Flechas de ouro o Amor todas lançou!
Ausiàs March (c.1397-1439) e as vítimas do Amor
Ricardo da COSTA
Alfredo da Cruz FERNANDES JR.
In: CORREIA, André; RENAN, Ray; RENNYER, Wesley (orgs.).
Filosofia & literatura: entre o alvorecer antigo e o crepúsculo moderno.
Cachoeirinha: Fi, 2023, p. 88-116
(ISBN 978-65-85725-88-0).
Resumo: Análise do Poema (Dictat) LXXIX do poeta valenciano Ausiàs March (c.1397-1439) no qual March desenvolve a clássica alegoria das flechas do Amor para fazer uma meditação poética sobre o amor autêntico dos amantes do Passado. Para isso, é também analisada a canção Aquela que eu amo com a mente e o coração (Celeis cui am de cor e de saber), do trovador gascão Guiraut de Calanson (fl.1202-1212), na qual ele também cria uma alegoria do Amor (e cita as flechas), além da fonte primeira de toda a tradição: as Metamorfoses de Ovídio (43 a.C.-c. 17 d.C.).
Abstract: Analysis of Poem (Dictat) LXXIX by the Valencian poet Ausiàs March (c.1397-1439) in which March develops the classic allegory of the arrows of Love to make a poetic meditation on the authentic love of lovers from the Past. For this, the song I love with mind and heart, by the Gascon troubadour Guiraut de Calanson (fl.1202-1212), is also analyzed, in which he also makes an allegory of love (and cites the arrows), in addition to the source origin of the whole tradition: Ovid’s Metamorphoses.
Palavras-chave: Ausiàs March – Poema LXXIX – Amor – Ovídio – Guiraut de Calanson.
Keywords: Ausiàs March – Poem LXXIX – Love – Ovid – Guiraut de Calanso.
Ricardo da COSTA
Alfredo da Cruz FERNANDES JR.
In: CORREIA, André; RENAN, Ray; RENNYER, Wesley (orgs.).
Filosofia & literatura: entre o alvorecer antigo e o crepúsculo moderno.
Cachoeirinha: Fi, 2023, p. 88-116
(ISBN 978-65-85725-88-0).
Resumo: Análise do Poema (Dictat) LXXIX do poeta valenciano Ausiàs March (c.1397-1439) no qual March desenvolve a clássica alegoria das flechas do Amor para fazer uma meditação poética sobre o amor autêntico dos amantes do Passado. Para isso, é também analisada a canção Aquela que eu amo com a mente e o coração (Celeis cui am de cor e de saber), do trovador gascão Guiraut de Calanson (fl.1202-1212), na qual ele também cria uma alegoria do Amor (e cita as flechas), além da fonte primeira de toda a tradição: as Metamorfoses de Ovídio (43 a.C.-c. 17 d.C.).
Abstract: Analysis of Poem (Dictat) LXXIX by the Valencian poet Ausiàs March (c.1397-1439) in which March develops the classic allegory of the arrows of Love to make a poetic meditation on the authentic love of lovers from the Past. For this, the song I love with mind and heart, by the Gascon troubadour Guiraut de Calanson (fl.1202-1212), is also analyzed, in which he also makes an allegory of love (and cites the arrows), in addition to the source origin of the whole tradition: Ovid’s Metamorphoses.
Palavras-chave: Ausiàs March – Poema LXXIX – Amor – Ovídio – Guiraut de Calanson.
Keywords: Ausiàs March – Poem LXXIX – Love – Ovid – Guiraut de Calanso.
Encômio
Imagem 1
Cratera em sino (c.420-400 a.C.), atribuída ao pintor Amykos (fl. 410-400 a.C.). Lucânia (Grécia), cerâmica de figuras vermelhas, 31,5 x 31,1 cm, British Museum, n. 1856,1226.8. À direita, Eros, com imensas asas esvoaçantes, joga astragali (αστραγαλισμοσ) – tipo de jogo de dados (de ossos) comum na Antiguidade. Envolto em um manto, está sentado em uma base quadrada (plinto). Inclina-se para a frente, atento ao movimento dos astragalis. Ao centro, Ganimedes (Γανυμήδης).1 Nu, apoia-se em um cajado e coloca uma coroa em Eros. À esquerda, outro efebo, também envolto em um manto e com um cajado, observa a cena.
Eros (Ἔρως). Para os mortais, divindade grande e gloriosa, poderosa e admirável, fonte de inestimáveis benefícios, guia e chefe da Humanidade.2 Além disso, o mais belo: jovem e delicado, brando e flexível, Eros caminhava no coração e na alma tanto dos deuses quanto dos homens.3
E ainda mais:
Ele é quem não nos deixa ficar estranhos uns para os outros, e infunde em todos o sentimento de solidariedade (...) torna-nos reciprocamente benévolos e nos livra de toda a malquerença; alegria dos bons, admiração dos sábios, assombro dos deuses; invejado dos que o não possuem, precioso para quantos dele participam; fautor do luxo, da delicadeza, das delícias, das graças, da paixão, do desejo; zeloso dos bons e desprezador dos maus; nas canseiras, nos temores, nos desejos, nas conversações o melhor piloto e companheiro, sustentáculo e salvador excelente; glória dos deuses e dos homens; o melhor e mais belo diretor que todo homem deve seguir, fazendo coro solenemente com ele e repetindo o hino que ele próprio entoa para encantar a alma dos deuses e dos homens.4
Na Poesia, desde Safo (c.630-570 a.C.)5 e Íbico (séc. VI a.C.)6 – dois dos nove poetas líricos gregos7 – até Alceu de Messene (fl. 219-196 a.C.)8, Eros foi frequentemente mencionado com vividez, quase sempre quando o tema envolvia o amor. Sófocles (c.497-406 a.C.) dedicou-lhe um hino em sua Antígona9, e Eurípedes (c.480-406 a.C.), em seu Hipólito10, ao nos apresentar Fedra (Φαίδρα), mulher de Teseu (Θησεύς), narrou que, ferida por Eros, ao ocultar sua doença (o amor) e por Eros ser derrotada, tirou a própria vida.
No entanto, para a Filosofia – isto é, para Sócrates (c.470-399 a.C.), pela boca de seu discípulo Platão (c.428-348 a.C.), naturalmente – Eros foi gerado pela Pobreza e pelo Expediente justamente no dia de nascimento de Afrodite (Ἀφροδίτη), de quem se tornou servidor. Sempre pobre, áspero e esquálido, era o eterno companheiro da indigência.11
Como poderia Eros ser útil aos homens – ou, dialeticamente, em que consistiria o amor do que é belo? O que amaria quem amasse as belas coisas? E o que aconteceria com quem adquirisse o belo?
Nessa tríade dialética, Sócrates discorreu. E asseverou: o amor é o desejo de sempre possuir o bem e, em seu último degrau, o da contemplação, que é, de todos, o verdadeiro caminho, aquele em busca da beleza da alma, muito mais bela e preciosa do que a beleza do corpo.12
I. Mantém também tu a glória de uma folhagem permanente
Imagem 2
Cupido dobrando um arco (séc. II). Romano, mármore, 59,69 x 44 cm, British Museum, n. 1805,0703.19. Cupido inclina seu corpo para retesar seu arco. Uma pele de leão (à direita) paira sobre sua aljava.
Da Grécia para Roma, ou seja, de Eros a Cupido (Cupīdō). Ao chegar à cultura romana, o mito sofreu uma metamorfose, como costumeiramente ocorre com todo sincretismo religioso.13 Além de passar a personificar quase que exclusivamente a paixão arrebatadora, a própria genealogia do personagem mudou. Diz-nos Cícero (106-43 a.C.):
(de Natura Deorum III, 60) Cupido primus Mercurio et Diana prima natus dicitur; secundus Mercurio et Venere secunda; tertius, qui idem est Anteros, Marte et Venere tertia. Atque haec quidem et alia eius modi ex vetere Graeciae fama collecta sunt.
***
(Da natureza dos deuses III, 60) Diz-se que o primeiro Cupido é filho de Mercúrio e de Diana primeira; o segundo, de Mercúrio e de Vênus segunda; o terceiro (que também tem o nome de Antero) de Marte e Vênus terceira. Essas e outras notícias semelhantes foram coletadas da tradição grega antiga .
O tema mitológico de Cupido e suas flechas foi poeticamente eternizado por Ovídio (43 a.C.-c.17 d.C.).14 Em suas Metamorfoses (8 d.C.), ao narrar a história de Dafne (Δάφνη), ninfa das águas, Ovídio descreveu um diálogo algo ríspido entre Apolo (Ἀπόλλων) e Cupido.15 Isso porque o orgulhoso deus da luz, das artes e do arco e flecha, ao ver o filho de Vênus retesar a corda de seu arco, debochou de suas capacidades.16
Furioso, Cupido retrucou:
[...] figat tuus omnia, Phoebe, / te meus arcus’ ait; ‘quantoque animalia cedunt / cuncta deo, tanto minor est tua gloria nostra.’
***
Olha, Febo, teu arco pode ferir tudo. O meu vai ferir-te a ti. Quanto os animais são inferiores a um deus, tanto a tua glória é inferior à minha. (Livro I, vv.463-465)17
Após essa troca de rispidezas, Cupido voou até o monte Parnaso, casa das Musas (e, portanto, ambiente também da Poesia e da Música).18 Ali tirou duas setas de sua aljava: uma, de chumbo, afugentava os amores; outra, dourada e com uma ponta aguda e brilhante, fazia desabrochar o amor. Com a de chumbo, feriu Dafne; com a de ouro, varou os ossos de Apolo, fazendo com que ele se apaixonasse perdidamente pela ninfa, virgem.19
Ao ser perseguida pelo deus, que corria célere como um cão da Gália quando avista uma lebre em terreno aberto20, já sem forças e ao ver que seria alcançada, Dafne implorou ajuda a seu pai, o deus-rio Peneu (Πηνειός), para que alterasse sua aparência.21 Peneu então a transformou em um loureiro.
Apolo, frustrado em seu ímpeto erótico – mas ainda perdidamente apaixonado, porque ferido pela flecha de Cupido –, decidiu que o loureiro seria a sua árvore, sempre presente em sua cabeleira e em sua aljava e, como coroa de louros, passaria a servir como símbolo das vitórias militares dos generais, mantendo a eterna glória de uma folhagem permanente.22
Imagem 3
Apolo e Dafne. Afresco, 4° Estilo pompeiano (Fantasia, c.50-79), Casa de Públio Cornélio Tageste (Casa dell Efebo), Pompéia, Itália.
Assim, com suas Metamorfoses, Ovídio difundiu universalmente a imagem de Cupido com seu arco e flecha a ferir tanto os deuses quanto os mortais no mundo, e a causar encontros e desencontros amorosos.23
II. Com seu dardo de aço, ela provoca um golpe de prazer
Imagem 4
Roman de la Rose (c.1301-1400), iluminura, folio 13r, Ms NLW 5016D, National Library of Wales. Cupido, metamorfoseado em um rei coroado, com capa rosa e alado (asas vermelhas), atinge com sua flecha incandescente o olho direito de uma dama, que inutilmente tentava fugir. Na obra, o Amor é definido como “[...] uma enfermidade do pensamento que nasce entre duas pessoas livres e de sexos diferentes [...]”.24
Além disso, suas histórias mitológicas poderiam ser lidas não como verdades teológicas, naturalmente, mas de modo alegórico (como explicou Dante [c.1265-1321], citando justamente Ovídio como exemplo!).27
Por todos esses motivos, não causa espanto o fato de, no início do século XIV, um autor anônimo ter composto uma adaptação (em mais de setenta mil versos octossilábicos) das Metamorfoses, o Ovídio Moralizado (c.1317-1328), coroando sua influência na cultura ocidental.28
II.1. Guiraut de Calanson (fl.1202-1212)
Imagem 5
Guiraut de Calanson. Cançoner I. BnF, ms. 854, folio 142r.
Guirautz de Calanson si fo uns joglars de Gascoingna. Ben saup letras, e suptils fo de trobar; e fez cansos maestradas desplazens e descortz d’aquella saison. Mal abellivols fo en Proenssa e sos ditz, e petit ac d’onor entrels cortes.29
***
Guiraut de Calanson foi um dos jograis da Gasconha. Soube bem letras e sutil foi em trovar. Fez magistrais canções, [ainda que] desagradáveis e descorteses, em seu tempo. Tanto ele quanto seus ditos foram mal-recebidos em Provença, e pouco honrado foi entre os corteses30 (a tradução é nossa).
Como se vê na citação acima, extraída das Vidas dos trovadores, trabalho biográfico feito por compiladores a posteriori (na segunda metade do século XIII), não há muitas informações a respeito de nosso trovador. Restaram apenas onze poesias de Guiraut de Calanson (fl.1202-1212) – dentre elas, dois descordos (descorts) e um pranto (planh).31
Sua canção mais famosa, Àqueles a quem amo com a mente e o coração (c.1200), é justamente a que se vale do mito de Cupido e suas flechas. Nela, o trovador dividiu o Amor em três partes, e apresentou uma poesia alegórica sobre o menor terço do amor: o amor carnal – os outros dois terços são o do amor natural (afeição pelos amigos e parentes) e o amor celestial (devoção a Deus, amor superior).32
Celeis cui am de cor e de saber (c. 1200)33 Àqueles a quem amo com a mente e o coração Guiraut de Calanson (fl. 1202-1212) Trad. e notas: Ricardo da Costa | |||
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I | Celeis cui am de cor e de saber | Àqueles a quem amo com a mente e o coração, |
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domm’e seignor et amic, volrai dir | à dama, ao senhor e ao amigo, desejaria dizer |
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en ma chanso, si·l platz qu’o deign’ auzir | em minha canção, se lhes agradam dignar-me a escutar,34 |
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del menor tertz d’amor son gran poder | sobre o grande poder do menor terço de amor, |
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per so car vens princes, ducs e marques, | porque ele derrota príncipes, duques e marqueses, | 05 | |
comtes e reis, e lai on sa cortz es | condes e reis, e lá onde sua corte está |
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non sec razo mas plana voluntat | não segue a razão, mas sua simples vontade, |
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ni ja nuil temps no·i aura dreit jutjat | e nunca há tempo para um julgamento justo. |
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II
| Tant es subtils qu’om non la pot vezer | Ela é tão sutil que ninguém pode vê-la, |
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e corr tant tost que res no·il pot fugir, | e corre tão rapidamente que nada pode lhe escapar, | 10 | |
e fer tan dreg que res no·il pot gandir | e fere tão certeiramente que nada pode se esquivar. |
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ab dart d’acier, don fai colp de plazer | Com seu dardo de aço, provoca um golpe de prazer, |
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on non ten pro ausbercs fortz ni espes | que de nada vale loriga forte e espessa,35 |
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si lansa dreit; e pois trai demanes | caso lance correta e imediatamente |
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sajetas d’aur ab son arc estezat; | setas de ouro com seu arco tensionado, | 15 | |
pois lans’um dart de plom gent afilat. | e depois lance um dardo de chumbo bem afiado. |
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III | Corona d’aur porta per son dever; | Coroa de ouro porta por seu dever, |
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e no ve re; mas lai on vol ferir | e nada vê, apenas onde deseja ferir. |
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no faill nuill temps, tan gen s’en sap aizir; | Nunca erra, tão bem sabe isso fazer, |
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e vola leu, e fai si mout temer, | voa rápido, e se faz muito temer, | 20 | |
e nais d’Azaut que s’es ab Joi empres | e nasce do Agrado, que se uniu ao Prazer. |
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e quan fai mal, sembla que sai bes, | Quando mal faz, parece que é bem, |
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e viu de gaug e·s defen e·s combat, | vive do gozo, e se defende, e combate, |
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e no·i garda paratge ni rictat. | e não olha linhagem nem riqueza. |
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IV | En son palais, on ela vai jazer, | Em seu palácio, onde ela vai descansar, | 25 |
| a cinc portals, e qui·ls dos pot obrir | há cinco portas, e quem pode duas abrir, |
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| leu passa·ls tres, mas no·n pot leu partir; | logo passa outras três, mas dificilmente consegue voltar. |
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| et ab gaug viu cel qu’i pot remaner; | Com gozo vive quem pode ali permanecer, |
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| e poja i om per quatre gras mout les, | e sobe por quatro degraus muito suaves, |
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| mas no·i intra vilans ni mal apres, | mas ali não entram vilãos, nem mal-educados | 30 |
| c’ab los fals son el barri albergat, | que, com os falsos, se albergam no bairro |
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| que ten del mon plus de l’una meitat. | que tem do mundo mais de uma metade. |
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V | Fors al peiro, on ela·s vai sezer, | Fora, na escadaria, onde costuma se sentar, |
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a un taulier tal co·us sai devezir: | há um tabuleiro, tal como vou descrever: |
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que negus om no sap nuill joc legir | ninguém sabe escolher de nenhum jogo | 35 | |
las figuras no·i trob a son voler; | as figuras, nem a seu gosto as encontrar. |
| |
et a·i mil poinz, mas gart que no·i ades | E há mil peças, mas evite tocá-las |
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om malazautz, de lait jogar mespres, | o homem bruto, mal-acostumado a jogos feios, |
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quar li point son de veire trasgitat | porque as peças são de vidro fundido |
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e qui·n fraing un pert son joc envidat. | e o convidado que quebra uma, perde seu jogo. | 40 | |
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VI | Aitan quan mars ni terra pot tener | Tudo quanto o mar e a terra podem conter |
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ni soleils par, se fai a totz servir; | e o Sol iluminar, ela se faz por todos servir; |
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los us fai rics e·ls autres fai languir, | uns torna ricos, outros faz definhar; |
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los us ten bas e·ls autres fai valer; | uns abate, outros faz valer, |
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pois estrai leu so que gent a promes; | logo retira o que gentilmente prometeu | 45 | |
e vai nuda, mas quan d’un pauc d’orfres | e vai nua, exceto por um pedaço de galão |
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que porta ceing; e tuit sei parentat | que porta, cingido; e todos os seus parentes |
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naisson d’un foc de que son assemblat. | nascem de um fogo que os tornam semelhantes. |
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VII | Al segon tertz taing Franquez’e e Merces, | Ao segundo terço correspondem a Franqueza e a Mercê, |
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| e·l sobeiras es de tan gran rictat | e o superior é de tamanha riqueza | 50 |
| que sobre·l cel eissaussa son regnat. | que sobre o céu eleva seu reinado. |
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VIII | A Monpeslier, a N Guillem lo marques | A Montpelier, a Dom Guilherme, o marquês, |
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| t’en vai, chanso; fai l’auzir de bon grat, | vá, canção, e faça com que seja ouvida de bom grado, |
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| qu’en lui a pretz e valor e rictat. | porque tem honra, valor e riqueza. |
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Apenas na última estrofe da canção (VIII) é que somos informados que Guiraut de Calanson a dedicou a Guilherme VIII de Montpelier (†1202), nobre famoso por acolher trovadores em sua corte e por manter seus domínios livres da heresia albigense.36
Isso não era incomum: Calanson provavelmente era de estirpe social inferior. Caso fosse nobre, ainda que hostil, a Vida diria algo a respeito, mas afirma, laconicamente, que foi um “jogral da Gasconha” – ou seja, era trovador e jogral: compunha e interpretava suas canções! Para esses socialmente menos afortunados, restava conseguir a acolhida e o patrocínio de algum nobre.37
Após uma abertura ao modo de uma proclamação amorosa (da qual, aliás, há divergências se o poeta se refere somente à dama ou a todos os seus conhecidos38), Calanson anuncia que discorrerá sobre o grande poder do menor terço do Amor, invencível força que a todos subjuga: é a Dama Amor (no provençal antigo, o amor é substantivo feminino), mescla de atributos de Vênus e de Cupido.39
Imperceptível, velocíssima e certeira, com seu arco, a coroada Dama Amor tem poderosas flechas – uma, de aço (que provoca prazer: é a anestesia!), várias de ouro (para provocar o enamoramento), e uma de chumbo (provavelmente para sedimentar a ferida). Nenhuma armadura é capaz de proteger os que por ela são feridos! Temidíssima, ela é filha do Agrado (Azaut) e do Prazer (Joi). Por isso, vive do gozo, e não vê aparência (vv.21-24).
No ambiente poético trovadoresco, joi era a palavra mágica.40 Significa “alegria”, “gozo”. Prazer. Nesse ensolarado universo provençal do século XII, feliz, jovem (e, por isso, beligerante!), entusiasmado e impetuoso, tudo girava em torno dessa alegria de viver.
Historicamente, esse foi um sentimento novo, porque desconhecido tanto dos antigos quanto de seu próprio tempo, o da Cristandade medieval.41 Era herdeiro do prazer epicúreo antigo42, antecessor imediato da felicitas naturalis humanista43 e uma das causas da felicidade como prazer de Locke (1632-1704)44 e Leibniz (1646-1716).45
A seguir, o poeta gascão discorre sobre o Palácio do Amor. Ele tem cinco portas e quatro suavíssimos degraus: ao passar pela terceira porta, o visitante dificilmente consegue retornar, além de passar a viver gozosamente (vv.25-29).
Nesse extasiante e sedutor ambiente estão excluídos os camponeses – incapazes de fruir um sentimento filosoficamente tão elevado46 – e também os falsos e os mal-educados: o Amor não aceita nem insinceros, nem deselegantes!
Essas cinco portas do Palácio do Amor de Calanson são possivelmente uma alusão trovadoresca às cinco linhas do amor que séculos antes o gramático Élio Donato (séc. IV) se referiu ao comentar a comédia Eunuco (Eunuchus) do dramaturgo Terêncio (c.195-159 a.C.) – 1) a visão, 2) a locução, 3) o tato, 4) o doce beijo e 5) o coito. Donato assim transformou um apotegma numérico em um jogo intelectual erótico.47
Para um bom entendedor: após se chegar ao tato (terceira porta), o amante já sabe que será bem-sucedido, pois não haverá retrocesso em sua investida!48
Na escadaria do Palácio do Amor, há um enorme tabuleiro, composto por mil peças (vv.33-37)! A alegoria aqui é óbvia: a imagem representa as múltiplas possibilidades do jogo do Amor – como de hábito, reservado apenas aos gentis-homens – da investida à concretização do desejo.
Assim, a Idade Média transformou o simbolismo do jogo de dados da Antiguidade: acolheu o jogo de xadrez vindo do Oriente, criou a peça da Dama (a única a ter total movimento pelo tabuleiro, expressão da nova posição social da mulher!) e converteu a disputa entre os jogadores (o jogo era eminentemente masculino) em um ambiente de sedução, de corte, jogo entre homens e mulheres.49
Na canção de Calanson, a Dama Amor, sempre nua, é fogo puro. Poderosíssima, movimenta sua própria Roda da Fortuna pois, enquanto enriquece uns, faz definhar outros: tanto dá quanto tira (vv.43-48). Só no fim de sua canção é que o trovador dedica algumas poucas linhas aos outros dois terços do Amor (o primeiro, ambiente da Franqueza e da Mercê; o segundo, acima do Céu, é o amor celestial, a Deus).
Assim, graças a Guiraut de Calanson, temos notícia que os poetas da Idade Média não só conheciam o tema clássico de Cupido e suas flechas, mas que seu público (cavaleiresco, cortês) era capaz de entender e apreciar suas metáforas amorosas.50
III. De três naturezas são os golpes do Amor
Imagem 6
Detalhe de O triunfo de Galatéia (c.1512) de Rafael (1483-1520). Afresco, 297 x 225 cm, Loggia de Galatea51, Villa Farnesina, Trastevere, Roma. Três atentos cupidos (putti), com pequenas asas multicoloridas, se preparam para atirar suas flechas. O personagem ressurgiu na Arte do Quattrocento, especialmente a partir de Donatello (c.1386-1466), ou seja, justamente quando da redação dos Dictats de Ausiàs March (c. 1397-1459).
Ditado, algo dito de maneira sentenciosa. Palavra, autoridade. A caminho da Modernidade, no início do século XV, quem compunha um ditado (hoje chamamos poema), obedecia a uma voz íntima que ordenava as palavras a serem posteriormente proferidas.
Eram manifestações verbais dotadas de autoridade porque saíam da boca de um – literalmente – ditador. Os ditados de Ausiàs March (c.1397-1439) trataram de temas de amor, o amor cortês, algo bem vivo desde a tradição trovadoresca, e foram marcados pelo dom, oriundo da inspiração (inspirare) e da mímese (μίμησις)52, espécie de dádiva divina que trespassava a verdade.53
Dictat LXXIX54 Ausiàs March (c. 1397-1459) Trad.: Ricardo da Costa | |||
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I | Oh vós, mesquins, qui sots terra jaeu | Oh, vós, infelizes, que sob a terra jazeis |
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del colp d’amor, ab lo cos sangonent, | pelos golpes do amor com ensanguentados corpos, |
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e tots aquells qui ab cor molt ardent | e todos aqueles que, com os corações ardentes, |
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han bé amat, preg-vos no us oblideu; | bem amaram, rogo-vos que não vos esqueceis: |
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veniu plorant, ab cabells escampats | venhais chorando, com os cabelos desgrenhados | 05 | |
oberts los pits per mostrar vostre cor | e os peitos dilacerados, para mostrar como vossos corações |
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com fon plagat ab la sageta d’or | foram chagados com a flecha de ouro |
| |
ab què amor plagà·ls emamorats. | com a qual o Amor pungiu os enamorados. |
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II | Los colps d’amor són per tres calitats, | De três naturezas são os golpes do Amor, |
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e veure’s pot en les fletxes que fir, | e constatar podeis pelas flechas que ferem, | 10 | |
per què·ls ferits són forçats de sentir | porque os feridos são forçados a sentir |
| |
dolor del colp segons seran plagats. | a dor do golpe conforme chagados serão. |
| |
D’or e de plom aquestes fletxes són, | De ouro e de chumbo são estas flechas, |
| |
e d’un metall que s’anomena argent; | e de um metal chamado prata. |
| |
cascú d’aquests dóna son sentiment | Cada um destes provoca um sentimento | 15 | |
segons que d’ells diferença ha en lo món. | conforme deles há diferença no mundo. |
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III | En aquell temps que primer d’aquest fon, | Naqueles tempos que nos precederam, |
|
les fletxes d’or amor totes llançà | flechas de ouro o Amor todas lançou; |
| |
e, desmembrat, una se n’aturà | desmembrada, uma se conservou |
| |
ab què·m ferí, de què viure abandon. | com a qual me feriu, e do qual viver abandonarei. | 20 | |
De fletxes tals, molts passats foren morts; | De flechas tais, muitos que passaram foram mortos, |
| |
ja no té pus que fer guerra mortal. | por isso não precisam mais guerras mortais travar. |
| |
Ab les d’argent sol basta fer senyal, | As de prata bastam para deixar cicatriz, |
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mas los plagats de morir són estorts. | mas os chagados de morrer estão salvos. |
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IV | Ab les de plom son hui tots sos deports, | Com as de chumbo, todos hoje se entretêm, | 25 |
| e son poder no basta traure sang. | e seu poder não é suficiente para sangue verter. |
|
| Amor, veent lo seu poder tan manc | O Amor, ao ver tão débil seu poder, |
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| ha trencat l’arc; jo·n faç al món reports. | seu arco quebrou, e eu dou ao mundo informe. |
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| Ab cor sancer crida la sua pau | Com o coração aberto, anunciou sua paz |
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| per què cascú pot anar en cabells; | para que cada um pudesse ir descoberto. | 30 |
| per fugir d’ell no cal muntar castells; | Para dele escapar, não é necessário castelo erguer, |
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| lo seu poder pus baix que terra jau. | pois seu poder mais baixo que a terra jaz. |
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| |||
V | Mas jo romanc a mort, d’açò fiau; | Mas à morte eu permaneço, disso creiais, |
|
la sua pau és guerra per a mi; | pois sua paz é guerra para mim. |
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si en guerra fos cella per qui·m ferí, | Caso em guerra estivesse por aquela que me feriu, | 35 | |
jo fora en pau vençut, e son esclau. | em paz seria vencido, e seu escravo. |
| |
Pau ha lo món, e guerra jo tot sol, | Paz há no mundo, e em guerra eu tão somente, |
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perquè amor guerrejar ha finit; | porque o amor deixou de guerrear. |
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jo són plagat, e no puc ser guarit, | Ferido estou, e curado não posso ser, |
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puis la que am de sa plaga no·s dol. | pois a que amo de sua chaga não se condói. | 40 | |
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VI | Oh folla amor, qui vostre delit vol, | Oh, louco amor, quem vosso deleite deseja, |
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sobre lloc fals ha son contentament; | sobre falso lugar coloca seu contentamento, |
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per ço repòs no té en l’enteniment: | pois descanso não tem seu entendimento, |
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car sino·l ver l’enteniment no col. | já que a não ser na verdade o entendimento repousa. |
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Conclusão
Imagem 7
A Forja de Vulcano (c.1516). Escola de Rafael, afresco na Loggetta do Cardeal Bibbiena (1470-1520), Palácio Pontifício, Vaticano.64 Ao centro, Vulcano, na forja, martela uma flecha. Acima de sua cabeça, Cupido voa, já armado com arco e flecha. Vulcano está rodeado por uma dezena de cupidos, todos em vivo movimento, testando os arcos e flechas produzidos pelo deus. A Escola de Rafael imortalizou no início do século XVI esse tema mitológico.65
De Platão a Ausiàs March, o tema mitológico de Cupido e suas flechas percorreu um longo caminho – filosófico, poético e literário – e perpassou toda a história do Ocidente. O sucesso da obra de Ovídio na Idade Média serviu como ponte para o tema chegar até o movimento trovadoresco, que o acolheu, como vimos com o exemplo de Guiraut de Calanson, e incorporou o mito em suas metáforas amorosas – o próprio André Capelão faz alusão a ele em várias passagens de sua obra.66
Ausiàs March resgatou o mito diretamente da tradição trovadoresca. Em seu Dictat LXXIX, recortou o tema das flechas de Cupido, presente nas consciências de então, como se pode confirmar não só em sua poesia mas também na entusiasmada representação imagética, pouco mais de meio século após sua morte, do afresco A Forja de Vulcano, da Escola de Rafael (imagem 7).
Tudo isso nos sugere que as sensibilidades cortesãs do alvorecer da Modernidade, desordenadamente atingidas pela “descoberta do amor”, foram profundamente tocadas por essa lírica imagem poética, delicada síntese do despertar emotivo do processo amoroso. E graças a essas transmissões culturais praticamente ininterruptas, o Ocidente preservou uma das mais belas imagens literárias criadas pelo pensamento: o Amor tem asas, fere a todos indistintamente, e provoca o turbilhão de sentimentos que percorre a existência da alma neste mundo.
Imagem 8
Detalhe de A Primavera (c. 1470) de Sandro Botticelli (c. 1445-1510). Têmpera em painel de álamo, 202 x 314 cm, Galleria Uffizi, Florença. Acima de Vênus (castamente vestida), um voluptuoso Cupido, nu, com uma longa aljava vermelha e com os olhos vendados, atira seu dardo do amor (decorado na ponta com uma forma de penacho esvoaçante). A transmissão do tema clássico pelos escritores medievais – e Ausiàs March – proporcionou uma explosão de cupidos na arte dos séculos XV-XVI.67
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Fontes
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Notas
- 1. Ganimedes (Γανυμήδης), o mais belo dos mortais. Sequestrado pelos deuses para servir de copeiro a Zeus (HOMERO, Ilíada, Livro XX, linhas 233-235), que por ele se apaixonou em uma corrente do desejo (PLATÃO, Fedro, 255c).
- 2. PLATÃO. O Banquete (trad.: Carlos Alberto Nunes). Belém: Editora da UFPA, 2011, p. 87 (177a), p. 89 (178b e 178c), p. 123 (193b).
- 3. PLATÃO. O Banquete, op. cit., p. 129 (193b-195c) e 131 (195e).
- 4. PLATÃO. O Banquete, op. cit., p. 135 (197d-e).
- 5. SOUZA, Sérgio Rodrigues de. O Conflito Phatológico entre Eros e Thânatos no Poema ‘A Átis’ de Safo, de Lesbos. Formiga, MG: Editora Unigala, 2022, p. 29.
- 6. Los dados de Eros. Antología de poesia erótica griega (edición bilíngue. Introd., trad. e notas: Aurora Luque). Madri: Ediciones Hiperión S. L., Colección Poesía Hipérion, 2001, p. 95.
- 7. Os nove poetas líricos gregos foram Alceu de Mitilene (c. 625-580 a.C.), Safo de Lesbos (c. 630-570 a.C.), Anacreão (c.575-495 VI a.C.), Álcman de Esparta (séc. VII a.C.), Estesícoro (c. 630-555 a.C), Íbico (séc. VI a.C.), Simónides de Ceos (c.556-468 a.C.), Baquílides (518-451 a.C.) e Píndaro (c. 518-438 a.C.). GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993; MALHADAS, Daisi; MOURA NEVES, Maria H. de. Antologia de poetas gregos de Homero a Píndaro. Araraquara: FFCLAr-UNESP, 1976.
- 8. Antologia grega. Epigramas Eróticos (Livro V) (tradução do grego, introd. e comentário de Carlos A. Martins de Jesus). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018, p. 10.
- 9. SOPHOCLES. The Theban Plays, Oedipus the King Oedipus at Colonus Antigone (translated, with notes and an Introduction by Ruth Fainlight and Robert J. Litman). Baltimore: The Johns Hopkins University Press, p. 168.
- 10. EURÍPEDES. Hipólito (tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira). São Paulo: Editora 34, 2015, p. 49-50; ALMEIDA, João Paulo Barros Alves Rodrigues de. O Divino nos Sofistas e em Eurípedes. Tese de Doutoramento na área de Estudos Clássicos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2015, p. 284.
- 11. PLATÃO. O Banquete, op. cit., p. 151 (203c-d).
- 12. PLATÃO. O Banquete, op. cit., p. 159 (206a) e p. 169 (210a-c).
- 13. Palavra surgida pela primeira vez com Plutarco (c. 46-120). No capítulo Sobre o amor fraterno de sua Moralia, Plutarco afirmou ter encontrado um exemplo de sincretismo nos cretenses, que reconciliavam suas diferenças e se uniam em uma aliança sempre que se deparavam com alguma ameaça externa. Ele definiu essa união como sincretismo – não apenas um testemunho de conveniência política, mas também um indício de promoção da paz e do amor fraterno. PLUTARCH. “De fraterno amore”. In: Perseus Digital Library.
Para o conceito de sincretismo, ver PANDIAN, Jacob. “Syncretism in Religion”. In: Anthropos, vol. 101, n. 1, 2006, p. 229–33; para um estudo histórico, ALLAN, William. “Religious Syncretism: The New Gods of Greek Tragedy”. In: Harvard Studies in Classical Philology, vol. 102, 2004, p. 113-155. - 14. Públio Ovídio Naso (43 a. C.-17 d. C.) iniciou seus estudos em Roma e os completou em cidades gregas. Ocupou cargos públicos, mas abandonou seu exercício para se dedicar integralmente à Poesia. Sua obra consiste em poemas leves, frívolos e galantes que encantaram a sociedade mundana de seu tempo, pois refletiam suas qualidades e defeitos. Escreveu obras eróticas como Amores (22-15 a.C.), Heroides (c. 20-15 a.C.), A arte de amar (1 a.C.-2 d.C.). Sonhava com obras que combinassem a ciência e o épico. A de maior destaque foram as Metamorfoses (8 d.C.), extenso poema em hexâmetros – em que compete com Virgílio (70-19 a. C.) –, onde narra lendas de deuses e heróis que se transformam em bestas, plantas e rochas. Ao terminá-la, caiu em desgraça junto ao imperador, e foi banido para Tomis, no Ponto Euxino, perto do Mar Negro, onde permaneceu até sua morte, quase uma década depois. Nunca soube ao certo o motivo de seu exílio, mas desconfiava de que o tom libertino de suas composições pudesse ter sido encarado pelo imperador Augusto (63 a.C.-14 d.C.) como uma afronta à reforma moral de seu governo. No exílio, escreveu uma triste composição dedicada à sua esposa, além dos Tristes (cinco livros de elegias nos quais tentou a clemência do imperador, que nunca chegaria a ver). Deixou inacabado os Fastos, calendário romano com festas religiosas, nacionais, e a origem dos cultos. Na Idade Média e no Renascimento, suas Metamorfoses seriam quase uma enciclopédia da mitologia clássica. Ver VILLALBA I VARNEDA, Pere. Roma a través dels historiadors clàssics. Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 1996, p. 375-378, e FERNÁNDEZ, Tomás y TAMARO, Elena. “Biografia de Ovídio”. In: Biografias y Vidas. La Enciclopedia biográfica en línea. Barcelona, 2004.
- 15. “Ovídio sonhou com grandes obras, nas quais se uniriam a ciência e a epopeia. Uma delas foram as Metamorfoses, concluídas em 8 d. C., as quais reúnem as lendas relativas à transformação dos deuses ou dos heróis em animais, plantas e rochas.” – VILLALBA I VARNEDA, Pere. Roma a través dels historiadors clàssics, op. cit., p. 376.
- 16. Apolo também era deus da Dança, da Verdade e da Profecia, da cura e das doenças, do Sol e da Luz. Da Poesia.
“Apolo homérico é uma personagem divina em evolução. Ainda se está longe do deus da luz, do equilíbrio, do gnôthi s’autón, do conhece-te a ti mesmo, daquele que Platão denominou pátrios eksegetés, quer dizer, o exegeta nacional.” – BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Volume I. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 136. - 17. OVÍDIO. Metamorfoses (ed. bilíngue. Trad., introd. e notas: Domingos Lucas Dias). São Paulo: Editora 34, 2021, p. 76-77.
- 18. Maciço montanhoso na Grécia central, rico em bosques e ravinas. Costeia o Golfo de Corinto. A montanha principal é também chamada Parnaso. Celebrado na mitologia clássica (entre outras coisas, o barco de Deucalião teria parado ali após o dilúvio; OVÍDIO. Metamorfoses, op. cit., p. 66-67 [Livro I, vv. 316-320]) e, acima de tudo por ser lugar sagrado para as Musas e Apolo (a seus pés se encontra Delfos, sede do oráculo apolíneo). Como metáfora, tornou-se símbolo da Poesia; como a fonte Castália brota de suas cavernas, o mito atribuiu a essas águas a virtude de instilar inspiração poética àqueles que a bebessem (daí as Musas foram chamadas Castaliae sorores). Na tradição retórica, foi frequentemente confundido, a ponto de quase se tornar um, com o monte Helicão, outra montanha grega também indicada como sede das Musas e de onde também fluíam fontes Aganipe e Hipocrene, homenageadas como doadoras da virtude poética. PADOAN, Giorgio. “Parnaso”. In: Enciclopedia Dantesca, 1970.
- 19. A história de Dafne e Apolo, como muitas da Mitologia, foi celebrada pelo poeta inglês Edmund Waller (1606-1687) em The Story of Phœbus and Daphne, Applied. Ver WALLER, Edmund. “The Story of Phœbus and Daphne, Applied”. In: Poetry Foundation.
- 20. OVÍDIO. Metamorfoses, op. cit., p. 83 (Livro I, vv. 533).
- 21. Peneu (Πηνειός), pai de Dafne (Δάφνη), foi um deus-rio da Tessália. Segundo Hesíodo (c.750-650 a. C.), os três mil deuses-rios (Ποταμοί), turbulentos, eram filhos dos titãs Oceano (Ὠκεανός) e Tétis (Θέτις). HESIOD. Theogony, 337-345. Perseus Digital Library.
- 22. OVÍDIO. Metamorfoses, op. cit., p. 78-85 (Livro I, vv. 474-567).
- 23. GIRAUD, Yves. “Dafne”. In: BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de Mitos Literários. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1997, p. 203-211.
- 24. GUILLAUME DE LORRIS, JEAN DE MEUNG. El Libro de la Rosa (introd.: Carlos Alvar; trad.: Carlos Alvar y Julián Muela; lectura iconográfica: Alfred Serrano i Donet). Madrid: Ediciones Siruela, 2003, p. 110.
- 25. DE BONI, Luis Alberto. A entrada de Aristóteles no Ocidente Medieval. Porto Alegre: EST Edições: Editora Ulysses, 2010.
Outra consideração é a de Jacques Le Goff (1924-2014): “[...] houve uma moda de aristotelismo latino medieval e que, por volta de 1260-1270, impregnou quase todo o ensino universitário. Um mestre que também esteve na moda foi Tomás de Aquino, um dos grandes introdutores de Aristóteles no âmbito universitário. Mas depois de 1270 o aristotelismo retrocedeu, tanto pelas condenações de tradicionalistas como Étienne Tempier como, em contrapartida, pelos ataques dos mestres ‘modernos’ que opunham ideias mais místicas e menos racionalistas, como foi o caso dos franciscanos João Duns Escoto (1266-1308) e Guilherme de Ockham (c. 1350), e do dominicano Mestre Eckhart (c. 1260-1328). O intelectualismo de Aristóteles foi considerado a partir de então como um obstáculo à uma ciência que se tornava mais experimental e aberta à livre-discussão.” – LE GOFF, Jacques. ¿Nació Europa en la Edad Media? Barcelona: Crítica, 2003, p. 109.
Curiosamente, a análise de Le Goff, no entanto, não explica o paradoxo de como a ciência simultaneamente avançou com a mística medieval e o “abandono” do racionalismo aristotélico! - 26. CURTIUS, Ernest Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina. São Paulo: HUCITEC, 1996, p. 50-51.
- 27. DANTE ALIGUIERI. Convívio (trad., introd. e notas de Emanuel França de Brito [apres. de Giorgio Inglese]). São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2019, Tratado II, I, (I), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8) e (9), p. 139-140.
“Dante ainda definiu os quatro sentidos compreensivos de leitura das Escrituras (literal, alegórico, moral e anagógico) em sua obra Convivio (c. 1304-1307). Em relação ao sentido alegórico, ‘[...] é aquele que se esconde sob o manto das fábulas, constituindo uma verdade oculta sob uma bela mentira: tal como diz Ovídio que Orfeu com a cítara amansava as feras, e fazia que se movessem as árvores e as pedras; o que quer dizer que o homem sábio, com o instrumento da sua voz, faria amansar e humilhar os corações cruéis, e conduzir-se conforme a sua vontade aqueles que não têm vida de ciência e arte: e aqueles que não têm vida racional alguma são quase como pedras.’ (Tratado segundo, I).” – SILVA, Matheus Corassa da; COSTA, Ricardo da. “A Alegoria. Do Mundo Clássico ao Barroco”. In: OSWALDO IBARRA, César; LÉRTORA MENDONZA, Celina (coords.). XVIII Congreso Latinoamericano de Filosofía Medieval – Respondiendo a los Retos del Siglo XXI desde la Filosofía Medieval. Actas. Buenos Aires: Ediciones RLFM, 2021, p. 94. - 28. A relação de manuscritos existentes, edições antigas, modernas, traduções, estudos e bibliografia, se encontra disponível em ARLIMA – Archives de littérature DU MOYEN ÂGE.
- 29. DE RIQUER, Martín. Los trovadores. Historia literaria y textos (prólogo de Pere Gimferrer). Barcelona: Ariel, 2012, p. 1080.
- 30. DE RIQUER, Martín. Vidas y amores de los trovadores y sus damas. Barcelona: Acantillado, 2004, p. 107.
- 31. “DESCORDO (Prov. descort). Tipo métrico isossilábico das cantigas d’amor, em que o poeta, variando os metros, procurava mostrar a inquietação do seu espírito ocasionada pelo objeto de sua paixão. Essa irregularidade estrófica supunha variedade na melodia musical; às vezes esse ‘desacordo’ métrico podia manifestar-se entre o texto poético – de caráter angustioso, aflitivo, e a música – chocarreira e otimista [...] PLANH (lat. planctus) [...] composição poética em que o tema é fundamentalmente uma lamentação pela morte de alguém.” – SPINA, Segismundo. A lírica trovadoresca. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996, p. 374 e 398.
- 32. “A utilização da alegoria (ἀλληγορία) como um recurso estético, literário e filosófico para explicar significados complexos, personificar e ressignificar abstrações e ter a função de reflexo de uma verdade transcendente é tão antiga quanto a própria História.” – SILVA, Matheus Corassa da; COSTA, Ricardo da. “A Alegoria. Do Mundo Clássico ao Barroco”. In: OSWALDO IBARRA, César; LÉRTORA MENDONZA, Celina (coords.). XVIII Congreso Latinoamericano de Filosofía Medieval – Respondiendo a los Retos del Siglo XXI desde la Filosofía Medieval. Actas, op. cit., p. 87.
- 33. GUIRAUT DE CALANSON. “Celeis cui am de cor e de saber”. In: Corpus des Troubadours. Institut d’Estudis Catalans.
- 34. Aqui seguimos a lição de ERNST, Willy. “Die Lieder des provenzalischen Trobadors Guiraut von Calanso”. In: Romanische Forschungen 44, 2 (1930), p. 255-406, tradução disponível em GUIRAUT DE CALANSON. “Celeis cui am de cor e de saber (Übersetzung)”. In: Corpus des Troubadours. Institut d’Estudis Catalans. Isso porque seu entendimento nos pareceu mais afim à narrativa da canção – diferentemente das traduções para o espanhol (de Martín de Riquer) e para o italiano (de Maria Grazia Capuzzo), que optaram para “Àquela que eu amo com o coração e o saber, senhora, senhor e amigo, gostaria de dizer em minha canção, se lhe agrada dignar-se a escutá-la...” (espanhol) e “Àquela que amo com sentimento e intelecto, (que é minha) senhora, senhor e amiga, falarei em minha canção – se agradar a se dignar de ouvi-la...” (italiano).
- 35. Loriga (do latim lōrīca) = cota-de-malha, túnica curta feita de anéis ou discos de metais entrelaçados.
- 36. “Guillem VIII de Montpeller (?, ? — ?, 1202)”. In: Enciclopèdia.cat.
- 37. “La mayoría de los trovadores fueron hijos de caballeros y de burgueses, aunque no faltasen ricos barones y hasta príncipes de elevada alcurnia en sus filas. Muchos de ellos tenían juglares para que recitasen sus composiciones. Otros las recitaban personalmente.” – DE CUENCA, Luis Alberto. “Prólogo”. In: GUILLERMO DE AQUITANIA. Poesía completa (ed. de Luis Alberto de Cuenca). Madrid: Editorial Renacimiento, 2007, p. 9.
- 38. Ver nota 34.
- 39. A partir desse ponto, seguiremos integralmente a interpretação de Martín de Riquer (DE RIQUER, Martín. Los trovadores. Historia literaria y textos, op. cit., p. 1081-1084).
- 40. DE CUENCA, Luis Alberto. “Prólogo”. In: GUILLERMO DE AQUITANIA. Poesía completa (ed. de Luis Alberto de Cuenca), op. cit., p. 10-11.
- 41. SPINA, Segismundo. A lírica trovadoresca, op. cit., p. 386.
- 42. “[...] declaramos o prazer ser o princípio e o fim de uma vida feliz. De fato, reconhecemos ser o prazer um bem primordial e congênito e, a partir dele se empreende toda escolha e recusa, e chegamos até ele discernindo todo bem de acordo com a medida da afecção [...].” – EPICURO. “Exortação à Prática da Filosofia para obtenção da felicidade, 3. 10”. In: SOUZA, José Bezerra de. CARTA A MENECEU SOBRE A FELICIDADE. ΕΠΙΣΤΟΛΗ ΜΕΝΟΙΚΕΙ ΠΕΡΙ ΤΗΣ ΕΥΔΑΙΜΟΝΙΑΣ. João Pessoa: UFPB, 2022, p. 33.
- 43. “Trabalhando dentro dos limites estabelecidos pela teologia do fim da Idade Média, os humanistas do Renascimento conseguiram ampliar o alcance da felicitas naturalis, abrindo mais espaço para os prazeres imperfeitos da vida e ao mesmo tempo começando a contemplar a dificílima missão de fazer os seres humanos felizes em vida.” – McMAHON, Darrin M. Felicidade. Uma história. São Paulo: Globo, 2006, p. 175.
- 44. LOCKE, John. Ensaios Sobre o Entendimento Humano (introd., notas e coord. da tradução: Eduardo Abranches de Soveral). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (Livro II, cap. XXI, 43).
- 45. LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano (trad.: Luiz João Baraúna). São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000, p. 136 (Livro II, cap. XXI, 42).
- 46. “[...] é perfeitamente impossível encontrar camponeses que sirvam na corte do Amor, pois eles são naturalmente levados a realizar as obras de Vênus como o cavalo e o mulo [...].” – ANDRÉ CAPELÃO. Tratado do Amor Cortês (introd., trad. do latim e notas de Claude Buridant. Trad.: Ivone Castilho Benedetti). São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 206 (Capítulo XI. Do amor entre os rústicos).
- 47. “Na literatura sapiencial do Antigo Testamento é popular o ‘apotegma numérico’, que começa aproximadamente assim: ‘Há três coisas que são insaciáveis, e uma quarta que nunca diz: Basta! (Prov., 30:15) (...) A origem dessa forma de expressão poderia estar na poesia e na sabedoria populares. Contar, calcular, enumerar são meios de orientação intelectual.” – CURTIUS, Ernest Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina. São Paulo: HUCITEC, 1996, p. 623-626.
- 48. A interpretação de Curtius não é unanimidade entre os especialistas. Para o tema, ver DE RIQUER, Martín. Los trovadores. Historia literaria y textos, op. cit., p. 1083.
- 49. “O xadrez (do sânscrito shaturanga, ou as quatro angas – as armas [infantes, cavaleiros, carros e elefantes]) é uma invenção indiana do século VII. Em sua forma original, o rei estava montado em um elefante e não existia a rainha – uma invenção da Europa medieval. Chegou à Sicília e Itália meridional por volta do século XI e difundiu-se pela Europa especialmente a partir da Península Ibérica, regiões limítrofes com o mundo muçulmano).” – COSTA, Ricardo da. “Codex Manesse. Três iluminuras do Grande Livro de Canções manuscritas de Heidelberg (séc. XIII). Análise iconográfica. Segunda parte”. In: Brathair 2 (2), 2002: p. 01.
Ver também COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando Alexandre dos. “A imagem da mulher medieval em O Sonho (1399) e Curial e Guelfa (c. 1460)”. In: eHumanista/IVITRA vol. 5 (2014), p. 424-442. - 50. Podemos ter uma boa ideia da força imagética dessa canção no ambiente poético da época com sua repercussão: duas décadas depois do período de atuação de Guiraut de Calanson, nasceu Guiraut Riquier (c. 1230-1292), um dos últimos trovadores da Occitânia. Em 1290, Riquier fez um extenso comentário (do gênero epístola em verso) dessa canção de Guiraut de Calanson. GUIRAUT RIQUIER. “Al subtils aprimatz” (“Aos sutis conhecedores”): In: Corpus des Troubadours. Institut d’Estudis Catalans.
- 51. Loggia – “Espaço provido de uma colunata ou arcada no corpo do edifício, mas que dá para o ar livre num dos lados, normalmente em um pavimento superior e dando para um pátio aberto.” – CHING, Francis D. K. Dicionário Visual de Arquitetura. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014, p. 85.
- 52. Na tradição platônica, o artista é “agitado por uma força divina” (Íon, 533d), “inspirados pelas Musas” (Íon, 533e) e “o próprio deus conversa conosco por intermédio deles” (Íon, 534d). PLATÃO. Íon. Menexeno (trad.: Carlos Alberto Nunes). Belém: Editora da UFPA, 2020, p. 41-43.
- 53. Sobre o dom, a Bíblia (e, consequentemente, toda a tradição cristã) assevera: “Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes (...) Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil. Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; e a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; e a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas. Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer (...).” – 1Cor 12, 1-14.
O Iluminismo alemão (c. 1650-1800) substituiu a veneração aos santos pelo cultivo ao gênio, e o caminho de santidade pela formação humanista laica (a Bildung, cujos modelos foram Lessing [1729-1781], Mendelssohn [1729-1786], Goethe [1749-1832], etc.). Com o fim do Iluminismo e as guerras napoleônicas, o Romantismo (c. 1795-1835), de cunho nacionalista, revalorizou as criações medievais, mas não compreendeu que estas foram fruto de uma cultura animada pela graça divina e pelos dons do Espírito Santo, atribuindo-as ao gênio do povo (Volksgeist). Ver JONES, E. Michael. The Jewish Revolutionary Spirit. South Bend, Indiana: Fidelity Press, 2020, p. 607.
Por fim, na Sociologia, Weber (1864-1920) consolidou essa compreensão laicizada com seu estudo sobre o carisma (terceiro tipo weberiano de autoridade). Ver WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, e “Autoridade”. In: JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia. Guia Prático de Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 23-24.
Agradecemos ao Dr. Fábio Florence de Barros pela explanação a respeito do processo histórico de dessacralização – e ao Dr. Dr. Vicent Martines Peres (Universitat d’Alacant) pela ideia do parágrafo. - 54. Base da tradução: AUSIÀS MARCH. Dictats. Obra completa (edición de Robert Archer; traducciones de Marion Coderch y José María Micó). Madrid: CÁTEDRA. Letras Hispánicas, 2017, p. 572-575.
- 55. A passagem clássica, famosa, é de Tito Lívio (59 a.C.-17 d.C.), quando Públio Décio Mure (cônsul em 340 a.C.) se sacrificou em batalha no ritual de devotio. Antes, se dirigiu aos deuses: “Jano, Júpiter e Marte, pai dos romanos; Quirino, Belona e Lares, divindades Novensiles, deuses Indígetes, deuses que tendes em vossas mãos a sorte dos romanos e a de seus inimigos, e vós, deuses Manes, eu vos conjuro, eu vos suplico respeitosamente, vos peço a graça e nela confio de que concedais força e vitória ao povo romano dos quirites, e insinueis nos inimigos do povo romano dos quirites o terror, o pânico e a morte. Como declarei por minhas palavras, sacrifico-me pela república, pelo exército, pelas legiões, pelos auxiliares do povo romano dos quirites e ofereço juntamente comigo as legiões e os auxiliares do inimigo aos deuses Manes e à Terra.” – TITO LÍVIO. História de Roma. AB URBE CONDITA LIBRI (introd., trad. e notas de Paulo Matos Peixoto). São Paulo: Editora Paumape 1989, Segundo volume, Livro VIII, 9, p. 153.
- 56. Ver nota 46.
- 57. “[...] foi Hesíodo o primeiro a buscar uma causa desse tipo, ou qualquer outro que pôs como princípio dos seres o amor e o desejo, como o fez, por exemplo, Parmênides. Este, com efeito, ao reconstruir a origem do universo diz: ‘Primeiro entre todos os deuses ˂a Deusa˃ produziu o Amor’.” – ARISTÓTELES. Metafísica (ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale). São Paulo: Edições Loyola, 2005, volume II, p. 20-23 (484b); “É amor reto desejar sem desmedida as coisas belas.” – DEMÓCRITO DE ABDERA, DK 68 B 38. In: Os Pensadores. Os Pré-socráticos. Fragmentos, doxografia e comentários. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 212.
- 58. PLATÃO. O Banquete, op. cit., p. 153 (204b).
- 59. “Portanto, ˂o primeiro movente˃ move como o que é amado, enquanto todas as outras coisas movem sendo movidas.” – ARISTÓTELES. Metafísica, op. cit., volume II, p. 563 (1072b).
- 60. ARENDT, Hannah. O conceito de Amor em Santo Agostinho. Ensaio de Interpretação Filosófica. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.
- 61. Um bom exemplo do quanto a tese do amor platônico trovadoresco não se comprova com o estudo das fontes pode ser visto em COSTA, Ricardo da; GABY, André; HARTMANN, Ernesto; RIBEIRO, Antonio; SILVA, Matheus Corassa da. “Um tributo à arte de ouvir. O amor cortês nas cançons de Berenguer de Palou (c.1160-1209)”. In: eHumanista/IVITRA 15 (2019), p. 396-455.
- 62. SPINA, Segismundo. A lírica trovadoresca, op. cit., p. 406.
- 63. “[...] quando um homem sensato ama, deixa de ser o mesmo; por maior que seja a sua sabedoria, basta ser arrebatado pela paixão para que já não saiba moderar-se: a sabedoria é então impotente para dominar os impulsos da luxúria e refrear os atos funestos que serão cometidos. Chega-se a dizer que os sábios se perdem mais facilmente nos descaminhos do amor e que se entregam com mais ardor aos prazeres da carne do que as pessoas que têm menos domínio de si [...] Quem jamais possuiu sabedoria tão perfeita quanto Salomão? Entretanto, ele se entregou sem comedimento ao pecado de luxúria e, por amor às mulheres, não receou adorar outros deuses.” – ANDRÉ CAPELÃO. Tratado do Amor Cortês, op. cit., p. 287-288.
- 64. Por extensão, uma loggeta é uma loggia de menor comprimento.
- 65. O termo Escola de Rafael faz alusão aos ajudantes do mestre: “Enquanto Rafael terminava essas obras (...) dava-se prosseguimento àquilo que ele começara nos aposentos papais e nos salões, onde mantinha continuamente várias pessoas na tarefa de realizar as obras com base em seus próprios desenhos, sob sua vigilância permanente, trabalho que ele supria com os melhores ajudantes que pudessem pôr a serviço de tamanha responsabilidade.” – GIORGIO VASARI. Vidas dos artistas (trad. de Ivone Castilho Bennedetti). São Paulo: Editora WMF e Martins Fontes, 2011, p. 511.
- 66. “[...] todo homem de espírito são, que seja capaz de sacrificar no altar de Vênus, pode ser atingido pelos dardos do amor [...] Pois o bem-falante tem por hábito desferir flechas de amor [...] Sabeis, portanto, que há muito tempo fui ferido pela flecha do vosso amor [...] os amantes não deveriam dar atenção a nada mais, e só procurar saber se um pretendente foi atingido pela flecha do amor [...] basta que o Amor acaricie um dos dois amantes com seu sopro perfumado para que de sua fonte de abundância brotem as primícias da paixão. Porque, depois de atingir um dos amantes com seus dardos [...] pelo que me parece, os dardos do Amor nunca vos atingiram [...] e ainda que certas mulheres de alguma maturidade, já antes atingidas pelas flechas de Cupido [...] um homem sempre se apaixona por uma mulher que não pode obter, por mais que suplique, porque, não tendo sido atingida pelas flechas de Cupido, ela é incapaz de retribuir-lhe o sentimento.” – ANDRÉ CAPELÃO. Tratado do Amor Cortês, op. cit., p. 14, 21, 38, 40-41, 47, 149, 157 e 304 (os grifos são nossos).
- 67. O trabalho clássico sobre A Primavera é WARBURG, Aby. “O nascimento de Vênus e A primavera de Sandro Botticelli: uma investigação sobre as concepções de Antiguidade no início do Renascimento italiano”. In: Histórias de fantasma para gente grande: escritos, esboços e conferências. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 27-86.