Réplica do Prof. Langer - O historiador e o julgamento: respostas ao Prof. Ricardo da Costa

Réplica de Johnni Langer na Revista NECULT

 

Em sua crítica à nossa resenha, Costa aponta alguns problemas relativos à impossibilidade de realizar uma pesquisa totalmente neutra de opiniões e valores. Em parte concordamos com essa postura, afinal, logo no início de qualquer pesquisa, isso se torna evidente: ao escolher um tema, ao delimitar as fontes primárias, na eleição de uma bibliografia e um método, os valores pessoais preponderam. Também alguns referenciais sociais e culturais podem interferir neste momento, afinal, uma investigação também é fruto de uma época. Mas no momento mais importante de qualquer trabalho acadêmico, a interpretação final das fontes, é o que deve prevalecer a isenção de juízos, pois em caso contrário, a pesquisa perderá em qualidade.

Especialmente em análises que envolvem religiosidade e confrontos culturais na História é que a posição de neutralidade torna-se mais necessária. No critério eleito pelo professor, o referencial mais importante foi a forma de intelectualidade e refinamento cultural, que elegeu os cristãos como uma civilização “melhor” que a viking. Mas os nórdicos tiveram a mais sofisticada tecnologia náutica do medievo, que os levaram à América antes de Colombo. Um simples povo “bárbaro e selvagem”?

Realmente é possível aplicar o critério de Costa a qualquer época e contexto? Por exemplo, no confronto entre astecas e incas com espanhóis, pode-se dizer qual foi a melhor sociedade? Ambos os povos indígenas praticavam os “macabros” sacrifícios humanos – no referencial religioso judaico-cristão – enquanto os espanhóis torturaram, escravizaram e colonizaram sob a égide da cruz. Todos devem lembrar do momento em que Atahualpa foi capturado numa armadilha, após renegar uma bíblia oferecida por um sacerdote. Quem estava certo, quem era melhor? Os Espanhóis ou os ameríndios? Estes últimos construíram civilizações com urbanismo e engenharia sofisticada (inclusive com calendário muito mais aprimorado que o do Velho Mundo da época). 

Mesmo na Europa Medieval e Moderna essa situação volta-se a repetir, com culturas diferentes ou no mesmo contexto social. É possível ao historiador julgar as queimas de hereges e “bruxas” pela fogueira, os inúmeros “assassinatos” cometidos em nome da fé pela Igreja Católica? Caso o profissional seja cristão, como encarar com parcialidade os conflitos religiosos entre protestantes e católicos, a perseguição e “massacre” dos judeus, as guerras entre cristãos e muçulmanos? Seria possível a um israelense estudar judeus no medievo e realizar um bom trabalho caso a sua análise seja parcial? Julgar torna-se muito perigoso, porque além de repetir referenciais morais das fontes e do período analisado, pode perpetuar ou incrementar conflitos na própria época do analista. É muito mais cômodo ao historiador condenar do que entender, ignorar em vez de conhecer, julgar a explicar.