em respeito a seu senhor, com as devidas garantias e o compromisso de não trair seus direitos. Tratava-se, portanto, da renovação do voto de vassalidade entre o conde e seus homens, que era dividido em três partes: 1) a Homenagem (tornar-se homem de outro homem), 2) a Fidelidade (juramento feito sobre a Bíblia e relíquias de santos, como diz o texto) e 3) a Investidura (recebimento por parte do vassalo de um objeto – punhado de terra, folhas, ramo de árvore), simbolizando o feudo recebido (no caso em questão, provavelmente isso já deveria ter ocorrido, pois os vassalos foram chamados apenas para concordarem com seu novo senhor). Ver FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média. Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 92.
  • 20. No original, “encomendou seu filho..”, termo tipicamente medieval que exprimia a relação vassálica entre dois pares.
  • 21. A usurpação do condado de Flandres por Roberto, o Frisão, ocorreu em 1071. Ver DUBY, Georges. A Idade Média na França. De Hugo Capeto a Joana D’Arc, op. cit., p. 282.
  • 22. Auxílio (auxilium), isto é, a ajuda que o vassalo devia a seu senhor, especialmente militar.
  • 23. Sucedeu a seu pai, Roberto, em 1031 e reinou até 1060.
  • 24. Nesta batalha, em 1071, teria morrido ainda Guillaume de Crépon, terceiro marido de Riquilda. In: ISENBURG, Wilhelm Karl, Prinz von. Stammtafeln zur Gerschichte des europäischen Staatten. Verlag von J. A. Stargardt. Marburg, 1965.
  • 25. Homem lígio = expressão que define o serviço preferencial de um vassalo a um senhor, na paz e na guerra. “No caso – muito freqüente em França a partir do século X – de haver uma pluralidade de compromissos de vassalagem, a homenagem lígia é, a partir do início do século XI, aquela que prevalece sobre as outras, em geral por causa da importância do feudo. Esta homenagem obriga o vassalo de forma prioritária para com o soberano a quem foi prestada; e só pode ser prestada a um único suserano. Mas, na prática, foi também prestada a vários.” – LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1984, vol. II, p. 308.
  • 26. O papa Alexandre II (Anselmo de Baggio, 1061-1073).
  • 27. Probo (do latim probu). De caráter íntegro, honesto, reto, justo. Trata-se de um dos adjetivos mais utilizados por Gislebert de Mons para elogiar um nobre.
  • 28. Senescal = Espécie de supervisor das terras de um senhor feudal, mordomo-mor que dirigia os alcaides dos domínios de seu senhor. Na Alta Idade Média merovíngia, o senescal também abastecia a mesa real: “O senescal – sinis kalk, em alto alemão antigo – o mais velho dos criados, podia ser qualificado de alto funcionário? Certamente não, se o vemos aplicar-se em suas tarefas de abastecer a mesa real.” – ROUCHE, Michel. “Alta Idade Média Ocidental”. In: ARIÈS, Philippe e DUBY, Georges (dir.). História da Vida Privada I. Do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 411.
  • 29. Encarregado principalmente da adega e de servir o vinho à mesa.
  • 30. Encarregado do serviço de quarto.
  • 31. “O regulamento interno de uma enorme casa, a corte de Hainaut, proporciona uma das visões mais claras desses serviços e de seu funcionamento (...) Três ofícios, no documento que exploro, são considerados principais (...) o senescal-mor, o camareiro-mor e o copeiro-mor ocupavam esses ofícios (...) Eles passavam por servir o conde no principado inteiro...” — DUBY, Georges. “Convívio”. In: DUBY, Georges e ARIÈS, Philippe (dir.). História da Vida Privada 2. Da Europa Feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 83.
  • 32. Ministeriais = cavaleiros de condição servil. “...considerados como membros plenos da família, comendo com o senhor, por certo dormindo na casa...” — DUBY, Georges. “Convívio”. In: DUBY, Georges e ARIÈS, Philippe (dir.). História da Vida Privada 2. Da Europa Feudal à Renascença, op. cit., p. 83.
  • 33. Feudo lígio = lige, no regime feudal dizia-se do indivíduo que, tendo recebido terras ou privilégios do soberano, ficava assim abrigado a servi-lo na paz e na guerra. Ver também nota sobre a homenagem lígia.
  • 34. Protetorado = Situação jurídica onde um particular passa a exercer a autoridade de um território que não lhe pertence. No caso em questão, o bispo Teoduíno conseguiu que o imperador de Roma concedesse à Igreja de Liège os feudos do Império que antes eram administrados pelos condes de Hainaut em nome do imperador. Desse modo, o bispo passou a ser o protetor da igreja de Mons no lugar do conde Balduíno, recebendo todas taxas e encargos fiscais que lhe eram devidos e tendo a obrigação de proteger a igreja em caso de ataque ou saque.
  • 35. Uma prebenda é qualquer renda eclesiástica, de um canonicato.
  • 36. Um capítulo era uma reunião de dignidades eclesiásticas para tratar um determinado assunto.
  • 37. Censo = pensão anual que era paga ao senhorio pela posse de uma terra ou em razão de um contrato.
  • 38. Em sua classificação de parentesco, Gislebert distingue o consangüíneo (os irmãos) do consobrinus (primos).
  • 39. O nome (castro) indica que provavelmente se tratava de uma antiga fortificação romana. Ver COSTA, Ricardo da. “A cultura castreja (c. III a.C. - I d.C.): a longa tradição de resistência ibérica”
  • 40. No original advocatus, termo que define a instituição do protetorado e a procuradoria laica sobre as terras da Igreja.
  • 41. O titulo de Oda é o de dama (domina), o que indica sua procedência nobre (dama porque domina) e assinala também seu caráter de canonisa secular, diferenciando-a do restante das monjas.
  • 42. Porsonia = Exações (cobranças) ligadas ao direito de albergue.
  • 43. Esta passagem é provavelmente uma interpolação – um acréscimo posterior – , pois Gislebert anteriormente afirmou que desconhecia a forma que o conde Hainaut adquiriu o título de abade de Santa Waldru.
  • 44. Taxas sobre o tráfico de mercadorias e a venda de cerveja, respectivamente.
  • 45. O manso (mansus, do verbo manere, habitar) era uma unidade territorial e familiar sujeita à avaliação tributária, tipo de exploração agrícola mais conhecido e generalizado na Idade Média. O mansus era um dos elementos constitutivos da villa. Havia basicamente dois tipos de manso: o mansus indominicatus (terra do senhor) e os mansi (as tenures camponesas).
  • 46. Isto é, a décima parte da colheita.
  • 47. Os magistrados formavam a justiça do conde (villicus = administrador senhorial e scabinii = magistrados).
  • 48. Isto é, menos sujeitos às imposições, geralmente apenas entre três e seis semanas de trabalho gratuito por ano.
  • 49. Talha = Contribuição arbitrária arrecadada pelo senhor uma vez por ano.
  • 50. Corvéia = Dias de trabalho não pago que o servo, ou melhor, a comunidade servil, devia a seu senhor, como, por exemplo, drenar pântanos, cavar canais e abrir florestas.
  • 51. Angária = Requisição ou aluguel de besta de carga.
  • 52. Hoste = Obrigatoriedade do serviço militar, de “servir na hoste de seu senhor”. Em relação a esta passagem da fonte, é importante destacar que muitos dos estudos mais recentes dos medievalistas amenizam enormemente o impacto dos impostos feudais na vida cotidiana dos camponeses medievais. Ver, por exemplo, HEERS, Jacques. A Idade Média, uma impostura. Lisboa: Edições Asa, 1994, p. 218-231, que afirma, pelo contrário, que foi o Estado moderno que multiplicou as obrigações dos encargos fiscais camponeses: “Interpretamos mal os nossos textos. Os censuais, as tarifas do tonlieux e, de maneira geral, todos os registros fiscais fornecem listas dos sujeitos tributáveis e precisam as quantias a pagar. E nós construímos com base nisto, mas trata-se de registros da base do imposto, e não da sua cobrança: são somas devidas, não somas efetivamente pagas. Em relação a uma época em que as recusas de pagar e os atrasos eram tão freqüentes, determinar a carga fiscal apenas pela base do imposto, por listas de censos ou de corvéias, equivale a transpor os nossos comportamentos de hoje para um tempo em que as coisas não se passavam da mesma maneira.” (p. 228).
  • 53. As “fábricas” de cerveja tinham uma grande importância econômica, sobretudo nas zonas setentrionais do Ocidente medieval.
  • 54. Cargo de uma corporação religiosa.
  • 55. Prepositura (do latim praepositura) = cargo ou dignidade de prepósito (do latim praepositu, “posto à testa de”; antigo prelado de certas corporações religiosas).
  • 56. Horas das orações: matinas (meia-noite), laudes (três da manhã), primas (primeiras horas do dia, ao nascer do Sol ou cerca de seis da manhã), vésperas (seis da tarde) e completas (hora de dormir).
  • 57. Módio = Medida romana para grãos secos.
  • 58. Estola = Fita larga que os sacerdotes colocam acima da alva. No caso, trata-se de um sacerdote ordenado que oficia a missa.
  • 59. Exações ligadas ao direito de albergue.
  • 60. Santa Waudru nasceu provavelmente no reinado do rei austrasiano/merovíngio Dagoberto II (c. 651-679) e morreu por volta de 688. Irmã de Aldegunda, fundadora da abadia de Maubeuge, e esposa de São Mauger (São Vicente de Soignies), ela fundou em Mons uma abadia beneditina da qual foi a primeira abadessa. Waudru é a patrona da cidade de Mons. Quando se tornou religiosa, ela colocou suas duas filhas no monastério de Maubeuge. Foi assim que, por ocasião da morte de Aldegunda em 680, Aldetrude sucedeu sua tia e governou o convento até 697, ocasião de sua morte. Foi então a vez de Maldeberte, que morreu no início do século VIII.
  • 61. Ofício instituído em honra a São Vicente.
  • 62. Os conceitos de familia e familiares indicam o conjunto de dependentes de um senhor, incluindo servos e ministeriales. “A família aparece sob dois aspectos: em sentido lato e em sentido restrito. No sentido lato, compreende todos os que sentem entre si uma relação de parentesco; é o clã, chamado gens entre os Romanos, sippe entre os Germanos, zadruga entre os Sérvios, muitas vezes linhagem na Idade Média. Esta família estende-se tanto quanto o permitir o reconhecimento dos laços de sangue. Desempenha um papel essencial na organização social e jurídica das sociedades primitivas e também nas sociedades de tipo feudal (...) Os efeitos do parentesco são consideráveis. Todos os parentes estão ligados por solidariedades, quer ativas, quer passivas. A solidariedade familiar obriga todos os parentes a participar na vingança privada (...) ainda freqüentes nos séculos XIII e XIV...” – GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 563.
  • 63. Um par era uma dupla de vassalos de uma mesma categoria social que rodeava seu senhor.
  • 64. O serviço de estágio (stagium) representava o dever do vassalo de prestar guarda ou uma estada periódica no castelo ou nos castelos de seu senhor. O vassalo tornava-se então um castelão. Ver GANSHOF, F. L. Que é o Feudalismo, op. cit., p. 121.
  • 65. Isto é, o Bósforo.
  • 66. Isto é, do Sacro Império Romano do Ocidente.
  • 67. Santo Isidoro de Sevilha (c. 560-636).
  • 68. Adélia de Champagne (†1206), rainha da França, terceira esposa do rei Luís VII (1120-1180).
  • 69. Filipe II Augusto (1165-1223).
  • 70. Isto é, na Palestina, durante as Cruzadas.
  • 71. Também grafado Aleixo Comneno, imperador do Oriente (†1118).
  • 72. No original vadium (prenda, garantia, algo empenhado).
  • 73. Thomas le Marle foi o mais famoso dos sire de Coucy. Filho de Enguerrand I e Adélia de Marle. Sua mãe foi repudiada por seu pai, que desejava casar-se (e se casou) com Sybil (mulher de um senhor de Lorena que se encontrava ausente). Sucedeu seu pai no domínio de Coucy em 1116 e morreu em 1130. Segundo os cronistas da época, foi o homem mais malvado de sua geração, ajudado pelo demônio. Ver TUCHMANN, Barbara W. Um espelho distante. O terrível século XIV. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1990, p. 10-11.
  • 74. Castelão = comandante da torre, do castelo, em nome de um superior que é o senhor do reino ou do condado. O castelão (castellanus) é o sire, o dominus da região. “O poder régio encontra-se plenamente em suas mãos. Mas seja o castelo independente ou não, encontra-se nele um chefe que detém a espada da justiça, o gládio confiado por Deus aos guerreiros para que mantenham a paz na Terra.” — DUBY, Georges. A Idade Média na França. De Hugo Capeto a Joana D’Arc, op. cit., p. 73.
  • 75. O conceito nutris (nutrir) designava aqueles vassalos que eram mantidos, educados e sustentados por seu senhor, criados, educados, vestidos e alimentados por ele (daí o verbo nutrir, alimentar), função e obrigação primeira de um senhor para com os filhos de seus vassalos (e enormemente deficitária do ponto de vista econômico).
  • 76. O termo cavaleiro vagante (gyrovagante), paralelo nobiliárquico dos monges vagantes (goliardos), se refere aos cavaleiros que participavam constantemente dos torneios, atividade execrada asperamente pelos clérigos. Ver LE GOFF, Jacques. “Realidades sociais e códigos ideológicos no início do século XIII: um exemplum de Jacques de Vitry sobre os torneios”. In: O Imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 267-279.
  • 77. Frederico I Barba-Ruiva, da dinastia dos Hohenstaufen, imperador do Sacro Império Romano-Germânico de 1152 a 1190 (n. c. 1123).
  • 78. Guilherme I, da dinastia normanda de Altavila, rei da Sicília de 1154 a 1166.
  • 79. Imperador Henrique VI Hohenstaufen, que reinou de 1190 a 1197.
  • 80. Frederico I Barba-Ruiva.
  • 81. Neste caso, o termo “barão” aplica-se a todos os nobres do reino. São os nobres titulados, os senhores (condes, príncipes, duques e marqueses).
  • 82. Trata-se possivelmente de Raul I, neto de Thomas le Marle. Raul morreu na Terra Santa e sua viúva vendeu a Coucy-le-Château em 1197 seu foral de comuna livre por 140 libras. Ver TUCHMANN, Barbara W. Um espelho distante. O terrível século XIV, op. cit., p. 11.
  • 83. Serviço de estágio = Ver nota correspondente.
  • 84. Tratava-se de uma taxa cobrada em função dos direitos de transmissão de bens com a morte de um nobre.
  • 85. “Ela desposara em segundas núpcias Teodorico da Alsácia, conde de Flandres (...) o casal partiu em peregrinação para Jerusalém em 1157 (...) Sibila permaneceu na Terra Santa (...) ela morreria em 1135 no convento de São Lázaro (como freira).” – PERNOUD, Régine. A mulher nos tempos das cruzadas. Campinas: Papirus, 1993, p. 93-94.
  • 86. Fulque (ou Foulques) de Anjou foi rei de Jerusalém entre 1131 e 1143. Ver RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas. Volume II: O reino de Jerusalém e Oriente franco (1100-1187). Lisboa: Livros Horizonte, 1993, p. 147-162.
  • 87. Henrique II, rei da Inglaterra (1154-1189).
  • 88. Trata-se de Eleonor de Aquitânia (1122-1204). Ver MEADE, Marion. Eleonor de Aquitânia. Uma biografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
  • 89. Luís VII da França (1120-1180).
  • 90. Cognominado Coração de Leão, rei da Inglaterra de 1189 a 1199.
  • 91. Trata-se de Afonso VIII, o Nobre, de Castela (1158-1214).
  • 92. Frederico I Barba-Ruiva.
  • 93. Filipe II, Augusto (1180-1223, n. 1165).
  • 94. Berengária, filha do rei de Navarra Sancho VI, o Sábio (1150-1194).
  • 95. São Tomás Becket (1117-1170).
  • 96. Isabel de Hainaut (1170-1190), rainha da França e mãe de Luís VIII (1187-1226).
  • 97. O conceito de vavassalo significa subvassalo, isto é, o vassalo do vassalo. Em seu sentido original — acepção empregada aqui — definia os vassalos condais, isto é, os vassalos do rei. Trata-se de um fenômeno que se difundiu a partir do século IX e está diretamente ligado à difusão da grande propriedade e da exploração do solo no domínio. Neste caso, acontecia um tipo de concessão para a exploração por parte do senhor aos vassalos e vavassalos. Ver GANSHOF, F. L. Que é o Feudalismo. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 37.
  • 98. Trata-se da Segunda Cruzada (chamada cruzada dos reis), de 1146 a 1148.
  • 99. Conrado III (1138-1152) Hohenstaufen.
  • 100. Isto é, tendo mulheres acompanhando o exército cruzado, fato considerado injurioso aos olhos dos cronistas.
  • 101. Futuro imperador Frederico I Barba-Ruiva.
  • 102. Henrique VI Hohenstaufen, rei de 1190 a 1197, filho de Frederico I Barba-Ruiva.
  • 103. O termo palatino era dado a todos que viviam em contato direto com o rei, ou seja, no palácio. Assim, havia servidores palatinos, nobres, clérigos e até servos. Eles constituíam a sua mesnada. O conde palatino no Sacro Império tinha esse título em alusão aos condes do palácio da época merovíngia e carolíngia. Entre os séculos X e XII, os condes palatinos julgavam os casos reais em alguns ducados do Império, Saxônia, Baviera, Caríntia, Suábia, Lorena, herdando também as funções dos missi dominici e controlando a administração dos domínios imperiais. Em geral, os condes palatinos residiam em um dos palácios do imperador situados em ducados para onde tinham sido enviados. No século XII, quando a autoridade imperial foi praticamente anulada pelos grandes vassalos, as funções dos conde palatinos foram subjugadas pelas dinastias locais. Sobreviveu apenas o conde palatino da Lorena, que se transformou em palatino do Reno (Pfalzgraf). Ver MOURRE, Michel. Dictionnaire d'histoire universelle. Paris, Ed. Universitaires, s/d.
  • 104. Boneria = medida de terra equivalente a um quarto de acre.
  • 105. Feltro = parte arqueada e saliente da sela.
  • 106. No original winagium = pedágio sobre o transporte de vinho.
  • 107. “Tomas colchão e baixela de cozinha...”, isto é, dar abrigo para pernoite e comida ao conde e toda a sua corte.
  • 108. Isto é, o que definia a verdade em um litígio estabelecido através de inquérito judicial ou processo testemunhal era a palavra empenhada, a veritas cavaleiresca.
  • 109. Moeda inglesa.
  • 110. Trata-se de feudos de bolsa, feudos desprovidos de qualquer base territorial, que eram recebidos em forma de um pagamento regular (o feudo não era só uma concessão territorial, como muitas vezes se pensa).
  • 111. Loriga (do latim lorica) = cota-de-malha, túnica curta feita de anéis ou discos de metais entrelaçados.
  • 112. Nesta passagem Gislebert distingue cavaleiros (milites) e soldados (servientes), sendo que estes últimos podiam ser homens a cavalo com ou sem lorigas (equites ou equites loricatii) ou homens a pé (pedites). À frente deles ficavam os cavaleiros mercenários (milites stipendiarii) e os soldados mercenários (servientes stipendiarri).
  • 113. No original, conductus, isto é, escolta oferecida para se atravessar um território.
  • 114. Luís VIII (1223-1226, n. 1187).
  • 115. Adélia era filha do conde Teobaldo II de Champanha. Morreu em 1206. Em algumas genealogias aparece como Alix. Foi mãe do rei Felipe Augusto da França.
  • 116. Comuna = comunidade de habitantes de uma vila.
  • 117. Rolando Bandinelli, papa Alexandre III (1159-1181).
  • 118. Segundo Domingo do Advento.
  • 119. O III Concílio de Latrão (11.° concílio ecumênico), foi organizado, entre outras coisas, para selar a paz entre Frederico Barba Roxa e Alexandre III. “Para impedir no futuro as disputas sobre a eleição papal, o papa deveria doravante ser eleito por dois terços dos votos. Outras medidas: interdição de possuir diversos ofícios eclesiásticos (cúmulo de benefícios), excomunhão dos cátaros (e de seus simpatizantes), confisco de seus bens. Cada catedral deveria assumir um professor encarregado da instrução dos alunos pobres.” – FRÖHLICH, Roland. Curso Básico de História da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 95.
  • 120. Adélia de Champagne (†1206), rainha da França, terceira esposa do rei Luís VII (1120-1180).
  • 121. Luís VII (1120-1180).
  • 122. Henrique II (1133-1189).
  • 123. Dito Rex Filius (1155-1183).
  • 124. Filipe Augusto.
  • 125. O Concílio de Senlis (1184) foi convocado também para, sob o pretexto de consangüinidade, romper a união matrimonial de Filipe com Elizabeth, sobrinha de Filipe da Alsácia, união que não havia se consumado. Ver DUBY, Georges. A Idade Média na França. De Hugo Capeto a Joana D’Arc, op. cit., p. 205.
  • 126. Ricardo Coração de Leão (1157-1199).
  • 127. Beatriz de Borgonha.
  • 128. Mais tarde o imperador Henrique VI, rei de 1190 a 1197.
  • 129. Landgrave (Landgraf, conde do país). Título usado por vários condes do Sacro Império desde o século XII. Os landgraves da Alta e da Baixa Alsácia, assim como os de Breisgau, adquiriram o título porque seus condados correspondiam aos antigos condados da época carolíngia. Havia ainda landgraves da Turíngia e de Hesse. Dava-se ainda o título de landgrave a magistrados que faziam justiça em nome do Imperador.
  • 130. Filha do rei Afonso I de Portugal e irmã de Sancho I, morta em 1211. Em algumas genealogias aparece como Tereza e não Matilde. Ver SERRÃO, J. Veríssimo. História de Portugal. Lisboa, Verbo, 1995, vol. 1, pág. 397.
  • 131. Em português, pugna.
  • 132. Winage = Pedágio sobre o transporte do vinho.
  • 133. Máquina de guerra que lançava pedras à distância. Ver MONREAL, L. Ingeniería Militar en las Crónicas Catalanas. Barcelona, 1971.
  • 134. O duelo judicial também era chamado de direito de desafio ou julgamento por combate. Era um tipo de ordálio bilateral (onde as duas partes em litígio desempenhavam uma função). Este tipo de julgamento tem origem na tradição germânica. Com o passar do tempo, gradativamente o costume medieval colocou restrições ao desafio: várias comunidades concediam à corte o direito de proibir um duelo. A partir do século X, campeões pagos eram utilizados substituindo uma das partes do litígio – decorrência natural da idéia de que Deus decidia com Sua justiça o caso. Por exemplo, o imperador Oto I (912-973) decidiu a questão da castidade de sua filha num duelo de campeões. Ao contrário do que se costuma pensar, provavelmente o duelo judicial tenha sido um método mais “racional” escolhido naturalmente para substituir a vingança privada (faida), comum na Alta Idade Média especialmente na sociedade merovíngia, e existente ainda no século XI (em contrapartida, na História do Direito, os duelos são considerados exemplos do sistema de provas irracionais, pois se recorria a um ente superior para ajudar o juiz a fazer justiça. Ver GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito, op. cit., p. 715-716). O duelo judiciário subsistiu até aos séculos XIV-XV, sobrevivendo até o século XIX (e início do XX) no duelo de honra. Para a questão da tradição do duelo de honra, ver GAY, Peter. O cultivo do ódio – a experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 17-34.
  • 135. Lacuna no pergaminho.
  • 136. Medida de terra que contribui com uma libra de renda anual.
  • 137. “Este (Gislebert de Mons) espanta-se do comportamento do senhor atual do condado do qual não gosta nada: marido de uma moça bastante devota, ele respeitava as suas intenções de castidade e não se consolava noutras bandas (...) Para Gislebert, muito evidentemente, esta fidelidade não é virtude, mas sim fraqueza, como que uma tara da qual se pode escarnecer num tão alto senhor. Os maridos haviam aceite os constrangimentos que a Igreja impunha: eles já não repudiavam a sua mulher.” – DUBY, Georges. O cavaleiro, a mulher e o padre. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1988, p. 186.
  • 138. Trata-se de Henrique VI (1190-1197), filho de Frederico I Barba Ruiva.
  • 139. Hora primas = primeiras horas do dia, ao nascer do Sol ou cerca de seis da manhã.
  • 140. Passagem esclarecedora do importante papel dos clérigos na Idade Média a respeito da medição do tempo. Ver LE GOFF, Jacques. “Tempo”. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval II. São Paulo: EDUSC / Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 531-541.
  • 141. Prepositura (do latim praepositura) = cargo ou dignidade de prepósito (do latim praepositu, “posto à testa de”; antigo prelado de certas corporações religiosas).
  • 142. Curiosamente neste caso, o fato de Roger de Candé ter sido homem lígio de ambos – uma grave falta de sua parte – não foi um problema para ele, pelo contrário, serviu como contrapeso para que o conde de Namur cedesse ante a derrota iminente. Para a questão da homenagem lígia, ver nota correspondente.
  • 143. O conselho e o auxílio eram as duas bases do contrato feudal: o auxílio (auxilium), era a ajuda que o vassalo devia a seu senhor, especialmente militar (e a cavalo); o conselho (consilium), a sua presença na corte de seu senhor (consilium, assembléia), para aconselhá-lo, para julgar as causas sujeitas à sua corte. O objeto das deliberações poderia ser qualquer tema a respeito do qual o senhor desejasse saber o sentimento de seus vassalos. “As obrigações do vassalo não consistem num dare, mas num facere. Fulbert resume-as numa expressão que já se tinha encontrado nos tempos carolíngios: consilium et auxilium, conselho e ajuda.” – GANSHOF, F. L. Que é o Feudalismo, op. cit., p. 118.
  • 144. “Quinze jornadas”, isto é, quinze dias de viagem. Jornada (do provençal jornada), marcha ou caminho que se faz num dia.
  • 145. O título de marquês tinha, originalmente, uma origem geográfica. Marquês, de Marca, isto é, região na fronteira do Império, “marca de fronteira do reino”.
  • 146. Lacuna no pergaminho.
  • 147. Interessante passagem de um juramento feudal na qual os participantes, já insatisfeitos apenas com as palavras empenhadas e o juramento sobre as relíquias, solicitam que este seja redigido e assinado, o que mostra a lenta penetração do direito escrito em uma tradição consuetudinária.
  • 148. Alforje (do árabe al-khurj), Duplo saco, fechado nas extremidades e aberto no meio, formando como que dois bornais, que se enchem equilibradamente, sendo a carga transportada no lombo de cavalgaduras ou ao ombro de pessoas. Bordão (do latim vulgar burdone, ‘mula’), cajado, báculo, bastão. Eram dois símbolos do cavaleiro que fazia os votos de cruzado.
  • 149. Rio Calycadnus.
  • 150. Na verdade, Gislebert se enganou, pois as águas do rio não estavam congeladas, já que o calor daquele verão na Ásia Menor era intenso: “O que então aconteceu não se sabe ao certo. Ou saltou do seu cavalo para se refrescar nas águas frescas e a corrente era mais forte do que pensara, ou o seu velho corpo não resistiu ao choque repentino; ou o cavalo escorregou e o atirou à água, e o peso da armadura afogou-o Quando o exército chegou ao rio o seu cadáver acabava de ser recuperado e jazia na margem.” – RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas. Volume III: O reino de Acre e as últimas cruzadas. Lisboa: Livros Horizonte, 1995, p. 19.
  • 151. Palafrém = Cavalo manso, de parada para reis e nobres, especialmente utilizado para a entrada régia nas cidades e vilas.
  • 152. Rocim = cavalo pequeno e/ou fraco. Na Idade Média, o rocim servia apenas para o trabalho nos campos, nunca para a batalha.
  • 153. Após a sagração, o cavaleiro deveria ser generoso com seus convidados, distribuindo presentes, fazendo assim jus à virtude maior do cavaleiro, a largueza: “Naquele dia deve ser feita grande festa de oferecimento, de convites, justas, e das outras coisas que convêm à festa de Cavalaria. E o senhor que faz cavaleiro deve dar ao novo cavaleiro e aos outros novos cavaleiros; e o cavaleiro novo deve dar, naquele dia, porque quem recebe tão grande dom como é a Ordem de Cavalaria, sua Ordem desmente se não dá segundo deve dar. Todas estas coisas e muitas outras que seriam longas de contar pertencem ao fato de dar Cavalaria.” – RAMON LLULL. O Livro da Ordem de Cavalaria. São Paulo: Editora Giordano, 2000, p. 75.
  • 154. Além de mostrar que parte da nobreza da época ainda não via com bons olhos o ingresso de seus varões no corpo clerical – o conde de Hainaut não desejava que nenhum de seus filhos se tornasse clérigo – esta passagem ilustra bem a chamada “Questão das Investiduras”, crise entre a Igreja e o Império e também entre a Igreja e as monarquias de uma maneira geral, crise que perpassou boa parte da Idade Média Central (entre 1075 e 1122). A investidura era o ato físico de investir um clérigo com as insígnias de seu cargo. Desde pelo menos o período carolíngio, as nobrezas consideravam seu direito legítimo designar bispos e abades, o que era visto como um grave problema para a Igreja, pois muitas vezes jovens sem a menor vocação ou compromisso com os votos sacramentais passavam àqueles cargos, e assim cometiam abusos de ordem moral. Por sua vez, regularmente foram realizadas tentativas de reformas que visavam acabar com a simonia (tráfico de coisas sagradas ou espirituais) e defendiam o celibato do clero, pois muitos bispos ou eram casados ou viviam com várias concubinas. Ver BOLTON, Brenda. A Reforma na Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1986; VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental (séculos VIII a XIII). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
  • 155. Como já vimos, o serviço de estágio (stagium) era um dos deveres do vassalo para com seu senhor: prestar guarda ou uma estada periódica em um castelo ou um dos castelos de seu senhor. O vassalo tornava-se então um castelão. Ver GANSHOF, F. L. Que é o Feudalismo, op. cit., p. 121. Assim, Conão quebrou o juramento de fidelidade para com seu tio.
  • 156. Quando um vassalo incorria no crime de felonia, o senhor tinha o direito de levá-lo a julgamento. “...os costumes estabeleceram geralmente que o senhor não poderia, nem pronunciá-lo, nem executá-lo, sem que se tivesse aconselhado na sua corte com os outros vassalos: este procedimento protegia o vassalo contra qualquer ira passageira do senhor.” – FOURQUIN, Guy. Senhorio e Feudalidade na Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1987, p. 123.
  • 157. Mesnada (do provençal maisnada) = grupo de guerreiros assalariados a serviço de um senhor, isto é, todos os servidores palatinos (do palácio), nobres, clérigos e até servos.
  • 158. Pugna = briga, combate.
  • 159. Cavalo de tiro = animal usado para puxar um carro – o nome deriva de tiro (tirante com que se atrelava o cavalo a um veículo). Provavelmente a mulher que reclamou sua parte no botim desejava um cavalo para trabalhar em sua lavoura.
  • 160. O termo pater aparece freqüentemente na documentação da época e designa o laço de parentesco que unia o genro ao sogro.
  • 161. Manganel = Máquina de guerra que lançava pedras à distância. Ver MONREAL, L. Ingeniería Militar en las Crónicas Catalanas. Barcelona, 1971.
  • 162. Tática militar de derrubada de muros de um castelo durante um sítio, feito muito comum na Idade Média. O solapamento consistia em escavar um túnel bem abaixo de uma das paredes do castelo, fixá-lo com uma estrutura de madeira para depois incendiá-la e assim solapar a base de sustentação do muro, derrubando-o.
  • 163. O casamento de Isabel de Hainaut (1170-1190) com o rei Filipe Augusto proporcionou à dinastia capetíngia sua união com o glorioso passado carolíngio: “Ligar-se aos carolíngios era para os Capeto um objetivo político e ideológico de primeira importância. Era apagar a acusação de usurpação, recuar ao passado a origem da dinastia e, principalmente, ligar-se diretamente a essa personagem de uma história mitificada, Carlos Magno (...) Entretanto, essa aspiração dos Capeto de serem reconhecidos como descendentes de Carlos Magno só se transformou, segundo as palavras de Bernard Guenée, em verdadeiro fervor carolíngio sob Filipe Augusto (...) A referência genealógica que vinga é a referida por André de Marchiennes (abade de quem os condes de Hainaut são os benfeitores), em 1196, em sua História sucinta dos fatos e da sucessão dos reis da França (...), na qual se sublinha a ascendência carolíngia de Isabel (ou Elisabete) de Hainaut, primeira mulher de Filipe Augusto e mãe de seu filho mais velho Luís. Isabel descende do último rei carolíngio, Luís IV, e de seu filho Carlos de Lorena, afastado por Hugo Capeto. Se Luís (que será, de fato, o rei Luís VIII) se tornasse rei, o reino voltaria à raça de Carlos Magno. É o que se dá em 1223, com o advento de Luís VIII, oitavo rei Capeto. Cumpriu-se a profecia de São Valerico.” – LE GOFF, Jacques. São Luís. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 76-77.
  • 164. Carta patente = Documento que encerra obrigações, doações, privilégios públicos, e é dirigido em geral a todos aqueles que o virem.
  • 165. Henrique II Plantageneta, rei da Inglaterra (1154-1189).
  • 166. Ricardo Coração de Leão (1157-1199), que foi coroado rei da Inglaterra na catedral de Westminster no dia 03 de setembro de 1189. Ver BROSSARD-DANDRÉ, Michèle e BESSON, Gisèle. Ricardo Coração de Leão – História e Lenda. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
  • 167. A Terceira Cruzada (1188-1192). Ver RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas. Volume II: O reino de Jerusalém e Oriente franco (1100-1187). Lisboa: Livros Horizonte, 1993, p. 32-60.
  • 168. Papa Celestino III (Giacinto Boboni, 1191-1198).
  • 169. Ver nota 148.
  • 170. Isto é, desejava reunir-se com seus homens para receber um conselho e então se pronunciar a respeito.
  • 171. Interessante passagem em que o próprio redator da obra redige suas palavras ditas na ocasião, momento raro em que o historiador recupera o discurso e se vê “ouvindo” as palavras proferidas em uma reunião do século XIII.
  • 172. O reino de Meissen ficava a leste da Turíngia, na fronteira com o reino da Boêmia. Cortado ao meio pelo rio Elba, suas duas principais cidades na Idade Média eram Meissen e Dresden. Ver COSTA, Ricardo da. Codex Manesse: quatro iluminuras do Grande Livro de Canções manuscritas de Heidelberg (século XIII) – análise iconográfica. Segunda parte”. In: Revista Brathair 4 (2), 2002: p. 03-07
  • 173. Toda essa passagem ilustra bem a questão do entrelaçamento de poderes e direitos no feudalismo clássico.
  • 174. Celestino III.
  • 175. Trata-se do rei de Jerusalém Henrique I (1192-1197), da casa de Anjou, casado com Isabel I.
  • 176. Tecnicamente, a herança dotalícia são bens incomunicáveis que a mulher, ou seus ascendentes ou terceiros, transfere ao marido, para com os frutos e rendimentos deles o ajudar na satisfação dos encargos econômicos do matrimônio, sob a cláusula de restituição de tais bens se houver dissolução da sociedade conjugal. Na Idade Média, os bens próprios da mulher podem ter tido uma tripla origem: 1) a dos ex marito, a parte do antigo preço de compra (o marido, na tradição germânica, ou raptava a esposa [Raubehe] ou a comprava [Kaufehe]. Por exemplo, o rei Clóvis comprou sua esposa Clotilde – repare que o consentimento da mulher não era necessário, melhora da condição feminina trazida com a Igreja, a partir de um edito de Clotário II [584-629]); 2) o Morgengabe (dádiva matrimonial), pequenos presentes que o marido dava à mulher no dia seguinte à noite de núpcias, ratificando o casamento e 3) o dote romano (donatio propter nuptias, ou maritagium), bens doados pela família à jovem. No caso da morte anterior do marido, a dos ex marito e o morgengabe tornaram-se ganhos de sobrevivência da mulher, da viúva, transformando-se em uma nova instituição, o Apanágio (curiosamente, esta tradição que beneficiava a mulher foi suprimida durante a Revolução Francesa, na lei do 17 Nivoso do ano II, janeiro de 1794). Na maior parte dos costumes franceses, o apanágio beneficiava somente a viúva, mas numerosos costumes flamengos, brabantinos e do Hainaut admitiam também um apanágio a favor do viúvo. Ver GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito, op. cit., p. 585-586.
  • 177. No original cives, habitantes da civitas, cidadãos, citadinos.
  • 178. Como em outras passagens, o texto refere-se aqui ao amor entre homens, o amor do compromisso feudal.
  • 179. Esta passagem parece no mínimo inusitada, isto é, a preocupação do cronista em sublinhar as mudanças do selo do conde Balduíno V. No entanto, ela se explica pela grande importância que os feudais davam aos símbolos, especialmente os símbolos relacionados aos poderes nobiliárquico e religioso.
  • 180. Lacuna no original. Contudo, o sentido da frase se completa com o “onde antes não pudera entrar...”.