Poema IV

Trad. e notas: Ricardo da COSTA

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Em um locus amoenus, uma graciosa dama toca seu amado com um ramo. Por sua vez, completamente embevecido, ele, enamorado, abre seus braços em sua direção. Bolsa para dar esmola (c. 1340) originária de Paris (Museu de Hamburgo).

I.
Farei um verso do nada,1
não será de mim, nem de outra gente,
não será do amor, nem da juventude,
nem de nada.
A trova foi feita dormindo
sobre um cavalo.

II.
Não sei em qual hora nasci,
não estou alegre, nem irado,
não sou rude, nem amigável,
nem tenho culpa,
pois assim fui de noite fadado,
em um monte elevado.

III.
Não sei quando durmo
nem quando velo, se alguém não me diz.
Por pouco não me parte o coração
uma dor lancinante,
mas não me troco por uma formiga,
por São Marcial!2

IV.
Doente estou e creio morrer,
e nada sei além do que ouço dizer.
Um médico buscarei por minha vontade,
mas não conheço tal.
Bom médico será se me puder curar,
mas não, se piorar!

V.
Amiga tenho, mas não sei quem é,
pois nunca a vi, se me tens fé,
nada fez que me agrade ou me pese,
e não me importo,
pois nunca houve normando ou francês
dentro de minha casa.

VI.
Nunca a vi e fortemente a amo,
nunca me fez favor ou desfavor,
quando não a vejo, não me divirto,
mas não me troco por um galo,3
que seja mais gentil e formosa,
e que valha mais.

VII.
Não sei o lugar onde está,
se é no monte ou no plano,
não me atrevo a dizer a injustiça que me faz,
antes me calo,
ou me pesa muito quando fica aqui,
portanto vou.

VIII.
Feito está o verso, não sei do que,
e envio-o àquele
que o envie através de outro
a Poitou,
e que de seu estojo me traga
a aduela.4

Notas

  • 1. Tradução feita a partir da edição Guillermo IX. Duque de Aquitania y Jaufré Rudel. Canciones completas (edicion bilingue preparada por Luis Alberto de Cuenca y Miguel Angel Elvira). Madrid: Editora Nacional, 1978, p. 38-41.
  • 2. Um dos sete filhos de uma nobre romana chamada Felicidade. Todos foram martirizados no tempo do imperador Antonino (86-161). Na passagem, o poeta, mesmo sofrendo muito de amor, afirma que não trocaria de lugar com ninguém, nem mesmo com uma formiga.
  • 3. Uma vez mais o poeta sofre, mas não troca seu lugar por nada, nem por ninguém. Essa segunda alusão a um animal do bestiário é muito interessante. Neles, o galo tem inteligência: conta o tempo para saber quando cantar. Alguns dizem que os membros do galo são destruídos se misturados ao ouro líquido. Ademais, os leões têm medo de um galo branco! Plínio, o Velho (História Natural, Livro 10, 24-25) afirma que a Natureza projetou o galo para anunciar o amanhecer. São habilidosos astrônomos, pois cantam a cada três horas; duelam uns com os outros para determinar quem vai governar, e o vencedor se pavoneia, orgulhoso; o perdedor é forçado a servi-lo (um galo conquistado não canta). Os galos são tão orgulhosos que até o nobre leão tem medo deles. Auspícios podem ser lidos no comportamento dos galos. Já para Isidoro de Sevilha (Etimologias, Livro 12, 7, 50), o galo (gallus) recebeu esse nome a partir da palavra grega que designava os que eram castrados (galli), pois só entre pássaros é que os testículos são removidos. Medieval Bestiary: cock
  • 4. "...me traga a aduela", isto é, o conhecimento do lugar onde entrar para se encontrar com a dama.