A Arte na alvorada da Modernidade
Música e Pintura no tempo de Afonso V (1396-1458), o Magnânimo
Ricardo da COSTA
Alexandre Emerick NEVES
Antonio Celso RIBEIRO
Resumo: Estudo da música renascentista e da pintura hispano-flamenga da corte napolitana da Coroa de Aragão durante o reinado de Afonso V, o Magnânimo (1396-1458) à época do Poemário (Dictats) de Ausiàs March (c.1397-1459).
Abstract: Study of Renaissance Music and Spanish-Flemish Painting from the Neapolitan Court of the Crown of Aragon during the reign of Alfonso V of Aragon, the Magnanimous (1396-1458) at the time of the Poetry (Dictats) of Ausiàs March (c.1397-1459).
Palavras-chave: Afonso V, o Magnânimo – Arte hispano-flamenca – Música Renascentista – Coroa de Aragão.
Keywords: Afonso the Magnanimous – Hispano-Flemish Art – Renaissance Music – Crown of Aragon.
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Ricardo da COSTA
Alexandre Emerick NEVES
Antonio Celso RIBEIRO
Resumo: Estudo da música renascentista e da pintura hispano-flamenga da corte napolitana da Coroa de Aragão durante o reinado de Afonso V, o Magnânimo (1396-1458) à época do Poemário (Dictats) de Ausiàs March (c.1397-1459).
Abstract: Study of Renaissance Music and Spanish-Flemish Painting from the Neapolitan Court of the Crown of Aragon during the reign of Alfonso V of Aragon, the Magnanimous (1396-1458) at the time of the Poetry (Dictats) of Ausiàs March (c.1397-1459).
Palavras-chave: Afonso V, o Magnânimo – Arte hispano-flamenca – Música Renascentista – Coroa de Aragão.
Keywords: Afonso the Magnanimous – Hispano-Flemish Art – Renaissance Music – Crown of Aragon.
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I. Vir sapiens dominabitur astris
Imagem 1
Medalha Liberalitas Augusta de Afonso V (1449, M.A.N.), de Pisanello (c.1395-1455). DIVVS · ALPHONSVS · REX · / · TRIVMPHATOR · ET · / · PACIFICVS · (“Divino Afonso, rei triunfante e pacífico”). Busto com o rei de perfil. À esquerda, um elmo encimado por um Sol com raios e decorado com um livro aberto, com o lema: Vir sapiens dominabitur astris (“Um homem sábio dominará os astros”); à direita, uma coroa real; acima dela, ·M·/·C·C·C·C· (1400) e, abaixo, XLVIIII (49).1
Vir sapiens dominabitur astris (“Um homem sábio dominará os astros” – ou seja, seu próprio destino). É a divisa escrita no livro aberto à esquerda na medalha de Afonso V produzida por Pisanello (c.1395-1455) (imagem 1).2 O mais curioso é que, até então, o livro era um atributo iconográfico tradicionalmente associado ao mundo clerical.3 Ao universo da Igreja. E “bordado” em seu elmo! O que isso representa? Que se trata da imagem de um príncipe conquistador, guerreiro, vitorioso, mas também um monarca culto, mecenas da Cultura. Das Artes.
Essa faceta monárquica, de um governante sábio, erudito, já havia algumas vezes sido concretizada na Idade Média, tantas foram as admoestações dos intelectuais da Igreja – recorde-se a famosa máxima a respeito do bispo de Chartres, João de Salisbury (c.1120-1180): Rex illiteratus est quasi asinus coronatus (“Um rei iletrado é quase como um asno coroado”4).
É curioso constatar que esse mecenato e florescimento cultural avant la lettre, ocorrido em uma pujante monarquia hispânica vigente em um período imediatamente anterior à união dinástica castelhano-aragonesa de Fernando II de Aragão (1380-1416) e Isabel I de Castela (1451-1504), antecedeu em mais de um século o tema literário-nobiliárquico intitulado armas y letras, tão brilhantemente personificado por protagonistas do quilate de Garcilaso de la Vega (c.1431-1596), Cervantes (1547-1616), Lope de Vega (1562-1635) e Calderón de la Barca (1600-1681).5
Esse apoio às artes por parte de Afonso V também foi uma consequência natural do fato de nosso personagem estar quase que inteiramente identificado com a Itália de seu tempo6, que então vivia o início de seu primeiro Renascimento – posteriormente denominado Quattrocento.7 E concretamente pois, a partir de 1442, a corte aragonesa foi instalada em Nápoles. E lá seu mecenato desabrochou.
Assim a História registrou Afonso, o Magnânimo (1396-1458), V rei de Aragão (141-1458), III rei de Valência, I rei de Maiorca, de Nápoles (1442-1458), da Sicília, da Sardenha (1416-1458) e IV conde de Barcelona.8
II. O contexto
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Territórios da Coroa de Aragão em 1443. Wikipedia.
A longa linhagem da casa dos condes de Barcelona (878-1410), iniciada no final do século IX com Wifredo, o Peludo (840-897) – último conde nomeado pela monarquia carolíngia e primeiro a legar seus territórios a seus filhos9 –, terminou com a morte de Martim I, o Humano (1356-1410), que não deixou herdeiros.10
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Inicial iluminada com o rei Martim I, o Humano. Livro dos Privilégios da Cartuxa de Vall de Cristo. Codex C. 1385 (primeira metade do século XV). Biblioteca da Catalunha, Barcelona, Espanha.
Logo surgiram pretendentes para o condado barcelonês. Dentre eles, Luís III (1403-1434), rei de Nápoles e duque de Anjou11 – reivindicação feita por sua mãe, Iolanda de Aragão (1381-1442), rainha de Nápoles e de Jerusalém –; Jaime II (1380-1433), conde de Urgel12 – quem já havia exercido o vice-reinado da Catalunha entre 1407 e 1410 (e preferido do [anti]papa de Avignon, Bento XIII [1328-1423]) –, e Fernando I de Aragão (1380-1416) – conhecido como Fernando de Antequera por ter vencido os muçulmanos na batalha de Antequera (Medina Antakira, então no Emirado de Granada), em 1410.13
Por isso, foi necessária uma arbitragem. A Corte Geral da Catalunha (órgão legislativo convocado pelo rei de Aragão e conde de Barcelona) nomeou doze bons-homens (prohoms) para administração, enquanto a sucessão do condado não era resolvida. Bento XIII interveio: coordenou uma reunião com representantes de Aragão, Valência e Catalunha em Caspe (Saragoça).14
Entre os nove representantes, três de cada reino, São Vicente Ferrer (1350-1419), confessor de Bento XIII.15 Após dois meses de deliberações, foi eleito Fernando de Antequera, coroado em fevereiro de 1414. Embora só tenha reinado dois anos, estabeleceu a nova orientação da política exterior da Coroa de Aragão: Sardenha e Sicília. E Nápoles.16
II.1. Rumo ao Mediterrâneo: o sonho italiano
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Tavola Strozzi (1472-1473), de Francesco Rosselli (1448-1513). Têmpera sobre madeira, 82 x 245 cm, Museo nazionale di San Martino, Nápoles. A cidade é descrita a partir do cais, em primeiro plano, com seus castelos – Castel Nuovo e Castelcarmine – suas muralhas, igrejas e construções civis, até as colinas, com destaque para a Cartuxa de São Martinho no alto, à esquerda. O ambiente arquitetônico citadino é tipicamente italiano (recorda os traços retos estilísticos de Simone Martini [1284-1344] e de Ambrogio Lorenzetti [1290-1348]). No golfo, muitos barcos. A luz no céu, à esquerda, sugere um amanhecer. Há uma revoada de pássaros, cena que faz alusão à cultura medieval cortesã, do ambiente conhecido como locus amoenus, típíco do gótico, especialmente do gótico tardio.
Com a morte de Fernando I (1416), o condado de Barcelona e os reinos de Aragão e Valência passaram para seu filho primogênito, Afonso V (1396-1458). E já em 1420 Afonso mostrou sua orientação mediterrânica: submeteu a Sardenha e parte da Córsega. Convidado por Joana II de Nápoles (1371-1435) para ser seu filho adotivo e herdeiro – Joana estava sendo sitiada por Luís III de Anjou (1403-1434) – Afonso foi recebido em Nápoles como libertador: derrotou Luís (e os genoveses que o apoiavam), mas logo se indispôs com Joana, que anulou sua adoção (1423).17 Afonso retornou para a Espanha em 1424, mas as portas de Nápoles haviam sido abertas.
Até 1430, Afonso esteve envolvido nos assuntos peninsulares, quando a Trégua de Majano (1430) – que pôs fim à guerra castelhano-aragonesa de 1429-1430 – permitiu que voltasse ao seu sonho italiano. Em 1432, partiu com uma pujante frota rumo à Itália. Dois anos depois morreram Luís III e Joana II. As circunstâncias pareciam propícias. Afonso então assediou Gaeta, no Lácio, mas foi derrotado por uma frota genovesa em Ponza (1435) e feito prisioneiro pelo almirante Biagio Assereto (c. 1383-1456). Desastre: além de Afonso e do rei de Navarra João II (1398-1479), também foram aprisionados o infante D. Henrique, o almirante da frota Gutierre de Nava, o duque de Sessa, o príncipe de Taranto, e muitos nobres valencianos, aragoneses, sicilianos e napolitanos (em Nápoles já havia uma facção pró-Afonso).18
Assereto entregou Afonso ao duque de Milão, Filippo Maria Visconti (1392-1447) – quem, curiosamente, seria o último duque milanês.19 Foi um prisioneiro cativante: em dois meses foi libertado, sem precisar pagar resgate! Mais: pactou com o duque uma aliança.
Afonso renovou sua investida rumo à Itália. Partiu da Sicília, avançou pela Calábria e novamente atacou Nápoles (1438). Foi rechaçado por Renato I de Anjou (1409-1480), irmão de Luís. Voltou à carga em 1441. Finalmente venceu. Entrou triunfalmente em Nápoles (23.02.1443), recebeu o reconhecimento de sua coroa napolitana por parte do papa Eugênio IV (1383-1447), estabeleceu sua corte no Castel Nuovo (posteriormente reformado pelo arquiteto maiorquino Guillem Sagrera [1380-1456]20) e nunca mais retornou a seus reinos catalães-aragoneses.
III. A cena musical no Quattrocento
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Hubert (c.1385-1426) e Jan van Eyck (c.1390-1421). Metade superior do políptico intitulado Retábulo de Gante (ou Adoração do Cordeiro Sagrado), 1430-1432, 3,75 (altura) x 5,2m (comprimento). Catedral de São Bavo, Ghent, Bélgica. Representa a redenção celestial – com o clássico arranjo da deesis (δέησις) de Deus (identificado como Cristo Rei ou Deus Pai), ladeado pela Virgem e João Batista que, por sua vez, são ladeados por anjos músicos e Adão e Eva.
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Anjos cantando (à esquerda) e anjos tocando (à direita). Detalhes da metade superior do Retábulo de Gante (ou Adoração do Cordeiro Sagrado), 1430-1432, 3,75 (altura) x 5,2m (comprimento). Catedral de São Bavo, Ghent, Bélgica. Os anjos cantores do painel à esquerda portam paramentos litúrgicos do início do século XV e interpretam o Gloria in excelsis Deo. Van Eyck incorporou a Ars nova, movimento musical introduzido na Borgonha por Guillaume Dufay (c.1397-1474) e Gilles Binchois (c.1400-1460). As melodias da Ars nova expressavam os distintos estados de espírito da alma. Graças ao realismo de Van Eyck, a julgar pelas expressões faciais, podemos supor que os anjos cantam polifonicamente e, pela posição de suas bocas, quem canta qual voz: soprano, contralto, tenor ou baixo. Eles estão ao redor de um atril giratório em um móvel esculpido com uma imagem de São Miguel matando o dragão (Ap 12,7) e dois profetas (um deles, Isaías). No painel à direita, um anjo toca órgão e outros dois (com uma harpa e uma viola) aguardam seu momento para tocar. Nos ladrilhos do piso, a inscrição AGLA (Atta Gibbor Le’olam Adonai – “O Senhor é sempre todo-poderoso”).
Apesar de cronologicamente ainda pertencer ao final da Idade Média, a música do tempo de Afonso V foi classificada já como Música da Renascença.21 Tempos distintos no mesmo tempo. Ela não foi apenas um conjunto de técnicas composicionais, mas um rico complexo histórico de condições sociais, estados intelectuais de espírito, atitudes, aspirações, anseios, hábitos dos instrumentistas, sistemas de apoio artístico, comunicação intracultural e muitos outros ingredientes que se juntaram para formar uma florescente matriz energética musical.22
Essas características puderam ser constatadas pelos historiadores em diferentes lugares e épocas na Europa ao longo do século XV como, por exemplo, nos centros urbanos de Nuremberg, Veneza, Londres e Nápoles, ressalvadas suas diferenças nos distintos momentos de suas histórias locais.23 Três fenômenos da maior importância social provocaram um dramático impacto no mundo musical de então em termos do ambiente em que os compositores trabalharam e criaram: 1) a difusão do Humanismo, 2) o crescimento da cultura burguesa e, por fim, 3) as crises religiosas do século XVI.24
Em relação ao Humanismo, é lugar-comum a constatação que suas discussões intelectuais propiciaram o motor cultural que impulsionou a mudança do estilo musical da Renascença. Para muitos, foi a principal força de renovação das artes no período.25 Mas é igualmente verdade que essas mudanças de estilo alteraram a função da música, que foram, por sua vez, respostas auditivas às mudanças nas estruturas e necessidades das sociedades de então, a começar pelo próprio Humanismo, e depois por outros fenômenos, como a mudança religiosa, o surgimento da imprensa e o crescimento da burguesia, todos eles íntima e inextricavelmente relacionados.
Na Weltanschauung renascentista, a arte, mesmo religiosa, era uma exaltação da vida26: não abstrata, mas concreta; não simbólica, mas idealista; não fanática, mas humanamente serena; não convulsiva, mas controlada e estilisticamente precisa, mesmo no drama.27 Como na estética gótica, seu princípio era a luz: o homem contemplava a Deus na luz da natureza.28 A música passou a contar com componentes intensos: elegância, serenidade e plasticidade, associados à uma compósita doçura, onde o feminino dominava com seu suave fascínio.
A Madonna, percebida já no final do Românico numa materna luz humana, consolidou-se como um importante tema plástico.29 Nos cancioneros medievais, a imagem da Virgem era venerada e adornada com honrosos epítetos. Os poetas e trovadores dedicaram-lhe cantigas, hinos e louvores, em orquestrações ricas e coloridas pela voz humana.30 Os temas teológicos associados a Ela (Dormição, Assunção, Coroação) eram costumeiramente representados na pintura (afrescos e iluminuras) com gloriosos e iluminados anjos cantores, músicos (imagem 7).
Imagem 7
Detalhe de A Coroação da Virgem (c.1432) de Fra Angelico (c.1395-1455). Têmpera no painel, 112 x 114 cm, Galeria Uffizi, Florença.
A nobreza, através de seu patronato, incentivou as artes, e as cortes europeias se consolidaram como centros de resplendor artístico. No âmbito da música sacra, na primeira metade do século XV, além das escolas eclesiásticas francesas e italianas, a capela pontifícia de Roma era a mais renomada. Já no da música profana e cortesã, as capelas reais da Inglaterra, da França e as dos duques de Borgonha foram as mais importantes, embora também praticassem a música sacra.31
Para entender a arte musical praticada na corte de Afonso V, é necessário conhecer a cultura e a prática musical das demais cortes e igrejas da Europa de então. Caso façamos uma comparação entre a música e a cultura literária e artística da época, constatamos como o protagonismo da música rivalizou com as belas artes e letras de seu tempo. E como a música – como arte tecnicamente difícil e sempre refinada – costuma ser um reflexo bastante fidedigno da cultura de um reino ou de uma escola, seu estudo na corte de Afonso, o Magnânimo é de grande interesse para se conhecer melhor a cultura humanística e literária de sua corte.
O reinado de Afonso coincide com uma grande transformação da arte musical na Europa. Entretanto, ainda são poucos os estudos detalhados sobre a música em sua corte, tanto em Aragão quanto em Nápoles durante seu reinado e o de seu filho, Fernando I de Nápoles (1423-1494). Existe uma farta documentação que principia com Rogério II da Sicília (1095-1154) e seus sucessores (1137-1282) – quando o ducado de Nápoles foi incorporado ao reino da Sicília – e que prosseguiu com os reis da família Anjou e sucessores (1282-1285) até Afonso, o Magnânimo.32
Como vimos, em junho de 1442, Afonso emergiu vitorioso de uma guerra de sete anos contra Renato I de Anjou (1409-1480), anexando o Reino de Nápoles ao seu já vasto território aragonês. Em pelo menos um aspecto, porém, a vitória foi vazia, pois a vida intelectual e cultural de Nápoles já estava moribunda desde os gloriosos dias de Roberto I de Anjou, o Sábio (1276-1343), mais de um século antes, quando Nápoles foi palco para nomes como Giotto (c.1267-1337), Bocaccio (1313-1375) e o principal teórico musical da época – Marchetto de Pádua (fl. 1305-1319).33
Credita-se a Afonso o fato de, ao ter optado por estabelecer Nápoles como sua capital (para consternação de Barcelona!), ter proporcionado a rápida transformação da cidade e da corte em um dos principais centros culturais da Itália. De fato, por ela passaram a circular escritores humanistas, poetas espanhóis, pintores vindos de várias regiões da Europa, além de escultores, arquitetos e, naturalmente, músicos.
Dos vários ensembles musicais que compuseram o estabelecimento musical da corte, foi provavelmente a capela real – organização eclesiástica, musical e educativa que atendia às necessidades espirituais cotidianas da corte – a que o sinceramente devoto Afonso dedicou maior atenção. Esse cuidado quase paternalista transpareceu a profunda ligação com sua herança espanhola, causa do rápido crescimento da capela: de um pequeno grupo de não mais de seis ou sete cantores adultos que acompanhavam o rei de um acampamento a outro durante a guerra contra os angevinos, a capela cresceu para um total de quinze capelães e cantores adultos (registro de outubro de 1444), chegando a vinte e um em fevereiro de 1451 e vinte e dois em novembro de 1455. Além disso, foram acrescentados dois organistas e um número indeterminado de meninos cantores.34
Assim, na metade do século XV, Nápoles ostentava uma das maiores capelas da Cristandade e, de longe, a maior da Itália. Entre os seus funcionários estavam o teórico, retórico e mestre de canto Jaume Borbó (fl. 1439-1453)35, o cantor e compositor Pere Oriola (fl. 1440-1484), e o compositor Juan Cornago (c.1400-1475).36 Este último recebia o fenomenal salário de 300 ducados, além de isenção do elagio (imposto sobre os salários).37
Não somente a capela era notável por seu tamanho, mas pela elevada qualidade de suas performances e por seu repertório. Em junho de 1451, a capela foi bem recebida e elogiada em Florença, onde se apresentou no Duomo e SS Annunziata como parte de uma missão de boa vontade através da qual Afonso esperava melhorar sua deteriorada relação com os Medici.38
A influência da capela real de Nápoles pode ser observada em circunstâncias distintas: em 1454, o marquês de Ferrara, Módena e Reggio, Leonel d’Este (1407-1450), fundava sua própria capela conforme o more régio, o que pode bem significar que ele a teria modelado de acordo com a de Nápoles. Duas décadas mais tarde, em 1473, Galeazzo Maria Sforza (1444-1476), duque de Milão, famoso mecenas das artes e da música e notório por costumeiramente invadir a capela napolitana para recrutar cantores, teria instruído seu embaixador em Nápoles a obter cópias dos salmos que a capela tinha cantado para comemorar as vitórias militares de Afonso.39
Dentre suas obrigações, a capela real era solicitada a cantar com acompanhamento de órgão, presumivelmente polifonia, tanto nas missas quanto nas vésperas dos grandes dias de festa, embora não se descarte a eventual participação de instrumentos de sopros. Como Afonso mantinha tradições espanholas quando transferiu a capela para Nápoles – ele mandou fazer novas cópias das ordenanças domésticas aragonesas do século XIV – a corte pode ter conhecido o uso ocasional de instrumentos de sopro durante a liturgia, prática não inédita na época, mas que somente se tornaria habitual a partir do século XVI.40
A capela de Afonso tinha um pronunciado ar hispânico. Em todo o seu reinado, os funcionários da capela eram esmagadoramente de origem espanhola, pois muitos cantores já estavam ligados à corte antes de sua transferência para Nápoles.41 Assim, a estratégia de recrutamento de Afonso contrastava com a utilizada em Florença e em Ferrara, onde, em 1450, já se buscavam cantores e compositores na França e na Borgonha. É difícil dizer se o Magnânimo estava ciente das novas direções artísticas exploradas pelos habilidosos franco-burgúndios. É fato que ele apreciava e colecionava pinturas, tapeçarias e objets d’art do Norte, mas se estava mais confortável com a capela composta por compatriotas espanhóis ou se era incapaz de atrair os ultramontanos por razões culturais e políticas, não sabemos. A língua da corte era o castelhano, e o catalão na Chancelaria e na Tesouraria. Assim, o matiz hispânico da capela nunca perdeu sua cor.
A música secular na corte também tinha um forte sabor peninsular, condizente como centro que servia de ponto de encontro para poetas de várias regiões de uma Espanha ainda descentralizada. Como vimos, o principal compositor de música secular foi Juan de Cornago, que chegou a Nápoles por volta de abril de 1453. Típico de sua poesia – com um estilo musical escuro, sombrio – é a seguinte canción, atribuída em diversas fontes literárias como de autoria de Juan de Mena ou com mais precisão, Pere Torroella, poeta catalão que residiu em Nápoles por volta de 1456 a 1458:
Yerra con poco saber
quien toviere tal creencia,
que firmeza de mujer
a los peligros d’ausencia
se pueda mucho tener.Con fe de presta tornada,
non cessando el escrivir,
Bien podra alguna guardada
dos o tres dias bevir.Mas a la mas detener
no les abasta la ciencia,
por qu’es se natural ser
tienen aquesta dolencia,
qu’es olvidança sin ver.42
Assim, Nápoles foi lar de uma tradição florescente de música e de poesia lírica que compunha uma contraparte hispânica (mais modesta musicalmente, claro) à brilhante tradição da chanson que a geração de Ockeghem (1420-1497) e Busnois (c.1430-1492) estava começando a cultivar na França e na Borgonha. E a corte de Afonso em Nápoles, mais do que qualquer centro na Espanha, foi o berço dessa música polifônica.43
III.1. Na corte aragonesa de Nápoles: El Cancionero de Montecassino (séc. XV)
Imagem 8
Arco triunfal de Afonso de Aragão (1453-1458), entrada para o Castel Nuovo, em Nápoles. Destinava-se a comemorar o arco temporário erguido em frente à catedral quando o rei Afonso entrou triunfalmente na cidade, em 1443. O mestre catalão Pere Joan (fl. 1400-58) supervisionou o projeto. Sob sua direção, Pietro da Milano (c.1410-1473), escultor lombardo que passou seus primeiros anos trabalhando em Ragusa, na Dalmácia, supervisionou o trabalho de pelo menos cinco mestres escultores (incluindo Francesco Laurana [c.1430-1502]) e trinta e três assistentes. O trabalho escultórico foi alocado a diferentes trabalhadores, o que garantiu a rápida conclusão do projeto. De 1455 a 1458, Isaías de Pisa (fl. 1447-1464) trabalhou no arco, embora sua contribuição para o programa escultórico seja controversa – provavelmente em seus campos inferiores.44
Tão importante para a vida musical da corte como aqueles que cantavam a liturgia e a canção secular foram os instrumentistas (ou ministres) – alaudistas, harpistas, tecladistas e instrumentistas de sopro – que figuram nos livros de contabilidade desde 1430, quando seguiram Afonso de um campo de batalha a outro (como os cantores da Capela). Especialmente valorizados foram os instrumentistas de sopro que formavam a alta cappella, grupo composto por duas charamelas sopranos ou tenores (instrumento de palheta dupla precursor do oboé), uma bombarda (charamela baixo) e, eventualmente, um trombone.
Como Johannes Tinctoris (1435-1511) apontou em seu De inventione et usu musicae (c.148l), a alta cappella fazia apresentações em casamentos, banquetes, cerimônias públicas e cívicas, nas igrejas e em campo de batalha. Mas talvez sua função mais importante tenha sido fornecer música para dança social, diversão cortês desfrutada tanto em Nápoles como em qualquer outro lugar. Aqui, também, a influência era hispânica. Como disse um poeta anônimo de meados do século ao relatar uma pequena lista de danças que foram populares na corte, foi dada preferência para li balli maravigliusi / tratti di catalani.45
Como vimos, em todas as grandes cortes da Europa a música desempenhava um papel importante nas ocasiões de Estado, onde servia como expressão artística do esplendor dinástico. A mais bem documentada destas ocasiões foi a espetacular entrada triunfal de Afonso em Nápoles (23 de fevereiro de 1443), imageticamente imortalizada no friso do Arco do Triunfo que Afonso mandou erguer como porta de entrada em Castelnuovo (imagem 8).
Além dos habituais trombeteiros reais que se deslocavam num carro trionfale – pelo menos doze neste dia – havia muitos outros carros alegóricos cheios de música que percorriam as ruas. Entre eles, segundo o poeta, jurista e cronista da corte Panormita (Antonio Beccadelli, 1394-1471), estava uma torre com quatro cantores que, vestidos como as figuras alegóricas da Magnanimidade, Constância, Clemência e Liberalidade (atributos virtuosos de Afonso), iam cantantes suam quaeque compositus versibus cantionem (imagem 9).46 Noutro local, no Largo del Mercato, seis meninos vestidos de anjos, sentados num arco de madeira dourada, cantavam, enquanto em cada um dos seggi (bairros) da cidade, mulheres fantasiadas dançavam nas ruas ao som da música dos ministres.
Imagem 9
Detalhe do Arco triunfal de Afonso de Aragão (1453-1458), entrada para o Castel Nuovo, em Nápoles. Ao centro, no carro triunfal, acima, sentado em seu trono, em um dossel, Afonso V. À frente de seus cavalos, músicos caminham, com instrumentos de sopro. À direita, em um templo com pilastras coríntias, músicos a cavalo, também com instrumentos de sopro.
O Magnânimo amava a música. Graças aos livros de contabilidade preservados, somos informados dos nomes, cargos e soldos de dezenas de músicos contratados em sua corte. Ao se transferir de Aragão para a Itália, ele já havia levado seus músicos e cantores. Há relatos que se interessava pelo bom êxito de seus artistas. Registros mostram, por exemplo, que ele havia doado 165 sólidos ao trompetista Jordi Juliá para que este pudesse comprar um instrumento novo.
Uma carta real assinada em Jargent em 15 de maio de 1434, dirigida ao alaudista Comes, de Valência, nos informa que o Magnânimo pediu que fosse elaborado um alaúde para sua câmara real. Em outra carta, escrita na mesma data e dirigida a Galceran de Requesens (c.1400-1465), Afonso ordenou o pagamento do alaúde e seu envio para as terras da Sicília, tão logo fosse terminado.47
Imagem 10
Um anjo tocando um alaúde (c.1480), de Melozzo da Forli (1438-1494). Fragmento de afresco removido, 93,5 x 117 cm, Mvsei Vaticani, Cat. 40269.14.10.48
Também enviou seu organista preferido, Perrinet Prebostel (ou Pronostrau), à sua irmã Eleonor de Aragão (1402-1445), princesa de Portugal.49 Em outro relato, Afonso se encontrava em Traiguera (em 10 de novembro de 1429) e teria pedido ao vigário-maior da vila de Vall-de-roures o transporte dos órgãos de sua capela para o mosteiro cisterciense de Benifassà, ordenando que eles fossem tratados com cuidados extremos e que estivessem no mosteiro logo pela manhã do sábado seguinte. Também determinou que se pagasse um generoso soldo aos quatro homens que fizeram o transporte dos instrumentos. No mesmo dia 10 de novembro, Afonso enviou uma carta para Perrinet Prebostel pedindo encarecidamente que fosse com a maior rapidez para o mosteiro de Benifassà para estar preparado para tocar os órgãos quando o rei lá estivesse pelo sábado de manhã.50
Como já mencionamos, o rei Afonso conservara na corte de Nápoles os costumes e tradições de sua casa real de Aragão, rodeando-se de nobres catalães e castelhanos. Entre eles se encontrava Dom Iñigo de Guevara (c.1418-†1462), profundo conhecedor de música, canto e danças, além dos poetas Andreu Febrer (c.1375-c.1440)51, Jordi de Sant Jordi (c.1399-1424)52 e Pere Torroellas (c.1420-1492)53, que visitaram e serviram na corte napolitana. O rei também se rodeou de homens cultos da Itália, de Castela e de Aragão, debatendo com eles temas literários e filosóficos.54
A exuberância de sua corte contribuiu para que o Magnânimo se sentisse estimulado a encomendar cópias de manuscritos musicais. Dentre todas as ricas e numerosas compilações musicais por ele ordenadas, destaca-se o Cancionero de Montecassino (c.1480).55 Trata-se de um dos mais importantes manuscritos do período. Contém um repertório de música sacra e secular executado na corte aragonesa de Nápoles. Inclui hinos, salmos, magnificats56 e lamentações, de compositores franceses, italianos e espanhóis. Já sua música secular compreende chansons francesas, ballate e strambotti57 italianas e canciones espanholas. Muitas das composições deste cancionero são exclusivas deste manuscrito.
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Primeira página da peça Princeps Pilate de Bernadus que se encontra à página 247 do manuscrito preservado na Biblioteca dell’Abbazia.
No Cancionero há vários fascículos que originalmente se encontravam separados e foram reunidos somente no final do século XVII. Contém 228 páginas (123 em pergaminho e 95 em papel). A música está registrada nas folhas de papel, e datam do século XV. Já os pergaminhos contêm música dos séculos XIII e XIV, além de diversos escritos religiosos. O copista foi provavelmente um monge do mosteiro de San Michele Arcangelo de Planciano (Gaeta), ou talvez do mosteiro dos santos Severino e Sosiso (em Nápoles).58
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Primeira página da peça Princeps Pilate de Bernadus transcrita em notação moderna pelo Dr. Clemens Goldberg, disponível na Goldberg Foundation para consulta e performance.
A lista de compositores do Cancionero é generosa. Dentre eles, Guillaume Dufay (1397-1474), Juan Cornago (c.1400-1475), Johannes Ockeghem (1410-1497), Firminus Caron (1430-1480), Antoine Busnois (1430-1492)59, Jean Molinet (1435-1507), Pere Oriola (fl. 1440-1484), Hayne van Ghizeghem (c.1445-1497), Loyset Compère (1445-1518), Anthonius Piccardus (fl. 1469-1476)60, Johannes Quadri, Franchinus Gaffurius (1451-1522) e John Bedingham (†c.1460), além de dezenas de compositores anônimos.61 As imagens 13 e 14 mostram duas notações de uma mesma composição: na notação original e na moderna.
O Cancionero de Montecassino compreende as seguintes obras:
70 obras religiosas:
- 1 fragmento de Sanctus
- 1 seção de missa do Ordinário
- 3 Magnificats
- 6 salmos
- 35 hinos
- 2 lamentações
- 15 motetes
- 4 laude
- 3 motetes-canções
72 obras profanas:
- 32 peças profanas francesas
- 26 peças profanas italianas
- 8 peças profanas espanholas
- 1 peça profana em latim
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Fragmento da obra Zappay (lo campo) de autor anônimo (ed.: Pope e Kazanawa).
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Transcrição (em notação moderna) da obra Zappay (lo campo) de autor anônimo (ed.: Pope e Kazanawa).
Com a morte de Afonso, em 27 de junho de 1458, a situação política em Nápoles mudou abruptamente, assim como as atividades culturais em geral e a música em particular. O Reino de Aragão foi dividido: os territórios espanhóis e as ilhas foram para a posse de seu irmão mais novo, João II de Aragão e Navarra (1398-1479)63, enquanto o Reino de Nápoles na Itália continental passou para seu filho ilegítimo, Fernando I de Nápoles (1423-1494).64
Embora não fosse uma modesta possessão – o reino se estendia por aproximadamente o terço meridional da Itália atual, sua única e maior entidade política – isso significava Fernando I estava isolado, pois Nápoles já não mais fazia mais parte da Coroa de Aragão, e a influência espanhola na corte, embora nunca tenha desaparecido completamente, começou a diminuir. Sob Fernando, Nápoles se tornou italianizada e, em sua perspectiva musical, internacionalizada.65
IV. A Pintura sob o mecenato de Afonso V
Imagem 15
Cancionero de Stúñiga (séc. XV), folio 1r (detalhe). Na parte inferior desse folio, quatro virtudes coroadas, cada uma portando um atributo, sustentam uma láurea poética. Esse cancioneiro registra a produção poética da corte de Afonso, o Magnânimo. Foi confeccionado para a corte de Fernando I de Nápoles (1423-1494), único filho (bastardo) de Afonso e de sua concubina napolitana, Gueraldona Carlino, em delicado pergaminho de velino, com letra humanística, capitais iluminadas em ouro e franjas de tipo vegetal.
O protagonismo da Música na corte napolitana de Afonso foi uma consequência natural do realce que a cultura cristã deu à audição, pelo menos desde o surgimento do canto gregoriano.66 Na Idade Média, a Arquitetura abarcava todas as artes (inclusive a Música, graças à liturgia). Da Escultura à Pintura (afrescos, vitrais), mas também mosaicos e bordados. Metalurgia, Ourivesaria. Artes menores.67 Com o desdobramento do gótico internacional e das novas sensibilidades do século XV – desde a visão encantada de Fra Angelico (c.1395-1455) até as geometrias imaginárias de Paolo Ucello (1397-1475) e o cromatismo aristocrático de Domenico Veneziano (1410-1461) – os artistas gradativamente adquiriram um novo e inusitado prestígio, sobretudo como (hábeis) exploradores de distintos campos do conhecimento.68 E ultrapassaram o âmbito eclesiástico.69
IV.1. Mas antes, livros à mão cheia70
Desde cedo, Afonso V esteve às voltas com as artes. Ciente de que, para a imagem do príncipe como homem magnífico, para sua melhor conduta principesca, era necessário despender grandes gastos para prover templos católicos e sacerdotes com objetos e ornamentos que assegurassem tanto o decoro quanto a pompa do culto, ainda como infante de Castela, instituiu uma grande feira em Medina del Campo (Valladolid). Para lá acudiam mercadores do norte da Europa, que traziam informações sobre as modas francesas e flamencas no que diz respeito aos objetos suntuários e artísticos.71 Seu modelo principesco: João I, duque de Berry (1340-1416), patrono das artes, bibliófilo e um dos maiores colecionadores da época.72
Aliás, Afonso logo demonstrou sua paixão pelos livros – inicialmente obras iluminadas (litúrgicas e hagiográficas), e depois clássicos (de Horácio [65-08 a.C.] a Ovídio [43 a.C.-17d.C.], e Valério Flaco [c.45-90] a Estácio [45-96]). Cedo também proibiu a saída de livros de seus reinos e determinou a criação de um bibliotecário real, “guardião dos livros do dito senhor rei”. Como neófito interessado, além de organizar tertúlias cortesãs – intituladas A hora do livro – para comentarem os clássicos, Afonso acolheu e protegeu alguns dos humanistas mais prestigiados de seu tempo, como Antonio Becadelli, o Panormita (1394-1471), Bartolomeo Facio (1400-1457) e Lorenzo Valla (1407-1457)73 – este último chegou inclusive a ser seu secretário particular (1435-1447).
IV.2. A pintura valenciana com Afonso V: Jacomart (c. 1410-1461) e Lluís Dalmau (fl. 1428-1461)
Imagem 16
Anunciação (c. 1450), de Jacomart (c. 1410-1461). Díptico, óleo sobre painel, 180 x 172 cm, Museu de Belles Arts de València. Destacam-se o tamanho, monumental, e a solenidade das figuras. À esquerda, o Arcanjo Gabriel; à direita, a Virgem da Anunciação. As palavras do Arcanjo estão distribuídas pelos dois painéis e funcionam como motivo unificador entre eles. A influência da pintura flamenga pode ser percebida tanto na forma da composição – um díptico – quanto no tratamento idealizado das figuras. Trata-se de um notável testemunho da assimilação das novas escolas de pintura do Norte em Valência de meados do século XV que inauguraram uma nova concepção da realidade.74
Jacomart (Jaume Baçó Escrivá) foi o mestre mais importante do panorama valenciano da primeira metade do século XV. Já em 1430 tinha sólida reputação artística. Em 1442, fez sua primeira viagem a Nápoles, convidado para levar sua arte à corte napolitana de Afonso V. Lá permaneceu como pintor do rei até 1451 – com duas breves interrupções para viagens a València e Tívoli (Roma) – realizando trabalhos intitulados de pinturas decorativas (estandartes, insígnias, escudos, sepulturas, relicários), mas também retábulos.75 Há elementos perceptíveis em seu estilo, influências do gótico internacional, naturalmente, mas também da arte italiana, sobretudo da flamenga.76
Porém, o pintor de Afonso V foi o valenciano Lluís Dalmau (fl. 1428-1461). Temos notícia que foi enviado a Castela (1428) e a Flandres (1431-1436) em missão comercial e diplomática, e também para conhecer a pintura flamenca77, especialmente a de Jan van Eyck (c. 1390-1421) – a estética da Ars Nova flamenca estava muito presente na corte do Magnânimo.78
Além do interesse monárquico de comércio, relações diplomáticas e pesquisas artísticas do envio de Dalmau a Flandres, a comitiva formada em 6 de setembro de 1431 tinha também em pauta o interesse do rei pela tapeçaria. A inclusão de Dalmau nessa viagem deu-se para que seu principal artista tivesse contato com aquele renovado ambiente artístico, sobretudo com a já renomada técnica pictórica a óleo de Jan van Eyck. O contato do pintor valenciano com o mestre flamenco repercutiu decisivamente em sua obra e, consequentemente, causou um grande impacto no cenário artístico valenciano e catalão. O entusiasmo com a renovação da linguagem artística de Dalmau à época não impediu que sua absorção dos elementos eyckianos tenha sido considerada por críticos atuais como “entusiasta, superficial e pouco criativa”.79 A suspeita é de uma assimilação direta, sem a elaboração de uma linguagem plástica original, seja de um estilo pessoal, seja de uma corrente local, o que ocorreria a partir da convergência dos valores formais e simbólicos autóctones com os elementos estrangeiros. Talvez isso em parte explique uma avaliação tão severa como a supracitada, por intuir que Dalmau tenha se tornado um mero copista dos procedimentos e aspectos formais do mestre flamenco, sem criar uma identidade própria a partir deles.
Apesar do interesse dos historiadores pela arte hispânica com a presença de Dalmau em Flandres, é significativo o silêncio de boa parte de autores de algumas das mais conhecidos obras dedicadas à História Geral da Arte, desde Ernst Gombrich (1909-2001)80 a Horst W. Janson (1913-1982)81, sobre a influência da estética de van Eyck na região por intermédio da corte de Afonso V. Isso indica certo desinteresse pela cultura artística ibérica, muitas vezes tida como atrasada pela historiografia além-pireneus, pouco influente no contexto europeu da época. O fato de Afonso V ter fixado residência em Nápoles sem jamais ter retornado aos seus reinos hispânicos e, mais que isso, ter adotado a corte napolitana como a capital de seu reino, contribuiu para a atenção às transformações artísticas e culturais italianas em detrimento da contribuição ibérica.82
De fato, os estímulos culturais promovidos pelo monarca em sua capital corroboram essa concepção. A atenção dos especialistas só se altera a partir do magnífico realismo do barroco espanhol (1600-1750), enquanto a arte portuguesa permanece como coadjuvante.83 Isso repercute nos currículos acadêmicos de nosso país, onde pouco ou nada se estuda sobre o desenvolvimento artístico na região, apesar dos evidentes laços históricos.
Um estilo tinha então tamanha força que até hoje é difícil atribuir a autoria a certas obras, como um São Jorge, hoje desaparecido, cuja paternidade de Jan van Eyck ainda é historicamente incerta. O fato é que há um elo entre o cenário artístico do reinado de Afonso V com os avanços técnicos ocorridos em Flandres.84
O próprio Vasari atesta a postura assertiva de Afonso V quando narra a vida de Antonello da Messina (1430-1479), pintor que teria protagonizado a difusão da extraordinária técnica pictórica que impulsionou a revolução estética no renascimento italiano.85
Passando um dia de Palermo a Nápoles, lá ficou sabendo que o rei Afonso recebera de Flandres o referido painel pintado por João de Bruges com óleos que podiam ser lavados e resistiam a batidas; que se tratava de trabalho de bom desenho, segundo a maneira daquele país, e de grande beleza de colorido; que o rei tinha grande apreço por aquela maneira de trabalhar. Por isso, sentiu muita vontade de vê-lo. E, envidando todos os esforços, finalmente conseguiu ver a obra, e foi tamanho o efeito que sobre ele exerceram a vivacidade das cores, a beleza e a uniformidade da pintura, que ele, deixando de lado todos os outros negócios e preocupações, partiu para Flandres.86
Há dois pontos importantes para este tema: a) o reconhecimento do pioneirismo da pintura flamenca no processo de transição da têmpera para o óleo, nova fase na história da pintura, o Renascimento, assim como a maestria de Jan van Eyck, e b) a ativa participação de Afonso V nesse processo.
Tal momento artístico sublinhou aprimoramentos técnicos, mudanças estéticas e novas demandas imagéticas. Devemos levar em conta a ascensão do pensamento humanista. Cabe, além disso, uma recapitulação da técnica pictórica recorrente até então: a têmpera (dipingere a tempera), mistura de pigmentos em aglutinantes solúveis em água (usualmente colas vegetais, como a goma arábica que poderia ser acrescida de mel para maior plasticidade). A têmpera a ovo foi amplamente usada, por sua maior elasticidade e aderência ao suporte, sobretudo a feita com gema. A base orgânica das têmperas carecia da adição preventiva de um fungicida.
E apresentava dificuldades técnicas. Como era uma tinta em que os pigmentos precisavam ser misturados com os aglutinantes no instante da execução da pintura, requeria uma execução ágil, pois secava rapidamente. Isso impedia uma manipulação demorada das cores, o que dificultava a obtenção de um resultado mais detalhista. Além da destreza nas pinceladas, exigia-se gestos precisos.
A baixa elasticidade das têmperas requeria dos pintores suportes rígidos para trabalhos de grandes dimensões, especialmente na madeira. Movimentar suportes menores, flexíveis – papéis, tecidos, pergaminhos, papiros –, acarretava o aparecimento precoce de rachaduras na superfície das pinturas (conhecidas como craquelês), ainda que a aplicação da têmpera nesse caso tenha alcançado resultados satisfatórios, tanto em relação à permanência da tinta quanto aos recursos técnicos e resultados estéticos em imagens de pequenas dimensões.87
Profissionalmente ativo em Valência e em Barcelona, Lluís Dalmau foi um artista importante para o amadurecimento do realismo advindo da novíssima técnica pictórica de Flandres, a pintura a óleo. Embora esse material já fosse conhecido no Ocidente pelo menos desde o século VII, seu aprimoramento técnico-artístico elevou a estética pictórica a partir da elaboração de imagens críveis, conforme a similitude com a realidade visível: o ilusionismo.88
Além do intenso colorido, o ilusionismo pictórico incorporou elementos representacionais de outras categorias estéticas. A combinação do chiaroscuro com o sfumato ultrapassou o suporte pictórico plano e proporcionou aos artistas a obtenção de uma melhor volumetria dos objetos e dos corpos escultóricos.89 As perspectivas linear e aérea permitiram a disposição dos espaços habitáveis das câmaras arquitetônicas e das paisagens – urbanas e naturais – para a posição dos objetos e as performances dos personagens.
- CONTINUA -
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Notas
- 1. PÉREZ RODRÍGUEZ, Manuel. “Alfonso el Magnánimo y la divisa del libro abierto (II)”. In: Biblioteca Nacional de España (BNE), 2012.
- 2. Quanto a esse pintor e medalhista italiano, Vasari (1511-1574) comenta: “[...] quando o papa Martinho V veio a Florença, na volta o levou consigo para Roma, pedindo-lhe que pintasse em afresco na igreja Santo Ianni Laterano algumas lindas cenas, as mais belas que se possa imaginar. Porque nelas usou abundantemente uma espécie de azul ultramarino que lhe foi dado pelo papa, tão belo e vivo, que ainda não surgiu nada igual [...] Além disso, Pisanello era excelente em baixos-relevos; fez medalhas para todos os príncipes da Itália e, sobretudo, para o rei Afonso I.” – GIORGIO VASARI. Vidas dos artistas (trad. de Ivone Castilho Bennedetti). São Paulo: Editora WMF e Martins Fontes, 2011, p. 322-323.
- 3. “En relación con la personificación se sitúa el atributo. Éste, según Federico Revilla, consiste en ‘un objeto real que define o caracteriza la personalidad de una figura, de acuerdo con hechos de su biografía o bien con determinados convencionalismos significativos’ […] El atributo es, por lo tanto, un signo cuya vida depende de la figura divina o humana, de la que indica su identidad, su historia, su poder y su papel. Se trata, pues, de un objeto, que es una parte accesoria pero fundamental de la representación, puesto que sin él la figura altera su significado. La asociación entre figura y atributo se puede calificar en muchas ocasiones de sinécdoque, es decir, en la que a partir de una parte se denomina el todo.” – CASTIÑEIRAS GONZÁLEZ, Manuel Antonio. Introducción al método iconográfico. Barcelona: Editorial Ariel, S.A., 2007, p. 36-37.
- 4. De resto, aliança entre Marte e as Musas que remonta à Roma, e é renovada com a “reação espiritual do século IV” com Constantino. Já “[...] os capitães e reis germânicos [...] encontramos reis amigos da cultura também na Inglaterra (Alfredo, o Grande) e, mais tarde, na Sicília normanda [...] O ideal do monarca amigo das Musas dominou tanto a cultura hispano-islâmica como a abássida e a romano-imperial. O paralelo estende-se até ao espelho de príncipes.” – CURTIUS, Ernest Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina. São Paulo: HUCITEC, 1996, p. 234-235.
- 5. Para o âmbito catalão-valenciano, o tema também já foi motivo de pesquisa: FELIPO ORTS, Amparo. De nobles, armas y letras. El linaje Cervelló en la Valencia del siglo XVII. València: Institució Alfons el Magnànim-Centre Valencià d’Estudis i d'Investigació, 2015.
- 6. SABATÉ I CURULL, Flocel. “Catalunia medieval”. In: BALCELLS, Albert (dir.). Història de Catalunia. Barcelona: L’esfera dels llibres, 2004, p. 293.
- 7. BURKE, Peter. O Renascimento italiano – Cultura e Sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999.
- 8. CLARAMUNT RODRÍGUEZ, Salvador. “Alfonso V”. In: Diccionario Biográfico electrónico de la Real Academia de la Historia, 2018.
- 9. COLL I ALENTORN, Miquel. “Guifré el Pelós en la historiografia i en la llegenda”. In: Institut d’Estudis Catalans. Memòries de la secció histórico-arqueològica. XXXIX. Barcelona, 1990.
- 10. FERRER I MALLOL, Maria Teresa (a cura de). Martí l’Humà. El darrer rei de la dinastia de Barcelona (1396-1410). L’interregne i el Compromís de Casp. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans. Memòries de la secció histórico-arqueològica. XCVIII. Barcelona, 2015.
- 11. Mas também duque da Calábria, conde de Provença, de Focalquier, do Piemonte e do Maine.
- 12. E também visconde de Àger, barão de Antillón, de Alcolea de Cinca e de Fraga.
- 13. Para todo o contexto da guerra castelhana contra o reino de Granada, além da conquista de Antequera, ver GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Santiago. La Corona de Castilla: vida política (1406-1420), acontecimientos, tendencias y estructuras. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, Tesis de doctorado, 2010.
- 14. SARASA SÁNCHEZ, Esteban. Aragón y el Compromiso de Caspe. Zaragoza: Librería General, D. L., 1981.
- 15. Para o pensamento do santo, ver FRANCO, Gustavo Cambraia, e COSTA, Ricardo da. “A sapientia Christiana e a analogia das artes liberais em um Sermão de São Vicente Ferrer (1350-1419)”. In: CORTIJO OCAÑA, Antonio; MARTINES, Vicent (orgs.). Mirabilia/Medtrans 04 (2016/2). New Approaches in the Research on the Crown of Aragon, p. 01-26.
- 16. Para Fernando de Antequera, GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Santiago. Fernando I. Regente de Castilla y Rey de Aragón (1407-1416). Gijón: Ediciones Trea, 2012.
- 17. “Giovanna II d'Angiò regina di Napoli”. In: Treccani. Enciclopedia on line; CUTOLO, Alessandro. Giovanna II. La tempestosa vita di una Regina di Napoli. Novara: De Agostini, 1968.
- 18. VICENS VIVES, Juan. Juan II de Aragón (1398-1479). Monarquía y revolución en la España del siglo XV. Pamplona: Urgoiti Editores S. L., 2003, p. 80-88.
- 19. MANFRONI, Camillo. “ASSERETO, Biagio”. In: Treccani. Enciclopedia on line; CUTOLO, Alessandro. Giovanna II. La tempestosa vita di una Regina di Napoli. Novara: De Agostini, 1968.
- 20. DOMENGE I MESQUIDA, Joan. “Guillem Sagrera et lo modern de son temps”. In: Revue d’Art n. 166/2009-4, p. 77-90.
- 21. “Quando o flamengo Dufay chega à Itália, por volta de 1420, e o inglês Dunstable à França, por volta de 1422, começa uma nova era, que já podemos chamar de Renascença.” – DE CANDÉ, Roland. História Universal da Música. Volume 1. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 303.
- 22. FENLON, Iain (ed.). The Renaissance. From the 1470s to the end of the 16th century. London: The Macmillan Press Limited, 1989.
- 23. KRISTELLER, Paul Oskar. El pensamiento renacentista y sus fuentes México: Fondo de Cultura Económica, 1982.
- 24. No caso catalão-aragonês, o Humanismo – e suas raízes medievais – foi belamente estudado por Júlia Butiñá: BUTIÑÁ JIMÉNEZ, Julia. Tras los orígenes del Humanismo: el ‘Curial e Güelfa’. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), 2001; BUTIÑÁ, Julia. El los orígenes del Humanismo: Bernat Metge. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), 2002.
- 25. Inclusive já há uma tendência de incluir o Humanismo no recorte cronológico da Idade Média, por ser considerado um desdobramento natural dos renascimentos medievais. Ver AGUADÉ NIETO, Santiago. “El Humanismo”. In: ÁLVAREZ PALENZUELA, Vicente Ángel (dir.). Historia Edad Media Universal. Barcelona: Editorial Ariel S. A., 2005, p. 869-910.
- 26. Vibrante e alegórico modo de sentir a existência que foi fruto do amor cortês medieval – e que sobreviveu pelo menos até o trágico século XVII, século do Barroco, quando o mundo foi pensado como ilusão e engano. Ver SILVA, Matheus Corassa da; COSTA, Ricardo da. “A Alegoria. Do mundo clássico ao Barroco”. In: OSWALDO IBARRA, César; LÉRTORA MENDONZA, Celina (coords.). XVIII Congreso Latinoamericano de Filosofía Medieval – Respondiendo a los Retos del Siglo XXI desde la Filosofía Medieval. Actas. Buenos Aires: Ediciones RLFM, 2021, p. 87-96.
- 27. “Em alemão, a palavra refere-se literalmente a uma ‘visão’ (Anschauung) intuitiva do ‘mundo’ (Welt), por conseguinte, a ‘visões do mundo’ ou a valores ou princípios culturais subjacentes que definem a filosofia da vida ou a concepção do universo de uma sociedade ou grupo. Popularmente, o conceito tem sido usado para fazer referência a qualquer sistema geral de crença (cristão, liberal, pagão etc.).” – MORROW, Raymond A. “Weltanschauung”. In: OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 805.
- 28. Por exemplo: “A luz é bela em si mesma, pois sua natureza é simples e contém totalmente a si mesma. É maximamente uniforme e tem, de modo sumamente harmonioso, a proporção intrínseca da igualdade, pois a beleza consiste na concórdia das proporções. Por isso, mesmo carecendo da harmônica proporção das figuras corpóreas, a luz é bela e agradabilíssima para a visão.” – ROBERTO GROSSETESTE, Hexaemeron, 147 v. Citado em TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de la Estética. II. La estética medieval. Madrid: Ediciones Akal, 2002, p. 241-242.
Ver também DUBY, Georges. O tempo das catedrais. A Arte e a Sociedade (980-1420). Lisboa: Editorial Estampa, 1979, p. 103-136 (cap. 5. Deus é luz. 1130-1190). - 29. As representações medievais da Virgem já haviam sido inúmeras porque Ela foi tema essencial do imaginário. Podem ser agrupadas em três categorias: 1) Simbolismo teológico (séc. V-XII) – a Virgem no trono, ar impassível, com o Menino com um aspecto dogmático e severo, como um Cristo em Majestade, concepção teológica sem qualquer traço de naturalismo; 2) Simbolismo triunfal (sécs. VIII-XIII) – a Virgem-rainha, vestida e coroada como uma imperatriz, influência da arte bizantina, e 3) Naturalismo (sécs. XIII-XV – especialmente de Giotto à Renascença) – a Virgem como Mãe, cheia de ternura, humanamente maternal, embora divina. Ver ALMEIDA, José António Ferreira de. “A Virgem com o Menino na Arte Antiga e Medieval”. Porto, MCMLIV, p. 25-29.
- 30. A obra mais conhecida do gênero são as Cantigas de Santa Maria (c. 1270-1282), escritas na corte de Afonso X, o Sábio (1221-1284). Trata-se de um conjunto de quatrocentas e vinte e sete composições em honra à Virgem que constitui uma das coleções de canções monódicas mais importantes da literatura medieval ocidental. Disponíveis em THE Oxford Cantigas de Santa Maria Data Base. Ver LEÃO, Angela Vaz. Novas leituras, novos caminhos: Cantigas de Santa Maria de Afonso X, o Sábio. Belo Horizonte: Veredas & Cenários, 2008.
- 31. No século XV, o ducado da Borgonha rivalizava em prestígio com a corte dos reis franceses. Para o tema, ver o clássico HUIZINGA, Johan. O Outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
- 32. ANGLÉS, Higino. “La Música en la Corte Real de Aragón y de Nápoles durante el reinado de Alfonso V el Magnánimo”. In: Cuadernos de Trabajos de la Escuela Española de Arqueología e Historia en Roma, núm. 11, 1961, pp. 81-142.
- 33. ATLAS, Allan W. “Aragonese Naples”. In: FENLON, Iain (ed.). The Renaissance. From the 1470s to the end of the 16th century. London: The Macmillan Press Limited, 1989.
- 34. Em maio de 1450, figuravam como organistas Perinetto di Venezia e Johan Corbató. ANGLÉS, Higino. “La Música en la Corte Real de Aragón y de Nápoles durante el reinado de Alfonso V el Magnánimo”, op. cit., p. 135.
- 35. PUJOL, Josep; MARFANY, Marta. “La gaia ciència a Nàpols: l'Illuminator de Jaume Borbó (1453)”. In: Mot so razo 21 (2022), p. 15-29.
- 36. GERBER, Rebecca L. Johannes Cornago. Complete Works. Madison: A-R Editions, 1984.
- 37. A título de comparação, 50 anos mais tarde, Josquin Desprez (c. 1450-1521) – um dos maiores compositores de seu tempo – pediria 200 ducados para Hércules I d’Este (1431-1505), duque de Ferrara. Cf. ATLAS, Allan W. “Aragonese Naples”. In: FENLON, Iain (ed.). The Renaissance. From the 1470s to the end of the 16th century, op. cit., p. 157.
- 38. De acordo com Atlas, no evento, a música acabou não sendo a panaceia buscada por Alfonso, pois uma verdadeira reaproximação entre a Nápoles aragonesa e a Florença mediciana não ocorreria antes de 1479.
- 39. Sforza compartilhou com Afonso V a mesma receptividade à cultura flamenga: o duque empregou músicos flamengos em sua corte (entre eles, Alessandro Agricola [c.1457-1506], Johannes Martini [c.1440-1497] e Gaspar van Weerbecke [c.1445-1517]), transformando-a assim em um dos mais importantes centros musicais da Europa. Ver SCARPETTA, Umberto. “La musica nel Duomo di Milano dall'ars nova al rinascimento”. In: TOMOQUARTTO. Centro Studi di Musica Sacra.
- 40. Em dezembro de 1444, figurava entre os músicos Michele Giovanni, que atuava como flautista, cantor e acompanhante do rei em suas jornadas reais, conforme nos informa Higino Anglès (op. cit., p. 135).
- 41. Naturalmente utilizamos o termo “espanhol” como uma licença poética, pois sequer havia acontecido a unificação dos reinos hispânicos (os próprios reis católicos, Fernando e Isabel, não utilizaram em vida o título de reis da Espanha – e Navarra só seria conquistada em 1512 por Fernando II após uma guerra civil [1451-1464]!).
- 42. “Erra por pouco conhecimento / quem mantém a crença, / que a firmeza da mulher / nos perigos de uma ausência / se pode muito considerar. / Com a fé de um retorno imediato, / sem parar de escrever, / bem poderá alguma ser bem conservada / por dois ou três dias sobreviver. / Mas para o resto, não é suficiente / dar-lhes conhecimento, / porque é de seu ser natural / ter essa dolência / que é esquecimento sem ver.” (a tradução é nossa).
- 43. Cf. ATLAS, Allan W. “Aragonese Naples”. In: FENLON, Iain (ed.). The Renaissance. From the 1470s to the end of the 16th century, op. cit., p. 156.
- 44. KRÉN, Emil; MARX, Daniel. “ISAIA DA PISA. Arch of Alfonso I of Aragon”. In: Web Gallery of Art.
- 45. Entre as danças constava a cascarda, a moresca (mourisca), a palonella, a basce e l’alta (danças pareadas chamadas em espanhol de danse basse e saltarello). Eram realizadas nos bailes com pessoas fantasiadas de Momos. Cf. ATLAS, Allan W. “Aragonese Naples”. In: FENLON, Iain (ed.). The Renaissance. From the 1470s to the end of the 16th century, op. cit., p. 160-161.
- 46. “Cantando uma música deles própria, cada uma com um verso correspondente.” (a tradução é nossa) – ATLAS, Allan W. Aragonese Naples. In: FENLON, Iain (ed.). The Renaissance. From the 1470s to the end of the 16th century, op. cit., p. 160.
Curiosamente, a tradição de cortejos com representações alegóricas também está presente em uma obra catalã medieval: o Breviculum (1325, Badische Landesbibliothek de Karlsruhe, Alemanha. Codex St. Peter, perg. 92), em sua iluminura VI (O exército de Aristóteles assalta a Torre da Mentira e da Ignorância. Ver VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316. Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2015, p. 295-299. - 47. No reinado do Magnânimo, Galceran de Requesens i de Santacoloma (✝1465) foi pajem e uixer d’armes (oficial armado, encarregado da custódia do rei e obrigado a dormir em frente à câmara real). Teve uma brilhante carreira política e militar: battle geral da Catalunha (1432, administrador e representante do rei), governador-geral (1442), almirante e embaixador real (1450) e, por fim, tenente-geral da Catalunha (1453), contra o que determinavam as Constituições do país. O rei concedeu-lhe o privilégio da nobreza em 1458 e o tornou camarlenc (chefe dos serviços do quarto real). “Galceran de Requesens i de Santacoloma (?, ? - València, 1465)”. In: Enciclopèdia.cat.
- 48. “O alaúde, na forma que a Renascença tornou famosa, só foi introduzido na Europa no século XII, pelos mouros, com seu nome árabe (al’ūd, que se tornou laud na Espanha, depois lut na França). No fim do século XIV, adquiriu seu aspecto característico, com sua caixa piriforme composta de ‘lados’ de sicômoro e o cravelhal recurvada para trás. Contudo, desde o século IX (Saltérios de Utrecht e de Sankt Gallen), encontra-se representada uma espécie de alaúde de braço comprido e fino, análogo ao setār persa, ao tanbur da Ásia Menor, ao colascione da Itália meridional, ou à dombrà quirguiz. Possui duas ou três cordas, e seu braço é munido de seis trastes.” – DE CANDÉ, Roland. História Universal da Música. Volume 1, op. cit., p. 227-230.
- 49. Em uma carta real (28 de agosto de 1431) o Magnânimo comunicou a seu conselheiro, Martin Diez Davig (batlle do reino de Aragão), a “gracia que havem feta al amat e devot mestre d’orguens de nostra capella Perrinet Pronostrau, de trescents florins d’or d’Aragó caseun any” sobre as “cenas de ausencia del dicho reino”. ANGLÈS, Higino. “La Música en la Corte Real de Aragón y de Nápoles durante el reinado de Alfonso V el Magnánimo”. In: Cuadernos de trabajos de la Escuela Española de Historia y Arqueología en Roma, Núm. 11, 1961, p. 125.
- 50. ANGLÉS, Higino. “La Música en la Corte Real de Aragón y de Nápoles durante el reinado de Alfonso V el Magnánimo”, op. cit., p. 121.
- 51. ANDREU FEBRER. Poesies (ed.: Martín de Riquer). Barcelona: Barcino (Els Nostres Clàssics), 1951.
- 52. JORDI DE SANT JORDI. Poesies (edició crítica a cura d’Aniello Fratta). Barcelona: Editorial Barcino, 2005.
- 53. PERE TORROELLA. Obra completa (ed.: Francisco Rodríguez Risquete). Barcelona: Barcino (Els Nostres Clàssics), 2011, 2 vols.
- 54. ANGLÉS, Higino. “La Música en la Corte Real de Aragón y de Nápoles durante el reinado de Alfonso V el Magnánimo”, op. cit., p. 131.
- 55. Biblioteca dell’Abbazia, Ms 871.
- 56. Magnificat – cântico incorporado à liturgia das Igrejas Católica, Ortodoxa, Luterana e Anglicana e retirado de Lc 1, 46-55 (quando da Visitação de Isabel a Maria). Após cumprimentar sua prima, grávida de João Batista, o feto se move no ventre de Isabel, que então louva Maria por sua fé, e Maria responde com o Magnificat. Ele é cantado (ou recitado) no principal serviço noturno (as Vésperas), mas também pode ser cantado nos cultos – especialmente no Advento (primeiro tempo do ano litúrgico, quatro semanas antes do Natal).
- 57. “Strambotto (pl. strambotti) – uma das mais antigas formas de verso italiano, composto por uma única estrofe de seis ou oito linhas hendecassilábicas (11 sílabas). Strambotti foram particularmente populares na Sicília renascentista e na Toscana, e a origem da forma em ambas as regiões é incerta. Variações do strambotto de oito linhas incluem a oitava siciliana (ottava siciliana), com o esquema de rima abababab; a ottava rima, com o esquema de rima típico abababcc; e o rispetto, forma toscana geralmente com o esquema de rima ababccdd ou com ottava rima. Variantes de seis linhas geralmente rimam ababab, ababcc ou aabbcc. Os temas do strambotto eram geralmente o amor ou, às vezes, a sátira.” – “Strambotto”. In: Britannica 8, The Editors of Encyclopaedia. Encyclopedia Britannica, 8 Jan. 2018.
- 58. POPE, Isabel, KANAZAWA, Masakata (eds.). The musical manuscript Montecassino 871: a Neapolitan repertory of sacred and secular music of the late fifteenth century. Biblioteca del Monumento nazionale di Montecassino, 1978. Esta edição compreende um estudo das origens e condições físicas do manuscrito; uma descrição literária (e musical) de 141 composições sobreviventes; transcrições musicais para prover uma edição prática para performance, bem como uma renderização acadêmica do texto original; um comentário crítico em cada peça com detalhes das concordâncias literárias e musicais, e uma bibliografia. Existe outra edição alemã, igualmente comentada: Montecassino 871 – Biblioteca dell"Abbazia, Ms 871.
- 59. Antoine Busnois. Method, Meaning and Context in Late Medieval Music (ed.: Paula Higgins). Oxford: Clarendon Press, 1999.
- 60. Antoine Busnois. Method, Meaning and Context in Late Medieval Music, op. cit., p. 562-563.
- 61. A edição de Pope e Kanazawa (também a partir dos manuscritos originais) apresenta transcrições atualizadas da notação musical, facilitando sua execução aos músicos não acostumados com a notação mensural (tal como proposta por Goldberg).
- 62. MAGRANER, Carles, PASCUAL, Miriam, BALLESTER, Pau. Ritmo y Métrica en la Música Mensural. El caso particular de dos obras del Cancionero de Montecassino. Valencia, 2011.
- 63. VICENS VIVES, Juan. Juan II de Aragón (1398-1479). Monarquía y revolución en la España del siglo XV. Pamplona: Urgoiti Editores S. L., 2003.
- 64. RYDER, Alan. “FERDINANDO I d’Aragona, re di Napoli”. In: Treccani.it. L’Enciclopedia italiana.
- 65. ATLAS, Allan W., op. cit. 1989, p. 161.
- 66. Até o século VI, a Música “...era vista como uma ciência, uma disciplina matemática, som material das realidades terrenas e celestes no qual poder-se-iam reconhecer os conceitos filosóficos (clássicos e, naturalmente, medievais) de ordem, proporção (como analogia, com o sentido de igualdade relacional) e harmonia. Em suma: era uma atividade sumamente intelectual. A criação do canto gregoriano, gradativamente, alterou essa percepção. A partir de então, cada vez mais, a música seria entendida, ou melhor, sentida, como integrante do mundo da emoção, como uma arte, a arte dos sons, expressão do mais genuíno sentimento humano: a fé.” – COSTA, Ricardo da. “A Música. Uma das chaves para a compreensão do Tempo”. In: COSTA, Ricardo da. Impressões da Idade Média. São Paulo: Livraria Resistência Cultural Editora, 2017, p. 52.
- 67. Ou artes aplicadas (de uso cotidiano, como mobiliário, utensílios, joias, caligrafia, cerâmica, vestuário etc.). Ver MORRIS, William. Las artes menores. Palma de Mallorca: José J. Olañeta Editor, 2018.
- 68. CAVINA, Anna Ottani. “Artes visuais. Introdução”. In: ECO, Umberto. Idade Média IV. Explorações, comércio e utopias. Alfragide: D. Quixote, 2015, p. 538-539.
- 69. Na Música, por exemplo, já no final do século XV, surgem os cantos carnavalescos, no âmbito das festas cavaleirescas-corteses florentinas, eventos sociais celebrados pelo poeta Luigi Pulci (1432-1484) e pelo humanista, poeta e filólogo Angelo Polioziano (1454-1494). Ver MONARI, Giorgio. “Os cantos carnavalescos”. In: ECO, Umberto. Idade Média IV. Explorações, comércio e utopias. Alfragide: D. Quixote, 2015, p. 739.
- 70. Subtítulo que destaca o amor de Afonso V pelos livros e que faz alusão a um dos maiores poetas brasileiros, Castro Alves (1847-1871): “Oh! Bendito o que semeia / Livros… livros à mão cheia... / E manda o povo pensar! / O livro caindo n’alma / É germe que faz a palma / É chuva que faz o mar.” CASTRO ALVES. O Livro e a América.
- 71. CORNUDELLA, Rafael. “Alfonso el Magnánimo y Jan van Eyck. Pintura y tapices flamencos en la corte del rey de Aragón”. In: LOCVS AMOENUS 10, 2009-2010, p. 41 e 44.
- 72. O mesmo que encomendou aos irmãos Limbourg (Herman, Paul e Johan, fl. 1385-1416) As mui ricas horas do Duque de Berry (1412-1416 e 1440-1489), um dos mais magníficos manuscritos iluminados do gótico internacional da Idade Média. Ver The Très Riches Heures of Jean, Duke of Berry (introd. and legends by Jean Longnon and Raymond Cazelles. Preface by Millard Meiss). New York: George Braziller, Inc., Publishers, 1969.
Entre as obras conhecidas que pertenceram à coleção do duque de Berry, o Relicário do Espinho Sagrado (c. 1400, British Museum), feito para abrigar um espinho, supostamente da coroa de espinhos colocada na cabeça de Cristo antes da Crucificação. As placas heráldicas esmaltadas na base mostram que foi feito para João, duque de Berry – a própria coroa de espinhos era uma relíquia real francesa, guardada em sua própria capela, em Paris (British Museum), e a Taça de Santa Inês (1370-1380, British Museum). - 73. GARCÍA MARSILLA, Juan Vicente. “La Cort d’Alfons el Magnànim i el seu univers artístic”. In: Art i societat a la València medieval. Catarroja – Barcelona: Editorial Afers, 2011, p. 253-254.
- 74. Entre o século XIV e o XV, o tema da Anunciação ganhou o protagonismo na Pintura pelo menos com três obras-primas: 1) A Anunciação (1333) de Simone Martini (1284-1344) e Lippo Memmi (1291-1356), 2) A Anunciação (c.1426) de Fra Angelico (1395-1455), e 3) A Anunciação (1434) de Jan van Eyck (c. 1390-1441), e atingiu seu clímax com A Anunciação (c. 1472-1475), de Leonardo da Vinci (1452-1519).
- 75. GÓMEZ-FERRER, Mercedes. “Reflexiones sobre el pintor Jacomart: un nuevo retablo de la Visitación”. In: BSSA arte, 83 (2017), p. 15-18.
- 76. Como, por exemplo, o estilo de Lodewijk Allyncbrood (c. 1400-1463), que se estabeleceu na Catalunha em 1437, e ajudou a transmissão da escola flamenca e da técnica de Jan van Eyck na Península Ibérica.
- 77. “Lluís Dalmau (València, ? – Barcelona, després del 1460)”. In: Enciclopèdia.cat. El teu portal del conexeiment.
- 78. Provavelmente Dalmau presenciou os últimos retoques no Cordeiro Místico, na oficina de Jan van Eyck em Bruges, obra que deve tê-lo impressionado sobremaneira. Ver GARCÍA MARSILLA, Juan Vicente. “La Cort d’Alfons el Magnànim i el seu univers artístic”. In: Art i societat a la València medieval, op. cit., p. 267.
- 79. CORNUDELLA, Rafael. “Alfonso el Magnánimo y Jan van Eyck. Pintura y tapices flamencos en la corte del rey de Aragón”. In: LOCVS AMOENUS 10, 2009-2010, p. 45-47.
- 80. GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012.
- 81. JANSON, H. W. História Geral da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
- 82. A revalorização da cultura ibérica por parte dos autores anglo-saxões parece ter ressurgido apenas com os estudos de Richard McGee Morse (1922-2001), especialmente com sua obra O Espelho de Próspero. Cultura e Idéias nas Américas (São Paulo: Companhia das Letras, 1988).
- 83. Para o barroco, ver PORTÚS PÉREZ, Javier (coord.). El Siglo de Oro de la pintura española. Madrid: Biblioteca Mondadori, 1991; PÉREZ SÁNCHEZ, Alfonso Emilio. Pintura barroca en España (1600-1750). Madrid. Cátedra, 2010.
- 84. Vasari atesta essa relação: “Foi uma invenção belíssima e cômoda para a arte da pintura a do colorido a óleo, que se deveu a João de Bruges [Jan van Eyck], de Flandres, que mandou a Nápoles um painel para o rei Afonso...” – GIORGIO VASARI. Vidas dos artistas (trad. de Ivone Castilho Bennedetti). São Paulo: Editora WMF e Martins Fontes, 2011, p. 50.
- 85. VENTURI, Lionello. “ANTONELLO da Messina”. In: TRECCANI. Enciclopedia Italiana, 1929.
- 86. GIORGIO VASARI. Vidas dos artistas, op. cit., p. 294.
- 87. A respeito da têmpera, ainda Vasari: “Antes de Cimabue e depois dele, até hoje, sempre se viram obras feitas pelos gregos a têmpera sobre madeira e às vezes em murais. Aqueles velhos mestres costumavam passar gesso na madeira, por temerem que ela se abrisse nas junções; cobriam tudo com linho grudado com cola de raspa de couro e, por cima, passavam gesso, sobre o qual trabalhavam, diluindo as cores com gema de ovo ou têmpera, que assim se faz: abriam um ovo, batiam-no e nele moíam um ramo tenro de figo, para que seu leite e o ovo formassem a têmpera das cores; assim, diluindo as cores com esse preparado, trabalhavam suas obras. E sobre tais madeiras usavam cores à base de minerais, que são feitas em parte pelos alquimistas e em parte são encontradas em jazidas. Para essa espécie de trabalho todas as cores são boas, exceto o branco que se usa em murais, feito de cal, que é forte demais. E dessa maneira eram feitas suas obras e suas pinturas; a isso dão o nome de pintar a têmpera. Somente os azuis eram diluídos em cola de raspa de couro, porque a cor amarela do ovo os transformava em verde, ao passo que a cola mantém sua cor; o mesmo ocorre com a goma. O mesmo modo de trabalhar se usa sobre madeira, com ou sem gesso (...) Nem por isso tais obras serão piores, pois mesmo as obras dos velhos feitas a têmpera se conservaram por centenas de anos com a mesma beleza e frescor. E ainda se veem coisas de Giotto, algumas das quais sobre madeira, que já duram duzentos anos e se mantêm perfeitamente. E assim chegamos à pintura a óleo, que levou muitos a abolir a têmpera, tal como vemos ainda hoje, nos trabalhos sobre madeira e em outras coisas importantes.” – GIORGIO VASARI. Vidas dos artistas, op. cit., p. 49-50.
- 88.
- 89. Chiaroscuro – técnica que consiste no acentuado contraste entre volumes (uns ensombrecidos, outros iluminados) em uma mesma obra, com o objetivo de aumentar a dramaticidade da cena representada. Embora tenha sido um dos métodos canônicos do Renascimento, ganhou sua máxima expressão no Barroco.
Quanto ao sfumato, “termo usado para descrever a mistura de tons ou cores de forma tão sutil que se fundem entre si, sem transições perceptíveis – nas palavras de Leonardo da Vinci, ‘sem linhas ou bordas, à maneira de fumaça’. Leonardo era um expoente supremo do sfumato e Vasari considerava sua capacidade de suavizar os contornos precisos característicos do Quattrocento anterior como uma das marcas distintivas da pintura ‘moderna.’” – “Sfumato”. In: Oxford Reference (a tradução é nossa).