A gênese do poder régio na Europa Mediterrânea
Reflexões lulianas em sua obra pedagógica e apologética, o Livro da Contemplação em Deus (1271-1274)
Gabriel Tebaldi MEIRA
Ricardo da COSTA
In: CORTIJO OCAÑA, Antonio; MARTINES, Vicent (orgs.).
Mirabilia Journal 40 (2025/1). Intercultural Mediterranean. From Antiquity to Baroque,
(Jan-Jun 2025), pp. 153-176.
***
Resumen: Este artículo explora la concepción del poder divino y terrenal en la filosofía de Ramon Llull (1232-1316), con un enfoque en la relación entre la autoridad política y la autoridad divina tal como se presenta en el Libro de la Contemplación en Dios (1271-1274). Llull, situado en el contexto medieval de la Europa mediterránea, sostiene que todo poder – incluido el de los reyes – es una concesión de Dios y, por lo tanto, debe estar subordinado a Su voluntad. A partir de esta premisa, el autor propone que los gobernantes deben ejercer su autoridad con virtud y justicia, siempre en armonía con los designios divinos. Esta línea de pensamiento refleja no solo las tensiones políticas y religiosas de la época. El análisis de Llull revela una perspectiva pedagógica y apologética, en la que el poder político se concibe como un medio para alcanzar la salvación del alma, subrayando la necesidad de un gobierno orientado al bien espiritual de la sociedad
Abstract: This article explores the conception of divine and earthly power in Ramon Llull’s Philosophy (1232-1316), with a focus on the relationship between political and divine authority as presented in the Book of the Contemplation in God (1271-1274). Llull, situated in the medieval context of Mediterranean Europe, argues that all power – including that of kings – is a concession from God and must therefore be subordinated to His will. Based on this premise, the author proposes that rulers must exercise their authority with virtue and justice, always in harmony with divine purposes. This line of thought reflects not only the political and religious tensions of the time. Llull’s analysis reveals a pedagogical and apologetic perspective, in which political power is seen to achieve the salvation of the soul, emphasizing the need for governance oriented toward the spiritual good of society.
Palabras-clave: Poder regio – Teología política – Ramon Llull – Libro de la contemplación en Dios – Europa medieval.
Keywords: Royal Power – Political Theology – Ramon Llull – The Book of Contemplation in God – Medieval Europe.
Gabriel Tebaldi MEIRA
Ricardo da COSTA
In: CORTIJO OCAÑA, Antonio; MARTINES, Vicent (orgs.).
Mirabilia Journal 40 (2025/1). Intercultural Mediterranean. From Antiquity to Baroque,
(Jan-Jun 2025), pp. 153-176.
***
Resumen: Este artículo explora la concepción del poder divino y terrenal en la filosofía de Ramon Llull (1232-1316), con un enfoque en la relación entre la autoridad política y la autoridad divina tal como se presenta en el Libro de la Contemplación en Dios (1271-1274). Llull, situado en el contexto medieval de la Europa mediterránea, sostiene que todo poder – incluido el de los reyes – es una concesión de Dios y, por lo tanto, debe estar subordinado a Su voluntad. A partir de esta premisa, el autor propone que los gobernantes deben ejercer su autoridad con virtud y justicia, siempre en armonía con los designios divinos. Esta línea de pensamiento refleja no solo las tensiones políticas y religiosas de la época. El análisis de Llull revela una perspectiva pedagógica y apologética, en la que el poder político se concibe como un medio para alcanzar la salvación del alma, subrayando la necesidad de un gobierno orientado al bien espiritual de la sociedad
Abstract: This article explores the conception of divine and earthly power in Ramon Llull’s Philosophy (1232-1316), with a focus on the relationship between political and divine authority as presented in the Book of the Contemplation in God (1271-1274). Llull, situated in the medieval context of Mediterranean Europe, argues that all power – including that of kings – is a concession from God and must therefore be subordinated to His will. Based on this premise, the author proposes that rulers must exercise their authority with virtue and justice, always in harmony with divine purposes. This line of thought reflects not only the political and religious tensions of the time. Llull’s analysis reveals a pedagogical and apologetic perspective, in which political power is seen to achieve the salvation of the soul, emphasizing the need for governance oriented toward the spiritual good of society.
Palabras-clave: Poder regio – Teología política – Ramon Llull – Libro de la contemplación en Dios – Europa medieval.
Keywords: Royal Power – Political Theology – Ramon Llull – The Book of Contemplation in God – Medieval Europe.
Ramon Llull (c. 1235-1316), filósofo, teólogo e escritor catalão do século XIII, é um notável expoente do pensamento medieval mediterrâneo, particularmente no que diz respeito à reflexão política sobre o poder régio e sua relação transcendental com a autoridade divina. Seu pensamento surge em um contexto histórico de intensa transformação política e religiosa na Europa Mediterrânea.1 O século XIII foi um período marcado pela tentativa intelectual de harmonizar as esferas do poder temporal e espiritual, debates que refletiram tensões entre os monarcas europeus e a Igreja Católica.2
Por exemplo, Na Árvore Imperial, sétimo capítulo da grande obra enciclopédica Árvore da Ciência (1295-1296)3, Llull desenvolveu um espelho de príncipes de cunho reformador e moralista, um programa social de conduta ética escrito para o rei cristão.4 Nele, o poder régio é um intermediário entre o divino e o humano, na qual a autoridade real deveria ser sempre legitimada pela vontade de Deus.5 A proposta de Llull é, portanto, uma tentativa de conciliar o poder monárquico com a ordem divina, enfatizando que, embora o rei exercesse uma autoridade secular, esta estava intrinsicamente vinculada à moralidade e à justiça cristãs.6
O contexto histórico que fundamenta a análise de Llull sobre o poder real é também marcado por uma Europa dividida em múltiplos reinos e sistemas políticos em disputa. As cruzadas, que haviam começado no final do século XI, ainda exerciam uma forte influência sobre os reinos cristãos, estimulando a ideia de uma guerra justa contra os muçulmanos e, por extensão, a defesa da fé cristã como um imperativo moral.7
Neste cenário, Llull argumentava que o poder dos reis deveria ser orientado pela necessidade de preservar a ordem divina, e o monarca deveria ser, para ele, não apenas um líder político, mas um defensor da fé. A guerra, nesse contexto, aparecia como um meio legítimo de proteger o Cristianismo, sendo a autoridade real vista como um reflexo da ação divina. Para Llull, o monarca, ao conduzir seus súditos à luta, não apenas exercia uma função política, mas também espiritual, no cumprimento de uma missão divina.8
A ascensão das monarquias centralizadas, especialmente nos reinos ibéricos, trouxe novas dinâmicas ao poder real, que começou a se consolidar frente aos senhores feudais. Ramon Llull situou sua análise do poder real nesse novo cenário político, reconhecendo a importância de um governo centralizado e da autoridade régia como fator de estabilidade. Contudo, sua concepção de poder monárquico estava longe de ser imanente, meramente política: para Llull, o rei deveria ser dotado de virtude, sabedoria e conhecimento.9
A educação do monarca, portanto, constituía um ponto central em sua análise do poder real. Llull defendia que a formação do rei deveria ir além da experiência militar e política, sendo necessária uma sólida base filosófica e teológica, de modo que o monarca pudesse exercer seu poder de forma justa e racional. Em sua visão, a virtude e o discernimento divino eram elementos essenciais para a legitimidade do reinado, refletindo a crença de que o governante deveria ser, por excelência, um filósofo que agisse guiado pela sabedoria divina.
Além disso, Ramon Llull contribuiu para a reflexão sobre o papel da moralidade na política, argumentando que a justiça não deveria ser apenas uma ferramenta prática de governo, mas um princípio fundamental que orientasse as ações do monarca. O rei não deveria agir de acordo com interesses pessoais ou dinásticos, mas segundo a ética cristã, de modo a preservar a harmonia entre o poder temporal e a autoridade espiritual. Em uma época em que os reinos da Europa Mediterrânea viviam tensões internas e externas, sua filosofia política forneceu uma base teórica para a reflexão sobre a autoridade, a moralidade e a religião, tendo grande influência no pensamento político medieval.10
A análise de Llull sobre o poder real, marcada pela interdependência entre a autoridade divina e a secular, converge para uma reflexão mais ampla sobre o papel da contemplação e da sabedoria no exercício do poder. Seu pensamento, que integra elementos de lógica, teologia e ética, oferece um modelo de governança baseado na razão iluminada pela fé, na qual a busca pela justiça e pela verdade deve ser central no governo do monarca. Nesse sentido, é possível observar uma transição para o conceito de contemplação que permeia sua obra espiritual, particularmente no Livro da Contemplação em Deus (1271-1274).11
Llull propõe uma meditação mais profunda sobre a relação entre o ser humano e o divino, sugerindo que, para alcançar uma verdadeira compreensão da justiça e do poder, o indivíduo deve se entregar à contemplação divina. O monarca, à semelhança do filósofo, deve buscar em Deus a inspiração para suas ações, compreendendo que sua autoridade deriva de uma fonte transcendente.12 O Livro da Contemplação em Deus pode ser visto, portanto, como uma extensão pedagógica natural das ideias políticas de Llull, nas quais a contemplação se apresenta como a via para a verdadeira sabedoria e, consequentemente, para o exercício legítimo do poder.
A onipotência divina é tema recorrente no Livro da Contemplação, especialmente em razão do propósito apologético da obra, que visa servir como instrumento de conversão religiosa e, portanto, exige uma argumentação intensamente persuasiva. A soberania absoluta do Criador, em contraste com suas criaturas, é apresentada como princípio fundamental para a orientação da conduta humana, a qual deve pautar-se pelos desígnios divinos. Conforme já exposto, o poder de Deus revela-se tanto na criação quanto na conservação do mundo, sendo o conhecimento d’Ele essencial para a compreensão do sentido da existência humana, assim como para a fundamentação da justiça e da moralidade.
No entanto, no plano terreno, distintas formas de poder se fazem presentes entre os homens, com especial ênfase ao poder monárquico, amplamente disseminado na época de Llull. Diante disso, o autor dedica-se, em diversos trechos, a relacionar suas proposições pedagógicas à conduta dos reis, utilizando-os como paradigmas tanto de virtude quanto de desvio moral.
No primeiro volume do Livro da Contemplação, em sua VI distinção, capítulo XIV, dedicada à análise do Poder Divino, Llull examina como Deus é, em Sua essência, onipotente, exercendo domínio sobre o curso da natureza, possuindo autoridade para ressuscitar os mortos, condenar ou salvar quaisquer indivíduos, bem como realizar todas as ações conforme a razão o justifique.
Por ser infinito em Sua essência – não tendo começo nem fim –, o poder de Deus, segundo Llull, também se manifesta de modo ilimitado e eterno, superando, assim, todos os poderes terrenos, os quais são condicionados pela temporalidade e por uma série de contingências, tais como fatores sociais, econômicos, políticos, militares e, por fim, a própria finitude corporal.
Catalão antigo
8. Lo vostre honrat poder, Sènyer, no es així com lo nostre; car lo vostre no es major ni menor en un temps que en altre; enans és de fi en fi, sens tot creiximent e minvament.13
Espanhol
8. Tu honorable poder, Señor, no es como el nuestro, porque el tuyo no es mayor ni menor en un tiempo que en otro, sino que permanece firmemente, sin crecimiento ni disminución.14
Português
8. Vosso honrado poder, Senhor, não é assim como o nosso, pois o Vosso não é maior, nem menor em um tempo que em outro, pelo contrário, é do fim ao fim, sem qualquer crescimento ou diminuição (todas as traduções para o português são nossas).15
Por mais elevada que uma autoridade possa parecer no âmbito terreno, ela jamais se equipara à magnitude do poder divino, o qual transcende todas as circunstâncias, permanecendo absoluto, inalterável e ilimitado. Uma reflexão semelhante encontra-se na Doutrina para Crianças (Doctrina pueril, 1274-1276)16, quando Llull discorre sobre a morte corporal, destacando que mesmo os mais poderosos reis e imperadores tendem ao esquecimento com o passar do tempo, apesar da influência que exerceram em vida.17 Ainda que alguns desses líderes sejam rememorados por seus nomes e feitos históricos, não permanecem objeto de reverência, celebração ou louvor, pois sua autoridade é inevitavelmente restringida pela transitoriedade da existência humana.
Em oposição, o poder de Deus detém uma grandeza tal que se torna inconcebível qualquer noção de acréscimo ou decréscimo, posto que transcende todas as medidas e perspectivas humanas. Por ser eterno, antecede o próprio tempo, e, mesmo que este cessasse, o poder divino subsistiria, pois dele não depende para existir.
Catalão antigo
9. Celestial Senyor, ple de tota bonea! ¿Quina meravella si∙l vostre gran poder està sens creiximent e minvament? Car enans que temps fos en ésser, ja era vostre poder acabat e infinit, e ladoncs con temps no haurà ésser, sí serà, Sènyer, vostre poder aitan gran com ara s’és.18
Espanhol
9. ¡Celestial Señor, lleno de toda bondad! ¡Qué maravilla que tu gran poder no tenga ni crecimiento ni disminución! Porque antes de que el tiempo existiese, ya era tu poder completo e infinito, y cuando el tiempo no exista, Señor, tu poder será tan grande como lo es ahora.19
Português
9. Celestial Senhor, pleno de toda bondade! Que maravilha que o Vosso grande poder não tenha crescimento nem diminuição! Isso porque antes que o tempo estivesse no ser, já era o Vosso poder concluído e infinito, e então quando o tempo não estiver mais no ser, sim, será, Senhor, o Vosso poder tão grande quanto agora o é.
Segundo Llull, o cristão deve temer profundamente o poder de Deus, pois o julgamento divino pode conduzir à condenação eterna da alma no inferno. Esse temor, contudo, não se restringe a uma forma de respeito ou admiração contemplativa, mas deve manifestar-se como um autêntico respeito hierárquico que deve acompanhar o ser humano constantemente, em todos os momentos de sua existência, a fim de que não se desvie dos caminhos corretos.
Tal admoestação se fundamenta na observação de que, com frequência, pessoas saudáveis e felizes vêm a falecer de maneira súbita e inesperada – fenômeno que Llull interpreta como um “apoderamento de Deus” sobre a vida individual. A morte inesperada daqueles que aparentemente gozavam de bem-estar revela, portanto, o exercício da autoridade divina sobre os que, porventura, violaram os preceitos corretos. Depreende-se, assim, que Llull atribui ao poder de Deus uma autoridade absoluta, superior a qualquer outra, concebendo-o como algo gerado – e não criado – pela própria divindade.
Essa constatação da supremacia divina insere-se no escopo apologético do autor, ao situar o ser humano numa posição de tal pequenez diante de uma força incontestável que o conduz à convicção de que a única resposta possível é a de louvar, contemplar e exaltar a soberania de Deus.
Catalão antigo
26. Com jo, sènyer Déus, sia ple de pecat e de desconeixença, doncs no és meravella, Sènyer, si he paor de vós, ans se cové que n’aja molt gran paor, per la qual vos tema en tots los dies, e les nits, e les hores, e∙ls punts e∙ls moments; car tot dia veem que molts hòmens seran sans e alegres, e∙l vostre gran poder apodera aquells, e fa’ls morir sobtosament.20
Espanhol
26. Como yo, Señor, estoy lleno de pecado y de ingratitud, no es extraño, Señor, que tenga miedo de Ti, sino que incluso es conveniente que tenga mucho miedo y pánico, día y noche, todas las horas, minutos y momentos; porque cada día vemos que tu poder se apodera de muchos hombres que están sanos y alegres y les hace morir repentinamente.21
Português
26. Como eu, Senhor Deus, estou cheio de pecado e de desconhecimento, então não é maravilha, Senhor, que tenha pavor de Vós, pelo contrário, convém que eu tenha um imenso pavor pelo qual Vos tema em todos os dias e noites, e horas, instantes e momentos, pois todos os dias vemos que muitos homens que estão sãos e alegres e o Vosso grande poder se apodera deles e os faz morrer subitamente.22
Para Ramon Llull, Deus exerce também a função de juiz supremo, uma vez que detém o poder absoluto de condenar ou salvar os seres humanos, independentemente da vontade destes ou de quaisquer outras circunstâncias. Tal prerrogativa decorre do fato de que, em Deus, vontade e poder estão intrinsecamente unidos, permitindo que Seu querer, graças ao Seu poder, se concretize instantaneamente. Diante disso, o filósofo afirma que qualquer autoridade terrena poderia ser anulada por determinação divina. Assim, todo poder existente no mundo é compreendido como uma decorrência do poder de Deus, podendo igualmente ser revogado a qualquer momento, conforme Sua vontade.23
Os reis, portanto, apenas ocupam seus tronos por permissão divina e, para governarem com justiça, devem dedicar-se à oração, ao louvor e ao culto a Deus, a fim de que sejam guiados por Sua sabedoria. Na perspectiva luliana, aqueles que intentam exercer autoridade sem recorrer ao auxílio divino incorrerão, inevitavelmente, em graves equívocos, dado que sua capacidade de julgamento, discernimento e decisão é insignificante quando comparada à do Criador.
Catalão antigo
17. Ah gloriós Senyor graciós! Si los reis han poder de turmentar los hòmens contra dretura e raó tota hora que∙s vullen, ¿qual és lo desesperat ni∙l néci qui diga que vós no puscats damnar qui∙us vulats, feent dretura? Car molt mills se cové que vós puscats dar pena feent dretura, que los reis feents injúria; e açò és, Sènyer, per ço car poder és pus prop a dretura que a injúria.
18. Car lo poder que∙ls reis han en injuriar los hòmens, de defalliment, Sènyer, los mou, en so que no han acabament de saviea ni de bonea; e∙l poder que vós havets de jutjar per dretura, vos ve, Sènyer, d’acabament de poder, en so que no ha en vós defalliment de bonea ni de saviea.24
Espanhol
17. ¡Ah, glorioso Señor, lleno de gracia! Si los reyes tienen poder para hacer sufrir a los hombres contra justicia y razón siempre que quieran, ¿quién es el desesperado y el necio que diga que Tú no puedes condenar a quien quieras, actuando en justicia? Porque es mucho más proprio que Tú puedas castigar cumpliendo justicia, que los reyes siendo injustos; y esto, Señor, se debe a que tu poder está más próximo a la justicia que a la injusticia.
18. Porque el poder que los reyes tienen para ofender a los hombres, se mueve, Señor, deficientemente, en cuanto no tienen ni sabiduría ni bondad perfectas; en cambio, el poder que Tú tienes para juzgar por derecho, procede, Señor, de la perfección de tu poder en cuanto no hay en Ti deficiencia de bondad ni de sabiduría.25
Português
17. Ah, glorioso Senhor gracioso! Se os reis têm o poder de atormentar os homens contra o Direito e contra a razão a qualquer hora que desejem, quem são o desesperado e o néscio que digam que Vós não podeis danar quem Vós desejais, cumprindo assim o Direito? Pois muito melhor convém que Vós possais proporcionar pena cumprindo o Direito que os reis cometendo injúria. E isso é assim, Senhor, porque o poder é mais próprio ao Direito que à injúria.
18. Isso acontece porque o poder que os reis têm de injuriar os homens, deficientemente, Senhor, os move, pois eles não têm nem a perfeição da sabedoria, nem da bondade, e o poder que Vós haveis de julgar pelo Direito, vos vem, Senhor, da perfeição do poder, pois não há em Vós deficiência nem de bondade, nem de sabedoria.
Assim como o poder constitui uma concessão da graça divina: o exercício da atividade política, segundo Ramon Llull, apenas alcança sua plena eficácia quando o governante se submete inteiramente à vontade e ao auxílio de Deus. Essa submissão implica, entre outras atitudes, o afastamento das vaidades pessoais que frequentemente acompanham as posições de autoridade, a condução do governo segundo os preceitos divinos e a promoção de uma ordem social pautada na justiça e na virtude. Quando, porém, os reis se distanciam das diretrizes daquele que lhes conferiu o poder, tendem a incorrer em decisões equivocadas, injustiças e falhas diversas.
Um exemplo disso se observa quando os soberanos empreendem grandes obras ou promovem iniciativas benéficas com o objetivo de obter prestígio, reconhecimento, amor ou honra por parte de seus súditos – comportamento que representa um desvio da função real, ao utilizar o poder recebido para satisfazer desejos vaidosos e interesses pessoais. Em oposição a essa postura, toda ação divina é fundamentada na verdade e orientada para conduzir a humanidade ao caminho da salvação. Para Llull, portanto, o governante deveria ser, à semelhança de Deus, fundamento da felicidade de seu povo, não um agente de exaltação de si próprio.
Catalão antigo
16. Rei dels reis e Pare dels pares e Senyor dels senyores! Enaixí com les obres que vós fèts són de major veritat que no són negunes altres obres que hom faça, enaixí, Sènyer, les obres que fan los reis vanagloriosos són de major falsetat e viltat que negunes que los altres hòmens facen.26
Espanhol
16. Rey de los reyes y Padre de los padres y Señor de los señores! Así como las obras que Tú haces son de mayor verdad que ninguna otra que haga el hombre, así, Señor, las obras que hacen los reyes vanidosos tienen mayor falsedad y vileza que ninguna de las que hacen los otros hombres.27
Português
16. Rei dos reis, Pai dos pais, Senhor dos senhores! Assim como as obras que Vós fazeis são de maior verdade que quaisquer outras obras que o homem faça, da mesma forma, Senhor, as obras que fazem os reis vangloriosos são de maior falsidade e vileza que quaisquer outra que os outros homens façam.
A origem e a finalidade divina do poder real se manifestam também na noção de que todas as coisas criadas ou concedidas por Deus possuem uma razão de existir. Nesse aspecto, é possível perceber a influência da Teoria das Quatro Causas de Aristóteles (384-322 a.C.) no pensamento de Ramon Llull.28 Para Aristóteles, existem quatro tipos de causas que explicam o que ocorre na natureza:
1) a causa material, que se refere ao que algo seja feito;
2) a causa formal, que diz respeito à essência ou ao modelo do ser;
3) a causa eficiente, isto é, o princípio que gera a mudança ou o repouso, e
4) a causa final, que está relacionada à razão pela qual algo existe, o fim ou propósito para o qual algo é feito.
Aristóteles, ao analisar essas causas, destaca que a causa final está ligada ao propósito de uma ação, como no caso do exercício físico, que só se justifica pela finalidade de alcançar saúde e bem-estar.29
Assim, o ato de exercitar-se só adquire significado em função do objetivo que se almeja. Para Llull, sendo Deus o criador de tudo, ele atribui uma finalidade intrínseca a cada criação, de modo que nada poderia ser criado sem uma razão de ser. Embora a ideia de que Deus não possa criar algo sem um propósito pareça estranha, Llull considera isso fundamental, pois uma criação sem finalidade seria, para ele, uma obra imperfeita e incompleta, algo incompatível com a perfeição do Criador.
Catalão antigo
2. L’excellent poder divinal molt se demostra de gran vertut e de gran noblea, Sènyer, car ell pot crear o fer totes coses, pus que ocasió n’aja. E si tot lo vostre poder no poria crear ni fer nulla cosa sens ocasió, ço és raó, per tot açò no és menys poder en vós; enans si vós menys de raó podíets res fer, seguir-se-n’ia que seríets defallent en poder, en ço que poríets errar.30
Espanhol
2. El excelente poder divino se muestra de muy gran virtud y de gran nobleza, Señor, porque puede crear o hacer todas las cosas, mientras haya razón para ello. Y si no puede crear ni hacer nada sin causa o razón, no por ello hay menos poder en Ti, antes bien, si Tú pudieses hacer algo sin razón, se desprendería que serías defectuoso en cuanto al poder, porque podrías errar.31
Português
2. O excelente poder divino muito se demonstra de grande virtude e de grande nobreza, Senhor, pois ele pode criar ou fazer todas as coisas, desde que haja ocasião para isso. Pois se todo o Vosso poder não pudesse criar nem fazer qualquer coisa sem ocasião para isso, isto é, a razão, nem por isso haveria menos poder em Vós, pelo contrário, se Vós pudésseis fazer algo sem razão, seguir-se-ia que seríeis deficiente em Vosso poder, já que poderíeis errar.
Dessa forma, Deus só intervém em Sua criação quando reconhece uma razão para tal – ou seja, o que não é logicamente impossível. Assim, tudo o que existe na natureza – seja nos animais, nos seres humanos, nas montanhas, nas árvores ou em qualquer outro ser deste mundo – possui uma razão de ser. Da mesma maneira, o poder dos reis, que somente existe por permissão, instituição e vontade divina, também deve possuir um objetivo e uma finalidade intrínseca; uma causa final que justifique a atribuição de autoridade a determinadas pessoas. Esse propósito, segundo Llull, consiste em liderar pelo exemplo e pelas virtudes, a fim de guiar o povo em direção à salvação da alma.
O poder dos reis, assim, tem sua origem em Deus. Por essa razão, embora os monarcas sejam senhores deste mundo e governem sobre seus súditos, eles são, acima de tudo, servos de Deus, que é o verdadeiro Senhor de todas as coisas. Para Llull, essa autoridade real se fundamenta em várias justificativas, destacando-se especialmente seis delas. Em primeiro lugar, como Deus não tem início nem fim, a duração do Seu Reino excede qualquer experiência política terrena, e Seu domínio é superior a qualquer império já estabelecido.
Em segundo lugar, Deus é a origem e o exemplo máximo das virtudes, sendo a fonte infinita de bondade, superando de maneira incomparável até os reis mais virtuosos que governaram na Terra. Em terceiro lugar, o poder divino abrange todos os seres vivos, estendendo-se, inclusive, àqueles que nunca chegaram a existir, enquanto o alcance do poder humano se limita às questões terrenas.
Catalão antigo
2. Com a vós, Sènyer, sia pròpia cosa infinitat e eternitat, e a nosaltres sia pròpia cosa finitat e començament, molt és covinent cosa que les coses havents començament e fi, que sien serves e sotsmeses a la cosa infinida, eternal, sens null falliment.
3. On, beneyta sia, Sènyer, la vostra gran vertut e la vostra gran bonea; car per granea de vertuts e per granea de noblea se cové que vós siats senyor de totes aquelles coses qui no són semblants ab vós en vertuts ni en bonea.32
Espanhol
2. Como a Ti, Señor, te sea algo proprio la infinitud y la eternidad, y a nosotros nos sea proprio lo finito y lo comenzado, es muy oportuno que lo que tiene principio y fin sea siervo y se someta a lo infinito, a lo eterno, sin ningún fallo.
3. Benditas sean, Señor, tu gran virtud y tu gran bondad, porque por grandeza de virtudes y por grandeza de dignidad conviene que Tú seas señor de todas las cosas que no tienen semejanza contigo en virtudes ni en bondad.33
Português
2. Como a Vós, Senhor, sejam próprias coisas a infinidade e a eternidade, e a nós sejam próprias coisas a finitude e o princípio, é coisa muito conveniente que as coisas que têm princípio e fim sejam servas e submetidas à coisa infinita e eterna, sem qualquer falha.
3. Assim, benditas sejam, Senhor, a Vossa grande virtude e a Vossa grande bondade, pois pela grandeza de virtudes e pela grandeza de nobreza convém que Vós sejais senhor de todas aquelas coisas que não são semelhantes Convosco em virtudes nem em bondade.34
A quarta razão decorre do fato de que Deus é a origem de toda sabedoria e conhecimento, de modo que nada no universo lhe escapa ou é desconhecido, ao contrário dos governantes, que muitas vezes carecem de uma visão completa do que ocorre em seus reinos. A quinta razão refere-se à justiça e retidão perfeitas de Deus, que asseguram que todos os Seus atos são sempre bons e corretos, enquanto os reis, por sua vez, frequentemente cometem injustiças e erros.
Deus é também infinitamente misericordioso e piedoso, ao passo que os monarcas, em muitas situações, se tornam cruéis na defesa de seus próprios interesses e da manutenção de seu poder. Assim, para governar de maneira justa e adequada, os reis devem se submeter ao senhorio de Deus, pois, diante de Sua grandeza, é inconcebível que se considerem algo além de servos d'Ele.
Catalão antigo
5. Humil Senyor, com en vós sia tot saber e tota saviea, enaixí que nulla cosa no es amagada al vostre saber e nulla cosa enfora vós no haja tot saber ni tota saviea, digna cosa és que vós siats senyor sobre totes senyories, e que totes coses sien sotsmeses a la vostra honrada senyoria.
6. Ah Senyor graciós, benigne! Com tota dretura e tota justícia sia en vós, e nulla cosa no sia ab tanta de dretura ni de justícia com vós, raó requer e demostra que vós sóts pus digne a ésser senyor que nulla altra cosa, car senyoria no pertany a la cosa on defall justícia ni dretura.
(...)
16. Ah Senyor savi, perdurable! Meravellosament se demostra e∙s significa que vós devets ésser senyor e nosaltres devem ésser serfs, car en totes maneres e per totes raons se demostra que vós devets ésser senyor e nosaltres vasalls e serfs e sotsmeses de la vostra auta senyoria.35
Espanhol
5. ¡Humilde señor! Como en Ti se da todo poder y sabiduría, de modo que no hay nada oculto a tu saber y no hay nada excepto Tú que tenga poder y sabiduría total, es algo digno que Tú seas señor sobre todas las señorías y que todas las cosas sean sometidas a tu honorable señoría.
6. ¡Ah Señor lleno de gracia, benigno! Como toda rectitud y justicia está en Ti y en nada hay tanta rectitud y justicia como en Ti, la razón requiere y demuestra que Tú eres más digno de ser el señor que ninguna otra cosa; porque la señoría no corresponde a la cosa en que faltan la justicia y la rectitud.
(…)
16. ¡Ah Señor sabio, eterno, excelente. Maravillosamente se demuestra y se significa que Tú debes ser señor y nosotros debemos ser siervos, porque de todas maneras y por todas las razones se demuestra que Tú debes ser señor y nosotros vasallos y siervos y sometidos a tu alta señoría.36
Português
5. Humilde Senhor, como em Vós se encontra todo o saber e toda a sabedoria, de modo que nenhuma coisa é ocultada do Vosso saber e nenhuma coisa exceto Vós tenha todo o saber e toda a sabedoria, digna coisa é que Vós sejais senhor acima de todas as senhorias, e que todas as coisas sejam submetidas à Vossa honrada senhoria.
6. Ah, Senhor gracioso, benigno! Como todo direito e toda a justiça estejam em Vós, e nenhuma coisa haja tanto direito e tanta justiça como em Vós, a razão requer e demonstra que Vós sois mais digno de ser senhor que qualquer outra coisa, pois a senhoria não pertence à coisa onde falta a justiça e o direito.
(...)
16. Ah, Senhor sábio, perdurável! Maravilhosamente se demonstra e se significa que Vós deveis ser senhor e nós devemos ser servos, pois de todas as maneiras e por todas as razões se demonstra que Vós deveis ser senhor e nós vassalos, servos e submetidos pela Vossa elevada senhoria.
Embora revestidos de uma responsabilidade honrosa e uma missão nobre, os reis devem, em última análise, agir como servos de Deus, tal como qualquer outro ser humano, reconhecendo sua pequenez diante do Senhor. Todo poder terrenal, por mais grandioso que seja, está restrito ao tempo e ao curso natural da vida, que inevitavelmente conduz à morte. Mesmo os senhores mais poderosos e reverenciados em sua época estão destinados ao esquecimento histórico ou, no mínimo, à perda das glórias que desfrutaram enquanto vivos. Assim, como o poder para Llull é uma concessão divina, sua finalidade deve alinhar-se aos propósitos de Deus para o homem, ou seja, promover a construção de uma vida virtuosa e digna, com o objetivo de alcançar a salvação da alma e a eternidade.
Por fim, Ramon Llull considera que o comportamento dos monarcas e o exercício de seu governo influem diretamente no modo como os súditos vivem o cotidiano e, também, sua espiritualidade. Portanto, mais do que apenas bem exercer as atribuições políticas, é preciso que os reis também governem seu corpo a partir do aprimoramento de sua alma.
Nesse sentido, Llull apresenta uma analogia entre o governo divino e o governo da alma sobre o corpo, partindo da ideia de que a autoridade verdadeira se fundamenta na nobreza, na razão e no direito. Assim como Deus, por ser infinitamente mais nobre que suas criaturas, deve ser reconhecido como Rei e Senhor, também a alma – por sua natureza superior e racional – deveria governar sobre o corpo.
Catalão
27. Mas enaixí, Sènyer, com catiu turmentat e treballat fuig a mal senyor, enaixí jo fuig a tots mos mals senyors, e tots los menys creu e tots los neg e tots los leix, e de tots me desisc e recorrec a ésser serf e sotsmès e cautiu de la vostra honrada senyoria, la qual null temps no malmena negun son leial servidor.
28. Com raó e dretura demostren que vós, sènyer Déus, dejats ésser nostre rei e nostre senyor per raó de la gran noblea que havets sobre tots nosaltres, raó seria que la mia ànima, qui és de mellor natura que·l cors, que fos dona del cors. On, com ella no ho sia, precvos, Sènyer, que vós la’m façats dona.37
Espanhol
27. Pero así, Señor, como l cautivo atormentado y agotado huye del mal señor, así yo huyo de todos mis malos señores, y a todos los desprecio, los niego, los dejo y de todos me separo, y recurro a ser siervo, súbdito y cautivo de tu honrada señoría, la cual nunca maltrata a ningún leal servidor.
28. Como razón y derecho demuestran que Tú, Señor Dios, debes ser nuestro rey y nuestro señor en razón de la gran nobleza que tienes sobre todos nosotros, sería razonable que mi alma, que es de mejor naturaleza que el cuerpo, fuese señora del cuerpo. Pero, como no lo es, te ruego, Señor, que Tú me hagas su dueña.38
Português
27. Mas assim, Senhor, como o cativo atormentado e sofrido foge do mau senhor, da mesma forma eu fujo de todos meus maus senhores, e todos desacredito, a todos nego, todos abandono, de todos desisto e recorro a ser servo, submetido e cativo de Vossa honrada senhoria, a qual nunca maltrata nenhum leal servidor Vosso.
28. Como a razão e a justiça demonstram que Vós, Senhor Deus, deveis ser nosso rei e nosso senhor em razão da grande nobreza que haveis sobre todos nós, razão seria que minha alma, que é de melhor natureza que o corpo, fosse dona do corpo. Mas como ela não o é, rogo-Vos, Senhor, que Vós a façais dona.
Llull usa essa estrutura hierárquica para apontar que o justo governo está atrelado à superioridade moral e espiritual. Essa perspectiva ética oferece um paralelo direto com a necessidade de que os reis terrenos sejam virtuosos, justos e morais: assim como a alma deve guiar o corpo com sabedoria, o rei deve conduzir seu povo segundo princípios elevados, refletindo a ordem divina no mundo social e político. Contudo, ao reconhecer que a alma nem sempre é senhora do corpo, Llull revela a fragilidade da condição humana e a tendência da desordem quando a razão não governa.
Da mesma forma, um rei que não se orienta pela virtude – e que se deixa dominar por paixões ou interesses menores – compromete a harmonia de seu reino e desvirtua seus súditos. A súplica de Llull para que Deus faça a alma “dona do corpo” não é apenas um rogo individual, mas ecoa a consciência de que todo governo justo exige assistência divina para resistir às inclinações desordenadas.
Assim, a filosofia luliana oferece uma crítica moral que ultrapassa a interioridade e alcança o campo político: o bom governo – da alma sobre o corpo ou do rei sobre seu povo – depende da adesão à justiça, à sabedoria e ao amor, virtudes eternas que devem inspirar tanto a vida espiritual quanto a liderança pública.
Catalão
29. Car si la mia ànima, Sènyer, és dona del cors, jo seré estort a totes males senyories e a tots mals senyors, e no seré serf ni sotsmès de null altre senyor sinó de vós.39
Espanhol
29. Porque si mi alma, Señor, es señora del cuerpo, yo quedaré libre de todos los malos poderes y de todos los malos dueños; y no seré siervo ni súbdito de ningún otro señor sino sólo de Ti.40
Português
29. Isso porque se minha alma, Senhor, é dona do corpo, eu serei livre de todos os maus senhorios e de todos os maus senhores, e não serei servo nem submetido de nenhum outro senhor, a não ser de Vós.
Llull aponta para a libertação interior como um processo de unificação da vontade humana com a vontade divina. Quando a alma governa o corpo, ela o faz não apenas por mérito natural, mas porque se submete, por livre escolha, ao governo supremo de Deus. Essa subordinação não anula a liberdade, mas a realiza em sua plenitude: trata-se de uma liberdade orientada, que rejeita todo tipo de dominação indevida, não por rebeldia, mas porque se ancora em um princípio mais elevado. Llull sugere que há uma hierarquia legítima que só se estabelece quando a alma assume seu papel de guia, por conformidade com a verdade. Nesse sentido, a verdadeira soberania da alma só acontece quando ela mesma reconhece seu lugar diante do Criador.
Llull critica, ainda que de forma indireta, todas as formas de poder que se interpõem entre o homem e Deus. Aqui emerge uma dimensão fortemente ética e quase profética da filosofia luliana: o ser humano que se ordena internamente torna-se inatingível pelas estruturas de poder que operam fora dos parâmetros do bem. Essa crítica não se limita ao campo espiritual, pois também pode ser lida como um alerta aos governantes que pretendem exercer domínio absoluto sobre os corpos e consciências de seus súditos. Quando a alma está ancorada em Deus, nenhum poder injusto consegue exercer controle legítimo sobre ela, o que representa uma forma radical de resistência moral diante da tirania.
Além disso, essa concepção de liberdade enraizada na ordem da alma revela um traço profundamente antropológico no pensamento de Llull. O ser humano é chamado a participar da ordem divina não apenas pela fé, mas por meio da configuração de sua própria estrutura interior. A libertação, portanto, não é um evento externo, mas uma conquista gradual da alma que, ao assumir o governo do corpo, espelha a harmonia que existe entre Deus e sua criação. Ramon Llull nos oferece, assim, uma visão de liberdade que remete à integração plena com o bem absoluto, e não tanto com a lógica de autonomia individual. Essa liberdade interior, quando assumida por governantes, os transforma em líderes que inspiram seu povo; que não oprimem, mas conduzem, tornando-se canais vivos da justiça divina no mundo.
Conclusão
A reflexão filosófica de Ramon Llull sobre o poder e a autoridade deve ser compreendida no contexto histórico da Europa Mediterrânea medieval, marcada por um cenário de intensa religiosidade e disputas políticas, onde a relação entre Igreja e Estado estava em constante construção.41 No período medieval, os monarcas frequentemente buscavam legitimar sua autoridade através da conexão com o divino42, aspecto que Llull articula com maestria ao afirmar que o poder dos reis é, na verdade, uma concessão de Deus.
A obra de Llull, escrita em um período de grande agitação política e religiosa, reflete a necessidade de integrar as funções temporais e espirituais, alinhando a autoridade dos governantes à vontade divina. Essa ideia tinha ressonâncias profundas na Europa medieval, onde o poder papal e monárquico frequentemente se entrelaçavam, buscando uma justificativa comum para a governança terrena. Além disso, a noção de que toda criação possui uma razão de ser, conforme exposta por Llull, ressoa com a doutrina da Igreja Católica medieval, que via a ordem divina como central para a estruturação do mundo e das relações de poder.43 A Europa medieval, especialmente na área do Mediterrâneo, foi marcada pela expansão da Igreja Católica e pela construção de impérios que, muitas vezes, se viam como representantes de uma missão divina.
A ideia de que os reis devem se submeter à autoridade de Deus, guiando seus súditos com virtude e justiça, reflete as tensões vividas entre as monarquias e a Igreja, que frequentemente disputavam a supremacia sobre questões religiosas e políticas. Essa concepção de poder, que sublinha a subordinação dos governantes ao plano divino, não apenas ajudava a legitimar o reinado, mas também oferecia uma base para resistir aos excessos de poder secular.44
A obra de Llull emerge como uma tentativa de conciliar a autoridade temporal e espiritual em um período de grandes transformações na Europa medieval, onde as questões de governança estavam inextricavelmente ligadas à religião. Sua perspectiva, que vê o poder dos reis como uma concessão divina e com uma finalidade voltada para o bem espiritual da sociedade, se alinha ao pensamento cristão da época, que buscava justificar a ordem social e política à luz da fé. Essa visão não só reflete os debates filosóficos e teológicos do período, mas também oferece uma crítica velada às práticas políticas dos governantes medievais, sugerindo que a verdadeira autoridade é aquela que se submete aos desígnios de Deus, voltada para a salvação da alma e a construção de uma sociedade virtuosa e justa.45
***
Fontes
ARISTÓTELES. Física. Vol. II (prefácio, introdução, tradução e comentários: Lucas Angioni). Campinas: Editora da Unicamp, 2009.
JAIME I. Livro dos Feitos (apres., trad. e notas de Luciano José Vianna e Ricardo da Costa). São Paulo. Editora: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2010.
RAIMUNDO LÚLIO. Félix ou O Livro das Maravilhas. Parte I (apres., trad. e notas: Ricardo da Costa). Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal - 95. São Paulo: Editora Escala, 2009.
RAIMUNDUS LULLUS. Corpus Christianorum Continuatio Mediaevalis. Opera latina XXIV. Arbor Scientiae. Pars I, II, III, vols. 180A, 180B, 180C (ed.: Pere Villalba i Varneda). Belgium: Brepols 2001.
RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II. Barcelona: Editorial Selecta, 1960, pp. 97-1269.
RAMON LLULL. Doutrina para crianças (c. 1274-1276) (trad.: Ricardo da Costa e Grupo de Pesquisas Medievais da UFES III [Felipe Dias de Souza, Revson Ost e Tatyana Nunes Lemos]). Alicant: e-Editorial IVITRA, 2010.
RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomos I-III (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera). Madrid: Palas Atenea, 2018-2020.
Bibliografia citada
ARQUILLIÈRE, Henri-Xavier. El agustinismo político. Ensayo sobre la formación de las teorías políticas en la Edad Media. Granada: Universidad de Granada y Universidad de València, 2005.
ASBRIDGE, Thomas. The Crusades: The Authoritative History of the War for the Holy Land. New York: Harper Collins, 2010.
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo na época de Filipe II. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.
BUTIÑÁ, Julia. “El Libre de les bèsties de Llull y el comportamiento político”. In: ROCHE ARNAS, Pedro (coord.). El pensamiento político en la Edad Media. Madrid: Fundación Ramón Areces, 2010, p. 321-332.
BUTIÑÁ, Julia. “La primera traducción del Libro de Contemplación en Dios”. In: Revista de Lenguas y Literaturas Catalana, Gallega y Vasca 25 (Número en homenaje al prof. Manuel Rodríguez Alonso), 2020, p. 327-330.
CARDONA RAMÍREZ, Hernán. “El temor de Dios en el siglo XXI: Algunos rostros vigentes en la Biblia”. In: Cuestiones Teológicas, vol. 40, no. 94 (julio - diciembre, 2013), pp. 133-166.
COSTA, Ricardo da. A Árvore Imperial. Um Espelho de Príncipes na obra de Ramon Llull (1232-1316). Niterói (RJ): Universidade Federal Fluminense (UFF), tese de doutorado, 2000.
COSTA, Ricardo da. “O pensamento político no final do século XIII. A imagem do Príncipe Tirano na Árvore Imperial, de Ramon Llull”. In: Dimensões 11 - Revista de História da Ufes. Vitória: Ufes, 2000, p. 349-364.
COSTA, Ricardo da. “Maiorca e Aragão no tempo de Ramon Llull (1250-1300)”. In: Mirabilia 1 (2001), p. 163-172.
COSTA, Ricardo da. Ramon Llull, la cruzada y las órdenes militares de caballería (conferência proferida no Seminário Cristianisme i l'Islam - el cas de Tortosa i Tartous a la Mediterrània, evento organizado pela Facultat de Ciències Jurídiques i Polítiques da Universitat Internacional de Catalunya (UIC), Barcelona, no dia 03 de outubro de 2005).
COSTA, Ricardo da. “A Eternidade de Deus na filosofia de Ramon Llull (1232-1316)”. In: Mundos medievales: Espacios, Sociedades y Poder. Homenaje al Profesor José Ángel García de Cortázar. Santander: PUbliCan, Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2012, tomo II, p. 1215-1227.
COSTA, Ricardo da. “A tradução literária, imersão no tempo e no espaço. A Literatura de Ramon Llull (1232-1316)”. In: Revista SOLETRAS 51 (2025): Perspectivas históricas nos estudos linguístico-gramaticais, pp. 416-441.
DODDS, Michael R. Ramon Llull and the Christian Church: A Study of His Thought. Oxford University Press, 2006.
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “AD LIBRVM DE ACQVISITIONE TERRAE SANCTAE. PROLEGOMENA”. In: Corpus Christianorum Continuatio Mediaevalis 266. RAIMVNDI LVLLI OPERA LATINA 142-153. ANNO 1309 COMPOSITA (editit: Fernando Domínguez Reboiras). Turnhout: Brepols Publishers, 2017, p. 159-201.
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “Soy de libros trovador”. Catálogo y guía a las obras de Raimundo Lulio. Madrid: Editorial Sinderésis, 2018.
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “Existo, luego pienso. El Libro de contemplación en Dios, de Ramon Llull”. In: Revista de Lenguas y Literaturas Catalana, Gallega y Vasca 25 (Número en homenaje al prof. Manuel Rodríguez Alonso), 2020, p. 315-326.
HILLGARTH, J. N. Ramon Lull and Lullism in Fourteenth-Century France. Oxford: Clarendon Press, 1971.
KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei. Um estudo sobre teologia política medieval, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
LE GOFF, Jacques. El Dios de la Edad Media. Madrid: Editorial Trotta, 2004.
MEINVIELLE, Julio. Concepción Católica de la Política. Buenos Aires: Cursos de Cultura Católica, 1941.
ROMANO, Marta M. M.; DE LA CRUZ, Óscar. “The human realm”. In: FIDORA, Alexander, and RUBIO, Josep E. (eds.). RAIMUNDUS LULLUS. An Introduction to his Life, Works and Thought. Turnhout: Brepols, 2008, p. 363-459.
RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. El sueño de Ulises. El Mediterráneo, de la guerra de Troya a las pateras. Barcelona: Taurus, 2022.
RUIZ SIMON, Josep M. L’Art de Ramon Llull I la teoria escolàstica de la Ciencia. Barcelona: Quaderns Crema, 1999.
RUNCIMAN, Steven. Historia de las Cruzadas. 1. La Primera Cruzada y la Fundación del Reino de Jerusalén. Madrid: Alianza Universidad, 1983.
VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316. Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2015
WICKHAM, Chris. El Asno y la Nave. La economía mediterránea de 950 al 1180. Barcelona: Editorial Crítica, 2025.
Notas
- 1. Obra pioneira e clássica sobre o tema e sua relação com o pensamento de Llull é HILLGARTH, J. N. Ramon Lull and Lullism in Fourteenth-Century France. Oxford: Clarendon Press, 1971.
- 2. Uma das melhores contextualizações históricas é: VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316. Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2015 (pp. 17-46).
- 3. RAIMUNDUS LULLUS. Corpus Christianorum Continuatio Mediaevalis. Opera latina XXIV. Arbor Scientiae. Pars I, II, III, vols. 180A, 180B, 180C (ed.: Pere Villalba i Varneda). Belgium: Brepols 2001.
Para a datação das obras lulianas, adotamos as datas propostas por Fernando Domínguez Reboiras, em DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “Soy de libros trovador”. Catálogo y guía a las obras de Raimundo Lulio. Madrid: Editorial Sinderésis, 2018. - 4. “O espelho de príncipe foi um gênero literário que surgiu na Alta Idade Média carolíngia. Caracterizava-se por ser escrito por clérigos e dirigido especificamente aos reis para que estes se recordassem das virtudes necessárias à sua função (officium) ou ao seu ministério (ministerium).” – COSTA, Ricardo da. A Árvore Imperial. Um Espelho de Príncipes na obra de Ramon Llull (1232-1316). Niterói (RJ): Universidade Federal Fluminense (UFF), tese de doutorado, 2000, p. 95.
- 5. COSTA, Ricardo da. A Árvore Imperial. Um Espelho de Príncipes na obra de Ramon Llull (1232-1316), op. cit.; COSTA, Ricardo da. “O pensamento político no final do século XIII. A imagem do Príncipe Tirano na Árvore Imperial, de Ramon Llull”. In: Dimensões 11 - Revista de História da Ufes. Vitória: Ufes, 2000, p. 349-364.
- 6. Só posteriormente Llull faria uma crítica mais contundente ao poder, mas não diretamente à realeza, e sim aos curiais que circundavam o poder – e de modo indireto, com uma analogia com o mundo animal – no Livro das Bestas (sétimo livro do Livro das Maravilhas [1288-1289]). Ver RAIMUNDO LÚLIO. Félix ou O Livro das Maravilhas. Parte I (apres., trad. e notas: Ricardo da Costa). Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal - 95. São Paulo: Editora Escala, 2009, p. 181-235; BUTIÑÁ, Julia. “El Libre de les bèsties de Llull y el comportamiento político”. In: ROCHE ARNAS, Pedro (coord.). El pensamiento político en la Edad Media. Madrid: Fundación Ramón Areces, 2010, p. 321-332.
- 7. ASBRIDGE, Thomas. The Crusades: The Authoritative History of the War for the Holy Land. New York: Harper Collins, 2010; RUNCIMAN, Steven. Historia de las Cruzadas. 1. La Primera Cruzada y la Fundación del Reino de Jerusalén. Madrid: Alianza Universidad, 1983.
- 8. DODDS, Michael R. Ramon Llull and the Christian Church: A Study of His Thought. Oxford University Press, 2006; DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “AD LIBRVM DE ACQVISITIONE TERRAE SANCTAE. PROLEGOMENA”. In: Corpus Christianorum Continuatio Mediaevalis 266. RAIMVNDI LVLLI OPERA LATINA 142-153. ANNO 1309 COMPOSITA (editit: Fernando Domínguez Reboiras). Turnhout: Brepols Publishers, 2017, p. 159-201; COSTA, Ricardo da. Ramon Llull, la cruzada y las órdenes militares de caballería (conferência proferida no Seminário Cristianisme i l'Islam - el cas de Tortosa i Tartous a la Mediterrània, evento organizado pela Facultat de Ciències Jurídiques i Polítiques da Universitat Internacional de Catalunya (UIC), Barcelona, no dia 03 de outubro de 2005).
- 9. Desde pelo menos o período carolíngio era essa a expectativa em relação ao poder régio: “Vivir virtuosamente según la ley de Dios y comportarse justamente según la ley del siglo, es decir, según las leyes particulares de cada grupo étnico: ambas cosas formaban evidentemente una sola, puesto que ambas estaban dominadas por la idea primordial de la salvación, y porque el desarrollo de aquel programa general no era otra cosa que una exposición del dogma y de la moral católicos. El bien público se confundía con la práctica de las virtudes cristianas.” – ARQUILLIÈRE, Henri-Xavier. El agustinismo político. Ensayo sobre la formación de las teorías políticas en la Edad Media. Granada: Universidad de Granada y Universidad de València, 2005, p. 143-144.
- 10. COSTA, Ricardo da. “Maiorca e Aragão no tempo de Ramon Llull (1250-1300)”. In: Mirabilia 1 (2001), p. 163-172.
- 11. Para este artigo, foram utilizadas duas edições da obra, a primeira, do texto em catalão antigo, e a segunda, a primeira tradução completa para o espanhol do Livro da Contemplação: 1) RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II. Barcelona: Editorial Selecta, 1960, pp. 97-1269, e 2) RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomos I-III (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera). Madrid: Palas Atenea, 2018-2020.
- 12. “…esa contemplación, aparentemente ajena a las inmediatas necesidades en nuestro quehacer primario existencial y difícil de realizar en nuestras ocupaciones cotidianas, esa contemplación, dice Raimundo, es un placer, el delicioso «placer intelectual de entender», porque el entendimiento es «la mejor criatura que Dios quiso crear». En este ‘placer’ está el meollo y quintaesencia del sistema luliano y en esa profunda y alegre convicción tiene sus raíces aquel increíble optimismo y la razón última de su imparable actividad (…) Pero no olvidemos lo que el mismo título nos dice: Esa contemplación se hace «en Dios». Aunque la introspección o mirada interior comienza por la simple consideración de lo que nos rodea, esa propia personal realidad humana se ha de percibir como espejo de otra realidad superior que la sostiene y le da su razón de ser: Dios.” – DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “Existo, luego pienso. El Libro de contemplación en Dios, de Ramon Llull”. In: Revista de Lenguas y Literaturas Catalana, Gallega y Vasca 25 (Número en homenaje al prof. Manuel Rodríguez Alonso), 2020, p. 315-326.
- 13. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II. Barcelona: Editorial Selecta, 1960, p. 130.
- 14. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera). Madrid: Palas Atenea, 2018, p. 87.
- 15. Além do texto original, escrito em Catalão antigo (edição das Obres Essencials), decidimos colocar as propostas de tradução para o Espanhol (edição da Palas Atenea) e nossa própria tradução para o Português. Assim, o leitor poderá apreciar as nuances textuais – e, principalmente, as dificuldades para transpor um texto medieval para a contemporaneidade – além das distintas decisões tomadas pelos tradutores para passagens mais obscuras (ou mesmo opções mais “simples”, como o tratamento pronominal do filósofo ao se dirigir a Deus). Para o tema, ver COSTA, Ricardo da. “A tradução literária, imersão no tempo e no espaço. A Literatura de Ramon Llull (1232-1316)”. In: Revista SOLETRAS 51 (2025): Perspectivas históricas nos estudos linguístico-gramaticais, pp. 416-441.
Por sua vez, para as opções tomadas pela equipe dirigida pela Profa. Dra. Júlia Butiñá para a primeira tradução do Livro da Contemplação para o espanhol, ver BUTIÑÁ, Julia. “La primera traducción del Libro de Contemplación en Dios”. In: Revista de Lenguas y Literaturas Catalana, Gallega y Vasca 25 (Número en homenaje al prof. Manuel Rodríguez Alonso), 2020, p. 327-330. - 16. RAMON LLULL. Doutrina para crianças (c. 1274-1276) (trad.: Ricardo da Costa e Grupo de Pesquisas Medievais da UFES III [(Felipe Dias de Souza, Revson Ost e Tatyana Nunes Lemos). Alicant: e-Editorial IVITRA, 2010.
- 17. “A morte corporal é a separação do corpo e da alma e a morte espiritual acontece na alma que se distancia de Deus. Por isso, filho, existem duas mortes. Assim, a morte corporal aproxima a alma virtuosa de Deus, que vai para o Paraíso quando o corpo morre. E a morte espiritual que existe na alma pecadora aprisiona o corpo para suportar o eterno fogo infernal, e o submete a infinitos trabalhos (...) Filho, onde estão tantos imperadores, reis, condes, barões e prelados que passaram desta vida? E onde está Alexandre, que foi senhor de todo o mundo? E quem fala deles, quem se ocupa de honrá-los? E vejas, filho, como são honrados, celebrados, relembrados e pregados os apóstolos e os outros mártires que estão mortos pelo amor a Deus.” – RAMON LLULL. Doutrina para crianças (c. 1274-1276) (trad.: Ricardo da Costa e Grupo de Pesquisas Medievais da UFES III [(Felipe Dias de Souza, Revson Ost e Tatyana Nunes Lemos). Alicant: e-Editorial IVITRA, 2010, cap. LXXXVIII (Da Morte Corporal), 1 e 11, p. 76.
- 18. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 130.
- 19. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 87.
- 20. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 137-138.
- 21. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 101.
- 22. Na teologia católica hodierna, o temor a Deus foi abrandado em relação à teologia medieval. Ver CARDONA RAMÍREZ, Hernán. “El temor de Dios en el siglo XXI: Algunos rostros vigentes en la Biblia”. In: Cuestiones Teológicas, vol. 40, no. 94 (julio - diciembre, 2013), pp. 133-166. Em Llull, parece haver uma intenção mais veterotestamentária ou, na interpretação dicotômica de Jacques Le Goff, mais próximo da postura alto-medieval (mais para o Pantocrator românico do que para o Cristo gótico. Ver LE GOFF, Jacques. El Dios de la Edad Media. Madrid: Editorial Trotta, 2004.
- 23. ROMANO, Marta M. M.; DE LA CRUZ, Óscar. “The human realm”. In: FIDORA, Alexander, and RUBIO, Josep E. (eds.). RAIMUNDUS LULLUS. An Introduction to his Life, Works and Thought. Turnhout: Brepols, 2008, p. 417-421.
- 24. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 137.
- 25. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 100-101.
- 26. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 151.
- 27. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 129.
- 28. Para as relações entre a filosofia de Llull e a de Aristóteles, ver RUIZ SIMON, Josep M. L’Art de Ramon Llull I la teoria escolàstica de la Ciencia. Barcelona: Quaderns Crema, 1999.
- 29. “Assim, de um modo, denomina-se ‘causa’ o item imanente de que algo provém, por exemplo, o bronze da estátua e a prata da taça, bem como os gêneros dessas coisas; de outro modo, denomina-se ‘causa’ a forma e o modelo, e isso é a definição do ‘aquilo que o ser é’ e seus gêneros (por exemplo: da oitava, o ‘dois para um’ e, em geral, a relação numérica), bem como as partes contidas na definição. Além disso, denomina-se ‘causa’ aquilo de onde provém o começo primeiro da mudança ou do repouso, por exemplo, é causa aquele que deliberou, assim como o pai é causa da criança e, em geral, o produtor é causa do produzido e aquilo que efetua a mudança é causa daquilo que se muda. Além disso, denomina-se ‘causa’ como o fim, ou seja, aquilo em vista de quê, por exemplo, do caminhar, a saúde; de fato, por que caminha? Dizemos ‘a fim de que tenha saúde’ e, assim dizendo, julgamos ter dado a causa. Também se denomina ‘causa’, tudo que – uma outra coisa tendo iniciado o movimento – vem a ser intermediário para o fim, por exemplo, da saúde, o emagrecimento, a purgação, as drogas ou os instrumentos; todos esses itens são em vista do fim, mas diferem entre si porque uns são operações, outros são instrumentos.” – ARISTÓTELES. Física. Vol. II (prefácio, introdução, tradução e comentários: Lucas Angioni). Campinas: Editora da Unicamp, 2009, 194b23, p. 48.
- 30. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 138.
- 31. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 102.
- 32. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 240.
- 33. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 309.
- 34. Para o tema, ver COSTA, Ricardo da. “A Eternidade de Deus na filosofia de Ramon Llull (1232-1316)”. In: Mundos medievales: Espacios, Sociedades y Poder. Homenaje al Profesor José Ángel García de Cortázar. Santander: PUbliCan, Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2012, tomo II, p. 1215-1227.
- 35. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 241.
- 36. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 309 e 310.
- 37. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 242.
- 38. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 312.
- 39. RAMON LLULL. “Libre de contemplació”. In: Obres Essencials (OE). Volum II, op. cit., p. 242.
- 40. RAMON LLULL. Libro de Contemplación en Dios. Tomo I (eds.: Julia Butiñá, Matilde Conde, Carmen Teresa Pabón, Maria Lluïsa Ordóñez y José Higuera), op. cit., p. 312.
- 41. Desde o clássico de Braudel (BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo na época de Filipe II. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995), o Mediterrâneo tem sido tema de diversas obras históricas. As mais recentes são: RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. El sueño de Ulises. El Mediterráneo, de la guerra de Troya a las pateras. Barcelona: Taurus, 2022, e WICKHAM, Chris. El Asno y la Nave. La economía mediterránea de 950 al 1180. Barcelona: Editorial Crítica, 2025.
- 42. O trabalho clássico sobre o tema é KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei. Um estudo sobre teologia política medieval, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
- 43. Uma boa análise dessa visão ortodoxa do Catolicismo (de raiz aristotélico-tomista) é a de MEINVIELLE, Julio. Concepción Católica de la Política. Buenos Aires: Cursos de Cultura Católica, 1941.
- 44. O próprio rei Jaime I (1208-1276) afirma expressamente essa submissão: “1. [1r]. Conta meu senhor São Jaime que a fé sem obras está morta.[44] Nosso Senhor quis cumprir essa palavra em nossos feitos. E embora sem obras a fé não valha nada, quando ambas se unem, dão fruto, o qual Deus deseja receber em sua mansão. Assim, apesar de ser bom o princípio de nosso nascimento, nossas obras tinham a necessidade de serem aperfeiçoadas, não por faltar a fé de acreditar em nosso Criador e em Suas obras, tampouco nas preces à Sua Mãe para rogar por nós a Seu querido Filho que nos perdoasse os erros que Lhe fazíamos. A fé que nós tínhamos nos conduziu à verdadeira saúde.” – JAIME I. Livro dos Feitos (apres., trad. e notas de Luciano José Vianna e Ricardo da Costa). São Paulo. Editora: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2010, p. 23-24.
- 45. Agradecemos a leitura crítica e as sugestões bibliográficas da Profa. Dra. Júlia Butiñyà Giménez.