Erotismo Estético Medieval

As Virgens Néscias e Prudentes em Sant Quirze de Pedret (séc.XII) e nas catedrais de Freiburg (c.1300) e de Estrasburgo (c.1280-1300)

Ricardo da COSTA

Palestra proferida na Secció Especial Delits prohibits des dels temps clàssics fins a la cultura contemporània.
Desig, Temptació i Censura
. Coord.: Profa. Dra. Rozalya Sasor, Prof. Dr. Dr. Vicent Martines, no
III Simposi Internacional [on line] Delits Prohibits: sexe, erotisme, bellesa, estètica, gaudi, dret, pecat i prohibició.
Un esguard des dels clàssics, l’etnopòetica, la història i la lingüística de corpus
.
evento organizado por ISIC-IVITRA e ocorrido entre os dias 12.07 e 14.07.2021 na
Universitat d'Alacant (UA).
Vídeo.

Palestra proferida no
Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora (IHGJF)
no dia 30 de junho de 2022.

Palestra apresentada para o
 Núcleo de Estudos do Catolicismo (NEC) da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
no dia 01 de setembro de 2022.
Vídeo.

In: COSTA, Ricardo da. Delírios da Idade Média.
Santo André, SP: Armada, 2023, p. 297-320
(ISBN 978-65-87628-26-4).

Resumo: O objetivo do trabalho é analisar três expressões artísticas medievais da Parábola bíblica das Virgens Néscias e Prudentes (Mt 25, 1-13): os afrescos da abside meridional da Igreja de Sant Quirze de Pedret (século XII) e as esculturas das catedrais de Freiburg (c.1300) e Estrasburgo (c.1280-1300). Da hierática sobriedade dos afrescos do Românico catalão à sensual expressividade gótica das esculturas alemãs.

Abstract: The objective of the work is to analyse three medieval artistic expressions of the biblical Parable of the Wise and Foolish Virgins (Mt 25, 1-13): the frescoes the southern apse from Pedret (12th century) and the sculptures of the cathedrals of Freiburg (c. 1300) and Strasbourg (c. 1280-1300). From the hieratic sobriety of Catalan Romanesque frescoes to the sensual Gothic expressiveness of German sculptures.

Palavras-chave: Arte medieval – Românico – Gótico – Parábola das Virgens Néscias e Prudentes – Sant Quirze de Pedret – Catedral de Freiburg – Catedral de Estrasburgo.

Keywords: Medieval Art – Romanesque – Gothic – Parable of the Wise and Foolish Virgins – Sant Quirze de Pedret – Freiburg Cathedral – Strasbourg Cathedral.

Zusammenfassung: Das Ziel dieser Arbeit ist die drei mittelalterliche künstlerische Darstellungen des biblischen Gleichnisses von den klugen und törichten Jungfrauen (Mt 25,1-13) zu analysieren: die Fresken der Südapsis von Pedret (12. Jh.) und die Skulpturen der Kathedralen von Freiburg (um 1300) und Straßburg (um 1280-1300). Von der hieratischen Nüchternheit der katalanischen romanischen Fresken bis zur sinnlichen gotischen Ausdruckskraft der deutschen Skulpturen.

Tichworte: Mittelalterliche Kunst – Romanik – Gotik – Gleichnis von den klugen und törichten Jungfrauen – Sant Quirze de Pedret – Freiburger Münster – Straßburger Münster.

I. Sant Quirze de Pedret (sécs. IX-XIII)

Imagem 1

Igreja de Sant Quirze de Pedret (sécs. IX-XIII) e sua planta. Cercs, Berguedà, Barcelona, Espanha.

Por volta de 1100, na absidíola sul (capela radiante) da Igreja de Sant Quirze de Pedret (sécs. IX-XIII) (imagem 1) foram pintados os mais antigos afrescos românicos da Catalunha.1 Descobertos no início do séc. XX2, por suas características estilísticas, eles atestam a corrente bizantinista proveniente da Itália. Suas características são:

1) desenho muito delineado;
2) policromia intensa e
3) tendência à abstração e às formas geométricas.3

No arco triunfal da abside central, muito desgastada, em uma mandorla4, a imagem da Virgem com o Menino; no registro superior do espaço semicircular (hemiciclo) da abside sul, a parábola bíblica das Virgens Néscias e Prudentes (imagem 2).5

Trata-se de uma alegoria apocalíptica narrada no Evangelho de São Mateus:

O Reino dos Céus será semelhante a dez virgens que, tomando suas lamparinas, saíram ao encontro do Esposo. Cinco delas eram prudentes e cinco loucas. As loucas, tomando suas lamparinas, não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com suas lamparinas. E, tardando o Esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um clamor: “–Aí vem o Esposo, saí-lhe ao encontro”. Então todas aquelas virgens se levantaram e prepararam as suas lamparinas.

As loucas disseram às prudentes: “–Dai-nos do vosso azeite, porque nossas lamparinas se apagam”. Mas as prudentes responderam: “–Não seja caso que nos falte a nós e a vós, ide antes aos que o vendem, e comprai-o para vós”. E, tendo elas ido comprá-lo, chegou o Esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. Depois chegaram também as outras virgens, e disseram: “–Senhor, Senhor, abre-nos”.

Ele respondeu: “–Em verdade vos digo que vos não conheço”. Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do Homem há de vir (os grifos são meus).

Mt 25, 1-13.

Imagem 2

 

Abside sul da Igreja de Sant Quirze de Pedret. Afresco, final do séc. XI, 325 x 315 x 320 cm. Museu Nacional d'Art de Catalunya (MNAC).

O Mestre de Pedret (fl. séc. XII) dividiu o espaço abaixo da abóbada entre as Néscias e as Prudentes.6 A denominação Mestre de Pedret é uma aglutinação de duas autorias. No caso das Virgens Néscias e Prudentes, já foi constatado se tratar de um segundo mestre, com um estilo mais geométrico, linear, distante do naturalismo anterior, ainda que com a mesma gama cromática.7

Na cena, à esquerda, as Prudentes, serenas, estão sentadas à mesa, com Cristo (imagem 3).8 Foram judiciosas: se prepararam para a chegada do Filho do Homem (ὄ ὑιὸς τοῦ ἀνθρῶπου) e agora desfrutam de Sua fartura e de Sua visão.

Como dissera São Bernardo de Claraval (1090-1153), Cristo oferece algumas primícias de Seu amor, que diz respeito às “[...] promessas das bodas nas quais Ele se deixará ver e possuir para sempre”.9

Imagem 3

As virgens prudentes (e sua reconstituição). Detalhe da abside sul da Igreja de Sant Quirze de Pedret. Afresco, final do séc. XI, início do XII, 80 x 133 cm. Museu Nacional d'Art de Catalunya (MNAC).

As virgens prudentes são sóbrias damas coroadas, aureoladas, peroladas. Hieráticas.10 Parcimoniosas, ainda que ricamente ornadas, elas não expressam a felicidade da Eternidade, mas a serenidade das Bodas do Esposo.11

Por sua vez, as néscias, à direita (imagem 4), com marcante gesticulação em suas mãos, estão espiritualmente agitadas. De pé, como que suspensas em um limbo, não mereceram o divino privilégio do descanso eterno.

Imagem 4

As virgens néscias (e sua reconstituição). Detalhe da Abside sul de Pedret. Afresco, final do séc. XI, início do XII. Museu Nacional d'Art de Catalunya (MNAC).

A reconstituição in situ do ambiente artístico, isto é, na própria capela radiante sul de Pedret (imagem 5), permite que tenhamos uma boa ideia do exuberante e vibrante mundo colorido do Românico catalão.12 Graças a essa viva paleta de cores, conseguimos imaginar de modo ainda mais palpável a sensação transcendente, imponente, majestática e envolvente das imagens medievais.13

Esteticamente, essa estreita relação transcendental matéria/espírito se explicava costumeiramente em termos analógico-alegóricos.14 Isso pode ser facilmente percebido em uma passagem teológico-estética que o monge cisterciense Thomas de Perseigne (†c. 1190) fez em seu Comentário ao Cântico dos Cânticos (c. 1179-1189):

Triplex est pulchritudo: primo quando est sine macula, secundo in qua est quaedam gustus et ornatus elegantia, tertia quaedam membrorum et coloris in se trahens intuentium affectus gratia.

Haec triplex pulchritudo es in anima: prima inest per peccati abolitionem, secunda per religiosam conversationem, tertia per ocultam gratiae inspirationem.

Tripla é a beleza: 1) quando não tem mácula, 2) quando há certa elegância do gosto e do ornato, e 3) quando há certa graciosidade dos membros e da cor que atrai a simpatia dos espectadores.

Esta tripla beleza também há na alma: 1) pela abolição do pecado, 2) pela conversação religiosa e 3) pela oculta inspiração da graça (os grifos são meus).15

Imagem 5

Reconstituição da abside sul da Igreja de Sant Quirze de Pedret. Cercs, Berguedà, Barcelona, Espanha.

Mas por que o tema das Virgens Néscias e Prudentes ganhou tanta solenidade no Românico catalão? Por fazer parte de um dos inúmeros grupos de ciclos ilustrados do Apocalipse, tema grave que foi uma das grandes fontes de inspiração da Idade Média.16

Seria necessário esperar a grande onda estilística do Gótico (c. 1140-1500)17 para que os medievais contemplassem o desabrochar da dramaticidade e o eflúvio dos sentimentos mais extremados em suas imagens. Da piedade, da compaixão, da ternura.18 E do erotismo.19

II. A Catedral de Freiburg (1200-1513)

Imagem 6

Catedral de Freiburg (1200-1513). Construção gótica (silhar de arenito) em três fases: 1) 1120, sob o reinado do duque Conrado I de Zähringen (1090-1152) – o Transepto (Românico tardio); 2) 1210 (torre, com 16 sinos, concluída em 1330) e 3) 1230 (Gótico francês), com o Presbitério (1354-1513).

Diferentemente de outras catedrais góticas, a de Freiburg abriga um vestíbulo em seu Portão de entrada, abaixo de sua torre (concluída em 1330). Trata-se de um ambiente decorado em suas paredes com delicadas esculturas policromadas de ambos os lados (imagem 7).

À direita da entrada, de fora para dentro, na ordem:

1) Santa Catarina de Alexandria (com sua Roda característica20);
2) Santa Margarida21;
3) as sete Artes Liberais (Gramática, Dialética, Retórica; Aritmética, Geometria, Música e Astronomia)22;
4) as cinco Virgens Néscias.

Completando as quatro longas arquivoltas do Portão (à direita do observador):

5) a Sinagoga (com venda nos olhos);
6) a personificação da Visitação (Lc 1, 39-56);
7) Maria e
8) o Arcanjo Gabriel.

Imagem 7

Vestíbulo do Portal da Catedral de Freiburg (c. 1300).

À esquerda, mas de dentro para fora, na ordem:

1) os Três Reis Magos e a Ecclesia, de azul (nas quatro arquivoltas);
2) Cristo (de túnica vermelha) como esposo das
3) as cinco Virgens Prudentes;
4) Madalena;
5) Abraão;
6) João Batista (com o cordeiro) (Jo 1, 29);
7) Isabel (mãe de João Batista, prima de Maria e esposa de Zacarias);
8) Zacarias;
9) um anjo;
10) a Volúpia e, por fim;
11) o Tentador, Príncipe do Mundo.23

Ao lado da Volúpia (Voluptas), o Tentador está no fim da sequência de esculturas. A escolha de sua localização é para que sirva como uma advertência, aos que saem da Igreja, para os perigos da mundanidade do mundo (imagem 8).

Imagem 8

O Tentador, a Volúpia e um anjo. Detalhe do Vestíbulo do Portal da Catedral de Freiburg (c. 1300).

O Tentador e a Volúpia encarnam os vícios humanos. O sorridente anjo ao lado porta uma faixa, em que está escrito: Ne intretis (“Não entre”, isto é, “não caia em tentação!”). A Volúpia, jovem nua de cabelos dourados, longas sobrancelhas arqueadas e seios pequenos, está vestida apenas com uma pele de bode com sua cabeça de longos chifres, símbolo por excelência do diabo.24

O Tentador, jovem elegante, tem uma túnica verde de botões dourados e uma coroa dourada com rosas. Por representar o Príncipe do Mundo, é envolvente, insinuante, convidativo. Oferece uma flor a quem o contempla mas, em suas costas, está sua verdadeira (e repelente) natureza: serpentes e sapos sobem por sua túnica verde (imagem 9).25

Imagem 9

O Tentador, a Volúpia, um Anjo e o Profeta Zacarias. Detalhe do Vestíbulo do Portal da Catedral de Freiburg (c. 1300).

A dubiedade principesca expressa na escultura de O Tentador recorda a péssima imagem que Ramon Llull (1232-1316) tinha dos reis e príncipes de seu tempo. Para o filósofo, eles eram perdulários, malvados, causadores de guerras, nunca abriam as portas de seus palácios para o povo, eram ambiciosos, ladrões, traidores e falsos. E davam presentes aos jograis para serem louvados...

Lo príncep, Sènyer, com ha molt menjat e begut e és levada sa taula, sempre veig que vénen estruments e joglars e lagoters qui parlen de vanitats, e dien cançons qui no parlen sinó de luxúria e de vana glória. On, com ells deurien remembrar vós e fer gràcies a vós, ells han en memòria aquelles coses qui non són a vós plaents e qui són ocasió com vós siats oblidat e desobeït.26

O príncipe, Senhor, após ter muito comido e bebido e levantado de sua mesa, chegam os instrumentistas, jograis e aduladores, que falam de vaidades e dizem canções que não falam senão de luxúria e de vanglória. Assim, como eles deveriam recordar a Vós e dar graças a Vós, têm na memória aquelas coisas que não são agradáveis a Vós e que são ocasião para que Vós sejais esquecido e desobedecido (Libre de Contemplació, III, 111, 21) (a tradução é minha).

Por sua vez, as Virgens Néscias do vestíbulo da Catedral de Freiburg (imagem 10) foram postas, a partir do Portão, ao lado da Sinagoga (de olhos vendados), uma tradicional representação do Antigo Testamento que aludia à superioridade do Cristianismo sobre o Judaísmo – por isso a cegueira espiritual, expressa na venda nos olhos da Sinagoga.27

Ecclesia/Virgens Prudentes de um lado do Portão versus Sinagoga/Virgens Néscias do outro lado. Trata-se de uma dualidade que assinala, artisticamente, a Teologia da Substituição (Substitutionstheologie) vigente na Idade Média.28

A primeira néscia, angustiada, com um corpo muito sinuoso, inclina seu rosto em sua mão esquerda. Veste uma rica túnica com detalhes vermelhos; a segunda, com uma capa verde, é de uma resignação impassível, enquanto a terceira, mais comedida, tensa, tem o rosto com sulcos.

Imagem 10

A Sinagoga (de olhos vendados) e três das cinco Virgens Néscias. Detalhe do Vestíbulo do Portal da Catedral de Freiburg (c. 1300).  Foto: Ricardo da Costa (nov. 2017).

A quarta néscia inutilmente coloca a mão esquerda em seu colo e clama aos céus sua justa sina (imagem 11). A quinta levanta sua mão esquerda: adverte aos incautos o triste destino das imprudentes. Ao seu lado, a severa Gramática, a primeira das sete Artes Liberais, tem um látego na mão direita erguida e duas crianças, uma de pé (pronta para apanhar – não estudou!) e outra a seus pés. Assustada com o possível castigo, lê um livro.29

Imagem 11

Duas das cinco Virgens Néscias (à esquerda) e a Gramática (à direita), a primeira das sete Artes Liberais. Detalhe do Vestíbulo do Portal da Catedral de Freiburg (c. 1300). Foto: Ricardo da Costa (nov. 2017).

As Virgens Néscias expressam toda a angústia por seu desenlace. Têm suas lamparinas douradas viradas para baixo, vazias. A riqueza e o colorido policromado de suas vestes aumentam o contraste entre o luxo de seu vestuário (material) com o sofrimento (espiritual) expresso em suas posturas corporais.30

Imagem 12

Da direita para a esquerda, os Três Reis Magos – trindade alusiva às três raças (Melchior a europeia, Gaspar a asiática e Baltasar a africana) e às três idades do homem – e a Ecclesia, de azul (nas arquivoltas do portão), Cristo (de túnica vermelha) e as três primeiras Virgens Prudentes. Vestíbulo do Portal da Catedral de Freiburg (c. 1300). Foto: Ricardo da Costa (nov. 2017).

Ao lado dos Três Reis Magos, a Ecclesia – o Novo Testamento, a noiva de Cristo31 – abre a sequência do lado esquerdo do vestíbulo com as Virgens Prudentes (imagem 12). Sequência temporal católica que inicia com o anúncio da vinda de Cristo e o advento da Igreja ao Cristo in persona até suas prudentes noivas, isto é, a salvação das amorosas almas que se prepararam para o fim dos tempos, a Parusia (παρουσία).32 Do início ao fim. No meio, entre os Três Reis Magos e as Virgens Prudentes, aquele que é o Alfa (Α) e o Ômega (Ω).

Imagem 13

Da esquerda para a direita, João Batista, Abraão, Maria Madalena, as cinco Virgens Prudentes (com suas lamparinas para cima), Cristo (de túnica vermelha) e, na arquivolta, de azul, a Ecclesia. Vestíbulo do Portal da Catedral de Freiburg (c. 1300). Foto: Ricardo da Costa (nov. 2017).

Felizes, ao lado de Cristo (de túnica vermelha), as suaves inclinações de seus corpos e o modo elegante como exibem suas túnicas coloridas traduzem sua confiança, sua felicidade. Sua glória. Sorridentes, altivas, elas exibem suas lamparinas voltadas para cima, cheias de óleo. Estão antecipadamente preparadas para o Esposo (imagem 13).

III. A Catedral de Estrasburgo (1176-1439)

Imagem 14

Fachada oeste (final do séc. XIII) da Catedral de Notre-Dame de Estrasburgo (1176-1439), com os portões dedicados à infância de Cristo (c. 1280-1290, esquerdo, com as imagens femininas das virtudes que triunfam sobre os vícios), a Paixão de Cristo (c. 1280-1290, central, com esculturas de profetas e mártires) e o Juízo Final (c. 1275-1280, direito, no qual se encontram as Virgens Néscias e Prudentes).

A respeito desse colosso gótico chamado Estrasburgo (imagem 14), Goethe (1749-1832) sentenciou:

Quando fui pela primeira vez à catedral, eu tinha a cabeça cheia de conhecimentos gerais do bom gosto. Eu louvei a harmonia das massas e a pureza das formas por ouvir falar, era um inimigo declarado das arbitrariedades confusas dos adornos góticos. Sob a rubrica ‘gótico’, semelhante a um verbete de um dicionário, juntei todos os mal-entendidos sinonímicos, termos como indeterminado, desordenado, inatural, agregado, remendado, sobrecarregado, que sempre vinham à minha cabeça [...]

Mas, com que sentimento inesperado fui surpreendido pela visão quando cheguei diante dela! Uma impressão total e grandiosa preencheu a minha alma, impressão que eu certamente pude saborear e desfrutar, mas não conhecer e esclarecer, porque consistia em milhares de particularidades harmoniosas entre si. Dizem que é assim a alegria do céu; e quantas vezes eu voltei para desfrutar essa alegria celestial e terrena, para abranger o espírito gigantesco de nossos irmãos mais velhos em suas obras. Quantas vezes eu retornei para contemplar a sua dignidade e magnificência de todos os lados, de todas as distâncias, em cada luz do dia. É difícil para o espírito humano quando a obra de seu irmão é tão sublime que ele apenas deve se ajoelhar e adorar. Quantas vezes o crepúsculo aliviou com repouso amigável meus olhos fatigados pela visão investigadora, quando por meio dela as incontáveis partes se fundiam em massas inteiras [...]

E você, meu irmão no espírito da pesquisa pela verdade e pela beleza, feche o seu ouvido a toda verborragia sobre a arte plástica, venha, desfrute e olhe (os grifos são meus).33

Com sua confessional estupefação poética, Goethe expressou a eterna e injusta mácula que o Gótico – e tudo o que se refere à Idade Média – carrega no imaginário popular ocidental.34 Registro seu romântico maravilhamento aos incautos. E prossigo.35

A fachada oeste da Catedral de Estrasburgo apresenta três portões, com esculturas esculpidas entre 1275 e 1290.36 O tímpano do portão da direita trata do Juízo Final (c. 1275-1280). Em suas estátuas de ombreira, o tema das Virgens Néscias e Prudentes (imagem 15), mas com duas novidades: a primeira, sua monumentalidade (a mesma monumentalidade costumeiramente proporcionada às esculturas dos Profetas), o que sugere a (nova) importância teológica para a expressividade estético-gótica.37

Além disso, aqui o tema dialoga com outro, muito recorrente na Arte (e na Filosofia) do período: o combate entre as virtudes e os vícios38 – no tímpano do Portão norte da fachada oeste da Catedral (c. 1280-1290).39 O portão de uma extremidade dialoga com o portão da outra extremidade! A mensagem é clara: trata-se de uma dupla (e interativa40) admoestação apocalíptica!

Imagem 15

Portão sul (1275-1280) da fachada oeste (final do séc. XIII) da Catedral de Notre-Dame de Estrasburgo (1176-1439), com o tímpano do Juízo Final e as estátuas de ombreira do Tentador e as Virgens Néscias (à esquerda) e Cristo e as Virgens Prudentes (à direita).

Nas estátuas de ombreira do portão sul, do lado direito, Cristo e três das Virgens Prudentes; do lado esquerdo, o Tentador e três das Virgens Néscias (imagem 15). As esculturas estão postas em bases (chamadas de socos ou supedâneos) em que estão esculpidas, por sua vez, cenas dos Trabalhos e os Meses como, de costume, associadas aos signos do Zodíaco.41

Nos socos do lado das Virgens Néscias (imagem 16), a partir do Tentador, os meses de Janeiro (com o deus romano Jano [Ianus]), Fevereiro (um camponês se aquecendo em uma lareira), Março e Abril. Acima das cabeças das estátuas, como em Freiburg, delicadíssimos e rendilhados dosséis – cobertura ornamental que também encima tronos, altares, sepulcros, especialmente na arte gótica.42

Imagem 16

Portão sul (1275-1280) da fachada oeste (final do séc. XIII) da Catedral de Notre-Dame de Estrasburgo (1176-1439), com o tímpano do Juízo Final e as estátuas de ombreira do Tentador e as Virgens Néscias (à esquerda). Nos socos, da esquerda para a direita, os meses de Janeiro (com o deus romano Jano), Fevereiro, Março e Abril.

Em relação às Virgens Prudentes de Estrasburgo (imagem 20), Stephen Jaeger (1940-) considera que elas são as mais belas representações femininas que nos restaram da Idade Média. São extraordinárias nuances de postura e de expressão facial em uma perfeita e harmônica síntese entre a aspiração do escultor de representar pessoas específicas (um desejo muito gótico43) e, ao mesmo tempo, a idealização de suas personalidades (imagem 18).44

Imagem 18

Virgem prudente (séc. XIII) da Catedral de Estrasburgo. Musée de l'Œuvre Notre-Dame de Strasbourg.45

Como o Tentador da Catedral de Freiburg (imagens 8 e 9), o de Estrasburgo sorri (imagem 19). Mas é um sorriso hipócrita46, sorriso dissimulado, sorriso do demônio: como em Freiburg, atrás de sua elegante túnica, sobem sapos, cobras e lagartos. Em Freiburg, ele oferece uma rosa aos espectadores; em Estrasburgo, um pomo – clara alusão à tentação de Eva.47

A néscia a seu lado se contorce de desejo, levanta a túnica, inclina a cabeça. Também sorri, mas é o sorriso dos tolos – dizem que, no Inferno, Satanás recebe as almas penadas também com um sorriso (imagem 19).48

Imagem 19

O Tentador e a Virgem Néscia. Portão sul (1275-1280) da fachada oeste (final do séc. XIII) da Catedral de Notre-Dame de Estrasburgo (1176-1439).

As outras néscias, mais distantes da sedução, do sedutor, parecem ignorá-lo. Parecem. Esquecidas do Juízo Final, logo se deixarão levar pela tentação do mundo, pelo insinuante erotismo da diabólica sedução principesca.49

Conclusão

Imagem 20

As Virgens Prudentes (séc. XIII) da Catedral de Estrasburgo. Musée de l'Œuvre Notre-Dame de Strasbourg.

5. Tu ergo noli aemulari in malignantibus et mendicantibus pulchritudinem alienam, ubi perdiderint suam. Nativo quippe et interno se produnt decore nudas, quae tanto studio et pretio de diversis etvariis speciebus eius, quae praeterit, figurae mundi, foris sibi conficere satagunt, unde oculis insipientium appareant speciosae. Indignum tibi iudica formam a pellibus murium et operibus vermium mutuari; tua tibi sufficiat. Ille est verus propiusque cuiusque rei decor qui nulla interiacente materia, per se inest. O quam decenti rubore genas suffundit virgineas ingeniti gemma pudoris! Quae inaures reginarum huic comparabuntur?

Nec inferioris insigne decoris disciplina praefert. O quam compositum reddit omnem puellaris corporis statum, nedum et mentis habitum, disciplina? Cervicem submittit, ponit supercilia, componit vultum, ligat oculos, cachinnos cohibet, moderatur linguam, gulam frenat, iram sedat, format incessum. Talibus decet pudicitiae vestem distingui margaritis. Istiusmodi circumdata varietate virginitas, cui gloriae merito no praefertur? Angelicae? Angelus habet virginitatem, sed non carnem, sane felicior quam [291] fortior in hac parte. Optimus et optabilis valde ornatus iste, qui et angelis possit esse invidiosus.

***

5. Que tu não te exasperes com as malignas mendicantes da beleza alheia que perdem a sua. Mostram-se nuas de beleza natural interior aquelas que, com tanto afã e apreço, se consomem por fora com as mais variadas e diversas espécies desse mundo em que tudo passa para parecerem formosas aos olhares dos néscios. Considera indigno de ti emprestar tua beleza às peles de arminho ou ao produto dos vermes: a tua é suficiente. O genuíno e autêntico encanto de algo é o que lhe é natural, sem acréscimos de qualquer natureza. Que jóia preciosa é o pudor inato destilado pelas faces virgens com o rubor da castidade! Podem ser comparadas às pedras preciosas das rainhas?

Não é menor a beleza que nasce da submissão a uma disciplina. Quão harmoniosa é a postura corporal das meninas e seu hábito mental graças à disciplina! Ela submete a altivez, ordena as sobrancelhas, compõe o rosto, recolhe o olhar, coíbe o riso, modera a língua, freia a gula, alivia a ira, harmoniza o porte. Estas são as pérolas que vestem as prendas da pudicícia. Que glória se pode comparar a tal arranjo virginal? A dos anjos? O anjo é virgem, mas não tem carne; é mais feliz por isso [291], mas não tão forte. Ótimo e esperançoso é esse ornamento que até os anjos podem invejar! (os grifos são meus).

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL, Carta 113, À virgem Sofia, 5.50

Já no século XII, São Bernardo de Claraval se preocupava com a vaidade do mundo: Vanitas vanitatum et omnia vanitas (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!).51 No XIII, os escultores se valeram do tema bíblico das Virgens Néscias e Prudentes na iconografia do Juízo Final. Desejaram com isso simbolizar os bem-aventurados e os condenados.52

No Românico, o tema foi um motivo austero, sóbrio (da Igreja de Sant Quirze de Pedret, como vimos), de estrita base teológica. No Gótico, essa alegoria apocalíptica foi estilisticamente enriquecida com a cortesania francesa53 na plástica expressividade das estátuas de ombreiras dos portões das catedrais.

Stephen Jaeger relacionou a exortativa Carta 113 de São Bernardo às Virgens Néscias de Estrasburgo.54 As novas e profanas nuances das esculturas góticas animaram sensualmente o universo estético-teológico medieval. Sensualidade estilizada, graça idealizada e exuberância contida são as marcas das expressivas Virgens Néscias e Prudentes góticas germânicas. Comparadas às sóbrias, hieráticas e altivas virgens românicas catalãs, elas denunciam a erótica profanidade de seu tempo, o século XIII.55

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Fontes

BÍBLIA COMENTADA STRAUBINGER. Tlalnepantla: Editora de México, 1969.

GOETHE, Johann Wolfgang. Escritos sobre Arte (introd., trad. e notas: Marco Aurélio Werle). São Paulo: Associação Editorial Humanitas, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.

JACOPO DE VARAZZE. Legenda ÁureaVidas de Santos (trad. do latim, apres., notas e seleção iconográfica: Hilário Franco Júnior). São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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Notas

  • 1. Pedret é citado (em 983) entre as posses do Monestir de Sant Llorenç (próximo de Berguedà), mas para a igreja só há citação documental em 1167.
             A respeito do nome da igreja, segundo a Legenda Áurea (c. 1253-1270), em 230, época do imperador Alexandre Severo (208-235), Julita, mãe de Quirce, foi torturada por ter se recusado a oferecer sacrifício aos deuses. A criança, de três anos, se debateu com o suplício da mãe e o prefeito de Tarso, na Cilícia, “...jogou a criança pela escadaria do tribunal, que ficou coberta com seus miolos”. Julita foi esfolada, coberta com pez fervendo e decapitada. JACOPO DE VARAZZE. Legenda ÁureaVidas de Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 476-477.
  • 2. PAGÈS I PARETAS, Montserrat. “Murals fugitius: la pintura românica catalana i la seva história”. In: ALCOY, Rosa (ed.). Art fugitiu. Estudis d’art medieval desplaçat. Barcelona: Universitat de Barcelona, 2012, p. 308.
  • 3. DE LA PEÑA GONZÁLEZ, Isabel Ruiz. “El românico pleno”. In: MARSILLA GARCÍA, Juan V. (dir.). Historia del arte medieval. Universitat de València, 2012, p. 178-179.
  • 4. Mandorla (it. “amêndoa”) – Também chamada auréola ou vesica piscis. Uma aura ou conjunto de linhas em forma de amêndoa que emolduram a representação do corpo de um personagem divino. É encontrada sobretudo em representações de Cristo, particularmente em cenas ocorridas após a Ressurreição (mas também, notadamente, em representações da Transfiguração), em que o Filho é visto em seu corpo glorioso. CHILVERS, Ian (ed.). Dicionário Oxford de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 325.
  • 5. SUREDA, Joan. La pintura románica en Cataluña. Madrid: Alianza Editorial, 1995, p. 280.
  • 6. Mestre de Pedret”. In: Gran enciclopèdia catalana.
  • 7. ESPAÑOL, Francesca; YARZA, Joaquín. El Romànic Català. Barcelona: Caixa Manresa / Angle Editorial, 2007, p. 197.
  • 8. Para a importância do Mestre de Pedret, ver AL-HAMDANI, Betty Watson. Els frescos de Pedret en el context europeu i mediterrani. Edicions Saragossa, 2013.
  • 9. SAN BERNARDO DE CLARAVAL. Obras completas de San Bernardo VIII. Sentencias y Parábolas. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MCMXCIII, p. 260-261 (Terceira Série de Sentenças, 159).
  • 10. Hierático (gr., heros = sagrado) Termo aplicado a um estilo artístico característico, por exemplo, das culturas egípcia ou bizantina, no qual a arte baseia-se na adesão convencional a determinados tipos ou métodos fixos. Assim, o termo aplica-se também a outras manifestações de pintura e escultura religiosa, ou mesmo secular, que fazem uso de figuras rígidas ou frontais.” – CHILVERS, Ian (ed.). Dicionário Oxford de Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 254.
  • 11. As Bodas do Esposo são uma imagem da Parusia (παρουσία, “chegada”, “vinda” ou “presença”) – a Segunda Vinda ou o Segundo Advento de Cristo, em que o Messias, depois de ascenso ao Céu, triunfante e coroado como o Rei dos Reis, derrotará todos os seus inimigos no Fim dos Tempos e presidirá o julgamento da totalidade dos homens, vivos ou mortos: “Poucas verdades são proclamadas com tanta frequência nas escrituras quanto a de um julgamento geral. Os profetas do Antigo Testamento se referiam a ele como o ‘Dia do Senhor’ (Joel 3, 4; Ezequiel 13, 5; Isaías 2, 12), no qual as nações seriam convocadas para o julgamento.
                No Novo Testamento, a Segunda Parusia ou Segunda Vinda de Cristo como Juiz do mundo é uma doutrina muito repetida. O próprio Salvador não apenas prediz o evento como o descreve os detalhes de suas circunstâncias (Mateus 24, 27ss; 25, 31ss). Os Apóstolos deram ao evento um lugar muito proeminente em suas pregações (Atos 10, 2; 17, 31) e escritos (Romanos 2,5-16; 14, 10; 1 Coríntios 4, 5; 2 Coríntios 5, 10; 2 Timóteo 4, 1; 2 Tessalonicenses 1, 5; Tiago 5, 7). Além do nome Parusia ou Advento (1 Coríntios 15, 23; 2 Tessalonicenses 2, 19), a Segunda Vinda é também chamada de Epifania ou Aparição (2 Tessalonicenses 2, 8; 1 Timóteo 6, 14; 2 Timóteo 4, 1; Tito 2, 13) e Apocalipse (apokalypsis) ou Revelação (2 Tessalonicenses 2, 7; 1 Pedro 4, 13). O tempo da Segunda Vinda é chamado de Aquele Dia (2 Timóteo 4, 8), Dia do Senhor (1 Tessalonicenses 5, 2), Dia de Cristo (Filipenses 1, 6 e 2, 16), Dia do Filho do Homem (Lucas 17, 30) e Último dia (João 6, 39-40).” Ver “General Judgment”. In: CATHOLIC ENCYCLOPEDIA. Online.
  • 12. A esse respeito, em 2014 o Museu Episcopal de Vic (MEV) apresentou uma bela exposição, “Pintar fa mil anys. Els colors del romànic”, resultado de três anos de investigação do Projeto Magistri Cataloniae. Artistas, patronos y público. Cataluña y el Mediterraneo (s. XI-XIV), da Universitat Autònoma de Barcelona (UIC).
  • 13. FONT I ALTABA, M.; MARSAL I ASTORT, M; MORER I MUNT, A.; PLANA I LLEVAT, F.; TRAVERIA I CROS, A. “Estudi cientific i tècnic de les pintures murals romàniques de la Vall de Boí”. In: Butll. Soc. Cat. Cien., Vol. VII, Num. 2, 198, p. 295-318.
  • 14. SILVA, Matheus Corassa da; COSTA, Ricardo da. “A Alegoria. Do Mundo Clássico ao Barroco”. In: OSWALDO IBARRA, César; LÉRTORA MENDONZA, Celina (coords.). XVIII Congreso Latinoamericano de Filosofía Medieval – Respondiendo a los Retos del Siglo XXI desde la Filosofía Medieval. Actas. Buenos Aires: Ediciones RLFM, 2021, p. 87-96.
  • 15. Citado em JACQUES PI, Jèssica. La estética del románico y el gótico. Madrid: A. Machado Libros, S. A., 2003, p. 126-127.
  • 16. ACCONCI, Alessandra. “Os programas figurativos da Igreja Cristã na Europa (mosaicos, pinturas, esculturas, vitrais, pavimentos, livros)”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média II. Catedrais, cavaleiros e cidades. Alfragide, Portugal: Publicações Dom Quixote, 2013, p. 548 e 550.
  • 17. BRITANNICA, The Editors of Encyclopaedia. “Gothic architecture”. InEncyclopedia Britannica, 10 Jan. 2020.
  • 18. JANSON, H. W. História Geral da Arte I. O Mundo Antigo e a Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 462-463.
  • 19. Para o tema do erotismo medieval, especialmente no âmbito do amor cortês – e de suas peças (espelhos e caixas de marfim) – ver TATSCH, Flávia Galli. “Erotismo na arte medieval: consideração sobre alguns códigos visuais”. In: FREIRE, Luiz; QUÍRICO, Tamara; VALLE, Arthur; ANDRADE, Marco Pasqualini (orgs.). Anais do XXXXVIII Colóquio do CBHA. Arte e Erotismo. Prazer e Transgressão na História da Arte. Florianópolis: Comitê Brasileiro de História da Arte – CBHA, 2019, p. 383-394.
  • 20. “[...] o prefeito aconselhou o enfurecido rei a mandar preparar em três dias quatro rodas guarnecidas de serras de ferro e de pregos muito pontiagudos, a fim de que essa máquina moesse Catarina em pedaços e o exemplo de morte tão cruel amedrontasse o resto dos cristãos. Dispuseram-se duas rodas que deviam girar numa direção, ao mesmo tempo que duas outras seriam postas em movimento no sentido contrário, de maneira que as de baixo deviam rasgar as carnes que as rodas de cima houvessem jogado nelas.” – JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea. Vidas de Santos (trad., apres. e notas de Hilário Franco Jr.), op. cit., p. 966.
  • 21. Segundo a Legenda Áurea, Margarida (de Antioquia, c. 289-304) era filha de Teodósio, patriarca dos gentios. Decidiu ser batizada antes dos quinze anos. Defendeu sua fé diante de Olíbio, prefeito, que resolveu dilacerar seu corpo. Foi suspensa no potro (instrumento romano de tortura) e arranhada com pentes de ferro até seus ossos ficarem expostos. Ao ser aprisionada após isso, “[...] rezou ao Senhor para que lhe mostrasse, sob forma visível, o inimigo que deveria combater, e então apareceu um pavoroso dragão que se jogou sobre ela para devorá-la, mas que diante do sinal-da-cruz desapareceu [...]”. Depois disso, teve o corpo queimado com tochas e foi jogada em um tanque d’água. Por fim, foi decapitada – mas antes pediu que “[...] as pessoas se lembrassem dela e a invocassem com devoção, especialmente toda parturiente em perigo para ter um parto feliz [...]”. JACOPO DE VARAZZE. Legenda ÁureaVidas de Santos, op. cit., p. 535-538. Margarida é um dos catorze santos auxiliadores (todos do século II ao IV), invocados geralmente contra doenças (o papa Paulo VI [1897-1978] suprimiu sua devoção em 1969, com a reforma do calendário dos santos).
             Na Arte, Santa Margarida é representada como uma pastora a conduzir um dragão acorrentado, carregando uma pequena cruz (ou um cinto) em sua mão, ou de pé, ao lado de um grande vaso (para lembrar o caldeirão no qual foi mergulhada). Suas relíquias são veneradas em muitos lugares (Roma, Montefiascone [em Viterbo], Bruxelas, Bruges, Paris, Froidmont [Oise], Troyes...). Ver MACRORY, Joseph. “St. Margaret” (1910). In: The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company (retrieved June 30, 2021 from New Advent).
  • 22. Para o tema, ver ABELSON, Paul. As sete artes liberais. Um estudo sobre a cultura medieval. São Paulo: Editora Kírion, 2019; COSTA, Ricardo da. “Entendo por céu a ciência e por céus as ciências. As sete Artes Liberais no Convivio (c. 1304-1307) de Dante Alighieri”. In: CARVALHO, M., PICH, Roberto H., SILVA, Marco Aurélio O. da, OLIVEIRA, Carlos E. (orgs.). Filosofia Medieval. São Paulo: ANPOF, 2015p. 333-355.
  • 23. PEITZ, Christian. “Die Figuren in der Turmvorhalle des Freiburger Münsters”. In: Past Present Promotions.
  • 24. BASCHET, Jérôme. "Diabo". In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. v. 1. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 319-331.
                Em relação à pele de bode usada como vestes da Volúpia, as distintas tradições dos bestiários medievais (Aberdeen, Ashmole, Deidis of Armorie, Ann Walsh, Worksop, Herbarius / The Medicamentis et animalibus) registram que o bode é uma fera lasciva, conhecida por sua natureza luxuriosa. Os medievais acreditavam que essa natureza do bode o deixava tão quente que seu sangue poderia dissolver o diamante, “[...] pedra que nem o fogo nem o ferro podem ferir.” – MMW, 10 B25, folio 20r.
  • 25. BERLIOZ, Jacques. “Le crapaud, animal diabolique: une exemplaire construction médiévale”. In: BERLIOZ, Jacques e POLO DE BEAULIEU, Marie-Anne (dir.). L’animal exemplaire au Moyen Age (Ve-XVe siècle). Presses universitaires de Rennes, p. 267-288.
  • 26. RAMON LLULL. Obres Essencials. Barcelona: Editorial Selecta, 1960, p. 338.
  • 27. GARCÍA GARCÍA, Francisco de Assis. “Iglesia y Sinagoga”. In: Revista Digital de Iconografía Medieval, vol. V, nº 9, 2013, pp. 13-27.
                O tema Ecclesia et Synagoga como par alegórico de opostos está presente não apenas em esculturas de catedrais, mas praticamente em todos os suportes imagéticos: iluminuras (por exemplo, o Codex Bruchsal 1 [c. 1220], Bl. folio 31r, Badische Landesbibliothek), painéis (A lenda de Santa Úrsula, a Igreja e a Sinagoga [c. 1475-1482], do Mestre de Bruges, Groeningemuseum, Bruges), vitrais (Catedral de Bourges, séc. XIII; Basílica de Saint-Denis, séc. XII), relicários (Altar de Stavelot, c. 1160, Musées Royaux d’art et d’histoire, Bruxelas).
  • 28. Teologia da Substituição (Substitutionstheologie) – teoria que defendia que, como os judeus rejeitaram Cristo, perderam a Aliança. A Igreja tornou-se assim o Novo Israel, substituindo o Antigo, e os judeus só se salvarão no final dos tempos, quando aceitarem o verdadeiro Messias. Como a passagem das Virgens Néscias e Prudentes, também em Mateus, Cristo diz aos “[...] príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo [...]: Portanto, eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos.” (Mt 21, 43).
                Para o tema, ver JACOPO DE VARAZZE. Legenda ÁureaVidas de Santos, op. cit., p. 50-57 (I. O advento do Senhor); POLLEFEYT, Didier (ed.). Jews and Christians: Rivals or Partners for the Kingdom of God? In Search of an Alternative for the Theology of Substitution. Louvain: Peeters Publishing, 1997, e KUPFER, Marcia. “Ecclesia and Synagoga In Principio: The Fourth Gospel as Resource for Anti-Jewish Visual Polemic”. In: REINHARTZ, Adele (ed.). The Gospel of John and Jewish-Christian relations. Lanham: Fortress Academic, 2018, p. 113-146.
  • 29. A respeito da importância da Gramática como a primeira das sete Artes Liberais (e o sentido multidisciplinar da Educação):
                “Quintiliano critica as surras na Educação: é algo degradante, digno de escravos e injurioso. Ninguém aprende assim. Defende ele uma educação integral, isto é, com a Retórica intimamente associada às outras disciplinas. Em primeiro lugar, a Gramática, a Música, a Filosofia e a Poesia. Aqui se percebe claramente o caráter totalizante da formação clássica: para se estudar Retórica, por exemplo, é imprescindível aprender Música4. Não é suficiente ter lido os poetas: é necessário estudar a fundo todas as espécies de escritores, não tendo em vista o conteúdo, mas as expressões que frequentemente adquirem legitimidade pelos autores. Tanto não pode a Gramática ser perfeita sem a Música que é preciso ensinar-lhes os metros e os ritmos; se desconhecer o movimento dos astros não entenderá os poetas que, para deixar de lado outros pontos, tantas vezes usam o nascer e o ocaso dos astros para a determinação dos tempos; também não se pode desconhecer a Filosofia, tanto por causa de referências muito numerosas, em quase todos os poemas, tiradas das mais abstratas questões naturais – como os de Empédocles, entre os gregos, os de Varrão e de Lucrécio entre os latinos – que legaram em versos os preceitos da sabedoria [...] 6. Nessas circunstâncias, que ninguém desdenhe como secundários os elementos da Gramática, não porque exija um grande esforço distinguir as consoantes das vogais e dividi-las em elenco de semivogais e mudas, mas porque, adentrando o interior desse mistério, surgirão muitas sutilezas das coisas que podem aguçar não apenas as inteligências juvenis, mas também manifestar até erudição e ciência altíssima. QUINTILIANO. Instituição Oratória, Livro I, 4, 6.” – COSTA, Ricardo da. “A Retórica na Antiguidade e na Idade Média”. In: Revista Trans/form/ação, v. 42, n. 4, p. 355-384, 2019, Edição Especial, p. 353-390. Ver também JOSEPH, Irmã Miriam. O Trivium. As Artes Liberais da Lógica, da Gramática e da Retórica. São Paulo: É Realizações, 2014.
  • 30. Para o tema da expressividade das esculturas góticas, ver JUNG, Jacqueline E. Eloquent Bodies: Movement, Expression, and the Human Figure in Gothic Sculpture. Yale University Press, 2020.
  • 31. “Mas a Igreja, rompido o véu da letra que mata graças à morte do Verbo Crucificado, penetra na intimidade pelo espírito da liberdade, é reconhecida e, agradecida, toma o lugar de sua rival: torna-se noiva, frui os abraços conquistados, se une, no calor do espírito, a Cristo, seu senhor, aproximando-se a Ele, exala o perfume da festa e o difunde entre suas companheiras e, acolhendo-O, exclama: ‘Teu nome é como o óleo derramado’. É de surpreender que seja ungida a que se abraça ao ungido?” – SAN BERNARDO DE CLARAVAL. “Sermón 14, 4”. In: SAN BERNARDO DE CLARAVAL. Obras completas de San Bernardo V. Sermones sobre el Cantar de los Cantares. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MCMLXXXVII, p. 212-213.
  • 32. “O Evangelho [...] nos ensina que o fim [dos tempos] pode se apresentar quando menos pensamos, com a Parusia de Cristo, que será súbita como o relâmpago (Mateus 24, 27), imprevista como um ladrão na noite (I Tessalonicenses 5. 2; II Pedro 3, 10; Apocalipse 3, 3 e 15, 15), e objeto de zombaria por parte de muitos (II Pedro 3, 3 ss.; Lucas 17.26 ss.), pelo que temos de esperá-la despertos (Marcos 13, 35 ss.) e atentos aos sinais (Lucas 21, 28), e então não seremos tomados de surpresa (Lucas 21, 36; I Tessalonicenses 5, 4; Apocalipse 3, 10). O Evangelho também nos previne sobre esse dia por meio desta Parábola das Virgens, ao nos ensinar que, nestas, a lâmpada da fé não pode se manter acesa sem o óleo da caridade (Gálatas 5, 6), visto que não se trata aqui do “temor servil, fruto da fé informe” (Santo Tomás). Jesus assinala claramente a necessidade do amor para cumprir os mandamentos (João 14, 24), já que “o primeiro e maior” destes é precisamente o de amar (Mateus 22, 38).” – BÍBLIA COMENTADA STRAUBINGER. Tlalnepantla: Editora de México, 1969 (cf. nota de Eclesiástico 7, 40).
  • 33. GOETHE, Johann Wolfgang. “Sobre a arquitetura alemã, 1772. In: Escritos sobre Arte (introd., trad. e notas: Marco Aurélio Werle). São Paulo: Associação Editorial Humanitas, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 43 e 46.
  • 34. Para o tema, indico HEERS, Jacques. A Idade Média, uma impostura. Lisboa: Edições Asa, 1994.
  • 35. No Prefácio que escreveu no primeiro volume da coleção Idade Média (que dirigiu), Umberto Eco (1932-2016) elencou – e explicou – todo o elenco de lugares-comuns relacionados à Idade Média: “I. O QUE A IDADE MÉDIA NÃO É: I.1. A Idade Média não é um século; I.2. A Idade Média não é um período exclusivo da civilização europeia; I.3. Os séculos medievais não são a Idade das Trevas, as Dark Ages dos autores anglófonos; I.4. A Idade Média não tinha só uma visão sombria da vida; I.5. A Idade Média não é uma época de castelos torreados como os da Disneylândia; I.6. A Idade Média não ignora a cultura clássica; I.7. A Idade Média não repudiou a ciência da Antiguidade; I.8. A Idade Média não foi uma época em que ninguém se atrevia a ir além dos limites da sua aldeia; I.9. A Idade Média não foi apenas uma época de místicos e rigoristas; I.10. A Idade Média não é sempre misógina; I.11. A Idade Média não foi a única época iluminada por fogueiras; I.12. A Idade Média não foi apenas uma época de ortodoxia triunfante.” – ECO, Umberto. “Introdução à Idade Média”. In: ECO, Umberto (dir.). Idade Média - bárbaros, cristãos e muçulmanos. Lisboa: D. Quixote, 2014, p. 13-40.
  • 36. “[...] os tímpanos de Coroação e da Morte da Virgem, exprimiam-se também numa língua pessoal: o estilo das pregas, numerosas, juntas, duma grande igualdade de acento, nada tem da larga paz monumental que parece envolver de luz os belos volumes franceses; a procura do movimento e da expressão patética evoca o génio teatral do fim da Idade Média [...] Grandes obras que a nada se comparam no rico desenvolvimento iconográfico e plástico da catedral, cuja fachada ocidental abunda em cenas e em personagens de carácter anedótico, animadas duma vida expressiva que, por vezes, acentua a intenção, e em figuras dum maneirismo amável, onde se encontram os caracteres da primeira metade do século XIV.” – FOCILLON, Henri. Arte do Ocidente. A Idade Média Românica e Gótica. Lisboa: Editorial Estampa, 1980, p. 272 (os grifos são meus).
  • 37. Estátuas de ombreira (ou jambas) são esculturas nos lados de uma porta (ou de uma janela). São frequentemente estátuas de figuras religiosas e/ou líderes seculares ou eclesiásticos. Normalmente integram um portal, acompanhadas por um dintel (retângulo acima da porta) e um trumeau (pilar central que sustenta um tímpano – nas igrejas medievais, muitas vezes com uma escultura da Virgem e o Menino). Um bom exemplo de estudo de jambas são os trabalhos publicados no volume 13 de AVISTA FORUM JOURNAL, Volume 13, Number 1, 2003.
  • 38. ALEXANDER, Josephine Mary. The theme of the Wise and Foolish virgins as part of the Last Judgement iconography in Flanders and Italy in the late 15th and the 16th centuries. University of St Andrews, 1981, p. 7.
  • 39. Datação proposta por LEHNI, Roger. La Catedral de Estrasburgo. Ediciones L Goélette, s/d., p. 14.
  • 40. Ou, como se refere Jacqueline E. Jung, participativa, cinética. Ver JUNG, Jacqueline E. “The Kinetics of Gothic Sculpture. Movement and Apprehension in the South Transept of Strasbourg Cathedral and the Chartreuse de Champmol in Dijon”. In: GANZ, David; NEUNER, Stefan (eds.). Mobile Eyes: Peripatetisches Sehen in den Bildkulturen der Vormoderne, ed. David Ganz and Stefan Neuner. Munich: Fink, 2013, p. 132-73.
  • 41. Em relação ao tema artístico do Trabalho e os Meses (e sua relação com o Zodíaco), ver COSTA, Ricardo da. “Entre Chartres e Amiens. A vida cotidiana dos camponeses medievais na Arte (séc. XIII)”. In: COSTA, Ricardo da. Impressões da Idade Média. São Paulo: Livraria Resistência Cultural Editora, 2017, p. 225-241, e COSTA, Ricardo da. “Os camponeses medievais na arte de Benedetto Antelami (c.1150-1230). O Ciclo do Trabalho e os Meses do Batistério de Parma”. In: COSTA, Ricardo da. Visões da Idade Média. Santo André, São Paulo: Editora Armada, 2019, p. 253-266. 
  • 42. “Na Arquitetura, um dossel é um capô ou cobertura saliente suspensa sobre um altar, estátua ou nicho. Originalmente simbolizava uma presença divina e real [...] Na Idade Média, tornou-se um símbolo da presença divina nas igrejas. Durante os séculos XIV e XV, túmulos, estátuas e nichos foram cobertos com tabernáculos ricamente decorados em pedra, reproduzidos em delicados dosséis espiralados de madeira em fontes [...].” – BRITANNICA, The Editors of Encyclopaedia. “Canopy”. In: Encyclopedia Britannica, 20 Jul. 1998.
  • 43. “[...] gótico francês do séc. XIV, com suas novas e suavíssimas expressões corporais (cabeças inclinadas, pulsos dobrados e corpos retorcidos) e seus delicados gestos e posturas (...) as firmes e sólidas formas românicas deram lugar, pouco a pouco, às solenes e fluidas figuras do Gótico. Ganharam um novo ânimo. Imbuídos desse novo espírito, os artistas reforçaram o caráter simbólico da visualidade medieval: além de ícones sagrados, as peças tornaram-se majestosos lembretes de uma verdade moral. Mais: cada figura do conjunto assumiu uma dignidade individual, manifesta, como instrumento da narrativa sagrada, a fim de torná-la mais comovente. Mais real. Se na Antiguidade os gregos buscavam na Natureza um aspecto convincente para as suas figuras e os romanos um realismo aos seus bustos, na Idade Média os escultores góticos se interessavam pela transmissão da mensagem para consolo e edificação dos fiéis.” – COSTA, Ricardo da; LEMOS, Vinicius Saebel; NEVES, Alexandre Emerick; SILVA, Matheus Corassa da. O Descendimento. Novas expressões na Arte (sécs. XIV-XV).
  • 44. “Com lábios túmidos e narizes bem talhados, as virgens prudentes são de uma beleza assombrosa. As covinhas nos queixos e nas bochechas emprestam realismo aos retratos, sugerindo na pedra a modelagem observável que se dá no corpo humano, e não um artifício qualquer do escultor. Mas a expressividade do grupo reside especialmente na postura e na expressão facial. O modo como inclinam as cabeças, por exemplo, sugere nuances extraordinárias de caráter e de temperamento. A virgem de rosto arredondado que olha para a esquerda parece retrair-se como num passo de hesitação, mas, ao mesmo tempo, pronta para responder ao que quer que se lhe apresente. Essa tensão é criada pela posição do queixo, ligeiramente recuado em relação à testa. A postura transmite contenção de força e perscrutação, qualidades que se expressam na forma humana propriamente dita quando, inclinada a cabeça para baixo, mantém-se o olhar em linha reta, concentrado em algo à frente – e o franzir dos olhos reforça tal impressão [...] (os grifos são meus).” – JAEGER, Stephen. “Apêndice A: disciplina moral e escultura gótica: as virgens prudentes e as virgens tolas de Estrasburgo”. In: A inveja dos anjos. As escolas catedrais e os ideais sociais na Europa medieval (950-1200). Campinas: Kírion, 2019, p. 387.
  • 45. “As virgens prudentes são realizações visíveis da virtude. Por abstratas e genéricas que sejam nas suas individualidades, elas personificam, como grupo, a serenidade e a moderação. Elas trazem nos seus rostos a expressão da alma [...] Há uma nobreza de corpo e alma [...] Suas faces e figuras não nos revelam a batalha interior de vícios e virtudes, mas os resultados de acordos de paz; elas são a prole de antinomias casadas. Nas suas expressões revelam-se várias psicomaquias.” – JAEGER, Stephen. “Apêndice A: disciplina moral e escultura gótica: as virgens prudentes e as virgens tolas de Estrasburgo”. InA inveja dos anjos. As escolas catedrais e os ideais sociais na Europa medieval (950-1200), op. cit., p. 387.
  • 46. JAEGER, Stephen. “Apêndice A: disciplina moral e escultura gótica: as virgens prudentes e as virgens tolas de Estrasburgo”. In: A inveja dos anjos. As escolas catedrais e os ideais sociais na Europa medieval (950-1200), op. cit., p. 389.
  • 47. WILLIAMSON, Paul. Escultura Gótica. 1140-1300. São Paulo: Cosac & Naif, 1998, p. 193.
  • 48. Para o tema, ver MINOIS, Georges. História do Riso e do Escárnio. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
  • 49. Para o tema do erotismo, ver BATAILLE, Georges. Historia del erotismo. Madrid: Errata Naturae, 2015.
  • 50. SAN BERNARDO DE CLARAVAL. Obras completas de San Bernardo VII. Cartas. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MCMXC, p. 428-431.
  • 51. Ecl 1, 2.
  • 52. WILLIAMSON, Paul. Escultura Gótica. 1140-1300. São Paulo: Cosac & Naif, 1998, p. 193.
  • 53. GEESE, Uwe. “La escultura gótica en Francia, Italia, Alemania e Inglaterra”. In: TOMAN, Rolf (ed.). El Gotico. Arquitectura - Escultura - Pintura. Tandem Verlag GmbH, p. 334 e 339.
  • 54. JAEGER, Stephen. “Apêndice A: disciplina moral e escultura gótica: as virgens prudentes e as virgens tolas de Estrasburgo”. In: A inveja dos anjos. As escolas catedrais e os ideais sociais na Europa medieval (950-1200), op. cit., p. 390-391.
  • 55. Agradeço a leitura crítica feita pelos profs. Deborah Azevedo da SilvaEvandro Santana Pereira e Vinicius Muline.

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