Os camponeses na arte de Bruegel, o Velho (c.1525-1569)

Felipe Lube de BRAGANÇA
Ricardo da COSTA
Vídeo

In: COSTA, Ricardo da. Delírios da Idade Média.
Santo André, SP: Armada, 2023, p. 321-340
(ISBN 978-65-87628-26-4).
 

Resumo: A pintura de gênero, tradição na História da Arte, foi muito desenvolvida por Bruegel, o Velho (c. 1525-1569). Suas cenas da vida cotidiana dos camponeses marcaram profundamente a memória que temos da Europa pré-industrial. O objetivo deste trabalho é analisar a sua imagem do camponês: sua vida, festas, suas danças, os momentos marcantes de sua existência.

AbstractGenre painting, a tradition in History of Art, was very developed by Bruegel the Elder (c. 1525-1569). His scenes of daily peasants life profoundly marked the memory we have of pre-industrial Europe. The purpose of this work is to analyze his image of the peasant: his life, parties, dances and remarkable moments of its existence.

Palavras-chave: Bruegel, o Velho – Camponeses – História da Arte – Pintura.

Keywords: Bruegel, the Elder – Peasants – History of Art – Painting.

Introdução: das imagens à Arte

Imagem 1

Cabeça de uma velha camponesa (c. 1560-1565). Óleo sobre madeira de carvalho, 21,8 x 18,5 cm, Alte Pinakothek, Munique (NI 7057). As feições, algo sofridas, rudes (especialmente na forma da boca e os dentes), recordam a tradição medieval de representar os camponeses como os seres humanos mais próximos aos animais, bestializados. Apenas recordam. Na verdade, é uma releitura da tradição sem sua carga pejorativa. Além disso, o fato de a cabeça da camponesa estar de perfil insere essa pintura no universo renascentista do nascimento dos retratos.1

Bruegel é conhecido por ser o pintor dos camponeses.2 Mas, por que os camponeses?

Acompanhado por Franckert, Bruegel gostava de visitar os camponeses, em casamentos ou feiras. Os dois se vestiam de camponeses e, como os outros convidados, levavam presentes e se comportavam como se fossem parte da família – ou como convidados da noiva ou do noivo. Bruegel se divertia observando a moral dos camponeses, suas maneiras à mesa, suas danças, seus jogos, seus modos de namoro e outras coisas divertidas às quais se entregavam e que o pintor sabia como reproduzir, com muita sensibilidade e humor.3

Esta é uma famosa descrição do interesse de Bruegel pela vida camponesa, publicada pelo historiador da arte da Flandres Ocidental, Karel van Mander (1548-1606), em sua obra O Livro dos Pintores (Het schilder-boeck, 1604). A passagem contextualiza o gosto do pintor pelos ambientes rústicos, bem como sua forma de abordagem para criar imagens mentais que servissem de base para suas representações da vida cotidiana rural.4

Uma de suas aproximações ao universo camponês foi o retrato de uma camponesa (imagem 1). Os artistas flamengos já haviam se especializado na arte do retrato, especialmente a partir dos anos 1420.5 Esse gênero de representação havia caído gradativamente em desuso – as últimas (e impactantes) imagens de pessoas “comuns” foram os retratos funerários de Fayum (sécs. II-III), vigorosos e realistas6, além de algumas estelas funerárias (uma das mais famosas é a do Casal de Camponeses galo-romanos, do fim do séc. III).7

Essas imagens da Antiguidade Tardia (sécs. III-VIII) foram uma espécie de canto de cisne desse gênero – já no séc. I, o naturalista romano Plínio, o Velho (c. 23-79) se queixara da decadência da arte dos retratos devido à indolência:

Retratos corretos de indivíduos eram anteriormente transmitidos às épocas futuras pela Pintura, mas isso caiu completamente em desuso. Escudos de bronze e faces de prata são agora feitos com apenas alguns traços obscuros dos semblantes. As próprias cabeças das estátuas também são alteradas, o que já deu origem a muitas correntes sarcásticas. O certo é que as pessoas preferem exibir um material valioso a ter uma imagem fiel.

No entanto, ao mesmo tempo, cobrimos as paredes de nossas galerias com pinturas antigas e valorizamos retratos de estranhos, enquanto aqueles feitos em nossa homenagem, nós os estimamos apenas pelo valor do material, ou para algum herdeiro quebrar e derreter, e assim prevenir o laço e o nó corrediço do ladrão.

Assim é que não possuímos retratos de nenhum indivíduo vivo, e deixamos para trás as imagens de nossa riqueza, não de nossas pessoas (História Natural, XXXV, 2).

Nos séculos seguintes a Plínio, o realismo das imagens foi pouco a pouco dando lugar a idealizações padronizadas, especialmente a partir da ascensão do Cristianismo (séc. IV) e sua consolidação como religião oficial do Império Romano.8 O desaparecimento dos retratos durante os séculos alto-medievais chegou a sugerir aos historiadores que a Idade Média havia desconsiderado o indivíduo. Ledo engano.9 De qualquer modo, os retratos só retornaram com vigor no séc. XV, graças em parte ao “surgimento” da técnica da pintura a óleo com Jan van Eyck (c. 1390-1441)10, método já abordado no séc. XII por Teófilo, o Presbítero (fl. 1070-1125) no tratado De diversis artibus (c. 1110-1120).11

Somado ao ressurgimento do retrato e da nova técnica da pintura a óleo, esses primeiros séculos da modernidade12 presenciaram três fenômenos interligados: 1) uma nova onda iconoclasta com a Reforma; 2) uma nova determinação estética da imagem (começaram a coexistir imagens artísticas e não artísticas) e 3) o despontar do conceito de artista – com mais liberdade poética para suas interpretações imagéticas.13

Foi nesse ambiente efervescente e multifacetado que Bruegel despontou, na segunda metade do séc. XVI, com seu intenso traço, seus agitados ambientes sociais e suas profundas paisagens.14

I. O artista

Imagem 2

Detalhe de O pintor e o comprador (1567, pena marrom, Galeria Albertina, Viena). Possivelmente um auto-retrato do pintor.

Bruegel é o pintor dos corpos pobres, rústicos, da aspereza da vida.15 O pouco que sabemos a seu respeito se baseia no supracitado Livro dos Pintores (Het schilder-boeck, 1604).16 Foi aprendiz na oficina de Pieter Coecke van Aelst (1502-1550), escultor, pintor, arquiteto e designer (de xilogravuras, ourivesaria, tapeçarias e vitrais), artista que sofreu forte influência da arte italiana. Bruegel se casou com Mayken Coecke (c. 1545-1578), filha de van Aelst, em 1563.17

Com o sogro, além do contato com os círculos humanistas, nosso artista conheceu as técnicas da aquarela e da têmpera (pigmentos na gema de ovos e/ou substância viscosa no linho).18 Entre 1551 e 1553, Bruegel viajou pela França e Itália – Nápoles, Sicília e Palermo. Em Roma, trabalhou com Giulio Clovio (1498-1578), miniaturista e iluminista (pintor de iluminuras de livros)19 influenciado por Michelangelo (1475-1564) (e, posteriormente, patrono de El Greco [1541-1614]).20

Ao retornar a Antuérpia, realizou paisagens sob encomenda (e publicadas) por Hiëronymus Cock (1510-1570), pintor e importante editor de gravuras.21 Sua imprensa (Aux quatre vents) desempenhou importante papel na propagação da Alta Renascença (c. 1500-1520) no norte da Europa, região em que a tradição gótica era bastante arraigada.22 Bruegel trabalharia para Cock até quase o fim da vida.

Com seu casamento com Mayken Coecke, Bruegel se mudou para Bruxelas, cidade de sua sogra, Mayken Verhulst, celebrada ilustradora e pintora de miniaturas (c. 1520-1600).23 Nessa cidade, já algo distante das encomendas de Cock, nosso artista teve como patronos Antoine Perrenot de Granvela (1517-1586), cardeal da Igreja Católica e presidente do Conselho de Estado dos Países Baixos, e o cartógrafo e geógrafo Abraham Ortelius (1527-1598).

Pouco antes de falecer, em 1567, presenciou a chegada do Duque de Alba (1507-1582) a Bruxelas. Faleceu em 1569, mesmo ano em que a resistência protestante ao domínio católico (Habsburgo) e à forma de lidar com as imagens se transformou em insurreição24 (e também no mesmo dia em que foi estabelecido o Tribunal dos Tumultos para julgar as responsabilidades civis do movimento conhecido como Tormenta das Imagens [Beeldenstorm, agosto/outubro de 1566]).25

II. O universo camponês

II.1. Os Trabalhos e os Meses

Imagem 3

Dia sombrio (1565fevereiro/março). Óleo sobre madeira de carvalho, 118 x 163 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Na metade superior do Dia sombrio (imagem 3), à esquerda, além dos cumes das montanhas ainda com neve, destacam-se o castelo e as muralhas da cidade à beira-mar. Do centro para a direita, várias embarcações serpenteiam, açoitadas pelo mar agitado. A metade inferior da cena se divide em duas: à esquerda, palhoças camponesas se irradiam a partir de uma pequena igreja, epicentro da vida rural. À direita, uma mulher e um homem se abaixam para colher rebentos dos salgueiros (outro, de camisa azul, corta-os), atividade típica do mês de janeiro.26 Um menino com um papel pintado ao redor da cabeça (que indica o período da Epifania, celebrada no domingo mais próximo do dia 06 de janeiro) segura uma lamparina. Ao seu lado, um casal: o homem come waffles (doce típico do Carnaval, anterior à Quaresma), e a mulher observa.

O tema artístico do Trabalho e os Meses era tradicional na história das imagens.27 Pelo menos desde Roma.28 Na Idade Média, encontramos sua representação em vitrais, esculturas, iluminuras, tapeçarias.29 Bruegel optou pela pintura a óleo em painéis de carvalho. Preparados com carbonatos (brancos e opacos) e aglutinados com colas de cartilagem, eram polidos e suas superfícies uniformemente lisas, o que permitia que recebessem uma riqueza de delicados detalhes.30

Provavelmente foi esse o motivo que levou Bruegel a usar o carvalho para a nova técnica a óleo. Seja como for, Bruegel foi o último de uma longa tradição que representou imageticamente o universo camponês de modo afetuoso, verdadeiro, um amor intrínseco e realista por seu modo de vida, seus dramas cotidianos, mas especialmente sua alegria coletiva expressa em suas festas e momentos de folga da labuta.31

Imagem 4

A ceifa do feno (1565junho/julho). Óleo sobre madeira, 114 x 158 cm, Palácio de Lobkowicz, Castelo de Praga, República Tcheca.

E não só nos momentos de folga. Também em seu dia a dia rural. Em A ceifa do feno (imagem 4), o ambiente é vivo, colorido (a gama de tons é mais rica que no Dia sombrio: afinal, é início do verão!32). Bruegel mantém a tradição da vida camponesa que transcorre serenamente em meio ao trabalho33, esforço que não é estorvo nem fardo. A labuta é a essência de suas vidas. Enquanto na parte superior, em tons de azul, prevalece a ausência de ritmo na profunda paisagem que se descortina, com suas casas, igreja e castelo (além de um vale, acima, à direita, que se prolonga em um rio), na parte inferior, o mundo do trabalho é intenso.

Há pelo menos três partes. Da esquerda para a direita: 1) um campônio, sentado, afia uma gadanha (ferramenta agrícola de corte de ervas e cereais); acima dele, homens e mulheres recolhem o feno e o colocam em um carro com dois cavalos (é o ambiente intermediário, entre a paisagem acima e o movimento das pessoas, abaixo); 2) ao centro da cena, tranquilas, três mulheres caminham. Carregam ancinhos (para coleta de materiais – folhas, palhas etc.). Elas imprimem um tom suave e um ritmo tranquilo à representação do trabalho incessante, e 3) três homens e uma mulher, a pé, carregam cestas, em sentido contrário. Com eles, uma camponesa, a cavalo, arrasta duas enormes cestas, carregadas de legumes e frutas vermelhas.34 Trata-se de um quadro vivo, real, da vida camponesa. A chegada do verão pede essa luz e cor!

Imagem 5

Ceifeiros (1565agosto/setembro). Óleo sobre madeira, 119 x 162 cm, Metropolitan Museum, New York.

Cor essa que se intensifica até beirar o esgotamento em Ceifeiros (imagem 5). A luz que se espraia pelo ondulante campo de trigo separa uma vez mais a paisagem em dois níveis. É o quadro mais famoso da série, considerado a primeira paisagem moderna na história da arte ocidental, tanto pelo envolvimento com a cena que o artista provoca no espectador quanto por sua vívida sensação de calor.35

Imagem 5.1

Detalhes dos Ceifeiros (1565agosto/setembro). Óleo sobre madeira, 119 x 162 cm, Metropolitan Museum, New York.

Mais uma vez o artista divide esse quadro de uma tarde de verão em duas partes horizontais. Acima, ao fundo, o mar e seus navios (o comércio nos Países Baixos não para). Outros camponeses trabalham, próximos de suas casas, em um campo verde. Atrás da árvore – que corta verticalmente a cena em duas partes desiguais – uma igreja.

Essa parte superior, em que prevalecem os tons esverdeados, contrasta com a metade inferior, de um amarelo vivo. À direita, dois camponeses fazem a ceifa com gadanhas. Um terceiro chega, vindo de longe.36 Também à direita (imagem 5.1), um grupo come pão e papas (típica comida camponesa).37 Um dorme, exausto. Ao fundo, mulheres recolhem o trigo já ceifado.

Imagem 6

O regresso da manada (1565outubro/novembro). Óleo sobre madeira, 117 x 159 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Para representar o outono em O regresso da manada (imagem 6), ao contrário dos quadros anteriores, Bruegel inclina a divisão espacial acima/abaixo. Da esquerda para a direita. É o rio que proporciona esse sentido: enquanto suas águas fluem naturalmente, com calma e liberdade, para baixo, vigorosos camponeses conduzem o gado encosta acima.

Com longas e finas varas, eles se esforçam para ordenar o sentido, o movimento, a direção do rebanho em retorno ao estábulo. À direita, em um cavalo branco, acompanhado por três homens, um capataz lidera essa procissão laboral.

Imagem 7

Os caçadores na neve (1565dezembro/janeiro). Óleo sobre madeira, 117 x 162 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Os caçadores na neve (imagem 7) proporciona ao artista a criação de uma de suas cenas mais aprazíveis de sua série Os Trabalhos e os Meses. Certamente a imagem, com sua gélida neve do inverno e o suave peso de sua alvura, faz saltar aos olhos a impressão de um descortino no expectador. A distribuição espacial da cena não obedece mais à divisão superior/inferior dos outros meses, mas à esquerda/direita e superior/inferior. Uma sequência de árvores conduz o olhar nessa dupla direção. O voo do pássaro negro reforça essa sensação de movimento abaixo rumo à planície (ainda que a dissipe um pouco), indução do olhar do espectador rumo à profundidade da cena considerada um passo decisivo em direção à arte moderna.38

À esquerda, ao ar livre, uma família prepara um fogo para assar carne, provavelmente porco. O casal atiça as labaredas, enquanto uma criança observa. Uma idosa sai de casa com mais palha para queimar e um rapaz começa a arrumar a mesa. Três vigorosos homens retornam de sua caçada com uma colorida, variada (e esgotada) matilha de quinze cães. Conseguiram apenas uma raposa.39

Imagens 7.1 e 7.2

Detalhes de Os caçadores na neve (1565dezembro/janeiro). Óleo sobre madeira, 117 x 162 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Abaixo, dois lagos congelados proporcionam diversão a todos, crianças e casais. Brincadeiras. Jogos. À direita, uma mulher puxa outra em um carrinho, outra, caminha em uma ponte, com um feixe de palha na cabeça. Um homem conduz uma carroça de bois cheia de palha.40 É preciso se aquecer no rigoroso inverno do séc. XVI, época da Pequena Idade do Gelo (período climático de expansão das geleiras montanhosas e de redução das médias de temperaturas anuais, sentida em especial em algumas áreas no Hemisfério Norte – como, por exemplo, na Europa Setentrional).41

Aliás, essa cena de Bruegel tornou-se um ícone imagético dessa Pequena Idade do Gelo: foi interpretada como um belo exemplo da grande tempestade de neve do rigoroso inverno de 1565.42 

II.2. Casamentos, danças

Imagem 8

A dança de casamento (c. 1566). Óleo sobre painel de madeira, 119,4 x 157,5 cm, Museum Detroit Institute of Arts, Detroit, Michigan).

Após registrar seu traço na tradição artística dos Trabalhos e os Meses, Bruegel se voltou para os momentos de descontração da vida rural. Suas festas.43 Três obras suas, realizadas entre 1566 e 1568, são as mais conhecidas, e valeram ao artista o epíteto de pintor dos camponeses.

Aquele mundo estava organizado ao redor do trabalho, sim, mas era inteiramente permeado pelo conceito cristão de fraternidade. Tudo era motivo de confraternização: feriados religiosos, comemorações pelas colheitas, ritos de passagens (casamentos, velórios). De fato, o mundo da civilização ocidental, mundo rude, mundo pré-industrial, era um universo cultural de convivência de opostos a coexistir no mesmo ambiente social. Sofrimento e prazer. Labor e descanso. Inferno e Paraíso.

Em A dança de casamento (imagem 8), momento imediatamente posterior à tradicional refeição ofertada aos convivas, Bruegel registra o desvario, a sensualidade mal reprimida, a alegria incontida, o prazer do amor desregrado. A gaita de foles, por ser considerada um instrumento de poderes eróticos, é tocada na festa da noiva camponesa: a vitalidade e a fecundidade são celebradas no ardor da dança. Bruegel destaca a excitação dos homens.

O mundo camponês tinha esses rompantes de intensa alegria. A esse respeito, é notável a sensibilidade de Fernand Braudel (1902-1985). Ao analisar esse período histórico da civilização europeia, além de ressaltar a descontinuidade dos processos históricos, o historiador confirmou a colorida exuberância da arte de Bruegel:

Não há dúvida que a Europa passou, entre 1350 e 1550, por um período de vida individual feliz (...) É esse o paradoxo em que temos de insistir, prevalecendo a ideia simplista de que, quanto mais recuamos para a Idade Média, mais penetramos na infelicidade. Com efeito, quando se fala do nível de vida popular, isto é, o da maioria das pessoas, é o contrário que sucede (...) antes de 1520-1540, no Languedoc ainda pouco povoado, camponeses e artesãos comem pão branco. A deterioração acentua-se à medida que nos afastamos do outono da Idade Média e mantém-se até o meio do século XIX (os grifos são nossos).44

Imagem 9

O casamento camponês (c. 1568). Óleo sobre painel de carvalho, 114 x 164 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Já em O casamento camponês (imagem 9), o pintor flamengo retratou uma das mais importantes reuniões sociais que perpassava todo o corpo social: o casamento.45 Verdadeiro acontecimento, marco divisório da existência.46 E de um modo satírico, quase cômico − tanto pelo chapéu da criança em primeiro plano, muito grande para ela (abaixo, à esquerda), quanto pelo homem no extremo da mesa (acima, à direita), que enterra a cabeça no jarro para sorver a última gota de bebida.47

Há, possivelmente, uma íntima intenção: edificar – além do propósito do artista de fazer com que o observador seja induzido a realizar uma leitura em conjunto da cena.48 Embora todos bebam muito (dois músicos de pé, com gaitas de foles, animam o ambiente), o ar é circunspecto, ainda que autêntico, isto é, sem os modos e a sofisticação nobiliárquica.49

De modo improvisado, numa porta arrancada das dobradiças, dois homens transportam papas (principal alimentação dos pobres, como já afirmamos50); à frente de um pano verde estendido na parede (com uma coroa nupcial, de papel, pendurada no centro), com as mãos cruzadas, a noiva está impassível, com um “sorriso de profunda satisfação em seu rosto boçal”.51

À direita, com vestes negras e uma adaga, um nobre (provavelmente o notário da cerimônia jurídica) conversa com um monge franciscano. Seu cão, um galgo (raça apreciada pela nobreza), pode ser visto embaixo da mesa.52 Trata-se de uma notável representação do universo camponês do século XVI. São pobres, mas com a mesa farta (tradição, aliás, também brasileira).

Imagem 10

A dança camponesa (c. 1568). Óleo sobre painel de carvalho, 114 x 164 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Por fim, A dança camponesa (imagem 10). Nessas obras tardias de Bruegel, reparamos que, em relação às suas pinturas mais antigas, o pintor ampliou o tamanho de seus personagens. Aqui, a cena está dividida horizontalmente: à direita, um casal corre para participar da dança (enquanto outros dançam, tendo uma igreja ao fundo); à esquerda, em uma mesa de madeira, homens conversam animadamente.

Ao fundo, um casal se beija. No primeiro plano, uma mulher ensina uma criança a dançar – curiosamente, as duas estão fora da escala em relação aos demais, especialmente porque estão ao lado do músico com sua gaita de foles, indispensável instrumento dos alegres momentos de ócio camponês.

Conclusão

Imagem 11

O camponês e o ladrão de ninhos (1568). Óleo sobre painel de carvalho, 59,3 x 68,3 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna. A cena é moralizante: de um lado, a perversidade do roubo; do outro, a serenidade da virtude, apesar de todas as dificuldades da vida, do trabalho. O robusto camponês entra na mata, provavelmente para caçar. Aponta serenamente para cima, como quem diz: “Olhem o ladrão de ovos. Cedo ou tarde será descoberto”. Ao fundo, típicas casas camponesas (amplas, sem cômodos privativos).

Muitas surpresas aguardam o historiador que decide confrontar a bibliografia sobre o campesinato medieval com as fontes primárias.53 Nesse caso, especialmente as imagens (mas também a literatura do período). Em primeiro lugar, o físico dos personagens. É extremamente improvável que Bruegel tenha representado seus camponeses de outro modo que não o por ele presenciado. São corpulentos. Robustos (como o do quadro O camponês e o ladrão de ninhos [imagem 11]). Isso se explica, como vimos, pelo fato de sua alimentação ser bem balanceada (e, se comparada à da nobreza, nutritivamente superior, porque baseada em legumes).54 É o primeiro aspecto que chama a atenção nas imagens de Bruegel.

Em segundo lugar, a forma como o trabalho rural é apresentado. Não há qualquer alusão ao trabalho-sofrimento tão propagado por certa bibliografia em relação ao mundo tardo-medieval.55 Especialmente na série dos Trabalhos e os Meses (todas produzidas em 1565), a labuta é mostrada como algo inerente à vida.

Esse ambiente está muito bem posto – e belissimamente figurado – em A ceifa do feno (imagem 4). Eles trabalham, comem à mancheia (imagem 9) e se refastelam à sombra de uma árvore (imagem 5). E comemoram.

E como comemoram! A dança de casamento (imagem 8) e A dança camponesa (imagem 10) são verdadeiras fotografias antropológicas, fascinantes registros rurais da arte de Bruegel. Muito além da interpretação na qual seus seres humanos são “tubos vestidos que comem e cagam” e “seguem seus estúpidos caminhos por sobre a face da terra”56, sua pena foi uma das primeiras expressões pictóricas vivas, palpáveis, na História da Arte. Da vida.57

 

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WALKER, Susan (ed.). Ancient Faces. Mummy Portraits from Roman Egypt. New York: Metropolitan Museum of Art Publications, 2000.

WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. O problema da evolução dos estilos na arte mais recente. São Paulo: Martins Fontes, Selo Martins, 2015.

ZAGORIN, Perez. “Looking for Pieter Bruegel”. InJournal of the History of Ideas, vol. 64, No. 01 (Jan., 2003), p. 73-96.

Notas

  • 1. Para o tema, ver BURCKHARDT, Jacob. O Retrato na Pintura Italiana do Renascimento. São Paulo: Unifesp, 2012.
  • 2. A obra completa de Bruegel está disponível em Pieter the Elder Bruegel - The Complete Works.
  • 3. Citado em BEAULOYE, Jennifer (coordination & text). Brugelian Myths. Peasant or scholar? Royal Museums of Fine Art Belgium. Google Art Project.
  • 4. Selecionamos as seguintes obras para o tema: 1. Velha camponesa (c. 1560-1565, óleo sobre madeira de carvalho), 21,8 x 18,5 cm, Alte Pinakothek, Munique); da série Os Meses (1565): 2. Dia sombrio (fevereiro/março; óleo sobre madeira, 118 x 163 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna); 3. A ceifa do feno (junho/julho; óleo sobre madeira, 114 x 158 cm, Palácio de Lobkowicz, Castelo de Praga, República Tcheca); 4. Ceifeiros (agosto/setembro; óleo sobre madeira, 119 x 162 cm, Metropolitan Museum, New York); 5. O regresso da manada (outubro/novembro; óleo sobre madeira, 117 x 159 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna); 6. Os caçadores na neve (dezembro/janeiro; óleo sobre madeira, 117 x 162 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna); 7. A dança de casamento (c. 1566, óleo sobre painel, 119,4 x 157,5 cm, Museum Detroit Institute of Arts, Detroit, Michigan); 8. O casamento camponês (c. 1568, óleo sobre painel, 114 x 164 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna); 9. A dança camponesa (c. 1568, óleo sobre painel de carvalho, 114 x 164 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna); 10. O camponês e o ladrão de ninhos (1568, óleo sobre painel, 59,3 x 68,3 cm, Kunsthistorisches Museum, Vienna).
  • 5. BELL, Julian. Uma Nova História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 168.
  • 6. Para o tema, ver DOXIADIS, Euphrosyne. The Mysterious Fayum Portraits. London: Thames and Hudson, 1995, e WALKER, Susan (ed.). Ancient Faces. Mummy Portraits from Roman Egypt. New York: Metropolitan Museum of Art Publications, 2000.
  • 7. Estela funerária com um casal de camponeses (2,5 x 0,75 m), inv. 40.432. Proveniência: Oberhaslach, Alsácia, França. Musée Archéologique de Estrasburgo.
             No site do Museu, a descrição: “Entre as esculturas mais cativantes das coleções do museu está a chamada estela do casal de camponeses de Oberhaslach. A qualidade da escultura em baixo-relevo e os numerosos detalhes do traje tornam-no um documento verdadeiramente notável da arte popular regional do final do século III d. C. A mulher traja um vestido de pregas largas da qual se projeta uma anágua, presa na cintura por um cordão duplo. Um grande xale com pontas decoradas com borlas é cruzado sobre os ombros e uma touca de pano cobre o cabelo dividido em duas massas iguais divididas ao meio. Seu companheiro usa uma longa túnica cuja gola forma uma conta dupla em volta do pescoço. Um grande casaco de pregas simétricas cai na frente. O rosto barbado é emoldurado por cabelos com grandes mechas paralelas estilizadas. Garrafa e cestinho redondo cheio de amoras para a mulher, taça com a barriga arredondada para o homem são os elementos essenciais para a viagem ao Além e o Banquete da Imortalidade para onde vão os dois falecidos.”
  • 8. VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão [312-394]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
  • 9. “Embora a vida cotidiana nos séculos XI-XIII sempre transcorresse em grupos (nunca individualmente) – a família, a escola, a cavalaria – a força da célula familiar (pai, mãe, três filhos) já se fazia muito presente nos polípticos carolíngios por volta do ano 820, e a antropologia histórica já reconheceu que a família nuclear foi a mais sólida raiz do desabrochar das individualidades na Idade Média.” – COSTA, Ricardo da. “Os Epistolários Medievais como espaço narrativo fundante. O universo do eu amoroso nas cartas de Bernardo de Claraval”. In: Impressões da Idade Média. São Paulo: Livraria Resistência Cultural Editora, 2017, p. 134-135.
  • 10. “Foi uma invenção belíssima e cômoda para a arte da pintura a do colorido a óleo, que se deveu a João de Bruges, de Flandres, que mandou para Nápoles um painel para o rei Afonso e outro para o duque de Urbino (...) Esse modo de pintar acende mais as cores, só havendo necessidade de diligência e amor, porque o óleo traz consigo o colorido mais aveludado, suave e delicado, sendo mais fácil esfumá-lo e integrá-lo com outras cores, pois, enquanto está fresco, é mais fácil misturar as cores e uni-las umas às outras. Em suma, os artistas desse modo imprimem muita graça, vivacidade e brio às suas figuras...” – GIORGIO VASARI. Vidas dos artistas (trad. de Ivone Castilho Bennedetti). São Paulo: Editora WMF e Martins Fontes, 2011, p. 50-51.
  • 11. HAWTHORNE, J. G., SMITH, C. S. (translators). Theophilus: On Divers Arts. New York: Dover Publications 1979.
  • 12. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996, 3 volumes.
  • 13. BELTING, Hans. “Religión y Arte. La crisis de la imagen a comienzos de la Edad Moderna”. In: Imagen y culto. Una historia de la imagen anterior a la era del arte. Madrid: Ediciones Akal, 2009, p. 608.
  • 14. De acordo com o catálogo organizado por Marijnissen e Seidel (MARIJNISSEN, R. H.; SEIDEL, M. Bruegel. New York: Harrison House, 1984), são 47 pinturas (além de um número indeterminado de obras perdidas): quarenta óleos sobre madeira de carvalho, quatro em têmpera sobre linho e três em grisalha (grisaille: pintura executada em tons de cinza particularmente usada em esquemas decorativos que imitam uma escultura. No entanto, há grisalhas que incluem outra gama de cores: as executadas em marrom são chamadas de brunaille e as executadas em verde são chamadas de verdaille).
  • 15. ECO, Umberto. Historia de la Belleza. Barcelona: Editorial Lumen, 2004, p. 205.
  • 16. “Nearly all the information we have about him comes from his brief biography in van Mander’s famous Painter’s Book, published in 1604, thirty-five years after his death.” – ZAGORIN, Perez. “Looking for Pieter Bruegel”. InJournal of the History of Ideas, vol. 64, No. 01 (Jan., 2003), p. 76.
  • 17. ZAGORIN, Perez. “Looking for Pieter Bruegel”. InJournal of the History of Ideas, op. cit., p. 79.
  • 18. Pieter Bruegel, the Elder”. In: Encyclopaedia Britannica, 2014.
  • 19. “Brueghel (ou Bruegel), Pieter (c. 1525-69)”. In: CHILVERS, Ian (ed.). Dicionário Oxford de Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 83.
  • 20. Pieter Bruegel, the Elder”. In: Encyclopaedia Britannica, 2014.
  • 21. “Hoboken was famous for its three annual festivals, one of which, the Feast of St. Sebastian, was commemorated by Pieter Bruegel the Elder in a print published by Hieronymus Cock about 1559-60...” – GIBSON, Walter S. Pleasant places: the rustic landscape from Bruegel to Ruisdael. Univ of California Press, 2000, p. 19 (parcialmente disponível em: https://shorturl.at/dsDF4)
  • 22. “With the advent of Hieronymus Cock's publishing house, the Sign of the Four Winds, about 1550, Antwerp gradually achieved a virtual monopoly in print publishing in the Netherlands.” – GIBSON, Walter S. Pleasant places: the rustic landscape from Bruegel to Ruisdael. Univ. of California Press, 2000, p. 32.
                “Sixteenth-century Antwerp, the most volatile commercial and financial center in Europe, also gave rise to the first permanent open art market, located at the city Bourse. In addition, Antwerp generated the first major successful print publishing house, appropriately named At the Sign of the Four Winds, run by entrepreneurial etcher Hieronymus Cock (and afterward by his widow) (...) Antwerp’s market soon came to be a site where works of art on sale, first easel paintings and later prints (connected closely to the burgeoning industry of book publication), proliferated and began to develop formulaic conventions of themes and forms that we associate today with definable pictorial types. Print publishing was dominated after mid-century by the commercial press, At the Four Winds (Aux Quatre Vents), a name already redolent of Antwerp’s wide commercial expanse, run by Hieronymus Cock.” – SILVER, Larry. Peasant scenes and landscapes: The rise of pictorial genres in the Antwerp art market. University of Pennsylvania Press, 2012, p. 1 e p. 17.
  • 23. “Bruegel familiarity with the art of illuminators is well documented. Not only is he known to have collaborated on a miniature with Giulio Clovio, but his mother-in-law, Mayken Verhulst (ca. 1520-1600), was also a well-regarded miniaturist whom Lodovico Guicciardini considered one of the four finest female painters in the Netherlands.” – KREN, Thomas; MCKENDRICK, Scot. Illuminating the Renaissance: the triumph of Flemish manuscript painting in Europe. Getty Publications, 2003, p. 494.
  • 24. HAGEN, Rose-Marie e Rainer. Pieter Bruegel, o Velho, cerca de 1525-1569. Camponeses, loucos e demônios. Colônia: Taschen, 1995, p. 11.
  • 25. A questão das imagens dividiu de modo profundo e incisivo as posturas católicas e protestantes. Para o tema, ver BELTING, Hans. “Religión y Arte. La crisis de la imagen a comienzos de la Edad Moderna”. In: Imagen y culto. Una historia de la imagen anterior a la era del arte. Madrid: Ediciones Akal, 2009, p. 607-646.
  • 26. Os rebentos dos salgueiros eram usados para construir muros e fazer vedações. Ver HAGEN, Rose-Marie e Rainer. Pieter Bruegel, o Velho, cerca de 1525-1569. Camponeses, loucos e demônios, op. cit., p. 67-68.
  • 27. Hans Belting (1935-) defende que o conceito de arte surgiu a partir da crise da imagem e sua nova percepção – como obra de arte no Renascimento. A arte de Bruegel se insere cronologicamente nessa encruzilhada: o artista trabalha no “novo conceito” (arte), mas lida com temas tradicionais do “velho conceito” (imago), objeto privilegiado da prática religiosa. Por isso, trabalha, conceitualmente, em uma perspectiva antropológica. Para isso, ver BELTING, Hans. Imagen y culto. Una historia de la imagen anterior a la era del arte. Madrid: Ediciones Akal, 2009.
  • 28. Como podemos constatar nos mosaicos de um calendário agrícola (séc. III), encontrados em 1891 em Saint-Romain-en-Gal (hoje na região do Ródano-Alpes), atualmente exposto no Museu de St-Germain-en-Laye. Originalmente media 8,86 x 4,48m e consistia de 40 cenas (há hoje apenas 27, das quais 4 foram afetadas por um incêndio). Site.
  • 29. “O camponês terá sido o mais desprezado? Talvez nunca o tenha sido menos que na Idade Média. Determinada literatura em que o vilão é muitas vezes jogado não deve iludir-nos: não é senão o testemunho do rancor, velho como o mundo, que o charlatão, o vagabundo sente pela situação do camponês, do domínio cuja morada é estável, o espírito por vezes lento e a bolsa muitas vezes lenta a abrir-se – acrescentado à aptidão, bem medieval, para zombar de tudo, inclusive aquilo que parece mais respeitável (...) Na realidade, nunca os contatos foram mais estreitos entre as classes ditas dirigentes – neste caso os nobres – e o povo: contatos que a noção de laço pessoal facilita, essencial para a sociedade medieval – que as cerimônias locais, festas religiosas, e outras multiplicam, e nas quais o senhor encontra o rendeiro, aprende a conhecê-lo e partilha a sua existência muito mais estreitamente que nos nossos dias (...) Poderíamos facilmente dar conta disso deitando uma olhadela sobre o patrimônio artístico que essa época nos legou e constatando o lugar que o camponês nela ocupa (...) Na Idade Média, ele está em toda a parte: nos quadros, nas tapeçarias, nas esculturas das catedrais, nas iluminuras dos manuscritos; em toda parte encontramos o trabalho nos campos como o mais corrente tema de inspiração (...) Haverá uma outra época, uma só, que possa apresentar tantos quadros exatos, vivos, realistas, da vida rural?” – PERNOUD, Régine. Luz sobre a Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 47-48 (os grifos são nossos).
  • 30. LANEYRIE-DAGEN, N. “Los soportes”. In: Leer la pintura (Colección Reconocer el Arte). Barcelona: Spes Editorial, S.L., 2005, pp. 8-13; “Panel painting”. In: Encyclopædia Britannica, 28/05/2018. Internet; WADUM, Jørgen. “Historical Overview of Panel-Making Techniques in the Northern Countries”. In: DARDES, Kathleen and ROTHE, Andrea (eds.). The Structural Conservation of Panel Paintings - Proceedings of a Symposium at the J. Paul Getty Museum. Los Angeles: Getty Conservation Institute, 1995, p. 149-177.
  • 31. “Despite his innovation in subject matter and his interest in accuracy and realism, Bruegel has been called, by some, the last painter of the Middle Ages. Even his fine landscape series Months (Plates LIV, LV, and LXII) seems to have had its source in the miniatures of the medieval calendar books. On the other hand, his faithful portrayal of peasant life led others to term him the first great genre painter, and it is particularly this aspect of his work that had such strong effect on future generations of painters throughout Europe.” – CAHAN, Claudia Lyn; RILEY, Catherine. Bosch, Bruegel, and the Northern Renaissance. Avenel Books, 1979, p. 10 (os grifos são nossos).
  • 32. HAGEN, Rose-Marie e Rainer. Pieter Bruegel, o Velho, cerca de 1525-1569. Camponeses, loucos e demônios, op. cit., p. 63.
  • 33. LEGRAND, Gérard. A Arte do Renascimento. Lisboa: Edições 70, p. 103.
  • 34. FOOTE, Timothy. The world of Bruegel, c. 1525-1569. Time-Life Books, 1972, p. 176; CHARLES, Victoria; MICHEL, Emile. The Brueghels. Parkstone International, 2012, p. 177.
  • 35. “It’s a landscape that’s really the first modern landscape in Western art. Bruegel has inserted a completely coherent middle ground, and it increases both our engagement with the landscape – he puts us into the landscape along with the peasants walking down those paths – and the sense of a measureable distance. And one really feels the heat of summer in this picture in a way that nobody had ever felt it, I think, before.” – CHRISTIANSEN, Keith. MetMedia: The Harvesters.
  • 36. FOOTE, Timothy. The world of Bruegel, c. 1525-1569, op. cit., p. 178.
  • 37. A alimentação camponesa consistia de sopas (de cevada e de espelta), papas (de milhete ou sorgo), pão rústico (micha), de centeio, de espelta ou de farinha de aveia, manteiga e Queijos (de ovelha ou cabra), mel, cebola, alho-poró, alho, alface, chicória, endívia, acelga, cenoura, funcho, rabanete, micha (pão feito de cevada, centeio ou espelta) e vinho; carne de gado miúdo (ovelhas, porcos, cabras, carneiros, galinhas e gansos) – quase todas as famílias camponesas possuíam alguns desses animais, além de coelhos, lebres, frangos, perdizes e galinholas. Também queijo, lentilhas, grão-de-bico, ervilha-de-pombo, ervilhaca e o cizirão; couve, cebola, nabo, alho, alho-poró, espinafre e abóbora (normalmente oriundo de hortas familiares; coleta de aspargo, agrião, cogumelo e plantas aromáticas (tomilho, manjerona, basílico, louro, funcho e salva). Para o tema, ver FLANDRIN, Jean-Louis e MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998; GIMPEL, Jean. A Revolução Industrial da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1975 e HODGETT, Gerald A. História Social e Econômica da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1975.
  • 38. WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. O problema da evolução dos estilos na arte mais recente. São Paulo: Martins Fontes, Selo Martins, 2015, p. 134-135.
  • 39. FOOTE, Timothy. The world of Bruegel, c. 1525-1569, op. cit., p. 182.
  • 40. “Em algumas obras de Pieter Brueghel, o espaço retangular do quadro é preenchido com pequenos grupos episódicos, quase de igual peso (...) esta abordagem se adapta mais à interpretação do caráter total de um clima ou modo de existência do que à descrição da vida controlada por forças centrais.” – ARNHEIM, Rudolf. Arte & Percepção Visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Cengage Learning, 2017, p. 21. Arnheim afirma isso sobre Bruegel quando explica o equilíbrio visual de uma imagem – e sua relação com as hierarquias imagéticas e suas relações como elementos de composição da obra.
  • 41. Para o tema, ver “Little Ice Age”. In: Encyclopædia Britannica.
  • 42. ROBINSON, Peter J. Ice and snow in paintings of Little Ice Age winters. Weather, v. 60, n. 2, 2005, p. 2.
  • 43. LADERO QUESADA, Miguel Ángel. Las fiestas en la cultura medieval (edición a cargo de Isabel Belmonte López). Barcelona: Areté, 2004.
  • 44. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo. As Estruturas do Cotidiano. Séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 254.
  • 45. BROOKE, Christopher. O casamento na Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
  • 46. ARGAN, Giulio Carlo. “Cultura e realismo de Pieter Bruegel”. In: Clássico anticlássico. O Renascimento. De Brunelleschi a Bruegel. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 465.
  • 47. BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e Imagem. Bauru, SP: Edusc, 2004, p. 172.
  • 48. WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte, op. cit., p. 123.
  • 49. ARGAN, Giulio Carlo. “Cultura e realismo de Pieter Bruegel”. In: Clássico anticlássico. O Renascimento. De Brunelleschi a Bruegel, op. cit., p. 470.
  • 50. FLANDRIN, Jean Louis; MONTANARI, Massimo (orgs.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 2007.
  • 51. GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012, p. 382.
  • 52. É a única raça canina citada na Bíblia, que “passeia airosamente” (Pr 30, 29-31), isto é, de modo elegante e honrado.
  • 53. Uma seleção de fontes primárias que tratam do mundo rural medieval: COSTA, Ricardo da (seleção, notas e bibliografia). Extratos de documentos medievais sobre o campesinato (sécs. V-XV).
  • 54. A dualidade na alimentação das sociedades pré-industriais europeias também pode ser assinalada na oposição assados (nobreza) versus cozidos (camponeses), ou carnes/vinhos versus legumes/cerveja. Ver FREEDMAN, Paul (org.). A História do Sabor. São Paulo: Editora Senac, 2009.
  • 55. “São novelas como essa [Curial e Guelfa] que expressam as paixões, e assim atenuam a terrível sombra que a historiografia projetou sobre esse período: desde a notável Barbara Tuchman e seu Um Espelho Distante – o terrível século XIV, até Henry Pirenne e Luis Suárez Fernández, mas principalmente pela achapante tradição marxista, que só viu crise após crise (como, por exemplo, nas obras de A. H. de Oliveira Marques e Guy Bois). A imagem tenebrosa da vida dos séculos XIV-XV exposta por uma tradição historiográfica não poderia ser mais contrastante com a leveza e a delicadeza de Curial. Aqui não há crise, só fartura, opulência, esbanjamento. Seria isso uma fuga literária do mundo? Ou será que os homens de então não perceberam que viviam em uma depressão? Ou ainda: será que existia realmente uma depressão?
             Atualmente os historiadores econômicos, como Philippe Contamine, consideram o período de 1460 a 1492 como o de uma fase de reconstrução, uma pós-crise, mas isso ainda é muito pouco para explicar a fulgurante vida social que brota das páginas de Curial, mesmo que seja apenas na (pequena) camada superior daquela sociedade. Ao ler Curial, percebe-se que era a vida uma obra de arte, não o Estado, como pensava Jacob Burckhardt. E embora a novela seja muito mais fruto de suas influências de além-Pireneus (francesa, italiana e occitana) do que propriamente castelhana – não nos esqueçamos que a construção da Espanha foi um processo pluralíssimo! – ela é hispânica, uma de suas mais originais e diversificadas vertentes, mas hispânica. Não é à toa que esse período é considerado o Grande Século da História da Espanha, o centro do tempo histórico de sua cultura, a essência do resplendor de sua amplitude cósmica, como frisou o grande historiador José Enrique Ruiz-Domènec. Curial e Guelfa expressa muito bem esse extraordinário sentido poético da vida percebido pelos homens (e mulheres) de então, naquele cadinho tão cosmopolita e europeu no sentido mais generoso da palavra como o é a Catalunha.” – COSTA, Ricardo da. “A experiência de traduzir Curial e Guelfa”. In: Curial e Guelfa. Anônimo do século XV (apres., trad. e notas de Ricardo da Costa). Santa Bárbara: University of California, Publications of eHumanista, 2011, p. 57-70.
  • 56. BELL, Julian. Uma Nova História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 209.
  • 57. Agradecemos aos professores Evandro Santana Pereira, Matheus Corassa da Silva e Vinicius Muline pela leitura crítica do trabalho.

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