Ramon Llull (1232-1316) foi o filósofo da tolerância na Idade Média?

O Livro do Tártaro e o Cristão (1288)

Ricardo da COSTA
Palestra proferida no dia 17 de abril de 2017 no
III Encontro de Reflexões sobre a Paz – Paz e Tolerância
Coord.: Prof. Dr. Rafael Salatini
UNESP – Campus de Marília

In: SALATINI, Rafael; DIAS, Laércio Fidélis (orgs.).
Reflexões sobre a Paz. Vol. II – Paz e Tolerância
Marília, SP: Editora Oficina Universitária;
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2018, p. 115-138
ISBN 978-85-7983-986-3 (Impresso)
ISBN 978-85-7983-987-0 (Digital).

In: COSTA, Ricardo da. Delírios da Idade Média.
Santo André, SP: Armada, 2023, p. 223-242
(ISBN 978-65-87628-26-4).
 

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Nesta colorida e expressiva ilustração da artista catalã África Fanlo para uma edição infantil do Livro do Gentio e dos Três Sábios (Barcelona: Petit Fragmenta, 2015), o melancólico gentio (à direita, de pé) encontra os sábios das três religiões (o muçulmano, com um pássaro azul no ombro; o judeu, ao centro, e o cristão, de vermelho) e expõe sua angústia, em meio à Natureza que, atenta, observa o diálogo.

I. Definições

Antes de tudo, por um princípio racional, é necessário definir: o que é tolerância? Sempre com base factual, com a História a alicerçar nossas considerações teóricas, estabeleçamos três âmbitos, três perspectivas que denominaremos de via negativa, via positiva e via extrema. Por via negativa, entendemos todas e quaisquer atitudes mentais privadas, íntimas, ou seja, excluídas do foro público, da coisa pública. Trata-se da vida interior, vida do espírito. Por exemplo, posturas de resignação ou impassividade diante de pessoas ou grupos que pensam ou se comportam de um modo diferente do nosso. É o que a historiografia conceituou como o “outro”.1 A via negativa em relação a esse “outro”, aos outros, é um comportamento passivo muito semelhante aos que os antigos (estoicos, por exemplo) e, especialmente, os medievais (com o Cristianismo), atribuíam como consequência da virtude da paciência.2

Por sua vez, a via positiva é a defesa pública da coexistência pacífica entre pessoas ou grupos com pensamentos diferentes. Difere da via negativa por sua manifestação social (ou política). O defensor dessa via, necessariamente, expõe seus pontos de vista, se comporta como um animal político, atua e pretende interferir e influenciar outras pessoas, outros grupos que pensam de modo distinto. Como veremos, apenas em seu entardecer a Idade Média conheceu esse novo tipo social. Isso porque o convencimento pacífico através do diálogo é algo estranho às formas políticas anteriores às democracias contemporâneas (e mesmo nessas, ainda hoje, têm em seu seio defensores da violência como um instrumento político, especialmente pensadores de esquerda).3

Por fim, a via extrema, historicamente mais recente que as anteriores, é a defesa da tolerância com o uso de todos e quaisquer meios possíveis (através da violência verbal, da intimidação, da censura, etc.). Durante toda a história da civilização ocidental prevaleceu, sempre que a tolerância foi pensada por filósofos e literatos, a via negativa. A positiva só mais recentemente (a partir do Iluminismo).4 A extrema, por fim, só a partir da segunda metade da década de 1960, especialmente com a ascensão dos radicais nas universidades.5

A história do conceito de tolerância, ou melhor, do processo de construção desse conceito, do ponto de vista filosófico, nasce justamente no coração da Idade Média, com o filósofo Ramon Llull (1232-1316), particularmente com uma de suas obras mais conhecidas, O Livro do Gentio e dos Três Sábios (c. 1274-1276). Nele, o filósofo catalão definiu a tolerância como diálogo. Em outras palavras, o imperativo de debater os pressupostos de sua fé com os sábios de outras fés (no caso, o Judaísmo e o Islamismo).6

Após Llull, a Idade Média ainda especulou relativizações da fé católica no próprio seio da Cristandade. Guilherme de Ockham (c. 1287-1347), franciscano, argumentou que a salvação poderia ser possível fora do catolicismo, além de criticar virulentamente a autoridade papal – até ele, o princípio era Extra Ecclesiam nulla salus (“Fora da Igreja não há salvação”), firmado no IV Concílio de Latrão (1213-1215) pelo papa Bonifácio VIII (1294-1303). Em sua bula Unam Sanctam (1302), o pontífice afirmou que “Para a salvação de toda criatura humana, é absolutamente necessário estar sujeito ao Pontífice Romano”; era uma reiteração do que já afirmara o papa Inocêncio III (1198-1216): “Com nossos corações cremos e com nossos lábios confessamos que existe só uma Igreja, não a dos hereges, mas a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, fora da qual cremos que não há salvação”.7

A seguir, Boccaccio (1313-1375) discorreu nessa mesma linha argumentativa-relativista: a salvação era possível a judeus, cristãos e muçulmanos (Decamerão, Conto 28 “Os Três Anéis”).8 Mas só a partir do séc. XVI iniciar-se-ia um caminho mais sólido rumo à convivência pacífica entre diferentes. O ambiente intelectual foi o jurídico. Jacob Acontius (c. 1520-1566), jurista, teólogo e filósofo, em sua obra Satanae Stratagemata (1565), afirmou que a intolerância religiosa era uma armadilha do diabo9; Jean Bodin (1530-1596), também jurista e filósofo, defendeu o retorno a uma religião natural para evitar discussões dogmáticas (em Coüoquium heptaplomeres)10; Montaigne (1533-1592) assentou o âmbito filosófico no qual o tema frutificaria: a defesa da liberdade de consciência (Ensaios, II, 19)11; por fim, Espinoza (1632-1677) apresentou o argumento definitivo: a violência ou a imposição não poderiam ser instrumentos válidos para o estabelecimento da fé no âmbito íntimo (em seu Tractatus theologico-politicus, de 1670).12 E isso em meio às guerras religiosas (1524-1697) – da Guerra dos camponeses alemães (Deutscher Bauernkrieg, 1524-1525), incentivada por Lutero (1483-1546), à Guerra dos Nove Anos (1688-1697) entre a França e a Liga de Augsburgo.13

II. O contexto: os mongóis

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A impressionante Expansão Mongol (1206-1294) – de Genghis Khan (1162-1227) a Kublai Khan (1215-1294). Em vermelho, o Império Mongol; em amarelo, o Canato da Horda Dourada; em verde escuro, o Canato de Chagatai; em verde claro, o Ilcanato, e em roxo, a Dinastia Huan.

Muito já foi escrito a respeito do sentimento dos cristãos medievais em relação ao fato de terem a consciência de serem minoria no mundo – e, por isso, o renovado espírito apologético do séc. XIII.14 A própria filosofia de Ramon Llull é uma filosofia de conversão, calcada na diferença, de espírito atuante, vibrante, disposta a dialogar para converter, com argumentos “racionais (em suas palavras, “necessários”).15 Por isso, além de se voltar para judeus e muçulmanos, o filósofo se preocupou com a “questão tártara” (“tártaros”, como ficaram conhecidos os mongóis na Europa).

Na verdade, o tema fez parte de seu tempo. O assunto passou ao ambiente europeu quando, em 1237, um frade chamado Júlio enviou uma carta ao legado papal na Hungria para informar a invasão dos mongóis (ou tártaros). Após conquistarem boa parte da Ásia em um dos acontecimentos mais impressionantes da História16 (no que a historiografia chamou de Expansão Mongol [1206-1294] imagem 2)17 e se apoderarem do Principado de Moscou, os mongóis chegaram à Europa: assolaram a Polônia e a Hungria em 1241 (Batalha de Legnica, imagem 3). Gregório IX (1227-1241) pregou a cruzada para a Hungria, sem sucesso; Inocêncio IV (1243-1254), no Concílio de Lyon (1245) incitou os reinos cristãos a tomarem medidas militares para impedir novos ataques18, também sem sucesso. Missões diplomáticas foram enviadas. Os mongóis recusaram unir-se aos cristãos. Em compensação, atacaram os muçulmanos (Alamut, Bagdá, Damasco e Alepo) até o sultão mameluco Baybars (1223-1277) recuperar as terras perdidas e fazê-los recuar até o rio Eufrates.

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A Batalha de Legnica e a decapitação do duque Henrique da Silésia com sua alma levada ao Céu por anjos (1353). Iluminista desconhecido. Silésia, têmpera colorida e tinta em pergaminho, 34,1 x 24,8 cm. The J. Paul Getty Museum.

Com a chegada em cena dos mamelucos, a partir de 1260, os mongóis mudaram de posição e procuraram pactuar com o mundo cristão (com a promessa de libertar a Terra Santa). Foi nesse contexto que Llull chegou a Roma, em 1287. Tinha cinquenta e cinco anos. Estava disposto a propagar sua proposta de conversão do mundo ao cristianismo, e desejava um apoio político. Sua primeira ideia foi o papado, naturalmente. O estudioso Pere Villalba (1938- ) denominou essa nova (e terceira) fase de sua vida de etapa de expansão.19

III. O Livro do Tártaro e o Cristão (1288)

Não é fácil, nem possível, nem proveitoso discutir como o omnipresente e gloriosíssimo Deus pode ser conhecido e estimado por aqueles que O desconhecem. Não obstante, a Piedade nos impulsiona e a Caridade nos mostra que os infiéis, ofuscados pelo erro e lançados à morte sempiterna, perigo mortal, podem e devem ser corrigidos no caminho da salvação eterna – Caminho dos caminhos, Luz das luzes, Verdade das verdades – por onde transitaram antes de terem se afastado por seus erros. Por isso, eu, pobre e pecador, indigno e desonrado, há muito me entrego fervorosa e assiduamente a esse trabalho e, com a ajuda daquele sem o qual nada posso fazer de bom, redijo este sermão por meio de parábolas e metáforas.

RAMON LLULL, O Livro do Tártaro e o Cristão, Prólogo, 2.20 

Em Roma, o prolífico filósofo escreveu duas obras: Os Cem Nomes de Deus (a 38ͣ de sua lavra) e o Livro do Tártaro e o Cristão (a 39ͣ).21 Em relação a esse último escrito, objeto desse pequeno trabalho, foi o segundo texto de Llull em que seu conteúdo discorre em um ambiente de debate entre judeus, cristãos e muçulmanos (o primeiro foi o Livro do Gentio e dos Três Sábios, sua obra de n˚. 11, escrita em Maiorca, entre 1274 e 1283).

As circunstâncias da vida de Llull explicam bem a redação da obra. O filósofo chegou a Roma provavelmente em abril de 1287, pouco após a morte do papa Honório IV (1285-1287). Ainda se encontrava na cidade quando chegou uma embaixada do rei mongol da Pérsia, Aryun Khan (1258-1291), budista, mas simpatizante de católicos e nestorianos.22 Seu representante, um bispo nestoriano, vinha propor uma aliança contra os mamelucos do Egito. Devido à vacância do papado e aos distintos interesses de ambos os lados – enquanto a embaixada desejava tratar de temas políticos, os cardeais estavam interessados em debater temas teológicos23 – o encontro diplomático não surtiu qualquer resultado prático, a não ser colocar o filósofo a par do tema que passou a fazer parte das preocupações da Cristandade.

Embora tenha uma semelhança formal com o Livro do Gentio e dos Três Sábios, devido à estrutura narrativa dialogante, com os debates do tártaro, desejoso de “fruir uma religião” com o “sábio” judeu (I, 3), o “sapientíssimo” muçulmano (II, 18) e o “pobre eremita cristão” (IV, 32) – e também seu diálogo com o eremita Blaquerna (IV, 41) – o Livro do Tártaro e o Cristão tem um objetivo claro, apresentado pelo filósofo logo em seu Prólogo: apresentar o salmo Quicumque vult, que representa e transmite a fé católica.

Para isso, Llull cria a seguinte estrutura textual:

  1. A inquietude do tártaro;
  2. O tártaro indaga um sábio judeu. E conclui: o Judaísmo é a preparação de outra Lei;
  3. O tártaro indaga um sapientíssimo muçulmano. E conclui: o Islamismo nada sabe da essência divina;
  4. O tártaro indaga um eremita cristão, que o aconselha a visitar o eremita Blaquerna;
  5. O Quicumque vult (Credo de Atanásio, séc. VI);
  6. A conversão do tártaro (Generoso) e sua visita ao papa;
  7. O final aberto da obra: é melhor uma missão ao Oriente ou uma cruzada?

III.1. O Credo de Atanásio

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Detalhe do Cotton Faustina (MS B. VII, folio 42v) que mostra o Scutum Fidei ou Diagrama triangular do escudo da Trindade (o Quicumque vult), com a representação de Cristo na cruz (acima do círculo Filho). É parte de uma iluminura do Compendium Historiae da Genealogia de Cristo do teólogo (e escolástico) Pedro de Poitiers (Petrus Pictaviensis, c. 1130-1215), escrito por volta de 1210.

Após dialogar com o judeu e com o muçulmano, ainda insatisfeito, o tártaro procurou um cristão, eremita, que, no entanto, se declarou incapaz de convencê-lo racionalmente da verdade de sua fé. Por isso, o eremita aconselhou o tártaro a procurar Blaquerna, outro eremita, porém “muito sábio” e que conhecia muito a fé cristã (IV, 41). O tártaro viajou por um deserto até um monte onde soube que Blaquerna descansava, e o encontrou em uma igreja, com os “ornamentos sagrados para celebrar a missa em nome de Deus”. Recitava o salmo Quicumque vult. O tártaro se apresentou e lhe disse:

Senhor, de muito longe vim até vós. Dúvidas e erros envolvem meu coração. Rogo que, caso conheceis o caminho da salvação, me encaminheis, pois o procuro todos os dias com muito esforço. Não encontro ninguém, judeu, sarraceno ou cristão, que professe o verdadeiro caminho da fé. Inclusive penso que os cristãos cometem um erro ainda maior do que os judeus, os sarracenos e os tártaros, um dos quais sou eu mesmo (IV, 44).

O salmo que Blaquerna recitava é uma confissão cristã em forma de compêndio. Hoje sabemos que foi composto na primeira metade do séc. VI, provavelmente na Provença, nos círculos teológicos (e agostinianos) do monge Vicente de Lerins (†450), do bispo Fulgêncio de Ruspe (c. 468-533) e do arcebispo Cesário de Arles (c. 470-543).24 Em contrapartida, a tradição medieval atribuiu sua autoria a Atanásio de Alexandria (c. 296-373) – por isso o título Credo de Atanásio (Quicumque vult são as primeiras duas palavras do salmo).

Ao utilizar o Credo de Atanásio como a melhor e mais simples composição para o personagem Blaquerna dialogar com o tártaro e convencê-lo da verdade da fé cristã, Ramon Llull seguia uma sólida tradição de comentadores do Credo, de Venâncio Fortunato (c. 536-610) a Hildegarda de Bingen (1098-1179). Assim, preliminarmente, Blaquerna explica ao tártaro a dificuldade de se entender sua fé:

Escuta, amigo, e entenda: nossa fé é muito difícil de expor e de entender. Nem todos conseguem compreendê-la, somente os iluminados pela nobreza intelectual que investigam a secreta Filosofia da Natureza e se tornam doutos nas ciências. Sugiro que não duvideis em abraçar a nossa fé tal como ela é. Eu é que me declaro incapaz de demonstrar a fé católica, verdade pela qual anseias (IV, 48).

A necessidade de provar racionalmente a fé cristã era um tópico das conversas intelectuais pelo menos desde que Anselmo da Cantuária (c. 1033-1109) criou seu argumento ontológico (a prova da existência de Deus – “aquilo do qual nada maior pode ser pensado”) somente com a razão, sem recorrer à autoridade da fé (a Bíblia).25 Ramon Llull é um dos maiores pensadores dessa corrente racionalista da fé.

O tártaro insiste: diz que é um estudioso e que a Filosofia não o impedirá de conhecer os segredos da Natureza!26 Assim, Blaquerna lhe entrega um livro de salmos que inicia com o Quicumque vult. No entanto, essa confissão de fé não é um tratado de filosofia! Por isso, Llull acrescenta ao diálogo entre Blaquerna e o tártaro explicações então consideradas racionais – e científicas, pois baseadas principalmente na teoria dos quatro elementos27, de origem aristotélica.28 Devido à exiguidade do espaço, proponho apresentar somente os seis primeiros versos, e a explicação deles no diálogo luliano. São esses:

Credo de Atanásio

1. Quicumque vult salvus esse, ante omnia opus est, ut teneat catholicam fidem:

1. Quem quiser ser salvo deve, antes de tudo, professar a fé católica.

2. Quam nisi quisque integram inviolatamque servaverit, absque dubio in æternam peribit.

2. Quem não a observá-la, integral e inviolavelmente, perecerá por toda a Eternidade.

3. Fides autem catholica hæc est: ut unum Deum in Trinitate, et Trinitatem in unitate veneremur.

3. Esta é a fé católica: veneramos a um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade.

4. Neque confundentes personas, neque substantiam seperantes

4. Não confundimos as pessoas, nem separamos as substâncias

5. Alia est enim persona Patris alia Filii, alia Spiritus Sancti:

5. Pois uma é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, e outra a do Espírito Santo.

6. Sed Patris, et Fili, et Spiritus Sancti una est divinitas, æqualis gloria, coeterna maiestas.

6. Mas só uma é a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, igual à glória e coeterna à majestade.

III.1.1. “Quem quiser ser salvo deve, antes de tudo, professar a fé católica. Quem não a observá-la, integral e inviolavelmente, perecerá por toda a Eternidade”

Na verdade, a apresentação do Quicumque vult no Livro do Tártaro e o Cristão é um pretexto teológico para o filósofo utilizar sua teoria dos correlativos (que, na ocasião, ainda estava sendo por ele elaborada). Logo após começar a recitá-lo, o personagem Blaquerna discorre sobre a essência do fogo – suas propriedades (ígneas, luminosas, aquecedoras, etc.): o ignificativo e o ignificável, o luminificativo e o luminificável, o calefativo e o calefatível, etc.

O que essas palavras significam? Llull entende que, como Deus, tudo no mundo (todo ente) está em movimento, é dinâmico. Nada está em repouso – em suas palavras, não existe ociosidade. A ação é boa; o ócio, ruim. Essa ação das coisas no mundo significa para ele que a Santíssima Trindade está impressa em tudo – uma clara herança agostiniana da tríade da alma.

Mas de que forma? Para Llull, em tudo existe uma trindade: 1) a essência (que ele denomina bonificativo) é a capacidade de se fazer o bem, de se fazer algo de bom (e, por isso, bonificativo – de Bem); 2) o objeto é aquilo que pode se tornar bom (bonificável) e 3) o próprio ato (bonificar) de fazer o bem conecta as duas partes anteriores. Essa teoria dos correlativos racionalmente explica e idealmente projeta a Santíssima Trindade no mundo: naquela ordem, a essência, o sujeito (propriedade ativa) é o Pai (bonificação); o objeto (propriedade passiva) é o Filho (bonificatividade), e o verbo (propriedade conectiva) é o Espírito Santo (bonificar).29

Em outras palavras, existe o amante, o amado e o Amor. Neste caso, Llull é o amante. Seu amado? Deus. E seu amor pelo amado o impulsiona à ação, ao bem, que ele entende como um incessante impulso apologético. É por isso que, do ponto de vista filológico-filosófico, Llull cria essas declinações nominais e verbais nas desinências dos termos – Pere Villalba as denomina graus de intelecção encontrados nos sujeitos.30

A seguir, Blaquerna apresenta ao tártaro esses correlativos na alma racional31 e na essência divina (a Bondade, a Grandeza, etc.), além de alertá-lo para o fato de que quem ousar violar a primeira frase do Quicumque vult desafiará as semelhanças divinas, ou seja, desafiará a essência de Deus e, por isso, perecerá no Inferno. Mescla, assim, argumento com autoridade. O tártaro se mostra admirado com o raciocínio de Blaquerna e imagina que deva existir uma fé acima da dos cristãos que também discorra sobre as operações dos elementos, da alma e de Deus. Blaquerna é incisivo: nenhuma religião tem a grandeza da fé católica porque nenhuma trata da ação intrínseca da obra de Deus. E passa à segunda sequência do salmo.

III.1.2. “Esta é a fé católica: veneramos a um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade. Não confundimos as pessoas, nem separamos as substâncias”

Com variantes, o método prossegue o mesmo: a exposição da essência do fogo, da alma e de Deus. O complexo raciocínio de Llull, posto na boca de Blaquerna, merece uma citação completa:

Na essência divina há um bonificativo, um magnificativo, um eternificativo, um possificativo, etc., mas apenas um producente, um bonificado, um magnificado, etc., a partir de um bonificável, um magnificável, etc. E como nessa produção não há qualquer inconveniente, o que é produzido de ambos resulta em outro, como o elementado é produzido pela conveniência entre a matéria e a forma e resulta em uma substância ou subsistente dessa conveniência. Mas não desejo dizer que exista matéria em Deus.

E assim como o fogo produz em si algo que lhe é semelhante mais do que produz em outra coisa, na essência divina a Bondade, a Grandeza e as outras dignidades produzem em si o que lhes é semelhante mais que nas criaturas. Por isso, se as divinas Bondade, Grandeza, etc., não produzissem em si mesmas e a partir de si mesmas algo que lhes fosse semelhante, não teriam em si mesmas a Grandeza da Eternidade, do Poder, etc., o que é impossível. Essa impossibilidade manifesta que na unidade divina há uma trindade de pessoas: uma que produz e as outras duas que são produzidas (V, 68-69).

O argumento é circular e se baseia em uma conclusão lógica a partir da premissa da existência das dignidades de Deus, tema comum às três religiões monoteístas. O tártaro não entende muito bem e pensa que Blaquerna, com suas “metáforas e exemplos”, está dizendo que existe matéria em Deus. Blaquerna então oferece outra analogia: a da água e da terra, e então o tártaro fica convencido de que existe Deus.

Para reforçar essa convicção, Blaquerna apresenta três argumentos que considera definitivos para a existência de Deus: 1) se Deus não existisse, o intelectivo e o inteligível seriam maiores na razão humana do que na realidade; 2) se Deus não existisse, o intelectivo seria maior na realidade que o inteligível, e 3) se Deus não existe, o inteligível é maior que o intelectivo. Os argumentos têm uma clara filiação ao pensamento anselmiano (isto é, de que o fato de entender o que se pensa é uma realidade mental que faz com que o pensado exista fora do pensamento32).

A seguir, convencido da existência de Deus, o tártaro pede a Blaquerna que demonstre que só existe um Deus, não vários. Novamente o eremita apresenta três argumentos: 1) a existência de muitos deuses impossibilita que em todos esses deuses haja a mesma infinitude das dignidades (infinitude da Bondade, da Grandeza, etc.) – em outras palavras, não é possível que vários deuses sejam iguais em essência; 2) se houvesse muitos deuses, nenhum deles seria o sumo fim; haveria muitos sumos fins, todos necessariamente finitos, o que é impossível; 3) a pluralidade de deuses não é apetecível para a razão humana, se acima dessa pluralidade há um fim sumo.

A segunda tríade apresentada no Livro do Tártaro e o Cristão é racionalmente mais compreensível que a primeira pois, além de não apresentar um argumento de autoridade (a ameaça do Inferno), se baseia no princípio da finalidade aristotélica.33 O tártaro se convence que há somente um deus e pede que Blaquerna lhe mostre a trindade do deus uno. E o sábio cristão passa à terceira sequência.

III.1.3. “Uma é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, e outra a do Espírito Santo, mas só uma é a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, igual à glória e coeterna à majestade”

Do mesmo modo que nas duas partes anteriores, a forma da exposição é a mesma: Llull inicia com a metáfora do fogo, ou melhor, com a relação existente entre suas partes; depois a alma e sua substância e, por fim, a essência divina. A novidade de sua interpretação dessa passagem do Quicumque vult em relação às anteriores é o acréscimo da relação entre as Pessoas da Trindade no trecho que Blaquerna discorre ao tártaro sobre a essência divina:

Na essência divina há a Bondade, a Grandeza, a Eternidade, o Poder, etc. A Bondade é bonificativa e bonificável, e existe com a Grandeza, a Eternidade, o Poder, etc. Por si mesma e pelas outras dignidades produz o outro na Grandeza, etc.; e em si mesma na Grandeza e etc., como também, a partir de si mesma na Grandeza, etc. Pois se a Bondade fosse bonificativa e bonificável sem um ato e uma operação intrínsecas, estaria privada da Grandeza e de seu ato. O mesmo pode ser dito da Eternidade e etc., o que é impossível.

Tudo isso torna manifesto ao entendimento que na substância divina há um producente – o Pai – e um produto – o Filho. Dos dois procede o Espírito Santo, mas não podemos dizer que pessoalmente um seja o outro, pois toda propriedade pessoal seria vã ou a Bondade divina não seria bonificativa nem bonificável. Se isso fosse assim, ela existiria em si sem finalidade ou poder. O mesmo teríamos que concluir de todas as propriedades divinas, o que é impossível e inconveniente, pois em Deus há um outro que, pessoalmente é distinto do outro (V, 89).

O argumento apresenta uma causa e duas consequências: da relação ativa e incessante entre as propriedades (dignidades) de Deus decorre a procedência de Jesus Cristo, e da relação entre ambos, o Espírito Santo. Em outras palavras, Jesus “nasce” da ação entre as dignidades de Deus (o Poder com a Eternidade, a Grandeza com o Poder, a Eternidade com a Grandeza, etc.) e da “soma” de ambos “nasce” (procede) o Espírito Santo. Outro axioma que fundamenta esse raciocínio é a ideia aristotélica, muito difundida na Idade Média, que a ação no mundo é positiva e obedece a um sentido natural – Deus e a Natureza não criaram nada que não tivesse sua utilidade.34 Na verdade, nesse tema, a teoria dos correlativos é a explicação do filósofo do Escudo da Trindade, representação esquemática do Quicumque vult.

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Representação esquemática do Quicumque vult. Da esquerda para a direita, a partir do triângulo externo, o Pai não é o Filho, o Filho não é o Espírito Santo, o Espírito Santo não é o Pai; a partir do círculo interno e as linhas que se irradiam para os extremos, Deus é o Pai, Deus é o Filho e Deus é o Espírito Santo.

Conclusão

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Alegoria do Cavaleiro Cristão. Iluminura (Harley MS 3244, folios 27-28) da Suma das Virtudes e dos Vícios (c. 1255-1265) do dominicano Guilherme de Peraut (c. 1190-1271). Na parte superior, um anjo da guarda. Tem a inscrição “Ninguém será coroado se não lutar realmente” no antebraço direito; no esquerdo, uma lista das sete bem-aventuranças combinadas com os sete dons do Espírito Santo que combatem os sete pecados capitais e seus filhos, à esquerda. Ele coroa um cavaleiro que se prepara para o combate mortal contra os vícios. Está protegido com o Escudo da Trindade (representação do Credo de Atanásio). A simbologia de suas armas: Capacete: a Esperança na felicidade futura; Escudo: a (a Santíssima Trindade); Armadura: a Caridade; Lança: Perseverança; Rédeas: Discrição; Suadouro: Humildade; Sela: a religião cristã; Esporas: Disciplina; as Quatro Ferraduras do Cavalo: Deleite, Consentimento, o bom trabalho, hábito; Cota de malha: Caridade; Espada: o Verbo de Deus; Bandeira: o desejo do reino celeste; Cavalo: boa vontade; Estribos: o propósito do bom trabalho.

Da redação do Livro do Gentio e dos Três Sábios para o Livro do Tártaro e o Cristão, duas obras com uma estrutura narrativa dialogante, o conhecimento do mundo por parte de Ramon Llull ampliou-se consideravelmente. Do âmbito da Coroa de Aragão (Palma de Maiorca-Montpellier) – sua fase introspectiva –, o filósofo alargou seus horizontes: foi à então capital intelectual do mundo cristão, Paris; apresentou sua Arte na universidade; esteve na corte papal em Roma, quando se inteirou da pressão que a Cristandade sofria com os mongóis – sua fase de expansão.35

Seus diálogos literários com judeus e muçulmanos (e agora com um tártaro), inicialmente “abertos” – isto é, sem o autor dizer claramente ao leitor qual religião o descrente escolheu (como no caso do Livro do Gentio e dos Três Sábios) – com o vislumbre da complexa política europeia, passaram a ser mais incisivos: no Livro do Tártaro e o Cristão, após o diálogo com o eremita Blaquerna, o asiático se converte ao Catolicismo, vai à cúria romana, adota o nome de Largo (de largueza, isto é, aquele que é generoso, abundante) e é batizado pelo papa. A seguir, entrega ao Sumo Pontífice um livro – Quicumque vult – e se dispõe a ir ao país dos tártaros para proclamar “a verdade da fé cristã”, pois os sarracenos divulgam em suas cartas o nome de Maomé – “o pior de todos os homens” – e, por isso, faz-se necessário pregar entre eles o nome de Jesus Cristo. Largo parte para sua viagem com uma carta papal. Após sua saída, os bispos começam a debater se não seria mais importante que o papa incentivasse algum príncipe a assediar a nação dos infiéis e os eliminasse, ou se era melhor propagar a fé católica por meio da ciência e do martírio (ao invés da guerra e da espada). O Livro do Tártaro e o Cristão termina com esse debate inconcluso:

Consequentemente, a questão ficou assim colocada diante do papa: qual das duas propostas é a mais útil para a Igreja Católica e mais agradável a Deus? Será que as duas são necessárias? Esperemos que se encontre uma solução adequada em honra do Deus onipotente que reina uno e trino (IX, 297).

Se no Livro do Gentio e dos Três Sábios o leitor não sabe qual religião o gentio escolheu, no Livro do Tártaro e o Cristão não sabemos qual foi a resposta do papa para a questão que lhe foi apresentada pelos bispos. Para sabermos a posição do filósofo a respeito do diálogo entre as religiões, é preciso conhecer de modo amplo sua vastíssima obra. Para o desfecho” do Livro do Gentio, em duas obras posteriores Llull explicita a decisão do protagonista: no Livro das Maravilhas (cap. 79) ele afirma que “o cristão provou estar sua Lei na verdade e todas as outras na falsidade, conforme está provado no Livro do Gentio36; no Livro do Fim (1305), escrito quase vinte anos após a redação do Livro do Gentio, o filósofo reitera que a religião cristã tem que ser escolhida acima de todas as outras:

Pelo que faz a Teologia, nossos livros indicados seriam muito úteis, sobretudo o Livro do gentio, no qual um cristão, um sarraceno e um judeu disputam sobre a verdade diante de um gentio. Por esse livro, os gentios poderiam saber, se desejassem, que a santa fé católica é a verdadeira e que os judeus e os sarracenos estão no erro (I, 5).37

Em outras palavras, não existe na Idade Média o conceito de tolerância tal qual entendemos hoje. Ramon Llull, filósofo da diferença, procurador dos infiéis, talvez o pensador medieval mais cosmopolita, pois conhecedor das fronteiras da Cristandade, não foge à essa regra: seus personagens literários cristãos debatem, dialogam, mas não movidos por um desejo de dialogar por dialogar, sem qualquer conclusão, mas para converter o mundo à fé cristã. Nesse sentido, o maiorquino não é um filósofo da tolerância, mas um pensador de uma filosofia de ação 38 em prol da Igreja.39

 

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Fontes

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Bibliografia citada

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VOVELLE, Michel. El hombre de la Ilustración: Madrid, Alianza Editorial, 1995.

ZIZEK, Slavoj. Violência. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.

Notas

  • 1. TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América A Questão do outro. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1982.
  • 2. O próprio Llull inseriu a paciência em uma das oito bem-aventuranças: “1. A paciência é o refreamento da vontade ocasionada pela ira convertida em caridade. Por isso, no Evangelho, Jesus Cristo prometeu que aqueles que forem pacientes serão filhos de Deus; 2. Amável filho, todos somos filhos de Deus pela criação, mas pela paciência o homem é filho da graça, e pela impaciência é filho da culpa e da maldição. Por isso, a paciência faz ser filho de Deus todos aqueles que Lhe são obedientes e submissos.” – RAMON LLULL. Doutrina para crianças (c. 1274-1276) (trad. Ricardo da Costa e Grupo de Pesquisas Medievais da UFES III). Alicante: IVITRA, 2010, cap. XLIII, p. 35).
  • 3. Desde Marx (1818-1883) – a violência como fato estruturante da História (“...é sabido o grande papel desempenhado na verdadeira história pela conquista, pela escravidão, pela rapina e pelo assassinato, em suma, pela violência.”, O Capital. Crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, v. 2, p. 829) até Che Guevara (Estrategia de la guerrilla urbana, Montevideo: Manuales del Pueblo, 1966) e Régis Debray (Revolução na revolução. São Paulo: Centro Editorial Latino Americano, 1980) a violência sempre esteve na pauta dos partidos de esquerda. Para isso, ver especialmente SOREL, Georges. Reflexões sobre a Violência. São Paulo: Martins Fontes, 1992 e, mais recentemente, ZIZEK, Slavoj. Violência. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.
  • 4. Iluminismo (ou Ilustração) foi um movimento filosófico (e contestador da herança clássica-medieval) característico do séc. XVIII. Sua obra mais emblemática foi a Enciclopédia (1751-1772), editada por Diderot (1713-1784), d’Alembert (1717-1783) e uma equipe formada por mais de cento e cinquenta cientistas. Pretendia abarcar e rediscutir tudo, da Metafísica à Música. Sua bibliografia é incomensurável. Indico apenas três obras: CASSIRER, Ernst. La Filosofía de la Ilustración. México: FCE, 1972, VOVELLE, Michel. El hombre de la Ilustración: Madrid, Alianza Editorial, 1995 e GAY, Peter. The Enlightenment. An Interpretation. The Rise of Modern Paganism. New York/London: W. W. Norton & Company, 1977.
  • 5. KIMBALL, Roger. Radicais nas universidades. Como a política corrompeu o ensino superior nos Estados Unidos da América. São Paulo: Editora Peixoto Neto, 2010.
  • 6. RAMON LLULL. Llibre del Gentil e dels Tres Savis (a cura d’Antoni Bonner). Palma: Patronat Ramon Llull, 2001. Embora essa seja a “edição definitiva” da lavra do Prof. Bonner, de minha parte, ainda aprecio muitíssimo seu BONNER, Antoni. Obres Selectes de Ramon Llull (1232-1316). Volum I (edició, introducció i notes de Antoni Bonner). Mallorca: Editorial Moll, 1989, p. 89-272. Há uma publicação brasileira. Citamo-la por obrigação, pois infelizmente não é uma publicação bem cuidada: RAIMUNDO LÚLIO. O Livro do Gentio e dos Três Sábios (1274-1276) (introd., trad. e notas de Esteve Jaulent). Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
  • 7. COSTA, Ricardo da. “Maomé foi um enganador que fez um livro chamado Alcorão”: a imagem do Profeta na filosofia de Ramon Llull (1232-1316)”. In: Revista NOTANDUM, n. 27, Ano XIV, set-dez 2011, p. 19-35, Editora Mandruvá - Univ. do Porto.
  • 8. GIOVANNI BOCCACCIO. Decameron (trad. Ivone C. Benedetti). Porto Alegre: L&PM Editores, 2013.
  • 9. Satanae stratagemata: Libri octo (ed. Carl von Reifitz). Verlag Classic Edition, 2010.
  • 10. BODIN, Jean. Colloquium of the Seven about Secrets of the Sublime. Princeton University Press, 1975. Por sua vez, David Hume (1711-1776) escreveu uma obra dedicada ao tema da religião naturalDiálogos sobre a Religião Natural. A melhor tradução é a da Calouste Gulbenkian: Obras sobre religião (trad. Francisco Marreiros e Pedro Galvão). Lisboa: Gulbenkian, 2005.
  • 11. MONTAIGNE. Ensaios (trad. Rosa Freire d’Aguiar). São Paulo: Penguin Companhia, 2010.
  • 12. ESPINOSA. Tratado Teológico-Político (trad. Diogo Pires Aurélio). São Paulo: Martins Fontes, Coleção Paideia, 2008.
  • 13. Um excelente resumo desse contexto é: MACCULLOCH, Diarmaid. The Reformation: A History. New York: Penguin 2003.
  • 14. Um manual a respeito é o de MITRE FERNÁNDEZ, Emilio (coord.). Historia del Cristianismo. II. El Mundo Medieval. Madrid: Universidad de Granada, 2004.
  • 15. Uma excelente obra que insere Ramon Llull e sua filosofia nas circunstâncias de seu próprio tempo é VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316. Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2015.
  • 16. CAHEN, Claude. Oriente y Occidente en tempos de las Cruzadas. México: Fondo de Cultura Económica, 1989, p. 301.
  • 17. Crudelíssimo empreendimento expansionista belissimamente descrito em RUNCIMAN, Steven. Historia de las Cruzadas III. El Reino de Acre y las últimas Cruzadas. Madrid: Alianza Editorial, 1985, p. 223-238.
  • 18. “Introducció”. In: RAMON LLULL. Llibre del Tàrtar i el Cristià (ed. a cura de Josep batalla, Óscar de la Cruz Palma, amb la col·laboració de Francesc Rodríguez Bernal). Turnhout · Santa Coloma de Queralt: Brepols/Obrador Edèndum, 2016, p. 13.
  • 19. VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316, op. cit., p. 193.
  • 20. Todas as traduções do Livro do Tártaro e o Cristão citadas nesse trabalho são nossas, baseadas na edição RAMON LLULL. Llibre del Tàrtar i el Cristià (ed. a cura de Josep batalla, Óscar de la Cruz Palma, amb la col·laboració de Francesc Rodríguez Bernal). Turnhout · Santa Coloma de Queralt: Brepols/Obrador Edèndum, 2016.
  • 21. Seguimos as datações e a cronologia das obras de Llull em DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “Works”. In: FIDORA, Alexander and RUBIO, Josep E. RAIMUNDUS LULLUS, An Introduction to his Life, Works and Thought. Turnhout: Brepols & Publishers, 2008 (Corpus Christianorum. Continuatio Mediaeualis 214), p. 125-242.
  • 22. Nestorianismodoutrina cristológica proposta por Nestório (386-450), Patriarca de Constantinopla, que distinguia a natureza humana da divina em Cristo. Após ser condenada como herética nos concílios de Éfeso (431) e da Calcedônia (451), muitos de seus seguidores foram para o Império Sassânida e fundaram a Igreja do Oriente. Ver CHAPMAN, J. “Nestorius and Nestorianism”. In: The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. Retrieved September 3, 2017 from New Advent
  • 23. VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316op. cit., p. 198.
  • 24. “Introducció”. In: RAMON LLULL. Llibre del Tàrtar i el Cristià (ed. a cura de Josep batalla, Óscar de la Cruz Palma, amb la col·laboració de Francesc Rodríguez Bernal), op. cit., p. 29.
  • 25. FLASCH, Kurt. El pensament filosòfic a l’Edat Mitjana. D’Agustí a Maquiavel (edició a cura de Josep Batalla). Santa Coloma de Queralt: Obrador Edèndum, 2006, p. 179-184.
  • 26. COSTA, Ricardo da. “El concepto de Naturaleza en la Metafísica Teológica de San Bernardo de Claraval (1090-1153)”. In: FUERTES HERREROS, José Luis; PONCELA GONZÁLEZ, Ángel (eds.). DE NATURA. La Naturaleza en la Edad Media. Ribeirão, Portugal: Edições Húmus, 2015, p. 363-373.
  • 27. Tratei da teoria dos quatro elementos – e, especialmente, como Llull dela se vale – em ANGOTTI NETO, Hélio, e COSTA, Ricardo da. “A lepra medieval e a Medicina metafórica de Ramon Llull (1232-1316)”. In: Mirabilia Medicinæ 5 (2015/2), p. 1-30.
  • 28. Teoria exposta sobretudo em ARISTÓTELES. Sobre a geração e a corrupção (trad. e notas de Francisco Chorão). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009.
  • 29. O clássico sobre o tema é GAYÀ ESTELRICH, Jordi. La teoría luliana de los correlativos: Historia de su formación conceptual. Palma, 1979.
  • 30. VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316, op. cit., p. 249.
  • 31. Ver COSTA, Ricardo da. “O que é, de que é feita e por que existe? Definições lulianas no Livro da Alma Racional (1296)”. InMirabilia 5 (2005), p. 142-156.
  • 32. O trecho do Proslógio é esse: Então, oh, Senhor, Tu que dás a inteligência da fé, dá-me, para que eu saiba, o que é necessário para entender que Tu existes tal como cremos, e que és o que cremos. E certamente cremos que Tu és algo maior do qual nada mais pode ser cogitado. Mas e se não existe tal natureza, como quando diz o insipiente em seu coração “não existe Deus”? No entanto, esse mesmo insipiente, quando me ouve dizer “algo maior do qual nada pode ser cogitado”, entende o que ouve, e o que entende está em seu intelecto, embora não entenda que isso exista. Pois uma coisa é a coisa estar no intelecto, e outra, entender que a coisa existe. Porque quando o pintor pensa antecipadamente o que tem de fazer, certamente o tem no intelecto, mas ainda não entende que exista o que ainda não fez. Contudo, após pintar, ele a tem no intelecto, e entende que existe o que fez. Portanto, o insipiente deve convencer-se que, ao menos em seu intelecto, existe algo maior do qual nada pode ser cogitado, porque, quando ouve isso, entende e, tudo o que se entende, está no intelecto. No entanto, aquilo maior do qual nada pode ser cogitado não pode existir somente no intelecto, pois se só existe no intelecto, pode pensar-se algo que seja maior e que também exista na realidade. Assim, se aquilo maior do qual nada pode ser cogitado só existe no intelecto, este mesmo ser, do qual nada maior pode ser cogitado, tornar-se-ia o ser do qual é possível pensar algo maior, mas certamente isso é absurdo. Portanto, existe, sem dúvida, algo maior do qual nada pode ser cogitado, tanto no intelecto quanto na realidade” (II) (os grifos são nossos).
  • 33. Tese segundo a qual a organização do mundo e dos acontecimentos obedece a um fim, a um objetivo. Embora Anaxágoras (c. 510-428 a. C.) tenha sido o primeiro a propor essa teoria – e Platão (c. 428-348 a. C.) tenha feito um importante acréscimo (qual seja, de que a inteligência (a mente) é a causa ordenadora do mundo (Fedão, 97c) – foi Aristóteles seu principal defensor (“o fim se encontra entre os seres imóveis”, Metafísica XII, 7, 1072b).
  • 34. “Deus e a natureza nada criam que seja inútil” (ARISTÓTELES, Do Céu, I, 4, 271a1, linhas 34-35). “Deus” em Aristóteles é o “Primeiro movente imóvel”, como o Amor atrai o amante para si (Metafísica, XII, 7, 1072b 3).
  • 35. Adotamos as designações que Pere Villalba cria para a longa vida de Ramon Llull. VILLALBA I VARNEDA, Pere. Ramon Llull. Escriptor i Filòsof de la Diferència. Palma de Mallorca, 1232-1316op. cit.
  • 36. RAIMUNDO LÚLIO. Félix ou O Livro das Maravilhas. Parte II (apres. e trad.: Ricardo da Costa). São Paulo: Editora Escala, 2009, Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 96, p. 161.
  • 37. Raimundo Lúlio e as Cruzadas (trads.: Waldemiro Altoé, Ricardo da Costa e Eliane Ventorim). Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Sétimo Selo, 2009.
  • 38. Perspectiva, aliás, de um grande livro sobre o filósofo: LLINARÈS, Armand. Ramon Llull. Barcelona: Edicions 62, 1987.
  • 39. Agradeço ao Prof. Vinicius Muline por sua leitura crítica e sugestões a este trabalho.

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Palavras-chave: Ecumenismo, Diálogo, Ramon Llull.